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Níveis séricos elevados de homocisteína em pacientes pediátricos com fenômeno de Raynaud primário

Resumos

INTRODUÇÃO: O fenômeno de Raynaud (FR) é uma isquemia acral recorrente resultante de resposta vasoespástica arterial anormal ao frio ou ao estresse emocional. A homocisteína, um aminoácido sulfurado, foi relacionada a doenças cardiovasculares e neurodegenerativas, diabetes mellitus, trombose e fragilidade óssea. Também foi relacionada à patogênese do FR, por terem sido observadas elevações nos níveis séricos de homocisteína (S-homocisteína) em pacientes com FR. OBJETIVO: Considerando que todas as publicações concernentes à S-homocisteína em casos de FR envolviam apenas pacientes adultos, o objetivo deste estudo foi avaliar a S-homocisteína em crianças e adolescentes com FR. MÉTODOS: Foram recrutados 19 pacientes (dois meninos e 17 meninas; idade média 16,1 ± 2,2 DP) com FR primário. Como controles, foram recrutados 51 crianças e adolescentes (21 meninos e 30 meninas; idade média 15,1 ± 1,8 DP). RESULTADOS: O nível de S-homocisteína estava significativamente mais elevado no grupo FR, em comparação com os controles (11,2 ± 2,4 vs. 8,0 ± 2,0 µmol/L; P = 0,00001). Os níveis de S-homocisteína nos participantes com FR não dependeram da idade. CONCLUSÃO: Pacientes pediátricos com FR apresentam níveis elevados de S-homocisteína, sugerindo que a homocisteína desempenha papel importante no desenvolvimento da disfunção vascular, mesmo em pacientes muito jovens

fenômeno de Raynaud; homocisteína; crianças


INTRODUCTION: Raynaud's phenomenon (RP) is a paroxysmal and recurrent acral ischemia resulting from an abnormal arterial vasospastic response to cold or emotional stress. Homocysteine, a sulphured amino acid, has been linked to cardiovascular and neurodegenerative diseases, diabetes, thrombosis, and bone fragility. Homocysteine has been also linked to the pathogenesis of RP, as increased serum homocysteine (S-homocysteine) levels were observed in patients with RP. OBJECTIVE: As all publications concerning S-homocysteine in RP involved only adult patients, our aim was to evaluate S-homocysteine in children and adolescents with RP. METHODS: Nineteen patients (two boys and 17 girls; mean age 16.1 ± 2.2 SD) with primary RP were enrolled. The controls were 51 children and adolescents (21 boys and 30 girls; mean age 15.1 ± 1.8 SD). RESULTS: The S-homocysteine level was significantly higher in the RP group in comparison with controls (11.2 ± 2.4 vs. 8.0 ± 2.0 µmol/L; P = 0.00001). S-homocysteine levels in RP were not age-dependent. CONCLUSION: Paediatric patients with RP have increased S-homocysteine levels, suggesting that homocysteine plays an important role in the development of vascular dysfunction, even at an early age

Raynaud's phenomenon; homocysteine; children


COMUNICAÇÃO BREVE

Níveis séricos elevados de homocisteína em pacientes pediátricos com fenômeno de Raynaud primário

Stepan Kutilek, M.D., PhDI; Vladimir Nemec, M.D., PhDII; Eva Bockayova, BScIII

IProfessor-Associado de Pediatria, Departamento de Pediatria, Hospital Pardubice e Faculdade de Estudos da Saúde, Universidade de Pardubice, República Tcheca

IIChefe do Departamento de Pediatria, Hospital Pardubice e Faculdade de Estudos da Saúde, Universidade de Pardubice, República Tcheca

IIIEnfermeira Registrada, BSc - Enfermeira de Reumatologia

Correspondência para Correspondência para: Stepan Kutilek. Kyjevska 44. 532 03 Pardubice. Czech Republic Fone: +42 0723883368 E-mail: stepan.kutilek@nemocnice-pardubice.cz

RESUMO

INTRODUÇÃO: O fenômeno de Raynaud (FR) é uma isquemia acral recorrente resultante de resposta vasoespástica arterial anormal ao frio ou ao estresse emocional. A homocisteína, um aminoácido sulfurado, foi relacionada a doenças cardiovasculares e neurodegenerativas, diabetes mellitus, trombose e fragilidade óssea. Também foi relacionada à patogênese do FR, por terem sido observadas elevações nos níveis séricos de homocisteína (S-homocisteína) em pacientes com FR.

OBJETIVO: Considerando que todas as publicações concernentes à S-homocisteína em casos de FR envolviam apenas pacientes adultos, o objetivo deste estudo foi avaliar a S-homocisteína em crianças e adolescentes com FR.

