Resumos
INTRODUÇÃO: A síndrome da fibromialgia acomete 8% da população com mais de 40 anos de idade. Dos pacientes com fibromialgia, 75% queixam-se de má qualidade do sono. OBJETIVO: Avaliar os efeitos da hidrocinesioterapia sobre a capacidade funcional e a qualidade de sono em pacientes com fibromialgia. MÉTODOS: As pacientes foram atendidas na policlínica da UNASP. Foram avaliadas 60 pacientes portadoras de fibromialgia na faixa etária entre 30 e 65 anos. Das pacientes avaliadas, 20 foram excluídas e 10 desistiram devido à impossibilidade de apresentar-se no horário do programa de exercícios. Todas as pacientes responderam aos seguintes questionários: Questionário sobre o Impacto daFibromialgia (QIF), Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh e Escala de Sonolência de Epworth. As sessões foram realizadas duas vezes por semana, com duração de 60 minutos cada, por um período de dois meses. RESULTADOS: A média da idade das pacientes foi de 45 anos; 66% eram trabalhadoras ativas e 34% estavam afastadas do trabalho. Verificouse que imediatamente após participarem do programa da hidrocinesioterapia, as pacientes apresentaram melhora nos seguintes aspectos avaliados por meio do QIF: capacidade funcional, absenteísmo ao trabalho, capacidade de serviço, intensidade da dor, fadiga, cansaço matinal, rigidez (P < 0,0001), ansiedade (P = 0,0013) e depressão (P < 0,0001). Houve também melhora da qualidade do sono (P < 0,0001) e no grau de sonolência diurna (P = 0,0003). CONCLUSÃO: A hidrocinesioterapia promove melhora de qualidade do sono, capacidade funcional, situação profissional, distúrbio psicológicos e sintomas físicos da síndrome em pacientes com fibromialgia.
fibromialgia; sono; hidroterapia; qualidade de vida
INTRODUCTION: Fibromyalgia affects 8% of the population over the age of 40 years, and 75% of the patients with fibromyalgia have poor sleep quality. OBJECTIVE: To assess the effects of hydrotherapy on the physical function and sleep quality of patients with fibromyalgia. METHODS: Patients were under clinical care at the UNASP Outpatient Clinic. This study assessed 60 female patients with fibromyalgia aged between 30 and 65 years. Out of the 60 patients assessed, 20 were excluded and 10 left the study because they could not comply with the time schedule. All patients completed the following questionnaires: Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ); Pittsburgh Sleep Quality Index, and Epworth Sleepiness Scale. Training sessions were performed twice a week for two months, each session lasting 60 minutes. RESULTS: Patients' mean age was 45 years, 66% were active workers, and 34% had quit work. Right after the hydrotherapy program, the patients improved the following aspects assessed by use of the FIQ: physical function, work absenteeism, ability to do job, pain intensity, fatigue, morning tiredness, stiffness (P < 0.0001), anxiety (P = 0,0013), and depression (P < 0.0001). Sleep quality (P < 0.0001) and daytime sleepiness (P = 0.0003) also improved. CONCLUSION: Hydrotherapy improves sleep quality, physical function, professional status, psychological disorders and physical symptoms in patients with fibromyalgia.
sleep; fibromyalgia; hydrotherapy; quality of life
ARTIGO ORIGINAL
Efeito da hidrocinesioterapia sobre qualidade de vida, capacidade funcional e qualidade do sono em pacientes com fibromialgia
Kyara Morgana Oliveira Moura SilvaI; Silvia Jurema Pereira TucanoI; Claudia KümpelII; Antonio Adolfo Mattos de CastroIII; Elias Ferreira PortoIV
IFisioterapeuta; Membro do grupo de pesquisa sobre hidroterapia em doenças crônicas, Universidade Adventista de São Paulo - UNASP
IIMestre; Professora dos Cursos de Fisioterapia e Administração, UNASP
IIIDoutorando, Universidade Federal de São Paulo - Unifesp; Professor do curso de Fisioterapia, Universidade Federal do Pampa - Unipampa
IVDoutorando, Unifesp; Professor do curso de Fisioterapia, UNASP
Correspondência para Correspondência para: Silvia Jurema Pereira Tucano Universidade Adventista de São Paulo - UNASP Estrada de Itapecerica, 5859, Capão Redondo CEP: 05858-001. São Paulo, SP, Brasil E-mail: silvinha_tucano@hotmail.com
RESUMO
INTRODUÇÃO: A síndrome da fibromialgia acomete 8% da população com mais de 40 anos de idade. Dos pacientes com fibromialgia, 75% queixam-se de má qualidade do sono.
