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Da escravidão à liberdade: a imagem de Anastácia entre arte contemporânea, política e religião

From slavery to freedom: the image of Anastácia between contemporary art, politics and religion

Resumo

O artigo recupera a trama histórica e as controvérsias em torno da imagem de Anastácia, acompanhando sua passagem e transformação entre registros históricos: de memória da escravidão, mágico-religiosos, políticos e de consciência racial, até chegar em um caso exemplar da arte contemporânea brasileira, com o trabalho do artista negro LGBTQIA+ carioca Yhuri Cruz. Tema de interesse de outros pesquisadores ao longo das últimas décadas, as reproduções e apropriações da imagem de Anastácia são analisadas para explorar a intersecção entre arte e política, em um movimento de análise que culmina em ações artísticas de contramemória e de “fabulação crítica”, viabilizando a conversão da “Escrava Anastácia” em “Anastácia Livre”.

Palavras-chave:
afro-brasileiro; religião popular; Yhuri Cruz; Anastácia Livre

Abstract

This article recovers the historical plot and controversies surrounding the image of Anastácia to follow its transition between and its transformation into different historical records: memory of slavery, magical-religious ones, political records and of racial consciousness, to then focusing on an exemplary case of contemporary Brazilian art - the work of black LGBTQIA+ artist Yhuri Cruz, from Rio de Janeiro. A topic of interest to other researchers over the last decades, the reproductions and appropriations of Anastácia’s image are analyzed here to explore the intersections between art and politics, through an analytical movement that culminates in artistic actions of counter-memory and “critical fabulation”, which produce the conversion of “Slave Anastácia” into “Free Anastácia”.

Keywords:
Afro-Brazilian; popular religion; Yhuri Cruz; Anastácia Livre

O que é necessário para imaginar um estado livre ou para contar uma história impossível? (Hartman, 2020HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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, p. 26)

Introdução

Em 2022, uma versão do retrato de Anastácia, tradicionalmente conhecida como Escrava Anastácia, alcançou repercussão em escala inédita no país. A obra Anastácia Livre, do artista visual carioca Yhuri Cruz (nascido em 1991), ultrapassou os circuitos da arte contemporânea ao ser reproduzida como estampa da camiseta utilizada pela artista multimídia Linn da Quebrada em sua inserção, como competidora, no programa televisivo de maior audiência no país, o Big Brother Brasil. O rosto de Anastácia foi exibido sobre o corpo de uma “bixa-travesty”, conforme a própria artista se identifica, para um público de cerca de 17,5 milhões de telespectadores.1 1 A estimativa considera os números publicizados em sites especializados à época, indicando que no dia 20 de janeiro de 2022, o BBB alcançou cerca de 24,7 pontos no ibope, cada ponto equivalendo a 713.821 indivíduos, segundo dados da agência especializada Kantar Ibope Media. Para mais informações, cf. Kantar… (2022) e Confira… (2022). Cifra considerável para a exposição de qualquer imagem e, ainda mais, para um retrato polissêmico, com uma história marcada por controvérsias.

O evento midiático serviu de plataforma para a divulgação da poética do artista que se apropriou criativamente de uma imagem complexa, cujas raízes estão conectadas ao passado da escravidão negra no Brasil e Américas. Historicamente, o retrato da Escrava Anastácia assumiu uma presença contraintuitiva, senão ambivalente: mesmo apresentando instrumentos de desumanização de pessoas negras, ela se converteu em símbolo de resistência e imagem de devoção popular. Imagem simultaneamente religiosa, política e histórica, que circula há décadas em mídias e plataformas variadas, ela adquiriu uma nova camada de sentido e potência ao ser recriada no campo da arte contemporânea, em sintonia com uma vertente da arte socialmente engajada em pautas antirracistas e decoloniais.

Neste artigo, recuperarei o trajeto de conformação da iconografia de Escrava Anastácia até os desdobramentos de sua conversão em Anastácia Livre. O argumento central perpassa uma trama que conjuga apropriação criativa, consagrações contestadas, disputas de representação política e ataques iconoclastas até chegar às ações de arte contemporânea. No primeiro movimento de análise, baseio-me em dados secundários, da literatura dedicada à santa afro-brasileira, sua imagem e devoção, para compreender os procedimentos de apropriação e ressignificação que excedem os experimentos da arte contemporânea, mas que encontram neles reverberações sensíveis. Na sequência, um segundo movimento de análise observa a presença dos elementos idiossincráticos de Escrava Anastácia em ações de artistas brasileiros contemporâneos. Situo a produção estética de Yhuri Cruz, artista negro LGBTQIA+, nascido na zona norte do Rio de Janeiro, com base em referenciais teóricos presentes, de maneira latente ou explícita, nos trabalhos do próprio artista, bem como na literatura contemporânea que aborda projetos participativos, críticos e de artivismo (Raposo, 2015RAPOSO, P. Artivismo: articulando dissidências, criando insurgências. Cadernos de Arte e Antropologia, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 3-12, 2015.; Sansi, 2015SANSI, R. Art, anthropology and the gift. London: Bloomsbury, 2015.; Sholette, 2022SHOLETTE, G. The art of activism and the activism of art. London: Lund Humphries Publishers, 2022.). Junto a esses referenciais, incluo na análise dados primários, resultantes de incursão de campo em exposições, galerias e performances do artista, com especial atenção aos processos de troca estabelecidos entre ele e seu público, tendo Anastácia como eixo.

Em seu conjunto, o artigo avança sobre dimensões ora paralelas, ora sobrepostas dos processos estéticos e históricos conjugados nas ações de contramemória.2 2 Por contramemória refiro-me à qualidade não exclusiva das ações que se reportam de maneira reflexiva e crítica aos modos oficiais de representação da história e do passado de certas coletividades e indivíduos, seja para transgredir seus cânones e assimetrias de poder implícitas, seja para dar luz a histórias e memórias outras, como as de minorias costumeiramente obliteradas. Trata-se de uma ideia em chave próxima do que alude Walter Benjamin (1987) em suas teses sobre o conceito de História. De maneira geral, a arte contemporânea é abordada como um dos modos de enquadramento do retrato de Anastácia, observando em que medida os fins religiosos e políticos anteriormente estabelecidos em relação à imagem-santa são revertidos, subvertidos ou potencializados na “fabulação crítica” (Hartman, 2020HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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) do artista, que se filia a uma vertente interessada na potencialidade de reconfigurar a colonização do passado e afrofabular novos futuros.

A imagem entre mito e história

A variação dos modos de enquadramento de (Escrava) Anastácia e sua imagem insólita tem sido observada desde os anos 1980, quando autores brasileiros e estrangeiros passaram a se dedicar com mais afinco ao tema, sobretudo em perspectiva antropológica e histórica.3 3 Em um levantamento bibliográfico realizado ao longo de 2022, encontrei cerca de 20 referências publicadas entre 1985 e 2021, incluindo artigos e estudos monográficos dedicados especificamente à Escrava Anastácia e sua conjugação aos campos da política, da religião popular e da memória negra. Entre os de maior destaque e em diálogo com o objeto de interesse desta análise, cito Burdick (1998, 1999), Handler e Hayes (2009), Augras (2009), Paiva (2009) e Johnson (2021). Nesses trabalhos, assim como na recente publicação da Enciclopédia negra: biografias afro-brasileiras, Anastácia costuma figurar na intersecção entre personalidades históricas e mágico-espirituais, como figura “que circula entre o mito, a memória e a realidade” (Gomes; Lauriano; Schwarcz, 2021GOMES, F. dos S.; LAURIANO, J.; SCHWARCZ, L. M. Enciclopédia negra: biografias afro-brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2021., p. 50). A ela são atribuídas várias biografias possíveis, como diferentes versões de um mesmo mito:

Sem história oficial, alguns dizem que Anastácia era filha de uma família real Kimbundo, nascida em Angola, sequestrada e levada para Bahia e escravizada por uma família portuguesa. […] Outros alegam que ela teria sido uma princesa Nagô/Iorubá antes de ter sido capturada por europeus traficantes de pessoas e trazida ao Brasil na condição de escravizada. Enquanto outros ainda contam que a Bahia foi seu local de nascimento. Seu nome africano é desconhecido. Anastácia foi o nome dado a ela durante a escravização. (Kilomba, 2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 35).

A pluralidade de versões biográficas de Anastácia repercute um princípio hagiográfico comum a outros “santos” de devoção popular, oficiais e não oficiais, dentro e fora do país (Augras, 2009AUGRAS, M. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009.; Johnson, 2021JOHNSON, P. C. Formas e temperamentos da “Escrava Anastácia”, santa afro-brasileira. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 261-324, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8136.120706 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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; Kofes, 2015KOFES, M. S. Roots and routes: the biographical meshwork of Saint Josephine Bakhita. Auto/Biography Studies, [s. l.], v. 30, n. 1, p. 53-66, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1080/08989575.2015.1044739 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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). Cada versão favorece um dos enquadramentos possíveis de sua trajetória de vida/morte e os sentidos projetados à sua imagem. Parte da literatura dedicada à personagem e seu culto os considerou na posição de um “lugar social de alta concentração simbólica, onde as ideias, sentimentos e ansiedades sociais, que normalmente permanecem vagos e ambíguos, se reúnem de uma maneira densa, tangível, imediata” (Burdick, 1999BURDIK, J. Tortura e redenção. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 55-64, 1999., p. 56).

Em um estudo de referência sobre a devoção à Escrava Anastácia, Burdick (1998BURDICK, J. Blessed Anastácia: women, race, and popular Christianity in Brazil. New York: Routledge, 1998., 1999BURDIK, J. Tortura e redenção. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 55-64, 1999.) a observou como imagem-síntese das contradições culturais vinculadas ao legado do racismo na história do país. O destaque conferido à imagem foi decodificado, analiticamente, como sintoma de questões latentes e não resolvidas na experiência social brasileira, como o racismo e o machismo, simultaneamente vividos e negados. Segundo Burdick, a ascensão do culto à Escrava Anastácia no final do século XX sinalizaria que as feridas da escravidão se fariam sentir muito após a Abolição. Assim, analisar sua imagem seria uma estratégia para enxergar algo além dela mesma. Seu retrato devocional observado “como se fosse uma janela, ou lente, ou radiografia, ou espelho, ou, se quiserem, um buraquinho na parede através do qual é possível vislumbrar as ansiedades sociais mais profundas desse país” (Burdick, 1999BURDIK, J. Tortura e redenção. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 55-64, 1999., p. 56).

É importante lembrar que a pesquisa de Burdick, entre outros, foi estimulada pelo crescimento da visibilidade pública alcançada pela santa e pelas reproduções de sua imagem. Embora a invocação religiosa de Anastácia, entre outros espíritos de “escravos”, ocorresse há mais de um século, no catolicismo popular e sincrético, inserindo-a em uma rede de santos oficiais e não oficiais, a reprodução massiva de sua imagem cativa tem uma história mais recente. O retrato de uma mulher negra tendo como marca distintiva uma máscara de ferro cobrindo a boca e um colar de ferro no pescoço4 4 A máscara de flandres, como era conhecida desde o período colonial, tinha diferentes formatos e finalidades, mas, em geral, sua imposição sobre os corpos negros se fazia como punição, fosse pelo que se considerava excesso no consumo de álcool e alimentos ou para evitar a geofagia, isto é, o consumo intencional de terra como via de suicídio do sujeito escravizado. passou a ser identificada como a persona de Anastácia no bojo de práticas devocionais mantidas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos,5 5 Edificação católica fundada no início do século XVIII pela irmandade homônima e que, nos séculos posteriores, foi palco de importantes ações de combate à escravidão e o racismo no país. no Centro do Rio de Janeiro.

