Resumo
O artigo investiga os significados políticos e religiosos dos discursos libertinos proferidos no mundo luso-brasileiro ao final do século XVIII. Para tanto, busca problematizar a relação entre libertinagem e Iluminismo consagrada, sobretudo, pela tradição historiográfica liberal, propondo novas abordagens e perspectivas de análise centradas, entre outros, no processo de emergência de uma nova cultura religiosa em terras lusas e nas tensões decorrentes deste processo. Como estudo de caso analisaram-se algumas discussões ocorridas no Rio de Janeiro, nos idos dos anos 1790, e que deram origem a processos inquisitoriais e devassas promovidas pelas autoridades régias. Aquelas discussões demonstram que os discursos libertinos enunciados no mundo luso-brasileiro conduzem a um cenário de efervescência política e doutrinal permeado não apenas pela difusão de ideários iluministas radicais ou pela ocorrência de eventos políticos revolucionários, tais como a Revolução Francesa (1789); mas por disputas internas em torno das investidas regalistas contra o poder papal, da inserção da teologia positiva e da valorização de um determinado modelo de filosofia racional.
Palavras-chave
libertinagem; iluminismo; catolicismo
Abstract
The article investigates the political and religious meaning of libertine discourses in the Luso-Brazilian world at the end of the eighteenth century. In order to do so, it seeks to problematize the relationship between Libertinism and the Enlightenment that has been accepted in the liberal historiographical tradition, proposing new approaches and perspectives of analysis centered on the process of emergence of a new religious culture in Portuguese territories and on the tensions resulting from this process. As a case study, we analyze some discussions that took place in Rio de Janeiro in the 1790s, which gave rise to inquisitorial processes and investigations carried out by the royal authorities. These discussions demonstrate that the libertine discourses enunciated in the Luso-Brazilian world led to a scenario of political and doctrinal effervescence permeated not only by the diffusion of radical Enlightenment ideas or the occurrence of revolutionary political events such as the French Revolution (1789); but also by internal disputes over royal power, the insertion of positive theology, and the valuation of a particular model of rational philosophy.
Keywords
Libertinism; Enlightenment; Catholicism
Introdução
Vários indivíduos foram perseguidos por causa de suas ideias e comportamentos libertinos, no mundo luso-brasileiro, ao final do século XVIII. Naquele contexto, o termo libertino foi utilizado para nomear os indivíduos adeptos de uma conduta considerada licenciosa e corrupta, mas igualmente aqueles que ousaram examinar, de forma crítica, os ensinamentos da Igreja Católica, as atitudes dos religiosos e as práticas devocionais dos fiéis. O libertino, quase sempre, era apresentado como o relaxado do ponto de vista da moral e/ou da consciência: um devasso de costumes que, por ignorância ou por vontade própria, não seguia os preceitos católicos, um cético que não aceitava as verdades da fé.
Essas imagens estão expostas em diferentes relatos produzidos pela sociedade luso-brasileira daquele período. Em uma peça representada no mosteiro beneditino da cidade de Santarém, em fevereiro de 1779, o libertino era aquele que, conscientemente, negava as verdades anunciadas pela Igreja Católica, como eram os milagres. Para ele, apenas a sua análise e interpretação da Bíblia eram válidas.1 1 NATIVIDADE, Frei Francisco de. Dialogo em que se faz huma relação do grande milagre do santo cristo da pastorinha que se venera na Igreja do Colegio de S. Bento dos Apostolos desta nobre Vila de Santarém, explica-se o que seja piedade, fanatismo e libertinagem. Biblioteca Pública de Évora (BPE), cod. CIX/1-5, n. 8. Poucos anos depois, em 1790, a ópera O Libertino fez uma pintura diversa e apresentou-o como um conquistador compulsivo, preocupado apenas em satisfazer os seus desejos amorosos; um indivíduo mentiroso, hipócrita e devedor, em suma, alguém totalmente carente das virtudes cristãs.2 2 Opera O libertino, copiada aos 10 de maio de 1790. Cópia autografada António José de Oliveira. Disponível em http://purl.pt/15331 ; Acesso em: 05 ago. 2016. Trata-se, na verdade, de uma tradução da obra de Molière, Dom Juan or le festin de Pierre. O termo foi utilizado com conotação semelhante na comédia manuscrita “O ipócrita”, suprimida pela Real Mesa Censória em Setembro de 1770. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Real Mesa Censória, cx.322, n. 2221.
A libertinagem estava longe de ser problema marginal naquelas sociedades. As fontes depositadas nos arquivos portugueses demonstram que a figura do libertino fez parte do universo luso-brasileiro de finais do Setecentos, permeando tanto as relações sociais quanto as atividades repressivas. Em Vila Rica, o escrivão de órfãos, Flávio da Silva Porto, foi denunciado ao Santo Ofício, por volta de 1782, por causa da pouca reverência que devotava à hóstia durante as missas, mas igualmente por ter dito que “não havia lei melhor do que era a dos libertinos”.3 3 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 319/130º Cadernos do Promotor (1769-1790), f.383. Um ano antes, o negociante lisboeta Tomás Inácio da Silveira não teve dificuldade em explicar aos inquisidores o que ele entendia por libertinagem: “quebrantar alguns preceitos da Igreja” e “tocar nos pontos essenciais do dogma” definiam, a seu ver, aquele conceito.4 4 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 2774, f.58. Mais de dez anos tinham se passado quando o estudante Nicolau Tolentino Sales achou que o pregador lisboeta, em seu sermão da Quaresma, “tinha ido de propósito combater os libertinos”. Junto com ele, na ocasião, Francisco Henriques teria emendado dizendo “que no tempo presente se falava muito neles”.5 5 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 13436, f.2-3. Pouco tempo depois, José Nunes Cabral, comissário da Inquisição na Bahia, considerava o tenente Hermógenes Pantoja - o mesmo da Conjuração Baiana - o “chefe dos libertinos”, pois ele “afirmava não haver céu, inferno, nem santos, negava a divindade de Cristo Senhor nosso, a pureza de Nossa Senhora, a imortalidade da alma”, ensinando aos seus soldados aquelas doutrinas. O medo do comissário era que, enfraquecida a religião na cidade, ela ficasse à mercê dos princípios revolucionários franceses.6 6 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 13541, f.3v.
Foi justamente neste contexto que Antônio de Morais Silva (1755-1824) tentou atribuir a ambos os termos um significado formal em seu Dicionário da Língua Portuguesa (1789). Para ele, o libertino comportava três acepções. Primeiro, indicava a forma pela qual se chamava o filho do liberto entre romanos. Segundo, era “o que sacudiu o jugo da Revelação, e presume, que a razão só pode guiar com certeza no que respeita a Deus, á vida futura, &c.” Por fim, num sentido figurado, ele era o licencioso na vida. A libertinagem, por sua vez, nada mais era do que “o vício de ser libertino, incrédulo, mal morigerado”.7 7 Para citações ver SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da língua portugueza. vol. 2. Lisboa: na officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789. p.21. Morais Silva, um dos poucos que, no mundo luso-brasileiro, se auto-intitulou libertino, apresentou uma definição mista do termo: ele não negou o seu sentido pejorativo, mas fez questão de acrescentar uma dimensão nova, até certo ponto livre dos epítetos negativos, ao afirmar que o libertino era aquele que defendia que bastava a razão para se alcançar um conhecimento sobre Deus e sobre a vida futura. Tal postura era pouco comum para a realidade lusitana de finais do Setecentos.
Na verdade, o caráter negativo de ambos os termos foi exposto e constantemente reafirmado em processos, denúncias e sumários da Inquisição, nos ofícios expedidos pela Intendência Geral de Polícia, nos pareceres elaborados pelos órgãos responsáveis pelo sistema de censura, na legislação régia e nos escritos literários. De um modo geral, eles encarnavam o incrédulo, o espírito forte que, com a sua falsa filosofia, desconhecia os limites da razão humana e negava a sua dependência em relação à revelação divina. Os discursos dos libertinos, alegou um edital régio de 1770, continham “uma doutrina ímpia, falsa, temerária, blasfema, herética, cismática, sediciosa, ofensiva da paz e sossego público”. Eles só serviam para “estabelecer os grosseiros e deploráveis erros do Ateísmo e do Materialismo”, “introduzir a relaxação dos costumes”, a tolerância dos vícios e eliminar toda a ideia de virtude.8 8 Carta de lei de 24 de novembro de 1770. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>; Acesso em: 19 jan. 2015.
As rupturas discursivas e comportamentais em relação aos dogmas e preceitos católicos e as reflexões críticas sobre a situação da Igreja e dos religiosos preocupavam as autoridades régias e eclesiásticas lusas. O peso social da religião católica, considerada o alicerce político e moral da sociedade monárquica portuguesa, tornava aquelas reflexões problemáticas e perigosas. Francisco Joaquim Moreira de Sá, um simples morador em Lisboa pelos anos 1780, dizia que, politicamente, um Príncipe tinha “necessidade absoluta” de fazer observar a religião católica, “porque o Estado sem ela seria um caos, onde só poderiam habitar os crimes e as desordens”.9 9 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16335, f.2.
