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Avaliação do comportamento eletrocinético de suspensões cerâmicas não-aquosas contendo PVB como aditivo

Evaluation of the electrokinetic behavior of non-aqueous ceramic suspensions containing PVB

Resumos

Produtos cerâmicos à base de alumina (Al2O3), zircônia (ZrO2) e/ou carbeto de silício (SiC) têm grande utilização em várias áreas e com diferentes formas que vão desde corpos sinterizados até pós abrasivos. As etapas fundamentais do processamento para a fabricação de cerâmicas são sua mistura e conformação. A conformação cerâmica pode ser feita por vários métodos e o sucesso da utilização destas técnicas depende fundamentalmente do conhecimento das propriedades eletrocinéticas da dispersão de partículas com seus aditivos. Este trabalho teve como objetivo o estudo das características eletrocinéticas de dispersões de Al2O3, ZrO2 ou SiC em etanol, analisando a formação de cargas devido à adsorção específica de aditivos (como íons Al3+ para o caso da Al2O3 ou SiC) e a influência de outro aditivo como polivinil butiral (PVB) na estabilidade da dispersão. Podemos constatar que para os três sistemas ocorre adsorção do PVB, e que o mesmo adsorve preferencialmente quando a superfície da partícula está carregada positivamente, situação que para o ZrO2-MgO ocorre espontaneamente quando adicionado em etanol, já para o caso do Al2O3 e SiC consegue-se adicionando uma solução alcóolica de Al(NO3)3 promovendo adsorção de íons Al3+.

suspensão cerâmica; alumina; zircônia; carbeto de silício; PVB; adsorção; comportamento eletrocinético


Alumina (Al2O3), zirconia (ZrO2) and silicon carbide (SiC) based ceramics have a large number of applications in the ceramic industry. Among the most relevant stages of the fabrication process of these materials, mixture and shaping deserve special attention. The success of these stages depends on the knowledgement of the suspension electrokinetics properties containing the appropriate additives. In this work, the electrokinetics properties of ethanolic suspensions of Al2O3, ZrO2 or SiC were studied as a function of the adsorption of specific additives. Al3+ was tested on Al2O3 and SiC suspensions, and polyvinylbutyral (PVB) was tested on all suspensions to evaluate its influence on the suspension stability. It was shown that PVB is adsorbed on the surface of all powders under experiment, and its adsorption was observed to be higher when the surface was positively charged. These surface positive charges were spontaneously generated on ZrO2-MgO ethanol suspension. However on Al2O3 and SiC, this surface situation was only achieved after the adsorption of Al3+.

ceramic suspensions; alumina; zirconia; silicon carbide; PVB; electrokinetic behavior


Avaliação do comportamento eletrocinético de suspensões cerâmicas não-aquosas contendo PVB como aditivo

Evaluation of the electrokinetic behavior of non-aqueous ceramic suspensions containing PVB

S. L. M. Brito; P. J. B. Marcos; M. M. Henrique; D. Gouvêa

Laboratório de Processos Cerâmicos - Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais,Escola Politécnica da Universidade de S. Paulo (EPUSP) Av. Prof Mello Moraes, 2463, Cidade Universitária, S. Paulo 05580-900 dgouvea@usp.br

RESUMO

Produtos cerâmicos à base de alumina (Al2O3), zircônia (ZrO2) e/ou carbeto de silício (SiC) têm grande utilização em várias áreas e com diferentes formas que vão desde corpos sinterizados até pós abrasivos. As etapas fundamentais do processamento para a fabricação de cerâmicas são sua mistura e conformação. A conformação cerâmica pode ser feita por vários métodos e o sucesso da utilização destas técnicas depende fundamentalmente do conhecimento das propriedades eletrocinéticas da dispersão de partículas com seus aditivos. Este trabalho teve como objetivo o estudo das características eletrocinéticas de dispersões de Al2O3, ZrO2 ou SiC em etanol, analisando a formação de cargas devido à adsorção específica de aditivos (como íons Al3+ para o caso da Al2O3 ou SiC) e a influência de outro aditivo como polivinil butiral (PVB) na estabilidade da dispersão. Podemos constatar que para os três sistemas ocorre adsorção do PVB, e que o mesmo adsorve preferencialmente quando a superfície da partícula está carregada positivamente, situação que para o ZrO2-MgO ocorre espontaneamente quando adicionado em etanol, já para o caso do Al2O3 e SiC consegue-se adicionando uma solução alcóolica de Al(NO3)3 promovendo adsorção de íons Al3+.