Assim como a biografia de Anastácia, a história do estabelecimento de sua imagem devocional é permeada de incompletudes e narrativas sobrepostas, sem uma versão única e oficial. Uma das hipóteses repercutidas pela bibliografia especializada, em relação ao “nascimento” da imagem de Escrava Anastácia, assinala sua posição intersticial, não só entre mito e história, mas em relação ao espaço físico no interior da igreja do Rosário e São Benedito, acima mencionada. Embora aclamada pela devoção popular, tratava-se de uma “santa” não reconhecida pela Igreja Católica e, por isso, suas efígies e pinturas não poderiam ocupar lugares de destaque no espaço oficial dos ritos habituais. Ao invés dos altares, onde se encontram efígies de santos negros e brancos canonizados, as réplicas de Anastácia apareceram nas exposições mantidas no entorno da nave central, fora dela. Em especial, no Museu do Negro, situado no mesmo conjunto arquitetônico da igreja.

O museu, que narra o passado escravocrata e o protagonismo negro em seu combate, abriga as imagens de Escrava Anastácia que são ali descritas em perspectiva histórica - como uma forma de apartá-la das imagens devocionais do perímetro religioso.6 6 O artifício de separação do espaço museal (histórico) com o religioso (ritual) não se mantém, contudo, de forma perene ou espontânea entre as pessoas que circulam por tais espaços. Paiva (2009) demonstrou que as práticas religiosas - católicas e afro-brasileiras - ocorrem fora dos contornos previstos. Além disso, a proximidade do “santuário onde vive Anastácia” com a exposição histórica sobre o tempo da escravidão demanda “um trabalho diário de curadoria: a equipe [do Museu] tem o cuidado de retirar oferendas em dinheiro, flores e bilhetes e depositá-las no velário, no andar de baixo, onde a exibição material de Anastácia se dá exclusivamente para fins de ritual, e não pedagógicos” (Johnson, 2021, p. 296). Desde o final dos anos 1960, após um grande incêndio que destruiu a maior parte do acervo patrimonial e arquitetônico da igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, o museu reconta a memória da escravidão de maneira a articular a imagem da Escrava Anastácia com a de Zumbi (1655-1695), identificado naquele espaço como “líder negro da heroica resistência do Quilombo de Palmares” (Paiva, 2009PAIVA, A. L. S. de. Os fios do trançado: um estudo antropológico sobre as práticas e as representações religiosas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos no Rio de Janeiro. 2009. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Antropologia Cultural) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009., p. 150). Junto a quadros de ambos, entre outras figuras observadas como precursores da luta pela liberdade e fim da escravidão, o museu exibe objetos de tortura (em ferro), reproduções de gravuras de Johann Moritz Rugendas (1802-1858), ex-votos, além de gravuras de membros da família imperial, com destaque para a Princesa Isabel.

Ainda nos anos 1960, o diretor da instituição, Yolando Guerra, teria buscado imagens para ilustrar o passado escravista brasileiro e, nesse intuito, encontrou uma gravura (Figura 1, à esquerda) publicada originalmente em 1839, no diário de viagem Souvenirs d’un aveugle: voyage autour du monde (Arago, 1868ARAGO, J. E. V. Souvenirs d’un aveugle: voyage autour du monde, ouvrage enrichi de soixante dessins et de notes scientiiques. Paris: Lebrun, 1868.), do jovem desenhista e escritor francês Jacques Étienne Victor Arago (1790-1854), que realizou duas incursões pelo Brasil, entre 1818-1817 e 1820, descrevendo cenas e personagens vinculados ou não à escravidão. Na publicação, a legenda da gravura se refere a “punição de escravos”, sem fazer menção a uma mulher ou pessoa específica. Mais de 150 anos depois de sua criação, o desenho foi integrado ao projeto expositivo do Museu do Negro que associou a imagem a outros rostos negros, de figuras anônimas e personalidades como Zumbi dos Palmares.7 7 De acordo com Handler e Hayes (2009, p. 42, tradução minha): “Embora o uso da ilustração de Arago no Brasil seja incomum, ela não é excepcional. Versões da ilustração de Arago foram publicadas ou reimpressas em livros modernos e aparecem em sites atuais que tratam da escravidão atlântica, onde geralmente são empregadas para ilustrar a brutalidade do regime escravista.” No original: “While the use of Arago’s illustration in Brazil is unusual, it is not exceptional. Versions of the Arago illustration have been published or reprinted in modern books and appear on current websites that deal with Atlantic slavery, where they are generally employed to illustrate the brutality of the slave regime.” A gênese do “nascimento gráfico” da Escrava Anastácia se baseia em um desenho do século XIX que foi pessoalizado e feminilizado (Figura 1, à direita). A devoção popular tomou de empréstimo uma obra de arte (Sansi, 2007SANSI, R. Fetishes and monuments: Afro-Brazilian art and culture in the twentieth century. New York: Berghahn Books, 2007., p. 36) exposta como imagem histórica.

A apropriação devocional da gravura produziu, por sua vez, um deslocamento do sentido habitualmente vinculado aos instrumentos de tortura escravagista. Máscara e colar de ferro operam como um sinal positivo na conformação da narrativa sobre o seu martírio, como uma “representação concreta do elemento que permitirá atribuir a Anastácia as características da santidade” (Augras, 2009AUGRAS, M. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009., p. 92). Sob tal enquadramento, as hagiografias da santa destacam sua identidade sexual e racial, de mulher negra escravizada que se tornou objeto de desejo e tirania do senhor branco. A resistência e a violência a “purificam”, nos informa a oração impressa na face oposta ao seu retrato nos santinhos devocionais.8 8 Compósito gráfico impresso, contendo seu retrato (imagem) em das faces do papel e uma oração (texto) no verso. Em síntese, a Escrava Anastácia se santificou em diálogo com o imaginário católico, embora negada pela hierarquia eclesial, por conta do extremo sofrimento infligido sobre ela, mimetizando um princípio comum a outras(os) mártires cultuados no cristianismo e que se espraiam em religiões afro-brasileiras, como na umbanda, onde Anastácia é cultuada junto às almas e os pretos-velhos, todos celebrados nos dias 12 e 13 de maio.

Figura 1
Quadros expostos no Museu do Negro e em seu entorno. Esquerda: reprodução da gravura de Arago, com legenda “Châtiment des Esclaves (Brésil)”. Direita: a imagem identificada como Escrava Anastácia, com inscrição gráfica de uma prece e escritos devocionais feitos à mão.

Outro fator central para o crescimento da devoção e visibilidade pública da imagem foi a convergência temporal com a efeméride do centenário da Abolição, em 1988, quando houve uma mobilização de muitas frentes tematizando a questão racial no país, uma tendência alimentada também pelo contexto de reabertura democrática após décadas de ditadura civil-militar. O clima político e cultural da época foi retratado no cinema nacional, com Ôrí (1989)ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. Narração de Beatriz Nascimento. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color., de Raquel Gerber, e O fio da memória (1991)O FIO da memória. Direção de Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: Cinefilmes: Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro, 1991. (120min), color., de Eduardo Coutinho. O documentário de Coutinho retrata expressões estéticas e rituais do candomblé, da umbanda e do carnaval para abordar as relações raciais no país. Em sua montagem, O fio da memória inclui a repercussão em torno de Escrava Anastácia, descrita como “objeto de um culto popular sem paralelo no Brasil contemporâneo” (O fio…, 1991O FIO da memória. Direção de Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: Cinefilmes: Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro, 1991. (120min), color.).

Eduardo Coutinho havia sido, em 1985, um dos criadores do departamento de vídeo do Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser), no Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, o Iser se tornou um dos pontos de convergência entre antropólogos e documentaristas interessados nas histórias em torno de Anastácia. Entre eles, estava Joatan Vilela Berbel, diretor de Anastácia, escrava e santa (1987)ANASTÁCIA, escrava e santa. Direção de Joatan Vilela Berbel. Rio de Janeiro: Iser, 1987. (30min), color., documentário produzido pelo Iser Vídeo e integrado ao acervo da Associação Brasileira de Vídeo Popular (ABVP), que retrata as várias dimensões e controvérsias implicadas em seu culto e memória. Além de acompanhar rituais católicos, umbandistas, candomblecistas em diferentes espaços urbanos, cada qual com sua versão de Anastácia, o documentário apresenta o depoimento do fotógrafo e então presidente do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras, Januário Garcia. A respeito do 13 de maio, Garcia argumenta que a efeméride do centenário de 1888 não rememora a abolição negra, mas “representa o momento em que as classes dominantes conseguiram se desvencilhar dos escravos” (Anastácia…, 1987ANASTÁCIA, escrava e santa. Direção de Joatan Vilela Berbel. Rio de Janeiro: Iser, 1987. (30min), color.), abolindo legalmente qualquer responsabilidade de reparação àqueles que foram escravizados. No tocante à santa afro-brasileira, Garcia propunha uma operação de deslocamento simbólico. A (Santa) Anastácia interessaria se transformada em símbolo da resistência negra:

Eu vejo Anastácia como símbolo de resistência, como símbolo daquela que chegou e que foi necessário amordaçá-la para não falar, é um símbolo muito grande que a gente tem. Evidentemente, se o movimento negro começasse a entender o significado desse símbolo, eu acho que Anastácia seria muito mais do que o mito que ela é. […] Imagine o que seria uma passeata com mais de 2, 4, 5 mil negros com essa mordaça na boca e ao mesmo tempo um caminhão gritando palavras de ordem, mostrando como a sociedade, como a classe dominante, como o Estado sempre amordaçou o negro […] Se a gente fizer uma análise, dentro de uma conjuntura, da visão negra de uma problemática negra, a gente vai ver que o que carece à nossa luta são símbolos. Símbolos que reúnem a luta e o místico.9 9 Transcrito a partir de Anastácia… (1987).

Reprodução, censura e iconoclastia

Embora não haja notícia que uma performance tal como sugerido por Januário Garcia tenha ocorrido, é certo que a efervescência das reflexões sobre a negritude no país foram acompanhadas por ações políticas e artísticas de grandes dimensões, incluindo aí os rituais festivos capazes de reunir milhares de pessoas, em êxtase, na avenida. Em 1988, poucos meses antes da efeméride do centenário da Abolição, o desfile de carnaval da escola de samba Unidos de Vila Isabel conquistou o primeiro lugar da premiação do grupo especial do Rio de Janeiro, com o enredo Kizomba, a festa da raça. Anastácia foi integrada à letra do samba entoado por milhares de pessoas, em coro, durante o desfile: “Ôô, ôô, Nega Mina/ Anastácia não se deixou escravizar/ Ôô, ôô, Clementina/ O pagode é o partido popular.”10 10 Composição de Jonas Rodrigues, Rodolpho de Souza e Luiz Carlos da Vila (Kizomba…, [2022]).

Nota-se, desde então, como a personagem foi observada desde pontos de vista distintos: ora por sua condição de mártir escravizada, cujo sofrimento é um traço distintivo de seu enquadramento religioso; ora como um símbolo histórico e de resistência, mesmo que silenciosa, à violência escravagista, sob um enquadramento que a aproxima da história da diáspora africana. Seja pela perspectiva religiosa ou política, o retrato da Escrava Anastácia adquiriu um sentido positivo de exemplaridade.