A ocorrência da Revolução Francesa potencializou os temores. Para muitos, o movimento revolucionário francês era uma consequência direta dos discursos que, ao longo do século XVIII, haviam se expressado de forma livre e crítica sobre a religião católica e o poder régio. Diogo Ignácio de Pina Manique, Intendente Geral de Polícia entre os anos de 1780 e 1803, estava convicto desta relação irreligião-revolução (Abreu, 2013ABREU, Laurinda. Pina Manique: um reformador no Portugal das Luzes. Lisboa: Gradiva, 2013.). Tanto assim que para ele era preciso punir de forma severa todos aqueles que ousassem denegrir o caráter dos ministros da religião, tais como os bispos. “Um dos meios mais próprios para conservar a união e o estado é firmar o respeito que se deve assim aos ministros da religião que temos a fortuna de professar, como às justiças do Príncipe Regente”, dizia.10 10 ANTT, Intendência Geral de Polícia, contas para as secretarias, livro 6, f.54v-55. Ver também, no mesmo livro, a devassa aberta para averiguar uma denuncia feita contra o bacharel Antônio José de Moraes, acusado de ser jacobino e de ter proferido “algumas liberdades contra os ministros da nossa santa religião”, f.24v-25.
Por conseguinte, após 1789, a figura do libertino assumiu implicações políticas mais radicais, sendo frequentemente associada ao risco de francesia. Conforme o século avançava, heresia e sedição política eram apresentadas como dimensões diretamente interligadas. E foi justamente em meio a esse contexto de crescente radicalização política europeia e de temores em relação à preservação da ordem monárquica lusitana que ocorreu a perseguição aos discursos e às práticas libertinas em terras lusas.
Interpretações historiográficas
Quando comparado à profusão de estudos franceses e ingleses sobre o tema, percebe-se que, no mundo luso-brasileiro, o tema da libertinagem ainda é pouco estudado, a despeito da riqueza documental disponível. Fruto de sua ampla implicação histórica à época, as fontes incluem processos inquisitoriais, relatórios de polícia, devassas, pareceres da censura, editais régios, poemas, peças teatrais, livros apologéticos da religião católica, além de vários outros textos manuscritos e impressos.
Boa parte desses documentos, sobretudo aqueles produzidos pelas autoridades régias e eclesiásticas, tende a associar o libertino e os seus discursos à ausência de fé e de respeito às coisas sagradas. Os estudos historiográficos não chegaram a romper com essa associação, enfatizando a relação entre libertinagem e oposição à ortodoxia católica e corroborando, ainda que de uma forma positiva, relações e categorias construídas pelo olhar repressor. Veja-se, por exemplo, os trabalhos de Alexandre Barata (2006)BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790-1822). São Paulo: Annablume, 2006., Anita Novinsky (1990)NOVINSKY, Anita. Estudantes brasileiros ‘afrancesados’ da Universidade de Coimbra. A perseguição de Antônio de Morais Silva - 1779-1806. In: COGGIOLA, Osvaldo (org.). A revolução francesa e seu impacto na América Latina . São Paulo: Edusp/ Novastela: Brasília: CNPq, 1990. p.357-371., Fernando Machado (2012, p.324-352)MACHADO, Fernando Augusto. Um herético em país de frades, ou como Rousseau invadiu Portugal. Diacrítica, vol. 26, n. 2, p.324-352, 2012., Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva (2013, p.373-377)MARCOCCI, Guiseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa (1536-1821). Lisboa: A Esfera dos Livros, 2013., Maria Beatriz Nizza da Silva (1999, p.105-118)SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A cultura luso-brasileira: Da Reforma da Universidade à Independência do Brasil. Lisboa: Editorial Estampa, 1999. e Stuart Schwartz (2009)SCHWARTZ, Stuart. Cada um na sua lei. Tolerância religiosa e salvação no mundo atlântico ibérico. São Paulo: Companhia das Letras; Bauru: Edusc, 2009..
Para Adauto Novaes (1996, p.9-20)NOVAES, Adauto. Libertinos libertários. São Paulo: Companhia das Letras, 1996., o libertino era sempre um contestador, não importando se o seu tema central fosse o prazer sexual ou o prazer do conhecimento. Ele era o livre pensador, o materialista, o dissidente em relação à ordem estabelecida, o filósofo discreto, o provocador erótico, aquele que seguia a lei do prazer. Em seu entender, a filosofia libertina assentava na recusa dos códigos tradicionais da moral social e religiosa.
O próprio título do livro que ele organizou - “Libertinos Libertários” - não deixa dúvidas quanto à aceitação do rótulo libertino-rebeldia. De um modo geral, os artigos, apesar de compostos por diferentes pesquisadores, corroboraram esse rótulo, tomando o cuidado de eliminar a carga pejorativa que, no passado, o acompanhava. Ao mesmo tempo, o livro pensa o movimento libertino a partir de um quadro literário e filosófico essencialmente francês, desconsiderando as especificidades de sua inserção na realidade luso-brasileira. Em relação ao tema, há apenas dois artigos: um sobre o poeta Bocage e outro sobre a figura do discreto no mundo ibérico.
Recentemente, Luiz Carlos Villalta (1999VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: usos do livro na América Portuguesa. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. e 2016)VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime português (1788-1822). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. e Márcia Abreu abriram veredas importantes com os seus estudos sobre os romances, as leituras e os comportamentos libertinos em Portugal e no Brasil, na passagem do século XVIII para o XIX. Suas pesquisas têm demonstrado que esse tipo de literatura, apesar de proibida, circulou pelo mundo luso-brasileiro, para deleite dos leitores e preocupação das autoridades régias, em especial, dos censores. Os seus trabalhos, sobretudo os de Villalta, estão preocupados em analisar as leituras e as apropriações textuais libertinas. O foco é a história da leitura.
Não obstante a importância de suas pesquisas, elas, da mesma forma que o livro organizado por Adauto Novaes, apresentam uma dimensão da libertinagem que se constrói na oposição em relação aos ritos católicos ou, de uma forma mais ampla, aos ensinamentos da Igreja Católica e da Coroa Portuguesa. O libertino era todo aquele que usava da própria razão para entender o mundo, que defendia a autonomia intelectual e que, no limite, defendia a tolerância religiosa e a liberdade como um direito inalienável do homem (Villalta, 2009VILLALTA, Luiz Carlos. Montesquieu’s Persian Lettres and Reading Practices in the Luso-Brazilian World (1750-1802). In: PAQUETTE, Gabriel (ed.). Enlightened Reform in Southern Europe and its Atlantic Colonies, c.1750-1830. Farnham: Ashgate, 2009. p.119-141.).
Durante muito tempo, os discursos que, no mundo luso-brasileiro de finais dos Setecentos, foram reprimidos como ímpios, sediciosos ou simplesmente libertinos acabaram enquadrados, pelas interpretações historiográficas, no mundo da rebeldia intelectual e dentro da lógica da crise do Antigo Regime. Exemplo disso é a imagem que, por volta de 1901, Teófilo Braga (1901, p.28-37)BRAGA, Teófilo. Filinto Elysio e os dissidentes da Arcádia. Porto: Livraria Chardron, 1901. construiu da sociedade portuguesa do último quartel do século XVIII. Para ele, havia uma profunda cisão entre o governo, considerado beato, hipócrita e fanático, e os sábios, espíritos adeptos da filosofia moderna e daquilo que ele chamou de um voltairianismo intuitivo. Imbuídos pelas ideias de liberdade e pelo sentimento de indiferença em relação à religião e às matérias de fé, aqueles homens teriam se destacado por sua rebeldia intelectual e oposição ao obscurantismo governamental-clerical.
Passados mais de cem anos da análise desenvolvida por Teófilo Braga, sua interpretação, pelo menos no que tange à radicalidade dos adeptos da filosofia moderna em sua relação com a religião e com a ordem política e social, continua encontrando eco na historiografia. Para Anita Novinsky, por exemplo, os porta-vozes daqueles discursos heterodoxos foram precursores do pensamento liberal. Em seu entender, havia uma mentalidade subterrânea antiga, tanto em Portugal quanto no Brasil, fruto da repressão inquisitorial e da má qualidade do clero. Foi desta mentalidade que teria nascido o pensamento ilustrado em terras luso-brasileiras. O contato com os livros da Ilustração só fez reforçar ideias mais antigas. “Somente nas últimas décadas do século XVIII esse movimento clandestino de ‘descristianização’ vai assumir tanto em Portugal, como no Brasil, um caráter mais empírico, desaguando na crítica política” (Novinsky, 1990NOVINSKY, Anita. Estudantes brasileiros ‘afrancesados’ da Universidade de Coimbra. A perseguição de Antônio de Morais Silva - 1779-1806. In: COGGIOLA, Osvaldo (org.). A revolução francesa e seu impacto na América Latina . São Paulo: Edusp/ Novastela: Brasília: CNPq, 1990. p.357-371., p.368). Os estudos de Luiz Carlos Villalta (1997, p.331-385)VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: SOUZA, Laura de Mello e (coord.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.331-385. não deixam de compartilhar com estes pressupostos, principalmente os que destacam o peso da mentalidade subterrânea.
Por conseguinte, se até o século XVIII o termo libertino foi utilizado em um sentido depreciativo, sobretudo no século XX os historiadores inverteram a fórmula, empregando-o quase sempre em um contexto positivo de nascimento da modernidade ocidental. Desta forma, onde as autoridades régias viram heresia e libertinagem, os historiadores quase sempre enxergaram um núcleo ilustrado mais radical. Em alguns casos, essa oposição de fato existiu. Muitos indivíduos considerados libertinos defenderam os pressupostos da religião natural e criticaram aspectos importantes da doutrina e da disciplina católica. Os estudantes da Universidade de Coimbra, analisados por Anita Novinsky e Luiz Carlos Villalta, são um exemplo disso. Mas nem todos os indivíduos que foram acusados de libertinagem defendiam a religião natural, tampouco recusavam os códigos da moral religiosa católica.