OBJETIVO: Avaliar os efeitos da hidrocinesioterapia sobre a capacidade funcional e a qualidade de sono em pacientes com fibromialgia.
MÉTODOS: As pacientes foram atendidas na policlínica da UNASP. Foram avaliadas 60 pacientes portadoras de fibromialgia na faixa etária entre 30 e 65 anos. Das pacientes avaliadas, 20 foram excluídas e 10 desistiram devido à impossibilidade de apresentar-se no horário do programa de exercícios. Todas as pacientes responderam aos seguintes questionários: Questionário sobre o Impacto daFibromialgia (QIF), Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh e Escala de Sonolência de Epworth. As sessões foram realizadas duas vezes por semana, com duração de 60 minutos cada, por um período de dois meses.
RESULTADOS: A média da idade das pacientes foi de 45 anos; 66% eram trabalhadoras ativas e 34% estavam afastadas do trabalho. Verificouse que imediatamente após participarem do programa da hidrocinesioterapia, as pacientes apresentaram melhora nos seguintes aspectos avaliados por meio do QIF: capacidade funcional, absenteísmo ao trabalho, capacidade de serviço, intensidade da dor, fadiga, cansaço matinal, rigidez (P < 0,0001), ansiedade (P = 0,0013) e depressão (P < 0,0001). Houve também melhora da qualidade do sono (P < 0,0001) e no grau de sonolência diurna (P = 0,0003).
CONCLUSÃO: A hidrocinesioterapia promove melhora de qualidade do sono, capacidade funcional, situação profissional, distúrbio psicológicos e sintomas físicos da síndrome em pacientes com fibromialgia.
Palavras-chave: fibromialgia, sono, hidroterapia, qualidade de vida.
INTRODUÇÃO
A síndrome da fibromialgia (SFM) é uma das doenças reumatológicas mais frequentes, caracterizada por dor musculoesquelética difusa e crônica, com pontos sensíveis (tender points) nos músculos ou na junção miotendinosa. São 18 tender points situados em locais distintos do corpo.1-3
Sua etiologia ainda é desconhecida, e sua fisiopatologia não está totalmente esclarecida. Entretanto, há evidências sobre alterações metabólicas e de oxigenação nas fibras musculares, desequilíbrio entre a percepção dolorosa e os mecanismos das vias aferentes, além de diminuição dos níveis de serotonina e endorfina.4 A fisiopatologia da SFM é multicausal, e vários experimentos demonstram que atuações não coordenadas dos mecanismos de nocicepção e de inibição da dor resultam de uma distorção sensorial.5
Segundo Weidebach,6 a SFM não era uma doença bem definida clinicamente antes da década de 1970, quando foram publicados os primeiros achados que deram margem para pesquisas mais aprofundadas sobre a doença. Contrariamente ao que se pensava, ela não é uma doença inflamatória, não gera comprometimentos articulares, nem causa deformidades.
Contudo, considerando seu caráter crônico, a SFM causa impacto negativo na qualidade de vida de seus portadores.
Em 1990, o American College of Rheumatology (ACR) definiu os seguintes critérios de classificação e diagnóstico para a SFM: 1) queixas frequentes de dor difusa por um período de pelo menos três meses; e 2) apresentação de dor difusa em no mínimo 11 dos 18 tender points padronizados. Considerando que tanto os exames laboratoriais de atividades inflamatórias quanto os de imagem são normais, o diagnóstico da SFM é prioritariamente clínico.6,7
Ribeiro e Proietti8 afirmam que além da dor e da sensibilidade dos tender points, os pacientes também apresentam irregularidades no sono, fadiga, rigidez matinal, diminuição da capacidade funcional, ansiedade e depressão, que reduzem a capacidade do paciente de realizar as tarefas domésticas básicas. Todos esses sintomas prejudicam a vida social e profissional do fibromiálgico.
Cerca de 75% dos pacientes com SFM queixam-se de má qualidade do sono, o que é atribuído a uma desordem eletroencefálica, pela ausência da última fase do sono, chamada sono REM (rapid eye movement).9 Segundo Dinges et al.,10 a sonolência diurna é uma das alterações mais frequentes do paciente com SFM. Neste sentido, Ferro et al.11 mostraram que a má qualidade de sono está relacionada com maior predisposição a outras doenças. Affleck et al.12 mostraram a relação entre dor e sono em pacientes com SFM, e concluíram que uma das maiores queixas é a perda do sono vinculada à dor difusa. Martinez et al.13 mostraram associação entre os números de tender points e a perda da capacidade funcional, e que pacientes com SFM têm prejuízos em relação a pessoas saudáveis.