A consolidação de sua iconografia como um símbolo polissêmico foi acompanhada, contudo, pela manifestação de agentes críticos à sua consagração cultural. Uma primeira frente de questionamento enfocou a popularidade de Escrava Anastácia como poderosa mediadora espiritual e santa milagrosa. Desde os anos 1980, seu culto foi objeto de perseguição pública eclesial,11 11 Para a descrição histórica do contexto, sigo as pesquisas de Souza (2001), Augras (2009), Paiva (2014) e Johnson (2021). quando os agentes católicos passaram a se valer da narrativa historiográfica para questionar a existência material da santa, bem como negar que a imagem da devoção popular retratasse efetivamente a sua pessoa - uma personagem sem registro histórico, produto da imaginação popular, descreditavam.

Para a hierarquia católica, a apropriação devocional que se valeu do desenho feito em 1839 por Jacques Arago seria uma invenção cultural, em sentido negativo. A pesquisa historiográfica feita por agentes religiosos serviu para gerar um atestado do caráter artificial da devoção à (falsa) santa. Ainda em 1987, representantes da arquidiocese do Rio de Janeiro publicam textos em meios de ampla circulação na cidade, como o Jornal do Brasil, e, conforme informa Souza (2001SOUZA, M. D. de. Escrava Anastácia: construção de um símbolo e a re-construção da memória e identidade dos membros da Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2001. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001., p. 96), promovem uma campanha religiosa anti-Anastácia que conclui que “ela nunca existiu”. A partir dessa época, a Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos foi proibida de celebrar missas em homenagem à Escrava Anastácia, e o Museu do Negro ficou fechado durante o ano de 1988. Além de proibir as missas, a cúria ordenou que os sacerdotes do Rio de Janeiro censurassem atividades e artefatos relacionados “à (fictícia) ‘Escrava Anastácia’”, incluindo “a proibição de vendas, distribuição, uso e exposição de orações, ex-votos, imagens, medalhas e outros objetos de culto” (apudSouza, 2001SOUZA, M. D. de. Escrava Anastácia: construção de um símbolo e a re-construção da memória e identidade dos membros da Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2001. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001., p. 97).

A tentativa de controle católico produziu, no entanto, uma espécie de efeito reverso. O esforço eclesial gerou interesse midiático na devoção subalternizada, ao mesmo tempo que incentivou a expansão e africanização de Anastácia, acentuando sua hagiografia não cristã. A contenda pública estimulou a produção de programas de rádio, reportagens em veículos impressos de grande circulação, como a revista Veja, e uma minissérie exibida em rede nacional pela TV Manchete - ampliando consideravelmente o número e extensão das pessoas que passavam a tomar contato com as histórias de Anastácia (Augras, 2009AUGRAS, M. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009.; Burdick, 1998BURDICK, J. Blessed Anastácia: women, race, and popular Christianity in Brazil. New York: Routledge, 1998.; Souza, 2001SOUZA, M. D. de. Escrava Anastácia: construção de um símbolo e a re-construção da memória e identidade dos membros da Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2001. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001.).

A grande visibilidade alcançada pelo retrato de Escrava Anastácia foi acompanhada por um segundo movimento crítico questionando a sua qualidade de símbolo político afro-brasileiro. Para algumas linhagens do movimento negro, a Escrava Anastácia se converteu em uma “santa non grata” (Johnson, 2021JOHNSON, P. C. Formas e temperamentos da “Escrava Anastácia”, santa afro-brasileira. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 261-324, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8136.120706 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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, p. 277) porque reproduz a imagem estigmatizada de um indivíduo negro sob os instrumentos de tortura escravagista e, complementarmente, porque seu culto convergia com uma narrativa histórica que abre espaço à consagração de figuras brancas no processo da Abolição. Por esse motivo, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, onde se formalizou o culto a Anastácia, passou a ser vista como uma “aliada incômoda” (Souza, 2001SOUZA, M. D. de. Escrava Anastácia: construção de um símbolo e a re-construção da memória e identidade dos membros da Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2001. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001., p. 63). Embora a irmandade agremiasse figuras de referência no movimento negro da época, como Lélia Gonzales e Joel Rufino dos Santos, ela comportava também os que cultuam a memória da Princesa Isabel (Paiva, 2009PAIVA, A. L. S. de. Os fios do trançado: um estudo antropológico sobre as práticas e as representações religiosas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos no Rio de Janeiro. 2009. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Antropologia Cultural) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). A desconfiança em torno do culto religioso ou político-cultural a Escrava Anastácia projetou sobre ela uma condição de dupla marginalidade, questionada nos dois enquadramentos, político e religioso. Embora reproduzida continuamente, muitos a viam com maus olhos.

Após a censura ocorrida em sua igreja “de nascimento”, no Centro do Rio, houve uma dispersão dos rituais em sua homenagem para outras partes da região metropolitana. Proibida em um templo, Anastácia reapareceu em outros, sob a forma de pinturas murais e efígies. Ela ganhou novos espaços de culto, articulando católicos e umbandistas (Augras, 2009AUGRAS, M. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009.; Johnson, 2021JOHNSON, P. C. Formas e temperamentos da “Escrava Anastácia”, santa afro-brasileira. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 261-324, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8136.120706 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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; Paiva, 2009PAIVA, A. L. S. de. Os fios do trançado: um estudo antropológico sobre as práticas e as representações religiosas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos no Rio de Janeiro. 2009. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Antropologia Cultural) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.; Souza, 2001SOUZA, M. D. de. Escrava Anastácia: construção de um símbolo e a re-construção da memória e identidade dos membros da Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2001. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001.). Pequenos altares urbanos foram construídos em favelas e comunidades cariocas, nos quais a imagem da santa abençoava o espaço e aqueles cujas orações eram depositadas junto a ela.

A disseminação da imagem da Escrava Anastácia ofereceu um termômetro cultural das práticas religiosas e urbanas de uma época. Acompanhando o crescimento evangélico nas periferias cariocas entre os anos 1980 e 2000, Vital da Cunha (2014)CUNHA, C. V. da. Religião e criminalidade: traficantes e evangélicos entre os anos 1980 e 2000 nas favelas cariocas. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 34, n. 1, p. 61-93, 2014. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-85872014000100004 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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observou que a devoção a Anastácia, entre outras entidades afro-católicas, foi sendo substituída por emblemas de uma estética evangélica no espaço urbano. Pinturas murais, grafites e altares em ruas foram substituídos por textos e símbolos bíblicos, por vezes com o apoio de traficantes evangélicos. Alguns ataques à imagem progrediram para a iconoclastia realizada em contexto de expressiva presença evangélica nos subúrbios e periferias do Rio de Janeiro e além.

Mais recentemente, as modalidades de sua contestação chegaram ao patamar de desfiguração literal da imagem. A verve iconoclasta feriu uma representação de Escrava Anastácia que fica na base de um cruzeiro situado em frente a um templo dedicado à santa e a Cosme e Damião, na zona norte carioca. Braz (2019BRAZ, L. de S. Antes que o mal cresça, cortem a cabeça: signo, rupturas e disputas no espaço (sub) urbano. 2019. Monografia (Especialização em Sociologia Urbana) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.) e Mathias e Baltar (2020)MATHIAS, R. F.; BALTAR, L. Rever e reescrever a cidade do Rio de Janeiro: uma construção de apagamentos e uma reconstrução de resistências. Desvio, Rio de Janeiro, ano 5, n. 3, p. 14-36, 2020. retrataram a meticulosa ação (Figura 2). Um ataque iconoclasta que destruiu apenas a face e as flores nos azulejos, eliminando o elemento central de sua identidade pública e índice de santidade. A obra, que servia de mediadora e réplica que daria acesso ao protótipo divino de Escrava Anastácia, em frente a um de seus espaços de culto, foi substituída por um vazio significativo. O ataque revela uma força negativa que deve ser considerada nos processos de reprodução e atualização de sua relevância cultural.

O gesto iconoclasta confirma a sacralidade da imagem, ainda que por meio de sua transgressão (Taussig, 1999TAUSSIG, M. Defacement: public secrecy and the labor of the negative. Stanford: Stanford University Press, 1999.; Pereira; Oliveira, 2022PEREIRA, E.; OLIVEIRA, P. L. de. Rosto, retrato e ambiguidade do sagrado. Campos: revista de antropologia, Curitiba, v. 23, n. 2, p. 187-202, jul./dez. 2022. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.5380/cra.v23i2.84044 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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). No entroncamento entre aparência e formas de agência (mística), nota-se que o retrato de Anastácia permite atualizar debates consagrados nas ciências sociais. Desde “A significação estética do rosto”, publicado em 1901 por Simmel (2020)SIMMEL, G. Essays on art and aesthetics. Edited by A. Harrington. Chicago: The University of Chicago Press, 2020., sabe-se que o rosto é um meio de produção de vínculos por excelência e, por isso mesmo, ocupa uma posição central em processos de consagração e de profanação das pessoas retratadas.

Figura 2
Retrato de Anastácia vandalizado, no bairro de Olaria.

Anastácia na arte contemporânea

As imagens da Escrava Anastácia foram reproduzidas em muitas mídias e enquadramentos: na tradicional forma de santinhos, fabricados aos milhares e disseminados silenciosamente entre seus fiéis, em pinturas, esculturas, santuários urbanos, estampas em roupas populares e desfiles de alta moda,12 12 Johnson (2021) descreve uma controvérsia internacional englobando a apropriação comercial (branca) da imagem de Escrava Anastácia na alta moda. encenações dramáticas e musicais,13 13 Criada nos anos 1990, a banda soteropolitana de percussão Didá, composta apenas por mulheres, fazia performances musicais usando a máscara de Anastácia. Em momento mais recente, o emblema não parece ser corrente em suas apresentações, mas a imagem de Escrava Anastácia acompanha a divulgação de seus eventos, como comprova seu perfil no Instagram (Didá, 2014). na televisão, na internet, etc. Anastácia foi transformada em tema de um espetáculo de dança nos Estados Unidos (Samuels, 2000SAMUELS, S. Dance; both a slave and a saint, she lives on. New York Times, New York, May 21, 2000. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2000/05/21/arts/dance-both-a-slave-and-a-saint-she-lives-on.html . Acesso em: 10 nov. 2022.
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) e, mais recentemente, foi representada pela rainha de bateria da Mangueira, no ensaio técnico do desfile da escola, em 2019, ano em que alcançou o primeiro lugar na competição.14 14 O enredo mangueirense História para ninar gente grande, 2019, propunha uma revisitação crítica do passado brasileiro, valorizando o papel de grupos subalternizados no processo histórico nacional (Menezes; Pereira, 2021).

O simbolismo de Anastácia está presente na arte contemporânea brasileira e nas obras de artistas brasileiros na diáspora, cujos trabalhos exprimem uma vertente crítica da história colonial, suas violências e silenciamentos. Em geral, esses trabalhos se exprimem como modalidades de uma arte socialmente engajada ou de “artivismo” (Raposo, 2015RAPOSO, P. Artivismo: articulando dissidências, criando insurgências. Cadernos de Arte e Antropologia, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 3-12, 2015.; Sansi, 2015SANSI, R. Art, anthropology and the gift. London: Bloomsbury, 2015.; Sholette, 2022SHOLETTE, G. The art of activism and the activism of art. London: Lund Humphries Publishers, 2022.), uma noção de difícil definição por englobar uma miríade de processos que, em alguma medida, compartilham a ênfase nas formas de participação e reflexão crítica compartilhadas entre artistas e seus públicos-interlocutores, visando produzir efeitos de resistência e subversão para além da arte. No campo da performance, por exemplo, a máscara de silenciamento da Escrava Anastácia reaparece sobre as faces das artistas Musa Michelle Mattiuzzi15 15 Experimentando o vermelho em dilúvio, de 2016, e Merci beaucoup, blanco!, de 2017. e Priscila Rezende,16 16 Vem pra ser infeliz…, de 2017. em ações que tomam os rostos e corpos negros das artistas como vias de expressão artística e de manifestação política.