Palavras-chave: suspensão cerâmica, alumina, zircônia, carbeto de silício, PVB, adsorção, comportamento eletrocinético.

ABSTRACT

Alumina (Al2O3), zirconia (ZrO2) and silicon carbide (SiC) based ceramics have a large number of applications in the ceramic industry. Among the most relevant stages of the fabrication process of these materials, mixture and shaping deserve special attention. The success of these stages depends on the knowledgement of the suspension electrokinetics properties containing the appropriate additives. In this work, the electrokinetics properties of ethanolic suspensions of Al2O3, ZrO2 or SiC were studied as a function of the adsorption of specific additives. Al3+ was tested on Al2O3 and SiC suspensions, and polyvinylbutyral (PVB) was tested on all suspensions to evaluate its influence on the suspension stability. It was shown that PVB is adsorbed on the surface of all powders under experiment, and its adsorption was observed to be higher when the surface was positively charged. These surface positive charges were spontaneously generated on ZrO2-MgO ethanol suspension. However on Al2O3 and SiC, this surface situation was only achieved after the adsorption of Al3+.

Keywords: ceramic suspensions, alumina, zirconia, silicon carbide, PVB, electrokinetic behavior.

INTRODUÇÃO

A conformação é uma das etapas mais importantes da produção de materiais cerâmicos e envolve principalmente conceitos da química coloidal, empacotamento de partículas e de reologia de materiais [1-7]. Estes processos consistem em diferentes metodologias que visam formar corpos sólidos com formas definidas.

Os métodos de conformação são determinados pelas características das matérias-primas, pela sua concentração e pela forma final do produto desejado [8]. A grande maioria de tais metodologias empregadas industrialmente utiliza uma solução aquosa ou orgânica como meio fluido criando uma suspensão de partículas, com maior ou menor concentração de sólidos. Dentre as metodologias que utilizam suspensões fluídas de baixa viscosidade para a conformação de corpos cerâmicos pode-se citar a colagem de barbotina (slip casting) [9, 10], deposição eletroforética (EPD) [11, 12] e a conformação por gel (gel casting) [13, 14]. As suspensões são dependentes tanto da fase dispersante como da fase dispersa, ou seja, respectivamente do meio fluido e de todos os elementos que se encontram dispersos ou solúveis nele tais como partículas sólidas, dispersantes, ligantes, plastificantes ou outros aditivos, os quais possuem finalidades específicas.

Dentre as várias metodologias possíveis para a conformação de materiais cerâmicos a partir de soluções encontra-se a técnica de deposição eletroforética, a qual tem recebido uma atenção particularmente crescente nos últimos anos devido à sua versatilidade, facilidade de controle e baixo custo de produção [15, 16]. A metodologia contempla tanto a utilização de solventes aquosos como de não-aquosos, sendo que os primeiros possuem a limitação da eletrólise e os últimos são muito criticados por: - 1 apresentarem baixos valores de carga elétrica superficial (essencial para os processos de estabilização eletrostática e eletroestérica), - 2 elevada volatilidade e - 3 riscos à saúde e ao meio ambiente [17]. No entanto, é possível utilizar alguns solventes orgânicos, de baixa toxidade, volatilidade e que não apresentam sérios riscos ao meio ambiente e à saúde humana [18-20].

É conhecido que os solventes não-aquosos, de modo geral, apresentam baixas constantes dielétricas, quando comparados à água (para a H2O, e = 78) [21]. No entanto, estudos realizados em suspensões não-aquosas de alguns óxidos cerâmicos comprovam que determinadas reações superficiais entre os sólidos e o solvente podem gerar cargas elétricas cujas magnitudes são adequadas ao processo de estabilização eletrocinética das mesmas [15, 18, 22-24]. Tais magnitudes chegam a ser superiores às magnitudes apresentadas pelos mesmos materiais quando em meios aquosos, o que justifica o emprego de tais solventes.