Por tudo isso a associação libertinagem-irreligiosidade é redutora do ponto de vista histórico. Se, por um lado, as representações pejorativas que foram construídas ao longo do Setecentos em relação àqueles discursos acabaram por conferir-lhes uma capa homogeneizadora ao qualificá-los, indistintamente, como libertinos e relacioná-los à ausência de fé e ao desrespeito pelas coisas sagradas; por outro, os historiadores têm feito muito pouco esforço para desconstruir e relativizar esse quadro associativo. No fundo, o tratamento que a historiografia luso-brasileira tem dado aos discursos classificados como libertinos não deixa de se relacionar ao dilema que parece perpassar os estudos sobre o movimento iluminista em terras lusas.
Os discursos libertinos entre luzes e modernidade
A historiografia luso-brasileira sobre o Iluminismo tem se debruçado com maior afinco sobre os projetos reformistas régios. Na esteira destas análises consagrou-se - e continua consagrando - inúmeros adjetivos explicativos sobre o fenômeno. Inútil descrevê-los. Variações a parte, todos acabam convergindo para um mesmo ponto: o Iluminismo Católico. Das trajetórias pessoais aos projetos reformistas, chega-se quase sempre a uma mesma conclusão: as Luzes no mundo luso-brasileiro assumiram uma feição regalista e católica, cuja inspiração, por sua vez, remetia ao Iluminismo Italiano. As reflexões racionais harmonizavam-se aos princípios da revelação e os projetos reformistas assumiam o pragmatismo necessário ao fortalecimento do poder régio. A religião católica não foi posta em xeque; o conflito era meramente jurisdicional. A validade do pensamento religioso e a sua relevância para a estruturação da ordem política monárquica foram mantidos intactos (Carvalho, 1978CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978.; Calafate, 1998CALAFATE, Pedro. Metamorfoses da palavra: Estudos sobre o pensamento português e brasileiro. Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1998.; Domingues, 1994DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo: Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições Colibri, 1994.; Santos, 2005SANTOS, Cândido dos. Padre Antônio de Figueiredo: Erudição e Polémica na Segunda Metade do século XVIII. Lisboa: Roma Editora, 2005.).
Não obstante a importância destes trabalhos, nada mais perigoso à análise histórica do que as categorias generalizantes e os seus corolários igualmente gerais. Pedro Calafate (1998, p.141-142)CALAFATE, Pedro. Metamorfoses da palavra: Estudos sobre o pensamento português e brasileiro. Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1998., por exemplo, afirmou que, tendo o Iluminismo em Portugal assumido uma feição de Estado e assentado as suas bases sobre a tradição cristã e católica, houve uma aversão ao deísmo e ao materialismo em terras lusas.
Trabalhos como os de Ana Cristina Araújo (2003)ARAÚJO, Ana Cristina. A cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas. Lisboa: livros horizonte, 2003. e de José Augusto dos Santos Alves (2000)ALVES, José Augusto dos Santos. A opinião publica em Portugal (1780-1820). Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 2000. têm procurado romper com este paradigma. Para Araújo (2000) o problema resume-se a dois aspectos interligados: a uniformidade conferida ao fenômeno das Luzes, como se todo o conjunto de ideias em questão pudesse ser resumido na expressão “Iluminismo católico”, e a ênfase dada ao projeto reformista régio, deixando de lado o movimento maior de circulação de ideias na sociedade portuguesa da época. Em seu entender, ao final do século XVIII, visualiza-se em Portugal o fortalecimento da opinião pública e subsequente politização da vida cotidiana. As discussões políticas, assim como os espaços destinados a elas ampliavam-se. As suas críticas, apesar de válidas, culminam em algumas conclusões exageradas.
Se, por um lado, a associação entre o Iluminismo e o projeto político régio é redutora, por outro lado, Ana Cristina Araújo e José Augusto dos Santos Alves, ao criticá-la, não chegam propriamente a investigar as especificidades da politização da esfera pública portuguesa. Neste ponto, é preciso caracterizar os domínios sobre os quais esta “opinião pública” se moveu. Caso contrário corre-se o risco de dotar a expressão de um sentido a-histórico, homogeneizando processos históricos divergentes.
Diante do quadro exposto acima, percebe-se que uma batalha envolve boa parte dos estudos sobre o movimento de ideias no mundo luso-brasileiro setecentista. De um lado, os que destacam o conformismo de um Iluminismo católico. De outro, os que enfatizam o papel transformador da opinião pública em gestação e expansão, cujos referenciais, no limite, remetem ao contexto francês. Em meio a esta cisão historiográfica, há consequências mais profundas.
Primeiro porque, historicamente, o Iluminismo foi dotado de um potencial transformador. Mesmo rompendo com a visão teleológica Iluminismo-Revolução, o movimento é associado à eclosão de comportamentos heterodoxos e a um conjunto de mudanças estruturais nos campos social, político e cultural (Gauchet, 2007GAUCHET, M. La condición histórica. Conversaciones con François Azouvi y Sylvain Piron. Madrid: Editorial Trotta, 2007.; Koselleck, 1999KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.; 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.; Mandrou, 1978MANDROU, Robert. From Humanism to Science (1480-1700). New York: Penguin Books, 1978.; Skinner, 1996SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.).
A segunda consequência é ainda mais profunda. Para muitos, a demonstração histórica do triunfo da razão sobre a religião comporta o capital simbólico necessário para assegurar a inserção na modernidade racional e secular. E é justamente por isso que os trabalhos historiográficos sobre as Luzes, ou sobre o século XVIII, tendem a analisar com maior afinco o desenvolvimento da crítica racional - em suas diferentes correntes e expressões: o experimentalismo de Newton, o empirismo de Locke, o cartesianismo - e o movimento de saída da religião (Gauchet, 2007GAUCHET, M. La condición histórica. Conversaciones con François Azouvi y Sylvain Piron. Madrid: Editorial Trotta, 2007.).
Deste modo, o dilema maior com o qual parecem se defrontar alguns trabalhos historiográficos sobre o movimento de ideias no Setecentos não se resume propriamente às Luzes em si, mas à necessidade de comprovar a inserção ou não na modernidade secular. Ou seja, no processo de desenvolvimento do estado racional, da ordem capitalista, do indivíduo, da filosofia da história e de outras transformações estruturais de fundo racionais e seculares, símbolos da modernidade ocidental.11 11 Para uma discussão em torno do conceito de modernidade ver RAEFF, 1975, p.1221; KOSELLECK, 2006, p.267-303. Daí, inclusive, a importância de demonstrar a existência de um discurso racional e mesmo anticlerical, o que parece se refletir na associação que muitos historiadores têm feito entre os discursos libertinos, a ruptura com a ortodoxia católica e a rebeldia intelectual. Como destacou Luís Antônio de Oliveira Ramos ao analisar os processos inquisitoriais relacionados aos casos de erros de pensamento, produzidos entre os anos de 1774 e 1807: “a rebeldia intelectual pode preludiar a rebeldia política e a assunção da racionalidade pelos revolucionários contrapõe-se ao acatamento da tradição própria das monarquias tradicionais” (Ramos, 1988RAMOS, Luís A. de Oliveira. A irreligião filosófica na Província vista do Santo Ofício pelos fins do século XVIII. Revista da Faculdade de Letras, Porto, vol. 5, II Série, p.173-188, 1988., p.175).
As consequências destas posturas são problemáticas. Primeiro, tem reforçado uma dicotomia histórica entre razão - relacionada ao progresso e à civilização - e religião - símbolo de permanência e de tradição. Este movimento não raro teve como subproduto novas dicotomias, como a que muitas vezes se estabeleceu entre Antigo Regime e ordem monárquica, de um lado, e modernidade e ordem liberal, de outro. Em segundo lugar, diante da valorização do binômio racionalismo/ciência como característica central do conceito de modernidade, o pensamento religioso e as suas transformações históricas, com raras exceções, foram menosprezados pelas investigações sobre o século XVIII. Postura que se destaca, por exemplo, nos trabalhos de Paul Hazard (2015)HAZARD, Paul. A crise da consciência europeia (1680-1715). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015., Peter Gay (1977)GAY, Peter. The Enlightenment: an Interpretation. New York/London: W. W. Norton & Company, 1977., Margareth Jacob (2001)JACOB, Margareth. The Enlightenment. A Brief History with Documents. Boston/New York: Bedford/St. Martin’s, 2001. e Jonathan Israel (2009)ISRAEL, Jonathan. Iluminismo radical: a filosofia e a construção da modernidade, 1650-1750. São Paulo: Madras, 2009..
É justamente a partir deste quadro que estudos historiográficos recentes têm questionado tanto a noção de uma crise da mentalidade europeia quanto a relação entre lluminismo e modernidade, revisitando o lugar da religião nos discursos filosóficos setecentistas e a própria compreensão tradicional de um Iluminismo liberal e secular. Dentre os elementos criticados por esses estudos estão: (1) a tese de que a secularização racional iluminista é a única origem da modernidade e (2) a suposta oposição entre razão e religião que, para alguns, caracterizaria o movimento das Luzes (Barnett, 2003BARNETT, S. J. The Enlightenment and Religion. The Myths of Modernity. Manchester: Manchester University Press, 2003.; Beales, 2003BEALES, Derek. Prosperity and Plunder. European Catholic Monasteries in the Age of Revolution, 1650-1815. Cambridge: Cambridge University Press, 2003., p.28-29; Bulman, 2016BULMAN, William J. and INGRAM, Robert G. (ed.). God in the Enlightenment. New York: Oxford University, 2016.; Delumeau, 1971DELUMEAU, Jean. Le Catholicisme entre Luther e Voltaire. Paris: Presses Universitaires de France, 1971., p.303-317; Pocock, 1997POCOCK, John. Enthusiasm: The Antiself of Enlightenment. Huntington Library Quarterly, vol. 60, nº. 1/2, p.7-28, 1997., p.7-28; Raeff, 1975RAEFF, Marc. Well Ordered Police State and the Development of Modernity in Seventh and Eighteenth Century Europe. American Historical Review, n. 80, p.1221-1243, 1975., p.1221-1222).