Em consonância com as vertentes contemporâneas da arte socialmente engajada, reproduções da gravura “tortura de escravos” de Jacques Arago foram integradas ao acervo do Museu Afro-Brasil e à exposição Histórias afro-atlânticas, ocorrida em São Paulo, em 2018.17 17 A exposição foi realizada no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e no Instituto Tomie Ohtake. Nessa coletiva, o desenho oitocentista foi agrupado ao núcleo temático das “imagens da escravidão e lutas por emancipações e liberdades” (Pedrosa; Toledo, 2018PEDROSA, A.; TOLEDO, T. (org.). Histórias afro-atlânticas: vol. 1: catálogo de exposição. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake: Museu de Arte de São Paulo, 2018., p. 52), próximo de obras de seu tempo, como as pinturas de Debret,18 18 Máscara que se usa nos negros que têm o hábito de comer terra, circa 1820-1830. e trabalhos de artistas atuais de grande repercussão, como Rosana Paulino19 19 Obra sem título, da série Bastidores, de 1997. Depois dessa série, a artista produz Autorretrato para comedores de terra, de 1999. e Paulo Nazareth.20 20 Obra sem título, da série Para venda, de 2011.

Entre as ações artísticas de destaque relacionadas a Anastácia, nos últimos anos, estão as obras de Yhuri Cruz, que se apropria da iconografia religiosa para gerar um interessante deslocamento em sua representação e enquadramento. Um traço que singulariza o trabalho de Yhuri Cruz, em relação a outros artistas, é o reforço da faceta mística da imagem. Segundo ele próprio, sua conexão com a santa afro-brasileira antecede, em muito, a sua atuação profissional, retrocedendo até um tempo anterior ao seu nascimento na zona norte do Rio de Janeiro, em 1991, quando a visibilidade alcançada pela Escrava Anastácia se expandia sensivelmente.

Sua mãe, Valéria Cruz, é umbandista e conta que a gravidez do filho seguia de forma conturbada. Numa noite, durante a gestação, ela sonhou com Iansã lhe aconselhando: “Entrega esse menino para Anastácia!”21 21 Esta e as demais citações a seguir foram transcritas das falas do artista e de sua mãe presentes no vídeo A pretofagia de Yhuri Cruz, produzido pelo coletivo Cabine, em 2019 (A pretofagia…, 2019). Assim ela o fez, consagrando o filho à santa para garantir o sucesso do parto. Após o nascimento de Yhuri, sua mãe manteve a rotina de interação com a santa, por meio de orações e oferendas, como café coado, disposto em um altar doméstico. Tal como muitos outros devotos, o contato primeiro de Yhuri se deu no seio familiar, no qual a mídia privilegiada de presença da Escrava Anastácia é o santinho impresso. Ao narrar essa parte de sua biografia, o artista emula parte do comportamento devocional que enriquece a hagiografia de seus santos protetores, pois a taumaturgia dos entes divinos os permite agir em prol de seus fiéis antes mesmo que “o próprio devoto tome consciência” de suas necessidades (Menezes, 2004MENEZES, R. de C. Saber pedir: a etiqueta do pedido aos santos. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 46-64, 2004., p. 51). Assim, Escrava Anastácia protegeu o artista antes mesmo de ele nascer.

Além da sociabilização no repertório religioso familiar, a trajetória de Yhuri Cruz inclui uma formação em ciência política, graduando-se pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), com pós-graduação em jornalismo cultural pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Na universidade, o tema da religião integrou seus interesses de reflexão enquanto bolsista de iniciação científica de uma pesquisa voltada ao acompanhamento de manifestações religiosas no Rio de Janeiro.22 22 Projeto orientado por Edlaine de Campos Gomes (Unirio). Entre as atividades dessa época, inclui-se uma incursão etnográfica na Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada anualmente na orla de Copacabana (Gomes; Didier; Cruz da Silva, 2010GOMES, E. C.; DIDIER, H. de S.; CRUZ DA SILVA, Y. Etnografando a Caminhada contra a Intolerância Religiosa. Ponto Urbe, São Paulo, n. 7, 2010. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.4000/pontourbe.1614 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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).

A formação de Yhuri Cruz nos referenciais do campo artístico, por sua vez, deu-se a partir de instituições como a prestigiada Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage. Sua inserção na EAV, contudo, culmina na elaboração de um trabalho que visa repensar a própria escola no que se refere à presença - ou sintomática ausência - de “negrxs que já expuseram como artistas convidados pela escola, negrxs que articularam as curadorias dessas exposições e, por fim, negrxs que estão presentes no corpo pedagógico (leia-se aqui professores oficiais) da instituição” (Cruz, 2018CRUZ, Y. Contrato ético monumento-documento à presença. Yhuri Cruz, [s. l.], 28 dez. 2018. Site do artista. Disponível em: Disponível em: http://yhuricruz.com/2018/12/28/monumento-documento-a-presenca-2018-2019/ . Acesso em: 10 nov. 2022.
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). O projeto artístico incluía um documento impresso com gráficos que quantificam o número de obras, artistas e docentes negres, em relação ao total, de maioria branca. Esta obra foi denominada Monumento-documento à presença e integrada à exposição coletiva Formação e deformação, de 2018.

O projeto final do curso homônimo à mostra incluía um “contrato ético”, no qual o jovem artista propunha à direção da EAV uma série de ações de reparação institucional a serem mantidas no ano seguinte - proposta que não recebe a assinatura dos representantes da escola. Vale atentar que aquele primeiro “monumento” se referia à monumentalidade da ausência negra em um espaço institucional de arte contemporânea. Era uma afirmação de um negativo no seio da instituição de arte para que, após reconhecido, ele pudesse ser transformado. A proposta estética politicamente engajada trata mais de monumentalidade, portanto, do que objetos de proporções grandiosas, isoladamente, como obras que se bastam em si mesmas. Há um deslocamento na forma canônica de pensar o monumental.

Figura 3
Frente e verso do santinho de Anastácia Livre (Cruz, 2019CRUZ, Y. Monumento à voz de Anastácia. Yhuri Cruz, [s. l.], 4 jun. 2019. Site do artista. Disponível em: Disponível em: http://yhuricruz.com/2019/06/04/monumento-a-voz-de-anastacia-2019/ . Acesso em: 10 nov. 2022.
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).

O princípio de monumentalidade se verifica em outros trabalhos de sua autoria, incluindo um que nos interessa diretamente: o Monumento à voz de Anastácia, de 2019. Definida pelo artista como um “afresco-monumento à voz e distribuição de santinhos de Anastácia Livre”, a obra resulta da composição entre uma pintura mural com a palavra VOZ e, junto a ela, um maço de reproduções da imagem de Anastácia no tradicional formato que circula na devoção popular (Figura 3). O artista, porém, intervém no texto e no retrato da santa, modificando sua legenda e retirando os instrumentos de tortura que a martirizavam. Em substituição à máscara, o rosto agora é dotado de um sorriso. Na moldura do pequeno quadro, as rosas, muito presentes em devoções católicas,23 23 Seja no culto mariano, cujas orações da Ave-Maria formam um “rosário”, seja como elemento hagiográfico e metonímico de santos e santas. são trocadas por camélias, flores-símbolos das ações abolicionistas, desde o século XIX.24 24 A camélia, flor de origem japonesa de difícil aclimatação no Brasil, serviu como código visual entre movimentos e quilombos abolicionistas. Cf. Silva ([2022]). A face desnuda é conjugada ao afresco VOZ, que se complementam para alterar o quadro de referência do santinho.

O artista propõe que o público das exposições possa recolher quantas cópias quiser da imagem, mimetizando um gesto comum nos espaços de culto - cada devoto/espectador provendo um sentido e uso pessoal para a réplica adquirida. Seja no espaço religioso ou artístico, seja sob o modelo tradicional da iconografia de Anastácia ou na recriação elaborada por Yhuri Cruz, observa-se que o poder da imagem não se baseia em um efeito de distância e unicidade que fundamentariam a sua “aura”, em termos benjaminianos (Benjamin, 1987BENJAMIN, W. Obras escolhidas: vol. I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.). Ao contrário, a força da forma-imagem dos santinhos reside em sua reprodutibilidade, circulação e proximidade (Menezes, 2011MENEZES, R de C. A imagem sagrada na era da reprodutibilidade técnica: sobre santinhos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 17, n. 36, p. 43-65, 2011.). O projeto do artista, por conseguinte, não se encerra na edição da iconografia, sua impressão e exibição em uma galeria ou museu. O Monumento à voz de Anastácia adquire monumentalidade na medida em que oferece as condições para um encontro entre público e imagem, rompendo com o modelo de contemplação à distância, engajando as pessoas na manipulação dos santinhos, retirando-os até que acabem. Em consonância com a ideia de “arte relacional” (Bourriaud, 2009BOURRIAUD, N. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.), a monumentalidade desse projeto está baseada nas consequências da situação de encontro face a face, proposta pelo artista-mediador, que oferece ao público um novo retrato de Anastácia. Em resposta, o público reage emulando o gesto devocional de apropriação de suas cópias, ampliando seu raio potencial de circulação e presença.

Se algo da faceta mística da imagem de Anastácia é mantido no processo de sua “artificação” (Shapiro; Heinich, 2013SHAPIRO, R,; HEINICH, N. Quando há artificação? Sociedade e Estado, Brasília, v. 28, n. 1, p. 14-28 , 2013.), na passagem do santinho tradicional ao artístico, cabe ressaltar que nem tudo é continuidade. As intervenções gráficas do artista produzem rupturas com o cânone visual, que remete à obra de Arago e sua variação na forma do santinho católico. Em segundo lugar, o deslocamento dos santinhos para museus e galerias de arte opera um deslocamento da moldura psicológica (Bateson, 2000BATESON, G. Uma teoria sobre brincadeira e fantasia. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, n. 5, p. 35-49, 2000.) habitualmente associada à imagem nos locais de culto. Além disso, Anastácia Livre evoca a memória da escravidão sob uma chave não apenas descritiva do passado histórico: a obra projeta uma nova possibilidade de percepção do passado, não mais centrado na dor e resistência de uma mulher negra escravizada, mas na memorialização celebrativa de sua liberdade. É, ainda, uma obra que avança sobre os ecos de outras ações de arte contemporânea engajadas politicamente, algumas das quais sem nenhuma evocação da faceta religiosa de Anastácia.