Tendo em vista o processo de conformação e a posterior etapa de secagem, para a eliminação do solvente orgânico, faz-se necessária à utilização de aditivos que confiram características de resistência mecânica. No caso, tais aditivos devem ser compatíveis com o solvente e com o tipo de sólido utilizado. A contribuição das cargas geradas, assim como da adsorção de aditivos na superfície dos materiais sólidos, no processo de estabilização de suspensões pode ser avaliada por técnicas eletrocinéticas, visto que estas dependem exatamente da presença de cargas elétricas superficiais [25]. Um dos aditivos escolhidos para este trabalho foi o poli(vinil butiral), PVB, que é muito empregado em processamento cerâmico como ligante e conhecido pelas suas características adesivas em superfícies vítreas [24].

A molécula de PVB é considerada como sendo um polímero de peso molecular médio (30.000 g/mol) e que apresenta grupos funcionais não-iônicos, de acordo com a estrutura ilustrada na Fig. 1:


A sua principal vantagem é que ao ser devidamente plastificado pelo solvente confere elevada resistência mecânica ao corpo sólido conformado, além de ser facilmente pirolisado.

Neste trabalho serão apresentados os resultados da avaliação de eficiência de estabilização de suspensões não-aquosas de três dos materiais cerâmicos mais amplamente utilizados pela indústria (Al2O3, SiC e ZrO2-MgO) através de caracterização eletrocinética. A diferença de eficiência na estabilização gerada pela mudança de pH e adsorção específica de íons, além da adsorção de moléculas poliméricas (PVB) serão discutidas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Matérias-primas

Os pós utilizados neste trabalho foram fornecidos pela Alcoa Alumínio S. A. (Al2O3 e SiC) e pela Usina Piloto de produção experimental de ZrO2 do IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares). As características dos pós foram obtidas através de análises de área específica por adsorção física de N2 (Gemini 2375 Micromeritics – pré-tratamento a 200 ºC e 100 µm de Hg - método BET) e distribuição de tamanho de partículas por espalhamento laser (Malvern série 2600). Ao ZrO2 foi adicionado MgO na proporção de 3% em peso (8,6% em mol), no intuito de promover a estabilização de fases cristalinas no material após futuro tratamento térmico [26-28].

Suspensões cerâmicas

As suspensões foram preparadas a partir da dispersão das partículas cerâmicas em etanol (C2H5OH Absoluto – Synth), com concentrações de 5 e 3% em volume para o Al2O3 e o SiC, respectivamente, e numa concentração de 2% em volume para o ZrO2-MgO. Antes das análises, as suspensões foram submetidas à agitação ultra-sônica por 5 min para homogeneização e quebra de possíveis aglomerados.

Com base na literatura [29], podemos observar que o Al(NO3)3 é uma das substâncias com capacidade de fornecer íons determinantes de potencial de superfície em meios orgânicos, gerando cargas superficiais suficientes para dispersão do material particulado em alguns casos. Para as suspensões de Al2O3 e de SiC foi preparada uma solução alcoólica de nitrato de alumínio (Al(NO3)3.9 H2O – numa concentração de 0,5 M, paH = 1,9). O objetivo desta solução é controlar a estabilidade do sistema através da geração de cargas superficiais nas partículas, a partir da adsorção específica do íon Al3+, ou seja, a estabilidade das suspensões ocorrendo por mecanismos eletrostáticos.

A medida de pH em soluções não-aquosas (paH) foi realizada com base na correção proposta por Sarkar e Nicholson [15, 18], que relaciona o valor medido experimentalmente (pHexp) num eletrodo para soluções aquosas em meios não-aquosos:

Para as suspensões de Al2O3 e de SiC, o aditivo PVB adicionado, foi preparado pela solubilização de 40 g do material em 1 L de etanol. Nas suspensões contendo ZrO2-MgO foi empregada uma solução alcoólica de PVB na concentração de 30 g/L.

No intuito de se constatarem possíveis variações na densidade e viscosidade das suspensões pela adição do PVB foram realizadas medidas de densidade através de um picnômetro e de viscosidade em um viscosímetro de Ostwald. Neste último, a medida de viscosidade está baseada no fluxo de solução através de um tubo capilar. A pressão sob cuja ação o líquido passa a fluir fornece o esforço de cisalhamento [30].

A determinação das características da interface partícula-líquido em suspensões pode ser realizada por métodos eletroacústicos desde que existam cargas elétricas presentes na superfície das partículas. Quando estas partículas carregadas são submetidas a um campo elétrico alternado (efeito ESA), executam um movimento oscilatório na mesma freqüência e, devido à diferença de densidade existente entre o sólido e o solvente surge uma transferência de energia na forma de onda sonora para a solução, a qual é detectada por um sensor piezelétrico [31].