MÉTODOS: Foram recrutados 19 pacientes (dois meninos e 17 meninas; idade média 16,1 ± 2,2 DP) com FR primário. Como controles, foram recrutados 51 crianças e adolescentes (21 meninos e 30 meninas; idade média 15,1 ± 1,8 DP).

RESULTADOS: O nível de S-homocisteína estava significativamente mais elevado no grupo FR, em comparação com os controles (11,2 ± 2,4 vs. 8,0 ± 2,0 µmol/L; P = 0,00001). Os níveis de S-homocisteína nos participantes com FR não dependeram da idade.

CONCLUSÃO: Pacientes pediátricos com FR apresentam níveis elevados de S-homocisteína, sugerindo que a homocisteína desempenha papel importante no desenvolvimento da disfunção vascular, mesmo em pacientes muito jovens.

Palavras-chave: fenômeno de Raynaud, homocisteína, crianças.

INTRODUÇÃO

O fenômeno de Raynaud (FR) é uma isquemia acral paroxística e recorrente resultante de resposta vasoespástica arterial anormal ao frio ou ao estresse emocional.1,2 É categorizado como primário (p. ex., esclerodermia) ou secundário - neste último caso, em associação com uma doença subjacente, como lúpus eritematoso. É provável que o FR tenha origem na desregulação dos mecanismos de motilidade vascular, resultando em um desequilíbrio entre vasodilatação e vasoconstrição.1,2 A deficiência progressiva na capacidade de vasodilatação dos vasos é proposta como um mecanismo do FR, particularmente na esclerose sistêmica. Além disso, é evidente que a redução da fibrinólise e a intensificação das vias da coagulação contribuem para a disfunção vascular.1-3 A homocisteína, um aminoácido sulfurado, foi relacionada a doenças cardiovasculares e degenerativas, diabetes mellitus, trombose e fragilidade óssea.4 Também foi relacionada à patogênese do FR, pois foram observados níveis séricos aumentados de homocisteína (S-homocisteína) em pacientes com FR.2-10 Até agora, todas as publicações concernentes à S-homocisteína em FR envolveram apenas adultos. O objetivo primário deste estudo foi avaliar S-homocisteína em pacientes pediátricos com FR; o objetivo secundário foi buscar correlações entre S-homocisteína e a idade dos pacientes, duração da doença e níveis séricos de colesterol, respectivamente.

PACIENTES, MATERIAIS, MÉTODOS

Foram recrutados 19 pacientes (dois meninos e 17 meninas entre 12-20 anos, idade média 16,1 ± 2,2 DP) com FR primário. Os pacientes sofriam de FR há 0,5-9 anos (média 1,5 ± 2,0 anos). Sete pacientes (37%) foram tratados com isradipina oral. O grupo-controle era formado por 51 crianças e adolescentes (21 meninos e 30 meninas) com idades entre 12-20 anos (média 15,1 ± 1,8 DP), saudáveis, ou que não padeciam de inflamação aguda ou crônica, transtornos autoimunes, inclusive doenças reumáticas, transtornos musculoesqueléticos, doença intestinal inflamatória, diabetes mellitus, hipercolesterolemia, epilepsia einsuficiência renal crônica, e com história pessoal negativa para trombose e/ou tromboembolia. Em total concordância com a Declaração de Helsinque, obteve-se consentimento informado de todos os pacientes participantes no estudo e/ou de seus representantes locais antes dos procedimentos apresentados. Todos os participantes investigados estavam em uma dieta comum na Europa Central, que consistia principalmente de carnes e carboidratos. Nenhum dos participantes estava em dieta pobre em vitamina B, nem recebendo doses de vitamina B excedendo as quantidades diárias recomendadas. Foi realizada e analisada capilaroscopia na prega ungueal em todos os pacientes com FR. Também foi realizada fotopletismografia dos dedos da mão com o uso de um oxímetro de pulso em 18 pacientes com FR, antes e depois da imersão em água a 10 ºC durante 10 minutos. Subsequentemente, as curvas foram analisadas. Fatores antinucleares (FANs) foram avaliados em 18 pacientes com FR. O nível de S-homocisteína em jejum foi avaliado por quimioluminescência (sistema de imunotestes Immulite 2500, Siemens Healthcare Diagnostics, Alemanha) e expressado em µmol/L. Os níveis séricos de colesterol nos pacientes com FR foram analisados e expressados em mmol/L. Foram calculados os valores das médias e desvios-padrão (DP). Utilizou-se o teste t não pareado para calcular as diferenças entre grupos. Também foi realizada a análise de correlação para comparar a relação entre idade e duração da doença, e níveis de S-colesterol e S-homocisteína, respectivamente. Para todos os resultados determinou-se P < 0,05 para significado estatístico.