Se a articulação entre imagem e texto é um dado central nos santinhos, em geral (Menezes, 2011MENEZES, R de C. A imagem sagrada na era da reprodutibilidade técnica: sobre santinhos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 17, n. 36, p. 43-65, 2011.), nota-se que ela adquire uma tônica particular nessa obra. Frente e verso do compósito criado por Yhuri Cruz explicitam a substituição dos marcadores visuais e textuais da condição de mulher escravizada para que se possa declarar “Anastácia Livre”. Enquanto a forma tradicional do santinho homenageia a santa martirizada através da declaração “eras pura, superior, tanto assim que Deus levou-te para as planuras do Céu e deu-te o poder de fazeres curas, graças e milagres mil”, a versão artística suplanta alguns termos mantendo a estrutura da prece original: “Sua luta te tornou superior, conquistaste tua voz, tanto que Deus levou-te para as planuras do Céu e deu-te o poder de fazeres curas, graças e milagres mil a quem luta por dignidade” (Cruz, 2019CRUZ, Y. Monumento à voz de Anastácia. Yhuri Cruz, [s. l.], 4 jun. 2019. Site do artista. Disponível em: Disponível em: http://yhuricruz.com/2019/06/04/monumento-a-voz-de-anastacia-2019/ . Acesso em: 10 nov. 2022.
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).

Monumento à voz de Anastácia evidencia um expediente de recriação narrativa em torno da memória, baseando-se em princípios que acentuam a dimensão política da linguagem. Pois, como enfatiza Grada Kilomba (2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 14), “a língua, por mais poética que possa ser, tem também uma dimensão política de criar, fixar e perpetuar relações de poder e violência, pois cada palavra que usamos define o lugar de uma identidade”. Kilomba parece figurar entre as referências conceituais de relevo para Yhuri Cruz, dado que algumas de suas obras mantêm grande afinidade com a crítica da herança colonial presente na linguagem cotidiana e na que informa o conhecimento. Não por acaso, a iconografia de Anastácia escravizada, derivada do desenho oitocentista de Jacques Arago, é a única imagem escolhida para figurar em seu livro Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano, obra que parte da crítica de “uma história de vozes torturadas, línguas rompidas, idiomas impostos, discursos impedidos e dos muitos lugares que não podíamos entrar, tampouco permanecer para falar com nossas vozes” (Kilomba, 2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 28).

Além da produção teórica, Kilomba incluiu a imagem de Anastácia em sua participação na 32ª Bienal de São Paulo, em 2016. A “instalação de relicário em homenagem à Escrava Anastácia” (Kilomba, 2018KILOMBA, G. Conversa com Grada Kilomba: habitando um espaço de atemporalidade. Entrevista a Theresa Sigmund. C& América Latina, 26 fev. 2018. Disponível em: Disponível em: https://amlatina.contemporaryand.com/pt/editorial/grada-kilomba/ . Acesso em: 10 nov. 2022.
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) foi composta por uma reprodução da imagem (com a máscara) em pequeno formato, colares de conta, uma vela acesa e oferendas no espaço expositivo. O “relicário” foi posicionado junto à entrada da sala onde se projetavam vídeos do Projeto Desejo - com exibição simultânea de textos em três canais. Assim como Cruz, Kilomba (2018)KILOMBA, G. Conversa com Grada Kilomba: habitando um espaço de atemporalidade. Entrevista a Theresa Sigmund. C& América Latina, 26 fev. 2018. Disponível em: Disponível em: https://amlatina.contemporaryand.com/pt/editorial/grada-kilomba/ . Acesso em: 10 nov. 2022.
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afirma que conheceu a iconografia de Anastácia no ambiente familiar, ainda na infância, onde o registro devocional reconta “a história de uma mulher escravizada que foi forçada a ter sua boca cerrada”. O atravessar temporal, da tenra idade à fase adulta da vida dos artistas, parece emular a conexão em outra escala que as imagens de Anastácia projetam entre passado e presente. Segundo Yhuri Cruz (2019)CRUZ, Y. Monumento à voz de Anastácia. Yhuri Cruz, [s. l.], 4 jun. 2019. Site do artista. Disponível em: Disponível em: http://yhuricruz.com/2019/06/04/monumento-a-voz-de-anastacia-2019/ . Acesso em: 10 nov. 2022.
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: “Anastácia Livre é uma viagem no tempo. É voltar ao passado e libertar essa mulher negra escravizada que veio do Congo no século XVIII e foi condenada à mordaça pelo resto da vida por lutar contra um homem branco que a violentou sexualmente.”

Na viagem de transcriação da imagem, o artista intervém na sua faceta religiosa, como comprovado pela sua pesquisa e seleção do “pequeno sorriso-segredo” que compõe a nova face de Anastácia (Figura 4). Yhuri Cruz encontrou o sorriso substitutivo à máscara de tortura no retrato de uma personagem histórica: a santa sudanesa Josefina Bakhita (1869-1947), cujas virtudes foram reconhecidas pelo Vaticano quase na mesma época em que, no Brasil, proibia-se em templos católicos o culto à Escrava Anastácia.25 25 Segundo o site do Vaticano: “O processo para a causa de Canonização iniciou-se em 1959, doze anos após a sua morte. No dia 1° de dezembro de 1978, a Igreja emanava o Decreto sobre a heroicidade das suas virtudes” (Josefina…, [2002]). A canonização ocorreu em 2000.

Apesar de suas diferenças geográficas e temporais, de uma ser consagrada e outra censurada pela hierarquia eclesial, as duas santas negras se aproximam no que diz respeito à pluralidade de biografias formuladas a seu respeito, a hagiografia devocional de ambas se mesclando com narrativas historiográficas. Tal como Anastácia, as histórias sobre Bakhita servem a propósitos concorrentes e correlacionados, ainda que interligados por uma referência comum: o trauma da escravização. Raptada quando criança, a radicalidade da experiência a faz esquecer o próprio nome, sendo apelidada de Bakhita, “afortunada”, pelos seus sequestradores. Após ser comercializada na capital do Sudão, ela passa a trabalhar para a família de um cônsul italiano que a levaria para a Europa, onde, posteriormente, converte-se ao catolicismo e à vida monástica. Cultuada também no Brasil, a hagiografia de santa Bakhita é acompanhada por discursos que a situam como “modelo de catolicismo africano; como uma crítica à escravidão e ao racismo; como uma mediação entre o islamismo e o cristianismo; e como um modelo de sucesso para os povos afrodiaspóricos e afro-brasileiros seguir na luta pela igualdade” (Kofes, 2015KOFES, M. S. Roots and routes: the biographical meshwork of Saint Josephine Bakhita. Auto/Biography Studies, [s. l.], v. 30, n. 1, p. 53-66, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1080/08989575.2015.1044739 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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, p. 54, tradução minha).26 26 No original: “As a model of African Catholicism; as a critique of slavery and racism; as a mediation between Islam and Christianity; and as a successful model for Afro-diasporic and Afro-Brazilian peoples to follow in the struggle for equality.” A colagem artística da boca, de uma face a outra, provê um sorriso à personagem e alarga os sentidos do polissêmico retrato de Anastácia.

Figura 4
Esquerda: reprodução de um santinho de Josefina Bakhita. Direita: Anastácia Livre, de Yhuri Cruz, em versão ampliada, na mostra Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, no IMS, em São Paulo.

Anastácia como Vênus: um rosto para outros corpos

Monumento à voz de Anastácia condensa alguns princípios desdobrados por Yhuri Cruz em obras posteriores, incluindo o projeto Pretofagia: uma exposição-cena (2019), elaborado na conclusão de sua residência artística no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro. Outra vez, a vibração de referências do pensamento negro se faz sentir nas intervenções do artista, como ocorria desde o Monumento-documento à presença, exibido na mostra coletiva na EAV (2018), cujo texto trazia uma passagem de Pele negra, máscaras brancas, de Franz Fanon. Cito um trecho da epígrafe: “Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido nas coisas, minha alma cheia do desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro objeto em meio a outros objetos” (Fanon apudCruz, 2018CRUZ, Y. Contrato ético monumento-documento à presença. Yhuri Cruz, [s. l.], 28 dez. 2018. Site do artista. Disponível em: Disponível em: http://yhuricruz.com/2018/12/28/monumento-documento-a-presenca-2018-2019/ . Acesso em: 10 nov. 2022.
http://yhuricruz.com/2018/12/28/monument...
).

As escolhas e referências conceituais do artista permitem notar que uma dimensão central de seus trabalhos dialoga com uma vazão intelectual fundamentada em “uma fome coletiva de ganhar a voz, escrever e recuperar nossa história escondida” (Kilomba, 2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 27, grifo da autora). Considerando a dimensão política da escrita desde uma perspectiva negra, afrocentrada, Pretofagia apresenta sob a forma de um afresco, pintado nas paredes da exposição, que é também o espaço de suas cenas-performances, a máxima: “Vida, estou comendo você.”27 27 Em conjunto à exposição, foi elaborado o projeto gráfico de Pretofagia: um ensaio-cena em 4 atos, que foi impresso como uma variação dos zines ou jornais dobrados. Quando aberto, cada exemplar chega ao tamanho de 3m de comprimento, com texto em cor clara sobre fundo negro, que reproduz a mesma máxima presente em forma de afresco na exposição. Para mais informações, cf. Incerti (2021).

A imagem desmascarada de Anastácia Livre não acrescenta apenas um sorriso enigmático à figura, resultante de uma contaminação positiva realizada a partir da face de Bakhita, santa sudanesa. O retrato que ganha uma boca parece adquirir também a potencialidade de se fazer ouvir, de detonar um movimento impossível na forma iconográfica tradicional. Instaura um modo subjuntivo de pensamento que permite indagar o que aconteceria se realizássemos o exercício contraintuitivo de “ouvir as imagens”, como sugere Tina Campt (2017)CAMPT, T. Listening to images. New York: Duke University Press, 2017.. Para a autora, a possibilidade de cogitar um efeito auditivo, sonoro, das imagens opera de maneira a desestabilizar a hierarquia que habitualmente caracteriza o regime ótico de conhecimento, sua epistemologia colonial e uma tentativa de superação das metáforas da visão ocidentais. O ganho de experimentar esse modo outro de se relacionar com as imagens, sentindo suas “vibrações”, permitiria lidar diferentemente com os arquivos visuais, como os retratos de identificação de negros, queers e pobres, por vezes mantidos como cativos de uma sujeição fotográfica que os silencia. Campt sublinha o compromisso ético que sustenta o olhar às imagens daqueles que não foram retratados por e para eles mesmos. Para além do escrutínio visual, que recorta o objeto sob um único nível sensorial, ela defende que ouvir as imagens “requer uma sintonização com frequências sônicas de afeto e impacto. É um conjunto de ver, sentir, ser afetado, contatado e movido para além da distância da visão e do observador” (Campt, 2017CAMPT, T. Listening to images. New York: Duke University Press, 2017., p. 42, tradução minha).28 28 No original: “Listening requires an attunement to sonic frequencies of affect and impact. It is an ensemble of seeing, feeling, being affected, contacted, and moved beyond the distance of sight and observer.”

Se Anastácia abrir sua boca, seria possível conhecer suas narrativas, desde um ponto de fala (e vista) outro? Mas como fazê-la falar e ouvi-la? Além da série de afrescos-monumentos, o trabalho de Yhuri Cruz com a escrita se desdobra em encenações, performances e na série Criptas (2018-presente), na qual se realiza a inscrição, em baixo-relevo, de sentenças sobre uma peça de mármore negro em formato retangular. Apropriando-se dessa forma expressiva que interliga o tempo dos mortos e dos vivos,29 29 Seja em referência às frases tumulares ou em analogia às placas produzidas como ex-votos textuais, em agradecimento a santos, já mortos, como Escrava Anastácia. o artista escreve em uma de suas peças: “Trair a linguagem, emancipar movimentos” (Cripta n. 4). Diante da impossibilidade de recontar histórias daqueles cuja dignidade não foram respeitadas, das pessoas violentadas fisicamente e, depois, pela escrita que os enquadra como sem história, ou apenas observados pelo enquadramento da violência sofrida, é que o trabalho criativo da arte contemporânea parece contribuir com suas formas autorais de “fabulação crítica” (Hartman, 2020HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640 . Acesso em: 10 nov. 2022.
https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.2...
, p. 28).