A energia acústica gerada é proporcional à mobilidade dinâmica das partículas. A relação entre a mobilidade dinâmica e o sinal acústico medido na suspensão é dado pela equação B [32]:

onde µd é a mobilidade dinâmica, ESA a amplitude sônica eletrocinética, f a fração volumétrica de sólidos dispersos no solvente, Dr a diferença de densidade entre a partícula e o solvente, e c a velocidade do som no solvente.

O equipamento utilizado para as análises de mobilidade dinâmica das suspensões foi ESA-8000 (Matec Applied SciencesTM). Ele é composto por uma unidade de geração de radiofreqüência, uma célula de medida (contendo as sondas eletroacústica, de pH, de condutividade e de temperatura) envolta por uma jaqueta acrílica externa para o controle de temperatura através de circulação de água, uma bureta digital (para titulações potenciométricas e adição controlada de aditivos) e interface para computador. As medidas de mobilidade dinâmica (µd) foram realizadas em função da adição de soluções alcoólicas de HNO3-2N (Synth), de Al(NO3)3 (Synth, 99,4%) 0,5M de HCl-2N (Synth, 38%) e de PVB a 30 e 40 g/L.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Matérias-primas

As características dos pós de Al2O3, SiC e ZrO2-MgO avaliadas por adsorção física de N2 e espalhamento de luz laser são apresentadas na Tabela I.

Observa-se que o elevado valor de área de superfície específica do ZrO2 e o resultante tamanho médio de partícula não são coerentes, visto que há uma relação inversamente proporcional entre tais grandezas. Tal comportamento é um indício do estado aglomerado do pó. Para Al2O3 e SiC o comportamento apresentado entre a área de superfície específica e o correspondente diâmetro médio de partícula pode ser considerado coerente.

Suspensões cerâmicas

Antes de medir as características eletrocinéticas das suspensões, procedeu-se à avaliação da variação da densidade e viscosidade das soluções alcoólicas de PVB. Tais análises foram realizadas a partir de 5 soluções alcoólicas com diferentes concentrações de PVB. Inicialmente foram realizadas as medidas de densidade das soluções e logo após o respectivo cálculo da viscosidade. Os resultados são exibidos na Tabela II.

As variações de densidade e viscosidade foram submetidas a interpolação gráfica onde foram obtidas as respectivas funções de ajuste apresentadas na Tabela III.

Suspensões de Al2O3

As suspensões de Al2O3 apresentaram uma característica básica em relação ao etanol, com paH = 12,8 e mobilidade dinâmica de -0,04.10-8 m2.V-1.s-1. Para este sistema foi medida uma condutividade iônica de 12 µS.cm-1 a 25 °C. Na Fig. 2 observa-se o comportamento das partículas em função do paH na adição de 2 aditivos com características ácidas. A variação de paH compreendida entre 12,8 até 9,8 demonstra que o efeito devido a adsorção do íons Al3+ e H+ é praticamente o mesmo.


O ponto de carga nula, ou seja, a situação para a qual as partículas apresentam mobilidade dinâmica igual a zero ocorre em aproximadamente paH = 11,3 nas duas situações. O efeito na mobilidade dinâmica para a variação de paH de 9,8 à 4,3 é diferenciado com a adição de HNO3 e Al(NO3)3, onde a mobilidade apresenta um aumento bem mais representativo com a adição de Al(NO3)3 do que com HNO3. Isto indica que a adsorção específica do íon Al3+ promove um aumento das forças de repulsão partícula/partícula gerando uma melhor dispersão. A carga superficial da partícula anteriormente negativa, passa a ser positiva devido à adsorção destes íons determinantes de potencial.

A Fig. 3 exibe a inversão de carga superficial no Al2O3 em função do volume injetado da solução de Al(NO3)3. Pode ser observado que o ponto isoelétrico ocorre para uma adição de 0,12 mL de solução, sendo visível também que acima de 0,4 mL adicionados ocorre uma saturação da adsorção destes íons e o efeito de geração de cargas é muito menos significativo.