RESULTADOS

A capilaroscopia na prega ungueal estava anormal em dois pacientes com FR (10,5%). Inicialmente, a fotopletismografia estava normal em 18 pacientes examinados; subsequentemente, a técnica revelou curvas patológicas em quatro pacientes (21%) após imersão em água gelada. As determinações de FANs foram negativas em oito pacientes com FR (44%), enquanto nos 10 participantes restantes esses valores situavam-se na faixa de 1:40 a 1:5120 (média 1:588). O nível de S-homocisteína estava significativamente mais elevado no grupo de FR em comparação com os controles (Tabela 1). No grupo-controle, os níveis de S-homocisteína não diferiram entre meninos e meninas (P = 0,56).

O nível sérico de colesterol no grupo FR estava na faixa fisiológica de 3,2-5,7 mmol/L (média ± DP 4,3 ± 0,7).

Não observou-se correlação significativa entre os valores de S-homocisteína e idade no grupo de FR nem no grupo-controle (R = 0,11 nos dois grupos). Também não houve correlação entre os níveis de S-homocisteína e duração da doença, nem entre S-homocisteína e colesterol sérico (r = 0,12 e r = 0,01, respectivamente).

DISCUSSÃO

Os estudos anteriores concentravam-se principalmente na S-homocisteína em pacientes adultos com FR primário e secundário. A S-homocisteína estava mais alta em pacientes com FR em comparação com controles sadios.5-7 Níveis mais altos de S-homocisteína também foram observados em pacientes com FR secundários em casos de lúpus eritematoso,8 esclerodermia3,5 ou doença renal em estágio terminal.9 Pacientes com FR primário exibiam níveis plasmáticos de folato significativamente mais baixos, em comparação com pacientes com FR secundário. 5 Ressalte-se ainda que foram observados níveis mais altos de fator de von Willebrand em pacientes com FR e com doença renal em estágio terminal.9 Em outro estudo, pacientes com FR e esclerose sistêmica tiveram concentrações mais altas de S-homocisteína e fator de von Willebrand em comparação com os controles.10 Os níveis médios de S-homocisteína nos pacientes adultos com FR estavam, na maioria dos casos, acima dos 10 µmol/L, enquanto no grupo-controle esses níveis situavam-se na faixa de 5-8 µmol/L,5,7,8 um resultado muito parecido com os encontrados em nossa pesquisa. No presente estudo não houve avaliação radiológica. Também não foram avaliados os genótipos de metileno-tetraidrofolato redutase (MTHFR), nem os níveis de vitamina B ou folato - essas são as limitações deste artigo. Nos participantes deste artigo na faixa etária entre 12 e 20 anos, os níveis de S-homocisteína não tiveram relação com a idade, independentemente da presença de FR. Esse achado está de acordo com observações prévias, nas quais encontrou-se estreita relação entre S-homocisteína e idade em crianças mais jovens ou em adultos, mas não em adolescentes.11 Em nossos pacientes, os níveis de S-colesterol estavam dentro da faixa normal. Além disso, não foi observada qualquer relação entre S-homocisteína e duração da doença ou S-colesterol, respectivamente. Os achados da capilaroscopia na prega ungueal e da fotopletismografia pós-imersão não foram homogêneos em nossos pacientes; pode-se supor queesses resultados tenham relação com a gravidade do FR. Os variados títulos de FANs poderiam ilustrar a heterogeneidade do FR primário, mesmo na ausência de doença subjacente evidente. O envolvimento da homocisteína na patogênese do FR ainda permanece obscuro; foi proposta uma possível associação entre hiper-homocisteínemia e lesão endotelial. Hiper-homocisteinemia foi associada a alterações na morfologia vascular, perda da função antitrombótica endotelial e indução de um ambiente pró-coagulante.4 Quase todas as formas conhecidas de dano ou lesão decorrem do estresse oxidativo mediado pela homocisteína. Foi proposto que a homocisteína poderia influenciar a lesão endotelial e as modificações nos mediadores circulatórios da angiocinese.2 Em conclusão, mesmo pacientes pediátricos com FR exibem níveis mais altos de S-homocisteína. Isso sugere que a homocisteína desempenha papel importante no desenvolvimento da disfunção vascular, mesmo em indivíduos muito jovens.

Recebido em 15/03/2011.

Aprovado, após revisão, em 02/11/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses.

Departamento de Pediatria, Hospital Pardubice e Faculdade de Estudos da Saúde, Universidade de Pardubice, República Tcheca.

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  • Correspondência para:

    Stepan Kutilek. Kyjevska
    44. 532 03 Pardubice. Czech Republic
    Fone: +42 0723883368
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Mar 2011
    • Aceito
      02 Nov 2011
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