Em 2020, em meio à experiência de isolamento social demandado pela pandemia mundial de Covid-19, Yhuri realiza com três outros colegas, negros e LGBTQIA+, uma performance remota denominada Anastácia como Vênus, uma cena de tradução.30 30 Artistas-criadores da cena: Caju Bezerra, Iagor Peres, Jade Zimbra e Yhuri Cruz. Trata-se de um “live-cena” na qual se projeta na tela o que está no desktop dos artistas, reunidos por meio de uma plataforma de videoconferência, para encenar e refletir durante o processo de tradução “não oficial” do artigo “Venus in two acts”, de Saidiya Hartman (2020)HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640 . Acesso em: 10 nov. 2022.
https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.2...
, em consonância com as investigações dramatúrgicas “pretofágicas” do artista.

Hartman aborda os limites da escrita histórica sobre personagens vitimadas pela economia libidinal da escravidão e, ainda, pelos arquivos que reiteram apenas essa violência, silenciando-se em relação às vidas para além do referente traumático escravagista. Quando tal vazio narrativo é reconhecido, nos diz a autora, “a perda de histórias aguça a fome por elas. Então é tentador preencher as lacunas e oferecer fechamento onde não há nenhum. Criar um espaço para o luto onde ele é proibido” (Hartman, 2020HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640 . Acesso em: 10 nov. 2022.
https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.2...
, p. 25). Na busca por tal objetivo a autora se indaga, como apontado na epígrafe deste artigo: “O que é necessário para imaginar um estado livre ou para contar uma história impossível?” (Hartman, 2020HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640 . Acesso em: 10 nov. 2022.
https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.2...
, p. 26).

Por meio da combinação de linguagens, a videoconferência se desenrola como um exercício ao vivo que segue um roteiro de gradativa aproximação entre as presenças e ausências, documentais e físicas, dos corpos de Anastácia e de Vênus. Imaginação, escrita, iconografia e história são atravessadas e reposicionadas, redefinindo seus limites e sobreposições. Em síntese, a ação se organiza como um exercício poético contra-histórico ao mesmo tempo que fabula uma história possível de libertação para Vênus, como Anastácia. Nesse movimento, contudo, o investimento não se realiza sobre uma história individual, mas sim coletiva, das mulheres e homens negros cujos nomes, rostos e biografias não foram documentados pela disciplina histórica. No plano visual, a legenda de Anastácia Livre é alterada para fazer Vênus Livre e, com ela, os próprios atores assumem a face de Anastácia. Por meio de um filtro digital aplicado em suas câmeras, que projeta a imagem do santinho de Anastácia Livre sobre cada espaço doméstico, a virtualidade da face de Anastácia se mescla aos rostos que lhe dão voz (Figura 5).

Figura 5
Registro da live-cena de tradução (Anastácia…, 2020ANASTÁCIA como Vênus, uma cena de tradução. [S. l.]: Yhuri Cruz, 25 set. 2020. 1 vídeo (1h03min12s). Publicado no canal Yhuri Cruz. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJSTU . Acesso em: 10 out. 2022.
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).

Na live-cena, os vetores de agência retratados incluem a presença e ação não humana de Anastácia para além de sua imagem. Ao discorrer sobre o processo conceitual que fundamentou a performance de tradução, Yhuri (Anastácia…, 2020ANASTÁCIA como Vênus, uma cena de tradução. [S. l.]: Yhuri Cruz, 25 set. 2020. 1 vídeo (1h03min12s). Publicado no canal Yhuri Cruz. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJSTU . Acesso em: 10 out. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJ...
) conta que desejava se ausentar das próprias palavras para poder falar com as de outrem - nesse caso, de Hartman, sobre Vênus. O exercício de tradução, de atravessamento e conversão entre léxicos de cada idioma, foi a via pela qual ele experimenta sair da posição de autor do discurso. Nesse processo, Anastácia reaparece. Mas, dessa vez, como uma voz que interpela o artista: “Depois que eu entrei na tradução, o que aconteceu é que a Anastácia falava no meu ouvido. De novo e de novo: Yhuri, talvez a Vênus seja eu. Yhuri, a história da Vênus, ou a não história da Vênus, é muito parecida com a minha não-história” (Anastácia…, 2020ANASTÁCIA como Vênus, uma cena de tradução. [S. l.]: Yhuri Cruz, 25 set. 2020. 1 vídeo (1h03min12s). Publicado no canal Yhuri Cruz. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJSTU . Acesso em: 10 out. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJ...
).

Apropriações, reproduções e sobreposições geram deslocamentos poéticos e políticos a partir de Anastácia-Vênus, que se torna visível e audível em corpos vivos, negros, e queers e outros LGBTQIA+. Refazendo o percurso do artista, nota-se que a imagem de santa Anastácia foi apropriada em sua forma-santinho e subvertida, com sua iconografia e sentido alterados. O mesmo se torna outro, distinto porque se contrapõe à naturalização de uma representação consolidada. A conversão da Escrava Anastácia em Anastácia Livre efetiva “uma proposta de ‘tomada de um significado existente e sua colagem em um outro significado’ (Hall, 2016, p. 212), como forma de contestação ao regime racializado de representação [negativa]” (Meirinho, 2021MEIRINHO, D. Ressignificações contemporâneas dos imaginários racializados nas artes visuais. Revista Farol, [s. l.], v. 16, n. 23, p. 55-70, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.47456/rf.v1i23.34029 . Acesso em: 10 nov. 2022.
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, p. 58).

Assim, a criação artística gerou a possibilidade de reimaginar a figura mítica e histórica, reenquadrando seu destino e daqueles que se identificam com sua nova face. O retrato de Anastácia Livre pode ser vestido por muitas pessoas historicamente subalternizadas. Em certo ponto da live-cena (Anastácia…, 2020ANASTÁCIA como Vênus, uma cena de tradução. [S. l.]: Yhuri Cruz, 25 set. 2020. 1 vídeo (1h03min12s). Publicado no canal Yhuri Cruz. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJSTU . Acesso em: 10 out. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJ...
), Yhuri diz se enxergar como Anastácia, vendo também assim as(os) colegas que coparticipam da ação, remotamente. Os artifícios digitais e mediações poéticas da arte contemporânea permitem reconhecer algo de Anastácia, uma espécie de máscara de liberdade, que se conjuga ao rosto dos atores e, possivelmente, de todas(os) aquelas(es) que se valerem dessa imagem para fabular algo de seu próprio passado ou futuro.

“Minha língua está em sua boca e eu a quero de volta”

Na live comentada anteriormente, Yhuri aborda a história iconográfica de Anastácia, valendo-se de referências como Handler e Hayes (2009)HANDLER, J.; HAYES, K. Escrava Anastácia: the iconographic history of a Brazilian popular saint. African Diaspora: journal of transnational Africa in a global world, [s. l.], n. 2, p. 25-51, 2009., e acentua o fato de que o desenho do século XIX, de Jacques Arago, passou por uma feminilização. A figura representada primeiramente como um indivíduo escravizado, sob punição, era dotada de uma feição andrógina, que permitiu sua identificação como o retrato de uma mulher. As transformações imprevistas da imagem antecedem, logo, sua ação criativa e servem como um motor para novas projeções estéticas com potenciais efeitos políticos.

Nos anos seguintes, Yhuri elabora duas ações interligadas com a imagem de Anastácia Livre, cada qual com uma esfera e amplitude de repercussão. A primeira delas propulsiona a vocação de proliferação da obra, viralizando o retrato transformado em estampa da camiseta da artista paulista Linn da Quebrada em sua estreia no Big Brother Brasil, em janeiro de 2022. A aparição no programa televisivo que, atualmente, alcança a maior audiência no país, fez com que novos públicos fossem alçados pela imagem, cruzando gerações e territórios.

Linn integra um universo de “artistas que fazem a crônica da vida cotidiana de segmentos marginalizados da sociedade, atuando como intelectuais urbanos” que abordam o tema do “sexo, da sexualidade fora da heteronormatividade, do conflito e da masculinidade como matéria para a resistência, subversão e mudança na sociedade” (Oliveira, 2021OLIVEIRA, P. L. O sagrado transgressor nos corpos incandescentes de Linn da Quebrada e Baco Exu do Blues. Proa: revista de antropologia e arte, Campinas, v. 11, n. 2, p. 147-167, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doir.org/10.20396/proa.v11i2.16562 . Acesso em: 10 nov. 2022.
https://doir.org/10.20396/proa.v11i2.165...
, p. 149-150). Identificando-se na cena artística como bixa-travesty, Linn traz à baila outros significantes para a imagem de Anastácia Livre exposta na televisão. De repente, o passado de violência de Anastácia, revisto e fabulado, cruzou com as histórias de violência e formas de desumanização que atingem identidades como a de Linn. Mas as confluências potenciais entre elas coexistem entre faíscas geradas por seu atrito: diferentemente da purificação que a interpretação católica projetou à santa-mártir, cuja hagiografia destaca a resistência frente à ameaça ou efetiva violência sexual sofrida, as representações inferidas a travestis, queers e outros LGBTQIA+ sustentam uma qualificação negativa ou contraexemplar. Ainda assim, as personagens mutuamente engajadas (santa e artista) mobilizam aspectos de um sagrado transgressor, não domesticado, que pode gerar tanto interesse quanto repulsão - mesmo quando suas imagens são conjugadas em redes da mídia comercial.31 31 Para além da trajetória da artista, esses aspectos se desdobram na confecção da própria camiseta com a reprodução de Anastácia Livre. A imagem para vestir, fisicamente, teve a serigrafia assinada por um coletivo independente de pessoas trans e travestis, denominado FudidaSilk.

A propulsão da imagem de Anastácia resultante da ação entre Linn da Quebrada e Yhuri Cruz nos aproxima de um tema central no campo das teorias queer e feministas: a ideia de que a linguagem opera como uma chave de recriação do mundo, e não apenas uma ferramenta para acessá-lo. Nesse campo de debates, as formas de existência não normatizadas, bem como as experiências e estéticas que as acompanham, são pensadas como performances políticas. Por isso:

Pegar as palavras [e imagens] pelos chifres e fazê-las funcionar a nosso favor é subverter essa realidade que é colocada como interpelação de vergonha, como acusação, e passar a percebê-la não como negação de um lugar dentro da norma, mas como armação de algo fora da norma. Essa norma que é, em nossa sociedade, marcadamente cis-heteronormativa e altamente racializada. (Grunvald, 2017GRUNVALD, V. Algumas reflexões pessoais sobre a descolonização da queer. In: CIDADE queer: uma leitora. São Paulo: Edições Aurora, 2017. p. 22-33., p. 23).

Alguns meses após o grande sucesso midiático, em 2022, Yhuri promoveu outra ação que colocaria as camisetas com o retrato de Anastácia em destaque. Negrociação/Negrotiation #1 foi o nome escolhido para a cena realizada como parte da exposição Gamboa: nossos caminhos não se cruzaram por acaso, no Centro Cultural Inclusartiz - instituição localizada numa região urbana de forte protagonismo negro da história do Rio de Janeiro, tradicionalmente chamada de Pequena África.32 32 A história dessa região portuária é marcada, entre as últimas décadas do século 18 e as primeiras do 19, pelo desembarque de um imenso contingente humano, vindo da costa continental africana, que seria escravizado. Elas e eles conviveram com negros libertos e oriundos de outras partes do país, como a Bahia. No início do século 20, essa zona urbana de forte presença negra adquiriu o título de Pequena África. Nessa “cena pretofágica”, ao invés de uma grande celebridade, o artista promoveu um rito de troca com o público presente, tendo como dádiva central a imagem de Anastácia Livre impressa em camisetas. Foram feitas 200 reproduções daquela utilizada por Linn.