O outro aditivo utilizado foi o PVB (normalmente um agente ligante no sistema). Partindo de uma suspensão com 0,4 mL da solução de Al(NO3)3, condição idêntica à da Fig. 3, foi observada uma diminuição na mobilidade dinâmica das partículas com a adição do PVB. Visto que, de acordo com as análises eletrocinéticas, não ocorreu mudança no valor de paH, e que a densidade e a viscosidade do solvente (que variam de acordo com as equações da Tabela III) não influenciam de forma determinante no valor obtido de mobilidade dinâmica, supõe-se que tal diminuição possa ser explicada pela adsorção específica do PVB, que deve alterar o raio hidrodinâmico da partícula diminuindo assim a mobilidade das mesmas.

Outro fator importante nesta suposição da adsorção do PVB, é que para a suspensão em seu estado inicial, ou seja, sem adição de Al(NO3)3, não há variação da mobilidade quando o PVB é adicionado, sugerindo ainda que a adsorção deste só acontece quando as partículas estão predominantemente carregadas positivamente. A variação da mobilidade dinâmica medida pelo ESA-8000 e a mobilidade corrigida levando em consideração a variação de densidade e viscosidade, pode ser vista na Fig. 4.


Suspensões de SiC

O mesmo efeito observado para as suspensões de Al2O3 também ocorre para as suspensões de SiC. A respectiva caracterização eletrocinética mostra que a superfície das partículas de SiC possui característica ácida em relação ao etanol, apresentando paH 5,5 e mobilidade dinâmica de -0,03.10-8 m2 V-1.s-1. Para este sistema, a condutividade iônica medida foi de 4 µS.cm-1 a 25 °C. Na Fig. 5, pode ser observado o comportamento da suspensão introduzindo-se 2 aditivos diferentes e com características ácidas; onde demonstra-se que o efeito devido à adsorção dos íons Al3+ e H+ é também diferenciado. Com adição de uma solução de HCl a mobilidade cai, porém sem atingir o ponto de carga nula, e com a adição Al(NO3)3, temos a inversão da carga superficial; igualmente devido à adsorção específica do íon Al3+. Nesta situação ocorre o aumento da mobilidade dinâmica com a conseqüente melhoria das condições de dispersão das partículas.


A Fig. 6 exibe a inversão de carga superficial no SiC em função do volume de Al(NO3)3 injetado. Observa-se que com 0,025 mL de solução adicionada, a carga superficial das partículas é nula; e que com 0,2 mL da solução ocorre uma saturação da adsorção destes íons. A partir deste volume não ocorre mais o efeito de geração de cargas.


Partindo-se, novamente, de uma suspensão de SiC com 0,2 mL da solução de Al(NO3)3, mesma situação mostrada na Fig. 6, com a adição da solução de PVB foi observada também uma diminuição da mobilidade, porém não tão intensa como no caso da alumina, onde com uma quantidade 20 vezes menor de PVB a diminuição da mobilidade foi 3 vezes maior em relação ao SiC. Esta diferença provavelmente se deve à diferença de área de superfície específica dos materiais, que no caso do Al2O3 tem a relação de 2,4 para 1 em relação ao SiC. Visto que o diâmetro equivalente da partícula de SiC é bem maior que o da partícula de alumina, e a molécula adsorvida é a mesma, logo, o efeito deve ser maior na partícula menor. A variação da mobilidade dinâmica medida pelo ESA-8000 e a mobilidade corrigida considerando a variação de densidade e viscosidade é apresentada na Fig. 7.


Com o intuito de novamente confirmar uma suposta adsorção do PVB que se dá preferencialmente em superfície positiva, foi preparada uma suspensão, sem adição de Al(NO3)3, e foi verificado que também não há variação da mobilidade quando o PVB é adicionado, confirmando que a adsorção deste, só acontece quando as partículas estão predominantemente carregadas positivamente.

Suspensões de ZrO2-MgO

Diferentemente das suspensões de Al2O3 e de SiC, isoladamente, o sistema ZrO2-MgO apresenta-se como uma combinação de um óxido ácido em relação ao EtOH (ZrO2) com um óxido básico (MgO), também em relação ao EtOH. Mesmo estando numa concentração menor (3% em peo), o MgO determina a carga elétrica superficial do sistema que é predominantemente positiva. A caracterização deste comportamento e as suas conseqüências para o processo de estabilização eletrocinética já foram apresentadas e discutidas em trabalho anterior [18]. O que se observa é que não ocorre simplesmente uma neutralização dos sítios ácidos na superfície do ZrO2, mas sim um carregamento intenso da superfície, caracterizado pela presença de cargas positivas.