J. S. Barnett (2003)BARNETT, S. J. The Enlightenment and Religion. The Myths of Modernity. Manchester: Manchester University Press, 2003., um dos expoentes mais radicais dessa linha revisionista, chegou, inclusive, a negar o peso do movimento deísta nas transformações políticas e religiosas que agitaram o século XVIII. Para ele, essas mudanças foram fruto de uma politização da religião e da emergência de movimentos reformistas de caráter religioso, como o jansenismo na França e na Itália e o presbiterianismo na Inglaterra. Em seu entender, John Toland era um presbiteriano quando escreveu Christianity not Mysterious (1696) e não um deísta como costumam afirmar os pesquisadores.12 12 O estudo desenvolvido por John Pocock sobre Edward Gibbon e o seu livro Decline and Fall insiste na complexidade e erudição da teologia protestante no Iluminismo. POCOCK, 2016, p.159-160.
De forma menos radical do que Barnett, pesquisadores como Arlette Farge (1992)FARGE, Arlette. Dire et mal dire. L’opinion publique au XVIIIe siècle. Lonrai: Éditions du Seuil, 1992., Derek Beales (2003)BEALES, Derek. Prosperity and Plunder. European Catholic Monasteries in the Age of Revolution, 1650-1815. Cambridge: Cambridge University Press, 2003., Dorinda Outram (1995)OUTRAM, Dorinda. The Enlightenment. New York: Cambridge University Press, 1995., Keith Baker (1993)BAKER, Keith Michael. Au tribunal de l’opinion. Essais sur l’imaginaire politique au XVIIIe siècle. Paris: Editions Payot, 1993., Ulrich Lehner (2011)LEHNER, Ulrich. Enlightened Monks. The German Benedictines. 1740-1803. Oxford: Oxford, 2011. e William Bulman (2016)BULMAN, William J. and INGRAM, Robert G. (ed.). God in the Enlightenment. New York: Oxford University, 2016. também têm insistido sobre a necessidade de analisar os movimentos reformistas religiosos. Estas posturas têm colocado novos problemas e desafios aos pesquisadores que analisam as ideias e os discursos setecentistas. Um deles se refere à necessidade de investigar a relação entre os discursos políticos e as posturas reformistas de caráter religioso e social, noutras palavras, o processo de politização da religião. Outro ponto caro a esta nova abordagem é o estudo do movimento de emergência de uma nova sensibilidade religiosa, em muitos aspectos, contrária aos imperativos da religiosidade barroca (Monteiro, 2008MONTEIRO, Nuno. D. José. Lisboa: Temas e Debates, 2008.). Ambos os problemas perpassaram a realidade lusitana de finais do Setecentos e devem ser considerados por todos aqueles que buscam compreender os significados políticos e religiosos dos discursos libertinos enunciados naquele contexto.
Uma nova cultura religiosa
Do ponto de vista da religião, vários conflitos e tensões perpassaram as terras lusas ao longo da segunda metade do século XVIII. Naquele contexto vieram à tona discussões importantes sobre a estrutura religiosa lusitana, o campo de atuação jurisdicional da Igreja, o comportamento dos religiosos e o modelo de religião que se julgava ideal. Ao mesmo tempo, delineou se um esforço para eliminar uma devoção considerada supersticiosa e fanática e coibir posturas irreligiosas ou libertinas.
A Coroa Portuguesa, sobretudo durante o reinado de D. José I (1750-1777), teve uma participação ativa neste processo de reavaliação da situação política e religiosa lusitana. O desejo de estabelecer a supremacia régia na gestão dos assuntos temporais, inclusive naqueles relativos à Igreja, redundou em conflitos jurisdicionais entre os poderes régio e papal e em várias leis de caráter regalista que visavam reduzir o peso político, econômico e cultural da Igreja Católica, enquanto instituição independente, na sociedade portuguesa. Mas as mudanças não se limitaram aos aspectos político-jurisdicionais das relações entre o Estado e a Igreja. Elas também permearam o campo das discussões teológicas e contribuíram, não sem conflitos e tensões, para o processo de emergência de uma nova cultura religiosa em terras lusas.
Os pareceres elaborados pelos deputados da Real Mesa Censória, tribunal régio responsável pela censura literária em Portugal a partir de 1768, demonstram alguns dos pressupostos que guiavam essa nova cultura. O desejo de propagar “a mais pura doutrina evangélica, eclesiástica e política” era um deles.13 13 ANTT, Real Mesa Censória, cx.6, 1770, n. 13. E para isso, diziam os censores, era preciso eliminar as indulgências apócrifas, excluir as narrativas que não constassem nem da Escritura, nem da Tradição, averiguar criticamente os milagres e defender a verdadeira mística, assentada em valores como a abnegação de si mesmo e humildade cristã. “É efeito de um Pirronismo decidido o negar a todos os milagres”, defendeu Frei João Batista de São Caetano. Porém, continuou, é “credulidade cega o admitir sem exame todo e qualquer milagre”.14 14 ANTT, Real Mesa Censória, cx.6, 1770, n. 72. Além disso, urgia estimular entre os fiéis uma devoção centrada na figura de Jesus Cristo e não na dos santos. Esta última, alegou Frei Ignácio de São Caetano, apesar de útil e proveitosa, não era obrigatória. Os santos nada mais eram do que intermediários: eles apenas intercediam a Jesus, em quem de fato residia todo o poder.15 15 ANTT, Real Mesa Censória, cx.5, 1769, n. 120. Os censores régios, em sua maioria homens do clero, não negavam a validade das indulgências, a existência dos santos ou dos milagres. Eles apenas queriam promover uma devoção discreta, livre de superstições e assentada na doutrina evangélica e eclesiástica.
Os pareceres da censura dão uma amostra do que foi o movimento em prol de uma nova sensibilidade religiosa em terras lusas, um fenômeno complexo, marcado por pelo menos três fatores que cumpre pormenorizar. O primeiro deles envolve a valorização de um determinado modelo de filosofia racional-natural. O novo entendimento atribuído pelo Regimento do Tribunal da Inquisição (1774) às feiticeiras, o processo de reforma dos estudos e os catálogos da Impressão Régia fizeram parte deste processo (Martins, 2005MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan. A Censura Literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.; Souza, 2012SOUZA, Evergton Sales. Catolicismo ilustrado e feitiçaria. Resultados e paradoxos na senda da libertação das consciências. CEM Cultura, Espaço & Memória, vol. 3, 2012, p.45-62.; Paiva, 1997PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem caça às bruxas: 1600-1774. Lisboa: Editorial Notícias, 1997.; Tavares, 2002TAVARES, Pedro Vilas Boas. Da Reforma à extinção: a Inquisição perante as Luzes. Dados e reflexões. Revista da Faculdade de Letras, “Línguas e Literatura”, Porto, n. XIX, 2002, p.171-208.; Tavares, 2018TAVARES, Rui. O censor iluminado: ensaio sobre o pombalismo e a revolução cultural do século XVIII. Lisboa: Tinta-da-China, 2018.). Havia por parte da Coroa Portuguesa o desejo de promover as ciências experimentais, estendendo alguns de seus pressupostos ao campo da religião. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando se tentou aplicar o método geométrico à teologia. Ou quando, no âmbito da reforma de estudos e, em especial, da reforma da Universidade de Coimbra em 1772, impuseram aos alunos das ciências sagradas a necessidade de estudar Geometria, Física Experimental, Química e História Natural. Para homens como Frei Manuel do Cenáculo, as regras invariáveis da matemática permitiam aprimorar o conhecimento das verdades religiosas já dadas pela lei natural estabelecida por Deus. “Universalmente falando, a Matemática é necessária ao Eclesiástico”, argumentou o religioso.16 16 CENÁCULO, Frei Manuel do. Cuidados Literários. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1791. p.93 e p.112-113.
O segundo ponto diz respeito ao apelo por uma religiosidade interiorizada e pela eliminação de uma piedade pouco crítica e apegada apenas às manifestações exteriores da religião, esta última descartada como hipócrita, supersticiosa e fanática. Exemplo disso foram as críticas dirigidas às beatas, acusadas muitas vezes de exercitarem uma devoção falsa, assentada apenas em êxtases e visões inventadas.17 17 PIWNIK, Marie-Helene (org.). O Anônimo. Journal portugais du XVIIIe siècle (1752-1754). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian. 1979. p.291-296; GOMIDE, Antônio Gonçalves. Impugnação analítica ao exame feito pelos clínicos, Antônio Pedro de Souza e Manuel Quintão da Silva, em uma rapariga que julgaram santa na capela da Senhora da Piedade da Serra (1814). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 14, n. 2, p.346-361, jun. 2011. Para uma análise do caso, ver SILVA, 2012. E a oposição às orações consideradas frívolas e sem qualquer fundamento, como as que queriam difundir o escrito Palavras santíssimas e armas da Igreja contra raios e terremotos, censurado em 1768.18 18 ANTT, Real Mesa Censória, cx.4, 1768, n. 158. Contra esses tipos de práticas se voltaram os censores régios e a própria Inquisição Portuguesa. O verdadeiro devoto estaria num meio termo entre a falsa piedade e o libertino. A primeira guardava apenas os aspectos exteriores da religião, o que fazia de seus praticantes indivíduos hipócritas, fanáticos e supersticiosos. O segundo, por sua vez, não passava de um cético que julgava não haver verdadeiro devoto.19 19 SOUSA, Manoel (trad.). Tartuffo ou o Hypocrita, p.122. “Uma total irreligião e uma cega superstição [...] são igualmente nocivos à verdadeira e sólida religião”, destacou o censor Frei Ignácio de São Caetano. A verdadeira religião, continuou, tinha as suas raízes na revelação e na razão natural.20 20 ANTT, Real Mesa Censória, cx.5, 1769, nº120.