Figura 6
Fotografia publicada no Instagram da página Pretofagia, em 23 de junho de 2022, documentando a performance Negrociação #1 (Pretofagia, 2022PRETOFAGIA. Pretofagia apresentou no dia 18 de Junho de 2022 a sexta cena pretofágica: “Negrociação / Negrotiation #1: Minha Língua está em sua Boca e eu a quero de volta”. Rio de Janeiro, 23 jun. 2022. Instagram: @pretofagia. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CfJn7Rgrpnn/?img_index=3 . Acesso em: 10 nov. 2022.
https://www.instagram.com/p/CfJn7Rgrpnn/...
).

A cena de Negrociação mimetiza procedimentos rituais para a formalização de um contrato e troca entre artista e público. Nela são oferecidas as camisetas em troca da cessão de direitos de som e imagem de 200 pessoas. Os artistas colaboradores envolvidos estavam vestidos com peças de roupas que alternavam entre preto e branco, incluindo Yhuri, que coordenava o gestual ritualizado que precede a organização do público. No deslocamento realizado desde a porta de entrada até o fundo da galeria de arte, o caminho se realizava com alguns dos artistas envolvidos vestindo a camiseta sobre seus rostos, encobrindo-os, com a parte impressa com a face de Anastácia posicionada como uma máscara (Figura 6).

Os que assistiam à transmutação das faces dos artistas pela de Anastácia Livre tinham sua assinatura e também sua impressão digital requeridas para receber uma réplica da camiseta. Cada um(a) mergulhava o polegar em um balde de tinta vermelho-sangue e, em seguida, o colocava em contato com o centro de uma folha de papel com um círculo branco no centro, tendo as bordas negras. No fundo da galeria - que era também um estúdio provisório, com câmeras e gravadores posicionados -, um painel replicava a mesma forma geométrica. Esse era local para onde cada um das(os) envolvidas(os) no contrato com o artista deveriam se encaminhar. Após vestir a camiseta, cada um(a) declamava o seguinte texto diante das câmeras:

- Minha língua está em sua boca e eu a quero de volta.

- Minha voz está em sua garganta e eu a quero de volta.

- Minha imagem está em sua memória e eu a quero de volta.

Ao fim da leitura feita com os olhos e a voz, enunciada como um encantamento mágico de repatriamento corporal, cada pessoa filmada exiba sua língua, colocando-a para fora da boca. A língua como metonímia das pessoas; 200 línguas e vozes encorpam Anastácia, por intermédio de uma encenação que a multiplica, reforçando a reprodução de sua imagem complexa. Recordo que Kilomba (2019)KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. também se dedica a pensar sobre a importância da boca. Ela escreve: “A boca é um órgão muito especial. Ela simboliza a fala e a enunciação. No âmbito do racismo, a boca se torna o órgão por excelência, representando o que as/os brancas/os querem - e precisam - controlar” (Kilomba, 2019KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 33-34, grifo da autora). Logo, uma assimetria subvertida na performance relacional de negrociação.

Na conjuntura artístico-ritual da cena em questão, a recuperação da boca, língua, voz, a partir de uma operação característica da arte contemporânea politicamente engajada, posiciona Anastácia como dádiva: ela requer algo dos que a recebem e oferece a eles algo em troca, por meio da negrociação estipulada pelo artista. Em consonância com a vertente de arte contemporânea em diálogo com ações de “encontro” e artivismo (Raposo, 2015RAPOSO, P. Artivismo: articulando dissidências, criando insurgências. Cadernos de Arte e Antropologia, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 3-12, 2015.; Sansi, 2015SANSI, R. Art, anthropology and the gift. London: Bloomsbury, 2015.), o trabalho de Yhuri está assentado sobre uma compreensão de autoria diluída, entre ele e o público, que por isso mesmo alimenta seu capital simbólico na medida em que for bem-sucedido na sua capacidade de afetar não só o campo artístico, mas a ordem das coisas, penetrando o real e tocando em aspectos sensíveis da vida contemporânea.

Nesse sentido, um desdobramento significativo de seu trabalho foi a incorporação da imagem de Anastácia Livre como parte do material didático da rede de ensino Eleva. A imagem acompanha “um módulo sobre sociedade colonial, do material didático utilizado por mais de 220 escolas ao redor do país” (Meirinho, 2021MEIRINHO, D. Ressignificações contemporâneas dos imaginários racializados nas artes visuais. Revista Farol, [s. l.], v. 16, n. 23, p. 55-70, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.47456/rf.v1i23.34029 . Acesso em: 10 nov. 2022.
https://doi.org/10.47456/rf.v1i23.34029...
, p. 64). Outro exemplo interessante foi a performance realizada com o grupo Congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, na cidade de Tiradentes, em Minas Gerais. No ano anterior, o grupo havia sido censurado pelo pároco local, que o proibiu de fazer seus rituais na igreja de Nossa Senhora do Rosário. O sacerdote justificou a interdição alegando que o coletivo propagava o culto de uma santa não reconhecida pela Igreja, além de falar de desencarnação dos espíritos dos escravos. Frente ao ato de racismo religioso, a notícia da proibição circulou na mídia e chegou até o artista, que acompanhou posteriormente uma das performances do coletivo, levando consigo o retrato de Anastácia Livre impresso em grande formato - imagem doada ao líder do coletivo.33 33 Ação registrada no curta-metragem Missão congado, de Yhuri Cruz, de 2021.

Anastácia como ícone contemporâneo

No início deste artigo, acompanhamos as controvérsias religiosas e políticas que conformaram a imagem de Anastácia na última metade de século, combinando vetores de apropriação, reprodução e iconoclastia de seu retrato. Avançando no desenrolar de um processo multivetorial e complexo, vimos como os elementos idiossincráticos da imagem foram disseminados em mídias e fins expressivos diversos, incluindo a arte contemporânea. Nesse cenário, a arte socialmente engajada desempenhou um papel-chave na atualização da imagem e seus fins, projetando outras rotas de encontro com a imagem e reencontros com a memória que ela evoca. Sob novos enquadramentos, o rosto de Anastácia teve seu poder de afetação atualizado. Ou, melhor dizendo, seu contrapoder de afetação, posto que o retrato nunca assumiu uma posição de plena estabilidade, sem contestação.

Por meio das poéticas da arte contemporânea, com o protagonismo de artistas como Yhuri Cruz, Anastácia renovou sua condição de imagem-ícone (Sturken; Cartwright, 2001STURKEN, M.; CARTWRIGHT, L. Practices of looking: an introduction to visual culture. New York: Oxford University Press, 2001., p. 41), como um artefato estético de grande carga simbólica e emocional que comunica algo para além de sua composição formal e origem. Uma imagem icônica, porque gravada na memória de gerações, assumindo por meio da cultura visual contemporânea um efeito psicológico disparador de um imaginário contra-hegemônico e decolonial. Por meio de sua exposição e circulação na arte contemporânea, ela faz vibrar a potência de um conjunto maior de ideias, no qual as versões de (Escrava) Anastácia (Livre) integram uma constelação de personagens históricas e ancestrais que inspiram a fabulação de novos futuros.

Figura 7
Apropriação da imagem criada por Yhuri Cruz, sem a máscara e identificada, na legenda da camiseta, como Escrava Anastácia, incorporada à iconografia política que circula no comércio de camisetas no Rio de Janeiro.