A caracterização eletrocinética da suspensão mostra que o conjunto de partículas de ZrO2-MgO possui característica básica em relação ao etanol, apresentando paH = 9,0 e mobilidade dinâmica de 0,03.10-8 m2 V-1.s-1. Para este sistema, a condutividade iônica medida foi de 26 µS.cm-1 a 25 °C.

A esta suspensão foram adicionadas quantidades controladas de uma solução alcoólica de PVB com concentração de 30 g/L e a respectiva caracterização eletrocinética apresentada na Fig. 8.


Nesta caracterização foi avaliada não apenas a quantidade de aditivo injetado, mas também a variação da mobilidade em função do tempo. Desta maneira, pode-se avaliar a adsorção das moléculas poliméricas de um ponto de vista cinético. Observa-se que a injeção da solução de PVB promove, unicamente, a diminuição da intensidade das cargas elétricas, o que é refletido na diminuição de mobilidade dinâmica. Esta diminuição ocorre em tempos extremamente curtos indicando que a interação das moléculas poliméricas com a superfície das partículas é instantânea.

A análise destes dados, sob outro ponto de vista, permite estabelecer que a possibilidade da diminuição da mobilidade causada por um efeito de compressão de dupla camada elétrica é mínima. Primeiro porque o PVB não se torna ionizado quando solubilizado no etanol devido à baixa constante dielétrica deste último. Em segundo lugar, não estando ionizado não há como promover um incremento na força iônica da suspensão, acarretando ao efeito de compressão da dupla camada elétrica.

Possivelmente a adsorção do PVB deve ocorrer por pontes de hidrogênio e não por atração eletrostática, e a sua adsorção deve promover, a exemplo do que já foi sugerido para as suspensões de Al2O3 e de SiC, um aumento do raio hidrodinâmico das partículas que tem influência direta na mobilidade das partículas.

A Fig. 9 exibe a variação de paH em função do tempo de injeção das alíquotas da solução alcoólica de PVB. É nítida a forte variação nos valores de paH que ocorre nos instantes iniciais após a injeção da solução de PVB, diferentemente das suspensões de Al2O3 e de SiC, onde não houve variação. Nota-se também que o sistema tende a voltar ao valor inicial de paH, o que permite presumir que se trata de uma situação de equilíbrio. Considerando então a variação de paH neste sistema, sugerimos que deva ter ocorrido uma competição entre o PVB e o íon etóxido, resultante de reação superficial entre as partículas cerâmicas e o etanol, conforme referência [18], que não ocorre para o Al2O3 e o SiC.


CONCLUSÕES

A caracterização dos óxidos utilizada indica que não deve haver problemas no processamento dos mesmos devido às características físicas, pois os resultados mostraram que os pós são de baixa granulometria e área de superfície específica considerada satisfatória para processamento de suspensões; apenas uma ressalva para o estado de aglomeração em que o ZrO2 se encontra, que pode ser resolvido relativamente fácil com ultra-som ou moagem.

As análises eletrocinéticas mostraram que o Al2O3 tem características básicas e o SiC características ácidas em relação ao etanol, porém nos dois casos o sistema se encontra com as partículas carregadas predominantemente com cargas negativas. Diferentemente do ZrO2-MgO que as partículas se encontram carregadas predominantemente com cargas positivas.

Adicionando o aditivo PVB, pôde-se observar que o mesmo adsorve (através de variação na mobilidade dinâmica das partículas) apenas em partículas com superfície carregadas com cargas positivas que é o caso do sistema ZrO2-MgO, este indício fica reforçado a partir dos resultados obtidos com as suspensões de Al2O3 e SiC que inicialmente quando adicionados em etanol estão com cargas superficiais negativas, neste caso não a variação de mobilidade quando adicionado o PVB indicando que não há adsorção.

No entanto, quando é inserido através de uma solução de Al(NO3)3 os íons Al3+ na suspensão promovem a geração de cargas positivas nas partículas por adsorção específica mostrando que quando adicionamos o PVB ocorre variação na mobilidade dinâmica das partículas confirmando a adsorção.

AGRADECIMENTOS

À Alcoa Alumínio S. A. e ao IPEN pelo fornecimento das matérias-primas e à FAPESP (processos 99/10798-0 e 99/03375-6) pelo apoio financeiro a esta pesquisa.

(Rec. 04/09/2006, Ac. 24/11/2006)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2007

Histórico

  • Aceito
    24 Nov 2006
  • Recebido
    04 Set 2006
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