Por fim, o terceiro ponto remete à defesa da crítica histórica e textual para o estudo das fontes sacras e da história da Igreja. A valorização do texto bíblico ocorrida naquele contexto era parte deste processo. De acordo com o Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra (1771) as Escrituras Sagradas deviam ser lidas não apenas pelos teólogos, mas por todos os fiéis.21 21 COMPÊNDIO histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Lisboa: na Regia Officina Typografica, 1771. p.100-101. Quando se leva em consideração a importância do Compêndio Histórico - escrito pelos membros da Junta da Providência Literária, a qual havia sido estabelecida por ordem régia, em 1770, com a responsabilidade de elaborar as diretrizes da reforma do ensino superior em Portugal - percebe-se que aquela não era uma recomendação qualquer ou mesmo fruto de argumentações marginais. O padre Antônio Pereira de Figueiredo, figura central nas discussões políticas e teológicas daquele período, parecia compartilhar dos mesmos sentimentos, pois, entre os anos 1778-1779, dedicou-se à tarefa de traduzir para o português o Novo e o Velho Testamento (Santos, 2005SANTOS, Cândido dos. Padre Antônio de Figueiredo: Erudição e Polémica na Segunda Metade do século XVIII. Lisboa: Roma Editora, 2005., p.189-195).22 22 FIGUEIREDO, António Pereira de. O Novo Testamento de Jesus Cristo. Trad. segundo a vulgata com várias anotações históricas, dogmáticas e morais. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1778. FIGUEIREDO, António Pereira de. Testamento Velho. Traduzido segundo a vulgata latina, ilustrado de prefações, notas e lições variantes. Lisboa: na Regia Officina Typografica, 1782-1791.
Este movimento de valorização da crítica histórica e textual, no qual se insere a tradução da Bíblia para o vernáculo, não era algo pontual. Durante o século XVIII, na esteira do jansenismo - e mais precisamente de suas tendências regalistas e de seu rigorismo moral - ganhou força, em Portugal, a teologia positiva. Desenvolvida no âmbito das disputas religiosas que consumiram a Europa pós-reforma luterana, a teologia positiva caracterizava-se por um retorno às fontes e pela valorização da explicação histórica, aspectos fundamentais para responder aos argumentos utilizados pelos reformadores protestantes, mas que acabaram contribuindo para uma renovação do pensamento de Santo Agostinho. O que, por sua vez, desencadeou novas disputas no seio da Igreja Católica, tais como as que envolveram o jansenismo (Beales, 2003BEALES, Derek. Prosperity and Plunder. European Catholic Monasteries in the Age of Revolution, 1650-1815. Cambridge: Cambridge University Press, 2003., p.35-37; Santos, 2001SANTOS, Cândido dos. Jansenismo e antijansenismo nos finais do Antigo Regime. Porto: Edições afrontamento, 2001.; Souza, 2004SOUZA, Evergton Sales. Jansénisme et Réforme de l’Eglise dans l’Empire Portugais. Fundação Calouste Gulbenkian, Centre culturel Calouste Gulbenkian, 2004.). Disputas à parte, o fato é que os postulados daquela teologia embasaram os escritos de homens como Verney, Antônio Pereira de Figueiredo e Frei Manuel do Cenáculo, mas igualmente as reformas empreendidas pela Coroa Portuguesa no campo dos estudos teológicos (Araújo, 2001ARAÚJO, Ana Cristina. Ilustración y reforma de la Teologia en Portugal en el siglo XVIII. Cuad. Diecioch., n. 2, p.261-279, 2001., p.261-279; Marcadè, 1978MARCADÉ, Jean. Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas: évêque de Beja, archevêque d’Evora (1770-1814). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1978.; Santos, 2001SANTOS, Cândido dos. Jansenismo e antijansenismo nos finais do Antigo Regime. Porto: Edições afrontamento, 2001.; Souza, 2004SOUZA, Evergton Sales. Jansénisme et Réforme de l’Eglise dans l’Empire Portugais. Fundação Calouste Gulbenkian, Centre culturel Calouste Gulbenkian, 2004.). A busca por um cristianismo mais afinado às Escrituras, à Tradição e à própria Igreja Primitiva redundou na valorização não apenas do texto bíblico, mas do estudo da História Eclesiástica e das línguas antigas, sobretudo, o grego e o hebraico. Foi em meio a este processo que, em 1773, foi publicado o livro Discursos sobre a historia eccleziastica por M. Fleury, traduzido pelo bacharel Luiz Carlos Moniz Barreto e dedicado ao Frei Manuel do Cenáculo.
O Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra resumiu bem o que estava por trás dessas novas diretrizes quando enfatizou a obrigação que tinha todo teólogo de “indagar a antiguidade, a universalidade e perpetuidade da Doutrina, procurando a sua origem nas Escrituras e no Ensino de Jesus Cristo e dos Apóstolos”.23 23 COMPÊNDIO histórico do Estado da Universidade de Coimbra, p.118. Essa nova cultura religiosa continuava ligada à autoridade, mas já não era mais uma autoridade acrítica. O teólogo e censor Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1797) parece ter levado essa postura ao extremo em sua obra Analyse sobre a Profissão de fé do Santo Padre Pio IV (1791).
Ao longo do livro, Pereira de Figueiredo realizou um profundo trabalho de crítica histórica e textual com o intuito de diferenciar o que, dentro da sobredita Profissão, podia ser considerado regra de fé - quer dizer, dogma - daquilo que, pelo contrário, não passava de opinião. Esta distinção o levou a refletir e a reavaliar pontos fundamentais dentro da ortodoxia católica. Por exemplo, para ele, a existência do fogo no purgatório não era de fé divina. Embora fosse uma opinião provavelmente verdadeira, a existência do fogo não era um fato revelado. Também não era ponto de fé que as almas que morriam em graça, mas sem pagar o que deviam, ficassem retidas no purgatório até que alguém neste mundo pagasse as suas dívidas ou promessas. Além disso, alertava a seus leitores, a veneração e a invocação dos santos não eram necessárias à salvação, embora fosse útil a sua invocação. Para a salvação, continuava, não era preciso que houvesse imagens. Não havia preceito divino ou eclesiástico que impusesse a sua existência. Por fim, em relação às indulgências concedidas pela Igreja, argumentou que também não eram de fé divina, tendo efeito apenas sobre os vivos e nenhum sobre os mortos. Indulgências como aquelas que concediam cem ou mil anos de perdão eram totalmente apócrifas.24 24 FIGUEIREDO, António Pereira de. Analyse da profissão de fé do Santo Padre Pio IV, p.4 e p.49-69. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1791.
António Pereira de Figueiredo, um dos principais - senão o principal - suporte teórico das políticas regalistas avançadas durante o reinado de D. José I, estabeleceu uma ruptura fundamental em sua obra. Se algo não era de fé divina, logo não havia sido revelado por Deus, sendo, portanto, de instituição apostólica e, enquanto tal, podia ser alterado ou mesmo estar errado. Ao longo do texto, Figueiredo fez muito mais do que defender o poder dos bispos reunidos em Concílio - o chamado episcopalismo - e o poder temporal régio. Ele buscou reduzir a crença ao “necessário”, eliminando tudo aquilo que julgava apócrifo ou supérfluo. Mesmo motivo que, aliás, o levara a tentar reformar o calendário Bracarense.25 25 ANTT, manuscritos da livraria, n. 2455. A proposta, entretanto, nunca foi posta em prática. SANTOS, 2005, p.170-171.
Publicado com o aval dos órgãos responsáveis pelo sistema de censura luso, o livro foi proibido pela Cúria Romana poucos anos depois e causou certo alvoroço entre os leitores luso-brasileiros. Relatos contemporâneos indicam que ele foi alvo de grande curiosidade e inspirou disputas sobre os mistérios da fé católica: “uns dizem todo o mal que podem da Analyse, outros não cessam de a louvar. Alguns tiraram já escandalosas consequências, como: que não venerariam, nem honrariam mais aos santos canonizados; que não mandariam mais celebrar missas pelas almas dos defuntos”.26 26 DUAS CARTAS sobre a nova Analyse da Profissao da Fé do Santo Padre Pio IV, Biblioteca Nacional de Portugal, códice 1433.
O relato não parece de todo exagerado, pois, em ambos os lados do Atlântico, pessoas retomaram os argumentos de Antônio Pereira de Figueiredo para expressar e dar sentido às suas insatisfações em relação à Igreja Católica e seus ministros. Obras como Tentativa Theologica (1766) e a própria Analyse foram citadas por indivíduos acusados de libertinagem junto à Inquisição Portuguesa a partir dos anos 1770 e influenciaram a elaboração de manuscritos nada ortodoxos.27 27 Veja-se, por exemplo, o manuscrito “Catecismo das Nações”, escrito por Joaquim José Pedro da Veiga, preso pela Intendência Geral de Polícia e pela Inquisição de Lisboa. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8220. As conversas ocorridas na botica de José Luís Mendes, no Rio de Janeiro, são uma prova disso.