Referências

  • ANASTÁCIA, escrava e santa. Direção de Joatan Vilela Berbel. Rio de Janeiro: Iser, 1987. (30min), color.
  • ANASTÁCIA como Vênus, uma cena de tradução. [S. l.]: Yhuri Cruz, 25 set. 2020. 1 vídeo (1h03min12s). Publicado no canal Yhuri Cruz. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJSTU Acesso em: 10 out. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=q4QmC-SJSTU
  • ARAGO, J. E. V. Souvenirs d’un aveugle: voyage autour du monde, ouvrage enrichi de soixante dessins et de notes scientiiques. Paris: Lebrun, 1868.
  • AUGRAS, M. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009.
  • BATESON, G. Uma teoria sobre brincadeira e fantasia. Cadernos IPUB, Rio de Janeiro, n. 5, p. 35-49, 2000.
  • BENJAMIN, W. Obras escolhidas: vol. I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
  • BRAZ, L. de S. Antes que o mal cresça, cortem a cabeça: signo, rupturas e disputas no espaço (sub) urbano. 2019. Monografia (Especialização em Sociologia Urbana) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
  • BOURRIAUD, N. Estética relacional São Paulo: Martins Fontes, 2009.
  • BURDICK, J. Blessed Anastácia: women, race, and popular Christianity in Brazil. New York: Routledge, 1998.
  • BURDIK, J. Tortura e redenção. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 55-64, 1999.
  • CAMPT, T. Listening to images New York: Duke University Press, 2017.
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    » https://memoriadatv.com.br/noticia/14368/confira-a-tabela-de-audiencia-do-realitie-big-brother-brasil-22-bbb-22-de-2022.html
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    » http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB_EduardoSilva_Camelias_Leblon_abolicao_escravatura.pdf
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  • TAUSSIG, M. Defacement: public secrecy and the labor of the negative. Stanford: Stanford University Press, 1999.
  • 1
    A estimativa considera os números publicizados em sites especializados à época, indicando que no dia 20 de janeiro de 2022, o BBB alcançou cerca de 24,7 pontos no ibope, cada ponto equivalendo a 713.821 indivíduos, segundo dados da agência especializada Kantar Ibope Media. Para mais informações, cf. Kantar… (2022)KANTAR Ibope atualiza ponto de audiência para 2022. Abap, São Paulo, 3 jan. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.abap.com.br/kantar-ibope-atualiza-ponto-de-audiencia-para-2022/ . Acesso em: 20 set. 2022.
    https://www.abap.com.br/kantar-ibope-atu...
    e Confira… (2022)CONFIRA a tabela de audiência do realitie ‘Big Brother Brasil 22’, ‘BBB 22’, de 2022. Memória da TV, [s. l.], 9 maio 2022. https://memoriadatv.com.br/noticia/14368/confira-a-tabela-de-audiencia-do-realitie-big-brother-brasil-22-bbb-22-de-2022.html. Acesso em: 20 set. 2022.
    https://memoriadatv.com.br/noticia/14368...
    .
  • 2
    Por contramemória refiro-me à qualidade não exclusiva das ações que se reportam de maneira reflexiva e crítica aos modos oficiais de representação da história e do passado de certas coletividades e indivíduos, seja para transgredir seus cânones e assimetrias de poder implícitas, seja para dar luz a histórias e memórias outras, como as de minorias costumeiramente obliteradas. Trata-se de uma ideia em chave próxima do que alude Walter Benjamin (1987)BENJAMIN, W. Obras escolhidas: vol. I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987. em suas teses sobre o conceito de História.
  • 3
    Em um levantamento bibliográfico realizado ao longo de 2022, encontrei cerca de 20 referências publicadas entre 1985 e 2021, incluindo artigos e estudos monográficos dedicados especificamente à Escrava Anastácia e sua conjugação aos campos da política, da religião popular e da memória negra. Entre os de maior destaque e em diálogo com o objeto de interesse desta análise, cito Burdick (1998BURDICK, J. Blessed Anastácia: women, race, and popular Christianity in Brazil. New York: Routledge, 1998., 1999BURDIK, J. Tortura e redenção. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 55-64, 1999.), Handler e Hayes (2009)HANDLER, J.; HAYES, K. Escrava Anastácia: the iconographic history of a Brazilian popular saint. African Diaspora: journal of transnational Africa in a global world, [s. l.], n. 2, p. 25-51, 2009., Augras (2009)AUGRAS, M. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009., Paiva (2009)PAIVA, A. L. S. de. Os fios do trançado: um estudo antropológico sobre as práticas e as representações religiosas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos no Rio de Janeiro. 2009. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Antropologia Cultural) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. e Johnson (2021)JOHNSON, P. C. Formas e temperamentos da “Escrava Anastácia”, santa afro-brasileira. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 261-324, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8136.120706 . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://doi.org/10.22456/1982-8136.12070...
    .
  • 4
    A máscara de flandres, como era conhecida desde o período colonial, tinha diferentes formatos e finalidades, mas, em geral, sua imposição sobre os corpos negros se fazia como punição, fosse pelo que se considerava excesso no consumo de álcool e alimentos ou para evitar a geofagia, isto é, o consumo intencional de terra como via de suicídio do sujeito escravizado.
  • 5
    Edificação católica fundada no início do século XVIII pela irmandade homônima e que, nos séculos posteriores, foi palco de importantes ações de combate à escravidão e o racismo no país.
  • 6
    O artifício de separação do espaço museal (histórico) com o religioso (ritual) não se mantém, contudo, de forma perene ou espontânea entre as pessoas que circulam por tais espaços. Paiva (2009)PAIVA, A. L. S. de. Os fios do trançado: um estudo antropológico sobre as práticas e as representações religiosas na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos no Rio de Janeiro. 2009. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Antropologia Cultural) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. demonstrou que as práticas religiosas - católicas e afro-brasileiras - ocorrem fora dos contornos previstos. Além disso, a proximidade do “santuário onde vive Anastácia” com a exposição histórica sobre o tempo da escravidão demanda “um trabalho diário de curadoria: a equipe [do Museu] tem o cuidado de retirar oferendas em dinheiro, flores e bilhetes e depositá-las no velário, no andar de baixo, onde a exibição material de Anastácia se dá exclusivamente para fins de ritual, e não pedagógicos” (Johnson, 2021JOHNSON, P. C. Formas e temperamentos da “Escrava Anastácia”, santa afro-brasileira. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 261-324, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8136.120706 . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://doi.org/10.22456/1982-8136.12070...
    , p. 296).
  • 7
    De acordo com Handler e Hayes (2009HANDLER, J.; HAYES, K. Escrava Anastácia: the iconographic history of a Brazilian popular saint. African Diaspora: journal of transnational Africa in a global world, [s. l.], n. 2, p. 25-51, 2009., p. 42, tradução minha): “Embora o uso da ilustração de Arago no Brasil seja incomum, ela não é excepcional. Versões da ilustração de Arago foram publicadas ou reimpressas em livros modernos e aparecem em sites atuais que tratam da escravidão atlântica, onde geralmente são empregadas para ilustrar a brutalidade do regime escravista.” No original: “While the use of Arago’s illustration in Brazil is unusual, it is not exceptional. Versions of the Arago illustration have been published or reprinted in modern books and appear on current websites that deal with Atlantic slavery, where they are generally employed to illustrate the brutality of the slave regime.”
  • 8
    Compósito gráfico impresso, contendo seu retrato (imagem) em das faces do papel e uma oração (texto) no verso.
  • 9
    Transcrito a partir de Anastácia… (1987)ANASTÁCIA, escrava e santa. Direção de Joatan Vilela Berbel. Rio de Janeiro: Iser, 1987. (30min), color..
  • 10
    Composição de Jonas Rodrigues, Rodolpho de Souza e Luiz Carlos da Vila (Kizomba…, [2022]KIZOMBA, a festa da raça. Apoteose, Rio de Janeiro, [2022]. Disponível em: Disponível em: http://www.apoteose.com/siteantigo/vilaisabel/samba1988.htm . Acesso em: 10 nov. 2022.
    http://www.apoteose.com/siteantigo/vilai...
    ).
  • 11
    Para a descrição histórica do contexto, sigo as pesquisas de Souza (2001)SOUZA, M. D. de. Escrava Anastácia: construção de um símbolo e a re-construção da memória e identidade dos membros da Irmandade do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. 2001. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2001., Augras (2009)AUGRAS, M. Imaginário da magia: magia do imaginário. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: Editora PUC, 2009., Paiva (2014)PAIVA, A. L. S. de. Quando os “objetos” se tornam “santos”: devoção e patrimônio em uma igreja no centro do Rio de Janeiro. Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 53-70, 2014. e Johnson (2021)JOHNSON, P. C. Formas e temperamentos da “Escrava Anastácia”, santa afro-brasileira. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 261-324, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8136.120706 . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://doi.org/10.22456/1982-8136.12070...
    .
  • 12
    Johnson (2021)JOHNSON, P. C. Formas e temperamentos da “Escrava Anastácia”, santa afro-brasileira. Debates do NER, Porto Alegre, ano 21, n. 40, p. 261-324, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8136.120706 . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://doi.org/10.22456/1982-8136.12070...
    descreve uma controvérsia internacional englobando a apropriação comercial (branca) da imagem de Escrava Anastácia na alta moda.
  • 13
    Criada nos anos 1990, a banda soteropolitana de percussão Didá, composta apenas por mulheres, fazia performances musicais usando a máscara de Anastácia. Em momento mais recente, o emblema não parece ser corrente em suas apresentações, mas a imagem de Escrava Anastácia acompanha a divulgação de seus eventos, como comprova seu perfil no Instagram (Didá, 2014DIDÁ. Sábado tem a #Didá no Largo Tereza Batista no Pelourinho às 19hrs. Salvador, 4 dez. 2014. Instagram: @didabandafeminina. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/wM96wAHpn3/ . Acesso em: 12 maio 2022.
    https://www.instagram.com/p/wM96wAHpn3/...
    ).
  • 14
    O enredo mangueirense História para ninar gente grande, 2019, propunha uma revisitação crítica do passado brasileiro, valorizando o papel de grupos subalternizados no processo histórico nacional (Menezes; Pereira, 2021MENEZES, R. de C.; PEREIRA, E. Imagens da religião em um carnaval da Mangueira. GIS: gesto, imagem e som: revista de antropologia, São Paulo, v. 7, n. 1, e-185745, 2021. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2525-3123.gis.2022.185745 . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://doi.org/10.11606/issn.2525-3123....
    ).
  • 15
    Experimentando o vermelho em dilúvio, de 2016, e Merci beaucoup, blanco!, de 2017.
  • 16
    Vem pra ser infeliz…, de 2017.
  • 17
    A exposição foi realizada no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e no Instituto Tomie Ohtake.
  • 18
    Máscara que se usa nos negros que têm o hábito de comer terra, circa 1820-1830.
  • 19
    Obra sem título, da série Bastidores, de 1997. Depois dessa série, a artista produz Autorretrato para comedores de terra, de 1999.
  • 20
    Obra sem título, da série Para venda, de 2011.
  • 21
    Esta e as demais citações a seguir foram transcritas das falas do artista e de sua mãe presentes no vídeo A pretofagia de Yhuri Cruz, produzido pelo coletivo Cabine, em 2019 (A pretofagia…, 2019A PRETOFAGIA de Yhuri Cruz. [S. l.]: Cabine, 25 set. 2019. 1 vídeo (6min). Publicado no canal Cabine. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/rgu1aqWa8v0 . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://youtu.be/rgu1aqWa8v0...
    ).
  • 22
    Projeto orientado por Edlaine de Campos Gomes (Unirio).
  • 23
    Seja no culto mariano, cujas orações da Ave-Maria formam um “rosário”, seja como elemento hagiográfico e metonímico de santos e santas.
  • 24
    A camélia, flor de origem japonesa de difícil aclimatação no Brasil, serviu como código visual entre movimentos e quilombos abolicionistas. Cf. Silva ([2022])SILVA, E. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, [2022]. Disponível em: Disponível em: http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB_EduardoSilva_Camelias_Leblon_abolicao_escravatura.pdf . Acesso em: 10 nov. 2022.
    http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/dado...
    .
  • 25
    Segundo o site do Vaticano: “O processo para a causa de Canonização iniciou-se em 1959, doze anos após a sua morte. No dia 1° de dezembro de 1978, a Igreja emanava o Decreto sobre a heroicidade das suas virtudes” (Josefina…, [2002]JOSEFINA Bakhita (1869-1947): religiosa sudanesa da Congregação das Filhas da Caridade (Canossianas). A Santa Sé, Cidade do Vaticano, [2002]. Disponível em: Disponível em: https://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_20001001_giuseppina-bakhita_po.html . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://www.vatican.va/news_services/lit...
    ). A canonização ocorreu em 2000.
  • 26
    No original: “As a model of African Catholicism; as a critique of slavery and racism; as a mediation between Islam and Christianity; and as a successful model for Afro-diasporic and Afro-Brazilian peoples to follow in the struggle for equality.”
  • 27
    Em conjunto à exposição, foi elaborado o projeto gráfico de Pretofagia: um ensaio-cena em 4 atos, que foi impresso como uma variação dos zines ou jornais dobrados. Quando aberto, cada exemplar chega ao tamanho de 3m de comprimento, com texto em cor clara sobre fundo negro, que reproduz a mesma máxima presente em forma de afresco na exposição. Para mais informações, cf. Incerti (2021)INCERTI, C. Pretofagia: um ensaio-cena em 4 atos. Rio de Janeiro, 7 set. 2021. Behance: @acincerti. Disponível em: Disponível em: https://www.behance.net/gallery/126798565/pretofagia?locale=pt_BR . Acesso em: 10 nov. 2022.
    https://www.behance.net/gallery/12679856...
    .
  • 28
    No original: “Listening requires an attunement to sonic frequencies of affect and impact. It is an ensemble of seeing, feeling, being affected, contacted, and moved beyond the distance of sight and observer.”
  • 29
    Seja em referência às frases tumulares ou em analogia às placas produzidas como ex-votos textuais, em agradecimento a santos, já mortos, como Escrava Anastácia.
  • 30
    Artistas-criadores da cena: Caju Bezerra, Iagor Peres, Jade Zimbra e Yhuri Cruz.
  • 31
    Para além da trajetória da artista, esses aspectos se desdobram na confecção da própria camiseta com a reprodução de Anastácia Livre. A imagem para vestir, fisicamente, teve a serigrafia assinada por um coletivo independente de pessoas trans e travestis, denominado FudidaSilk.
  • 32
    A história dessa região portuária é marcada, entre as últimas décadas do século 18 e as primeiras do 19, pelo desembarque de um imenso contingente humano, vindo da costa continental africana, que seria escravizado. Elas e eles conviveram com negros libertos e oriundos de outras partes do país, como a Bahia. No início do século 20, essa zona urbana de forte presença negra adquiriu o título de Pequena África.
  • 33
    Ação registrada no curta-metragem Missão congado, de Yhuri Cruz, de 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2022
  • Aceito
    16 Maio 2023
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