Reforma da igreja e discurso político no Rio de Janeiro em 1790
A botica de José Luís Mendes era um local movimentado. Letrados, funcionários régios, mercadores e religiosos frequentavam o estabelecimento localizado à Rua Direita por volta dos anos 1790. Mais do que simplesmente frequentar o local, aqueles homens trocavam ideias e discutiam sobre temas que quase sempre envolviam a Igreja, a religião, os ministros eclesiásticos e a própria sociedade civil. O poder do papa, as indulgências, os livros de oração mental, o comportamento dos religiosos, a devoção devida aos santos e as missas deixadas em favor da alma eram alguns dos tópicos que davam vida às conversas. Não eram tópicos marginais, muito pelo contrário. Todos eles estavam em evidência naquele período e foram diretamente abordados pelas reformas políticas, educacionais e teológicas levadas adiante pela Coroa Portuguesa ao longo da segunda metade do século XVIII.
De fato, durante aquelas reformas o poder do papa foi limitado à esfera espiritual e sua dimensão temporal questionada em detrimento do poder régio. As indulgências e a devoção aos santos foram escrutinadas por teólogos como Antônio Pereira de Figueiredo e reavaliadas pelos censores da Real Mesa Censória.28 28 ANTT, Real Mesa Censória, cx.4, 1768, n. 98, 134, 155; cx.5, 1769, n. 46 e 97; cx.6, 1770, n. 13, 29, 72. Os livros de oração mental, embora continuassem em alta, passaram a dividir espaço com as obras de filosofia e ciência, campo em destaque no catálogo da Impressão Régia do ano de 1777 (Guedes, 1987GUEDES, Fernando. O livro e a leitura em Portugal: subsídios para a sua história, séculos XVIII e XIX. Lisboa: Editoral verbo, 1987., p.86-106; Lisboa, 1991LISBOA, João Luis. Ciência e Política. Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação, 1991., p.25-36 e p.76-83). Ao mesmo tempo, o comportamento pouco regrado de muitos religiosos, mais preocupados em satisfazer seus interesses mundanos do que as exigências espirituais do posto que ocupavam, era acompanhado de perto por funcionários régios, como o Intendente Geral de Polícia, Diogo Ignácio de Pina Manique, atento ao impacto que tais atitudes podiam ter sobre os fiéis e sobre a própria credibilidade da Igreja Católica.29 29 ANTT, Intendência Geral de Polícia, contas para as secretarias, livro 6, f.108v-109. Por fim, as missas deixadas em favor da alma sofreram um duro revés com a legislação pombalina da década de 1760 que limitou o direito de testar e, em especial, a quantidade de legados pios em benefício da alma.30 30 Carta de lei de 25 de junho de 1766 e Carta de lei de 9 de setembro de 1769. Disponíveis em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>; Acesso em: 19 jan. 2015.
Eram tempos agitados, de profundas redefinições políticas e teológicas. E mesmo distante do reino, todo aquele movimento não passou despercebido aos frequentadores da botica de José Luís Mendes. Para o padre João da Silveira Gularte, um dos participantes dos debates, o papa não era superior aos outros bispos. Na verdade, ele nada mais era do que o bispo de Roma. Luís Gonçalves dos Santos, outro frequentador do espaço, fez questão de lembrar as inúmeras vezes em que a Cúria havia sido ambiciosa e buscara se enriquecer através da concessão de graças e dispensas. Os papas, completara, não eram infalíveis e irrepreensíveis em suas ações. Outros apontavam que não era de fé divina que esta ou aquela indulgência surtisse o seu efeito de forma infalível. Da mesma forma que não era de fé divina a necessidade de haver imagens dos santos: “as santas imagens não seria mau havê-las, porém que se podia passar sem ela”.31 31 Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, boticário, morador na cidade do Rio de Janeiro e outros. In: HIGGS, David. “O Santo Ofício da Inquisição de Lisboa e a “Luciferina Assembleia” do Rio de Janeiro na década de 1790”. RIHGB, Rio de Janeiro, vol. 162, n. 412, jul./set. 2001, p.282.
No entender dos homens que proferiram aquelas falas, elas nada tinham de heréticas. Pois, como afirmava o boticário Antônio Bandeira de Gouveia, tudo aquilo que ele dizia constava em livros aprovados pela Real Mesa Censória, tais como eram os escritos do teólogo Antônio Pereira de Figueiredo e o livro de história eclesiástica de M. Racine. O que, por sua vez, não deixava de evidenciar um movimento que o próprio Figueiredo fizera questão de enfatizar com ares de júbilo: “Já o que antes passava em Portugal por heresia é hoje entre nós doutrina corrente. [...] Os que se querem instruir no importante estudo da História Eclesiástica não pegam nos livros de Orsi, mas nos de Fleury ou de Racine”.32 32 Apud SANTOS, 2004, p.956.
Não era bem assim. Afinal, nem todos ouviram aquelas proposições acerca dos poderes papais e da devoção aos santos com o mesmo louvor e tranquilidade. Para Manuel de Jesus, tio de José Luis Mendes, a botica de seu sobrinho era frequentada por libertinos e formava uma verdadeira “luciferina assembleia”. Foi exatamente esta a expressão que ele utilizou na denúncia que enviou à Inquisição de Lisboa, em dezembro de 1794. Em seu entender, aqueles homens argumentavam de forma perigosa sobre a religião, lançando dúvidas sobre o poder do papa, os santos, os milagres, os religiosos, as práticas devocionais e as solenidades da Igreja. Lá, falava-se mal dos religiosos regulares. O Santo Pontífice não só era tratado com desprezo pelos seus frequentadores, como tinha o seu poder político criticado. Diziam que “os papas e cúria têm sido a causa das heresias por muitas simonias e por repartirem terras e domínios aos reis que nada lhe pertence do temporal e governo do mundo”.33 33 Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, p.261. Ele próprio já tinha presenciado algumas daquelas discussões. O teor das proposições avançadas o levara a crer que todos eles estavam infectados pelas “falsas doutrinas de Voltaire e outros libertinos”, suspeita que, a seu ver, era reforçada pelo fato de ter visto na casa de José Luis Mendes estampas em gesso de Voltaire e do rei da Prússia.34 34 Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, p.263.
De fato, aqueles homens não desconheciam as doutrinas de Voltaire. Porém, não obstante as suspeitas levantadas pelo denunciante, boa parte das discussões ocorridas na botica de José Luís Mendes voltou-se, sobretudo, para o tema da jurisdição eclesiástica. Evocando os escritos do padre Antônio Pereira de Figueiredo, o “adjunto libertinoso” apontado pelo denunciante Manuel de Jesus estava mais próximo dos debates acerca do poder régio e dos limites impostos ao poder papal do que das conversas filosóficas promovidas, por exemplo, pelos militares de Valença ou pelos estudantes de Coimbra contra os dogmas da religião revelada. O problema que se colocava aos frequentadores da botica denunciados não era o da suficiência da religião natural. As críticas que fizeram à religião católica tinham como eixos argumentativos principais a defesa da lei e moral evangélicas e as considerações sobre a religião feitas por Pereira de Figueiredo em seus escritos, aspecto que o sapateiro Manuel de Jesus, responsável pela denuncia, não parecia desconhecer. Afinal, a confiarmos nos relatos de algumas testemunhas, o sapateiro não era muito fã das obras do teólogo português e não fazia questão de esconder o seu posicionamento. Tanto assim que houve quem se dispusesse a endereçar-lhe um escrito satírico, ao que o sapateiro respondeu compondo um credo em verso.35 35 Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, p.296.
Contendas literárias a parte, o fato é que os frequentadores da tal “luciferina assembleia” não estavam preocupados em abolir a validade da revelação. Buscavam, antes, avaliar os comportamentos desregrados e os abusos praticados por muitos eclesiásticos daquela capitania e alcançar uma religião fundada na crítica histórica e no Evangelho. Prova disso é que lamentavam a pouca atenção que os religiosos regulares de seu tempo dedicavam aos exemplos e ensinamentos deixados pelos fundadores de suas casas religiosas. João Marques Pinto, professor régio de grego e um dos participantes das discussões na botica, insistia que os frades “eram inúteis à República” e que haviam se afastado das regras iniciais de seus institutos. Se no tempo dos seus Patriarcas os regulares trabalhavam para se sustentaram, ao final do século XVIII, viviam somente de negociações, vendendo mortalhas velhas e passando o tempo na ociosidade, razão pela qual serviam de “peso ao Estado, a Pátria e ao Rei”.36 36 Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 12950, f.7v. Os Beneditinos e os Carmelitas, embora possuíssem bens, ainda assim pediam esmolas, empobrecendo os povos.37 37 Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 12950, f.16-16v.
A maioria dos denunciados compartilhava as ideias defendidas pelo reformismo ilustrado régio, o que os levou a adotar uma postura de valorização da razão, a abordar o primado da jurisdição do monarca, a defender o retorno às fontes, às Escrituras e a um suposto cristianismo primitivo e a criticar o peso político da estrutura eclesiástica e o modelo devocional barroco, com suas práticas religiosas exteriores exacerbadas. Mas tal aproximação não tornava suas falas menos problemáticas do que aquelas veiculadas por alguns estudantes de Coimbra, críticos da religião revelada e defensores de Voltaire. Pois as conversas e as disputas ocorridas na botica da Rua Direita, não obstante suas especificidades, expunham a estrutura religiosa portuguesa ao domínio da crítica e dos rumores, abalando a legitimidade da Igreja e de seus ministros na gestão do sagrado. Mesmo quando as críticas feitas ao poder papal partiam de argumentos apresentados por Antônio Pereira de Figueiredo, nem sempre elas ficaram restritas ao que o teólogo português havia defendido. Nesse ponto, convém não esquecer que, apesar dos conflitos jurisdicionais que opuseram o rei e o papa na segunda metade do século XVIII, os reinados josefino e mariano não negaram a autoridade espiritual do papa. As regras para a censura literária expostas em alvarás régios tanto em 1768 quanto em 1795 eram enfáticas ao condenarem os livros que negassem aquela autoridade. Apesar disso, na botica carioca de José Luís Mendes, as críticas às pretensões temporais de Roma se mesclaram a falas que enfatizavam os interesses pecuniários dos pontífices em suas ações religiosas ao venderem indulgências. Este tipo de discurso, por sua vez, remetia, conscientemente ou não, a reflexões mais antigas, como aquelas efetuadas, ainda no século XVI, por Gil Vicente em seus autos ou mesmo pelos reformadores protestantes, como Lutero (Martins, 2005MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan. A Censura Literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005., p.350-351 e p.360-362). Nesse sentido, aquelas falas ultrapassavam e muito os limites prescritos pelo reformismo régio, contribuindo para corroer a autoridade pontifícia.
De um modo geral, as discussões ocorridas na botica de José Luís Mendes lançam luz sobre alguns dos desafios que a Igreja Católica e os religiosos tiveram que enfrentar no final do século XVIII. Em meio às reformas políticas, teológicas e educacionais fomentadas pela Coroa Portuguesa, delineou-se um apelo, sobretudo, entre grupos letrados, por uma religião depurada de elementos supérfluos e reduzida ao essencial da fé. Uma Igreja que estivesse mais próxima do que era pregado nas Escrituras e praticado por uma suposta Igreja Primitiva. Aplicando uma abordagem racional da teologia, aqueles homens acabavam por misturar ideias filosóficas sobre a religião, teorias regalistas e os pressupostos de uma nova cultura religiosa às insatisfações que nutriam contra a Igreja, contra o comportamento dos religiosos e contra a própria vivência religiosa de seus contemporâneos. Miravam, com isso, uma reforma não apenas da religião e da Igreja em sua dimensão espiritual, mas do próprio reino e da sociedade em que viviam. Uma sociedade que, não obstante os avanços da secularização, continuava conferindo à religião uma importância civil.
Mas, ao mesmo tempo, os conflitos gerados por aquelas conversas revelam as fissuras e os limites por trás dos intentos reformistas. Do ponto de vista da vivência social, a valorização da filosofia racional e as críticas dirigidas ao fanatismo e à superstição nem sempre se traduziram em alterações na forma como a população entendia a relação Estado-Igreja ou vivenciava sua religiosidade. No caso específico das discussões ocorridas na botica da Rua Direita, tais limites perpassavam as falas de homens como o meirinho José Teixeira, ferrenho defensor dos direitos pontifícios e cético diante daqueles que insistiam nas prerrogativas régias. Ou mesmo as contendas que alguns professores régios daquela capitania tiveram com determinadas casas religiosas, estas últimas descontentes com a posição periférica que passaram a ocupar com a reforma de ensino promovida pela Coroa e subsequente criação das aulas menores, campo até então sob sua responsabilidade.38 38 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 12950, f.46. “Carta do professor de grego, João Marques Pinto, e do professor de Retórica, Manoel Inácio da Silva Alvarenga, à rainha [D. Maria I], Rio de Janeiro, 28 de março de 1793”. AHU, Projeto Resgate - Rio de Janeiro - Avulsos (1614-1830).
Conclusão
Uma nova cultura religiosa se desenvolveu em terras lusas durante a segunda metade do século XVIII. Sem eliminar uma prática religiosa barroca entre a população, essa nova cultura permeou círculos letrados e reformistas, movendo-se, inclusive, para o universo das conversas diárias sobre a religião. A sua formação se deu em um cenário interno complexo em que se mesclaram as investidas regalistas contra o poder papal, a inserção da teologia positiva através das ideias jansenistas e a valorização de um determinado modelo de filosofia racional. Tudo isso inserido em um contexto europeu de crescente radicalização política e doutrinal de que foram exemplos não só os escritos filosóficos sobre a religião, mas movimentos como a Independência das Treze Colônias (1776) e a Revolução Francesa (1789).
Por trás daquela nova cultura religiosa residiam não apenas preocupações de cunho espirituais. O lugar ocupado pela religião e pelos religiosos na vida social ampliou o raio de ação daquelas transformações, que acabaram por se confundir ao desejo de aperfeiçoamento político, social e econômico do reino, o qual, não raras vezes, moveu-se sob o mote fluído e genérico de um combate à ignorância, ao erro, à superstição e ao fanatismo.
Todo esse movimento reformista propiciou a emergência de diferentes tensões em terras lusas. Se, por um lado, nem todos se conformaram aos limites desejados pela Coroa Portuguesa para a filosofia racional, por outro, é fato que a defesa do regalismo e as críticas à religiosidade barroca se fizeram presentes em conversas cotidianas sobre a religião. E foi em meio a essas conversas que a figura do libertino, quase sempre qualificado pejorativamente, ganhou força como símbolo das disputas políticas e teológicas que atravessaram o mundo luso-brasileiro de finais do século XVIII.
-
1
NATIVIDADE, Frei Francisco de. Dialogo em que se faz huma relação do grande milagre do santo cristo da pastorinha que se venera na Igreja do Colegio de S. Bento dos Apostolos desta nobre Vila de Santarém, explica-se o que seja piedade, fanatismo e libertinagem. Biblioteca Pública de Évora (BPE), cod. CIX/1-5, n. 8.
-
2
Opera O libertino, copiada aos 10 de maio de 1790. Cópia autografada António José de Oliveira. Disponível em http://purl.pt/15331 ; Acesso em: 05 ago. 2016. Trata-se, na verdade, de uma tradução da obra de Molière, Dom Juan or le festin de Pierre. O termo foi utilizado com conotação semelhante na comédia manuscrita “O ipócrita”, suprimida pela Real Mesa Censória em Setembro de 1770. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Real Mesa Censória, cx.322, n. 2221.
-
3
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, liv. 319/130º Cadernos do Promotor (1769-1790), f.383.
-
4
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 2774, f.58.
-
5
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 13436, f.2-3.
-
6
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 13541, f.3v.
-
7
Para citações ver SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da língua portugueza. vol. 2. Lisboa: na officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789. p.21.
-
8
Carta de lei de 24 de novembro de 1770. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>; Acesso em: 19 jan. 2015.
-
9
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 16335, f.2.
-
10
ANTT, Intendência Geral de Polícia, contas para as secretarias, livro 6, f.54v-55. Ver também, no mesmo livro, a devassa aberta para averiguar uma denuncia feita contra o bacharel Antônio José de Moraes, acusado de ser jacobino e de ter proferido “algumas liberdades contra os ministros da nossa santa religião”, f.24v-25.
-
11
Para uma discussão em torno do conceito de modernidade ver RAEFF, 1975RAEFF, Marc. Well Ordered Police State and the Development of Modernity in Seventh and Eighteenth Century Europe. American Historical Review, n. 80, p.1221-1243, 1975., p.1221; KOSELLECK, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006., p.267-303.
-
12
O estudo desenvolvido por John Pocock sobre Edward Gibbon e o seu livro Decline and Fall insiste na complexidade e erudição da teologia protestante no Iluminismo. POCOCK, 2016POCOCK, John. Response and Commentary. Journal of the History of Ideas, vol. 77, n. 1, p. 157-171, January 2016., p.159-160.
-
13
ANTT, Real Mesa Censória, cx.6, 1770, n. 13.
-
14
ANTT, Real Mesa Censória, cx.6, 1770, n. 72.
-
15
ANTT, Real Mesa Censória, cx.5, 1769, n. 120.
-
16
CENÁCULO, Frei Manuel do. Cuidados Literários. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1791. p.93 e p.112-113.
-
17
PIWNIK, Marie-Helene (org.). O Anônimo. Journal portugais du XVIIIe siècle (1752-1754). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian. 1979. p.291-296; GOMIDE, Antônio Gonçalves. Impugnação analítica ao exame feito pelos clínicos, Antônio Pedro de Souza e Manuel Quintão da Silva, em uma rapariga que julgaram santa na capela da Senhora da Piedade da Serra (1814). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 14, n. 2, p.346-361, jun. 2011. Para uma análise do caso, ver SILVA, 2012.
-
18
ANTT, Real Mesa Censória, cx.4, 1768, n. 158.
-
19
SOUSA, Manoel (trad.). Tartuffo ou o Hypocrita, p.122.
-
20
ANTT, Real Mesa Censória, cx.5, 1769, nº120.
-
21
COMPÊNDIO histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Lisboa: na Regia Officina Typografica, 1771. p.100-101.
-
22
FIGUEIREDO, António Pereira de. O Novo Testamento de Jesus Cristo. Trad. segundo a vulgata com várias anotações históricas, dogmáticas e morais. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1778. FIGUEIREDO, António Pereira de. Testamento Velho. Traduzido segundo a vulgata latina, ilustrado de prefações, notas e lições variantes. Lisboa: na Regia Officina Typografica, 1782-1791.
-
23
COMPÊNDIO histórico do Estado da Universidade de Coimbra, p.118.
-
24
FIGUEIREDO, António Pereira de. Analyse da profissão de fé do Santo Padre Pio IV, p.4 e p.49-69. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1791.
-
25
ANTT, manuscritos da livraria, n. 2455. A proposta, entretanto, nunca foi posta em prática. SANTOS, 2005SANTOS, Cândido dos. Padre Antônio de Figueiredo: Erudição e Polémica na Segunda Metade do século XVIII. Lisboa: Roma Editora, 2005., p.170-171.
-
26
DUAS CARTAS sobre a nova Analyse da Profissao da Fé do Santo Padre Pio IV, Biblioteca Nacional de Portugal, códice 1433.
-
27
Veja-se, por exemplo, o manuscrito “Catecismo das Nações”, escrito por Joaquim José Pedro da Veiga, preso pela Intendência Geral de Polícia e pela Inquisição de Lisboa. ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 8220.
-
28
ANTT, Real Mesa Censória, cx.4, 1768, n. 98, 134, 155; cx.5, 1769, n. 46 e 97; cx.6, 1770, n. 13, 29, 72.
-
29
ANTT, Intendência Geral de Polícia, contas para as secretarias, livro 6, f.108v-109.
-
30
Carta de lei de 25 de junho de 1766 e Carta de lei de 9 de setembro de 1769. Disponíveis em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt>; Acesso em: 19 jan. 2015.
-
31
Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, boticário, morador na cidade do Rio de Janeiro e outros. In: HIGGS, David. “O Santo Ofício da Inquisição de Lisboa e a “Luciferina Assembleia” do Rio de Janeiro na década de 1790”. RIHGB, Rio de Janeiro, vol. 162, n. 412, jul./set. 2001, p.282.
-
32
Apud SANTOS, 2004SANTOS, Cândido dos. Matrizes do Iluminismo Católico da época pombalina. In: SILVA, Francisco Ribeiro da. (org.) Estudos em homenagem a Luís António de Oliveira Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto,2004, p.949-956., p.956.
-
33
Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, p.261.
-
34
Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, p.263.
-
35
Proposições, 1796. Libertinagens. Sumário contra José Luís Mendes, p.296.
-
36
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 12950, f.7v.
-
37
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 12950, f.16-16v.
-
38
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo 12950, f.46. “Carta do professor de grego, João Marques Pinto, e do professor de Retórica, Manoel Inácio da Silva Alvarenga, à rainha [D. Maria I], Rio de Janeiro, 28 de março de 1793”. AHU, Projeto Resgate - Rio de Janeiro - Avulsos (1614-1830).
Referências bibliográficas
- ABREU, Laurinda. Pina Manique: um reformador no Portugal das Luzes. Lisboa: Gradiva, 2013.
- ABREU, Márcia. Libertinagens - da ficção à medicina. Disponível em: <http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/abralic/libertinagem.doc> ; Acesso em: 16 ago. 2016.
» http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/abralic/libertinagem.doc - ALVES, José Augusto dos Santos. A opinião publica em Portugal (1780-1820). Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 2000.
- ARAÚJO, Ana Cristina. A cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas. Lisboa: livros horizonte, 2003.
- ARAÚJO, Ana Cristina. Ilustración y reforma de la Teologia en Portugal en el siglo XVIII. Cuad. Diecioch, n. 2, p.261-279, 2001.
- BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790-1822). São Paulo: Annablume, 2006.
- BAKER, Keith Michael. Au tribunal de l’opinion. Essais sur l’imaginaire politique au XVIIIe siècle. Paris: Editions Payot, 1993.
- BARNETT, S. J. The Enlightenment and Religion The Myths of Modernity. Manchester: Manchester University Press, 2003.
- BEALES, Derek. Prosperity and Plunder European Catholic Monasteries in the Age of Revolution, 1650-1815. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
- BRAGA, Teófilo. Filinto Elysio e os dissidentes da Arcádia Porto: Livraria Chardron, 1901.
- BULMAN, William J. and INGRAM, Robert G. (ed.). God in the Enlightenment New York: Oxford University, 2016.
- CALAFATE, Pedro. Metamorfoses da palavra: Estudos sobre o pensamento português e brasileiro. Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1998.
- CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1978.
- DELUMEAU, Jean. Le Catholicisme entre Luther e Voltaire Paris: Presses Universitaires de France, 1971.
- DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo: Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições Colibri, 1994.
- FARGE, Arlette. Dire et mal dire L’opinion publique au XVIIIe siècle. Lonrai: Éditions du Seuil, 1992.
- GAUCHET, M. La condición histórica. Conversaciones con François Azouvi y Sylvain Piron. Madrid: Editorial Trotta, 2007.
- GAY, Peter. The Enlightenment: an Interpretation. New York/London: W. W. Norton & Company, 1977.
- GUEDES, Fernando. O livro e a leitura em Portugal: subsídios para a sua história, séculos XVIII e XIX. Lisboa: Editoral verbo, 1987.
- HAZARD, Paul. A crise da consciência europeia (1680-1715). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.
- ISRAEL, Jonathan. Iluminismo radical: a filosofia e a construção da modernidade, 1650-1750. São Paulo: Madras, 2009.
- JACOB, Margareth. The Enlightenment A Brief History with Documents. Boston/New York: Bedford/St. Martin’s, 2001.
- KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.
- KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
- LEHNER, Ulrich. Enlightened Monks The German Benedictines. 1740-1803. Oxford: Oxford, 2011.
- LISBOA, João Luis. Ciência e Política Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação, 1991.
- MACHADO, Fernando Augusto. Um herético em país de frades, ou como Rousseau invadiu Portugal. Diacrítica, vol. 26, n. 2, p.324-352, 2012.
- MANDROU, Robert. From Humanism to Science (1480-1700). New York: Penguin Books, 1978.
- MARCADÉ, Jean. Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas: évêque de Beja, archevêque d’Evora (1770-1814). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1978.
- MARCOCCI, Guiseppe; PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa (1536-1821). Lisboa: A Esfera dos Livros, 2013.
- MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan. A Censura Literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
- MONTEIRO, Nuno. D. José Lisboa: Temas e Debates, 2008.
- NOVAES, Adauto. Libertinos libertários São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
- NOVINSKY, Anita. Estudantes brasileiros ‘afrancesados’ da Universidade de Coimbra. A perseguição de Antônio de Morais Silva - 1779-1806. In: COGGIOLA, Osvaldo (org.). A revolução francesa e seu impacto na América Latina . São Paulo: Edusp/ Novastela: Brasília: CNPq, 1990. p.357-371.
- OUTRAM, Dorinda. The Enlightenment New York: Cambridge University Press, 1995.
- PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem caça às bruxas: 1600-1774. Lisboa: Editorial Notícias, 1997.
- POCOCK, John. Enthusiasm: The Antiself of Enlightenment. Huntington Library Quarterly, vol. 60, nº. 1/2, p.7-28, 1997.
- POCOCK, John. Response and Commentary. Journal of the History of Ideas, vol. 77, n. 1, p. 157-171, January 2016.
- RAEFF, Marc. Well Ordered Police State and the Development of Modernity in Seventh and Eighteenth Century Europe. American Historical Review, n. 80, p.1221-1243, 1975.
- RAMOS, Luís A. de Oliveira. A irreligião filosófica na Província vista do Santo Ofício pelos fins do século XVIII. Revista da Faculdade de Letras, Porto, vol. 5, II Série, p.173-188, 1988.
- SANTOS, Cândido dos. Jansenismo e antijansenismo nos finais do Antigo Regime Porto: Edições afrontamento, 2001.
- SANTOS, Cândido dos. Matrizes do Iluminismo Católico da época pombalina. In: SILVA, Francisco Ribeiro da. (org.) Estudos em homenagem a Luís António de Oliveira Ramos Faculdade de Letras da Universidade do Porto,2004, p.949-956.
- SANTOS, Cândido dos. Padre Antônio de Figueiredo: Erudição e Polémica na Segunda Metade do século XVIII. Lisboa: Roma Editora, 2005.
- SCHWARTZ, Stuart. Cada um na sua lei Tolerância religiosa e salvação no mundo atlântico ibérico. São Paulo: Companhia das Letras; Bauru: Edusc, 2009.
- SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A cultura luso-brasileira: Da Reforma da Universidade à Independência do Brasil. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.
- SILVA, Simone Santos de Almeida. Iluminismo e Ciência luso-brasileira: uma semiologia das doenças nervosas no período joanino. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) - FioCruz. Rio de Janeiro, 2012.
- SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
- SOUZA, Evergton Sales. Jansénisme et Réforme de l’Eglise dans l’Empire Portugais Fundação Calouste Gulbenkian, Centre culturel Calouste Gulbenkian, 2004.
- SOUZA, Evergton Sales. Catolicismo ilustrado e feitiçaria. Resultados e paradoxos na senda da libertação das consciências. CEM Cultura, Espaço & Memória, vol. 3, 2012, p.45-62.
- TAVARES, Pedro Vilas Boas. Da Reforma à extinção: a Inquisição perante as Luzes. Dados e reflexões. Revista da Faculdade de Letras, “Línguas e Literatura”, Porto, n. XIX, 2002, p.171-208.
- TAVARES, Rui. O censor iluminado: ensaio sobre o pombalismo e a revolução cultural do século XVIII. Lisboa: Tinta-da-China, 2018.
- VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime português (1788-1822). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016.
- VILLALTA, Luiz Carlos. Libertine readings in Portugal and Brazil (c. 1746-1807). Disponível em: <http://www.academia.edu/2408161/Libertine_Readings_in_Portugal_and_Brazil_c._1746_-_1807>; Acesso em: 16 ago. 2016.
» http://www.academia.edu/2408161/Libertine_Readings_in_Portugal_and_Brazil_c._1746_-_1807 - VILLALTA, Luiz Carlos. Montesquieu’s Persian Lettres and Reading Practices in the Luso-Brazilian World (1750-1802). In: PAQUETTE, Gabriel (ed.). Enlightened Reform in Southern Europe and its Atlantic Colonies, c.1750-1830. Farnham: Ashgate, 2009. p.119-141.
- VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: usos do livro na América Portuguesa. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999.
- VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: SOUZA, Laura de Mello e (coord.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.331-385.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Set 2019 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2019
Histórico
-
Recebido
25 Mar 2019 -
Revisado
29 Maio 2019 -
Aceito
02 Jul 2019