A hidrocinesioterapia, geralmente praticada em água aquecida entre 32ºC e 33ºC, é fortemente indicada para o tratamento da SFM. Durante a imersão, os estímulos sensoriais competem com os estímulos dolorosos, interrompendo o ciclo da dor.14 Os efeitos estão relacionados a alívio da dor, diminuição dos espasmos, relaxamento muscular, aumento da amplitude de movimento, aumento da circulação sanguínea, fortalecimento muscular, aumento da resistência muscular e melhora na autoestima.15
O presente estudo teve como objetivo verificar a melhora de dor, irregularidades do sono, fadiga muscular, depressão, ansiedade e redução das atividades da vida diária em pacientes portadores de SFM submetidos à hidrocinesioterapia.
MÉTODOS
Este é um estudo prospectivo de autocontrole em que foram avaliadas 60 pacientes com diagnóstico clínico de SFM, seguindo os critérios do ACR (paciente com dor difusa com duração igual ou superior a três meses e presença de dor à palpação em 11 ou mais dos 18 tender points). Das 60 pacientes avaliadas, 20 não preencheram os critérios de inclusão e 10 desistiram devido à impossibilidade de se apresentar ao horário do programa. Foram incluídas no estudo 30 mulheres na faixa etária entre 35-65 anos e com capacidade cognitiva de entender os propósitos do estudo e de assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, independente de estado civil, raça, religião e aspectos socioeconômicos. Foram excluídas do estudo as pacientes praticantes de musculação e de outras atividades físicas em academia previamente ao início do programa de hidrocinesioterapia, e as que apresentavam algum tipo de doença dermatológica, alterações cardiorrespiratórias incompatíveis com a realização de exercício físico aeróbico e comorbidades graves.
O programa de hidrocinesioterapia foi realizado em piscina aquecida a 32ºC, em área coberta no setor de hidroterapia na Policlínica do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). A coleta dos dados foi processada somente após a aprovação do Comitê de Ética institucional.
Todas as pacientes foram avaliadas antes e imediatamente após a intervenção pelo mesmo avaliador, por meio de uma ficha contendo dados demográficos e clínicos. Para avaliar a qualidade de vida das pacientes, utilizou-se o Questionário sobre o Impacto da Fibromialgia (QIF). O QIF é um instrumento de avaliação da qualidade de vida específico para pacientes com SFM, composto de 19 questões relacionadas à capacidade funcional, situação profissional, bem-estar geral, distúrbios psicológicos (como ansiedade e depressão) e sintomas físicos (como dor, sono, fadiga e rigidez), organizadas em 10 itens. Quanto maior o escore, maior é o impacto da SFM na qualidade de vida do indivíduo. Burckhardt et al.16 concluíram que o QIF é válido para ser utilizado em situações clínicas e de pesquisa.
Para avaliação da qualidade do sono utilizou-se o Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh (IQSP), um instrumento com confiabilidade e validade previamente estabelecidas. Esse questionário é composto de 19 itens, agrupados em sete componentes, cada qual pontuado em uma escala de 0-3. Os componentes são: 1) qualidade subjetiva do sono; 2) latência do sono; 3) duração do sono; 4) eficiência habitual do sono; 5) alterações do sono; 6) uso de medicações para o sono; e 7) disfunção diurna. Os escores dos sete componentes são somados para conferir uma pontuação global do IQSP, que varia de 0-21. Pontuações de 0-4 indicam boa qualidade do sono; de 5-10 indicam qualidade ruim; e acima de 10 indicam distúrbio do sono.17
A Escala de Sonolência de Epworth (ESE) foi aplicada para avaliar e quantificar o grau de sonolência durante oito atividades rotineiras. As respostas variam de 0-24 pontos, e 10 pontos é o divisor da normalidade.18
O protocolo de tratamento foi aplicado duas vezes por semana, composto de 15 sessões de 60 minutos cada, inteiramente em meio aquático, de maneira coletiva, respeitando os limites individuais e a evolução de cada paciente. Foi aferida a pressão arterial antes de cada sessão de hidrocinesioterapia. O programa terapêutico, em cada sessão de atendimento, compõe-se de quatro fases: 1) aquecimento global com caminhada por toda a extensão da piscina em linha reta para frente, para trás e com passada lateral (por 5 minutos); 2) alongamento muscular de membros superiores e inferiores e da musculatura dorsal (por 15 minutos - as posições de alongamento foram mantidas por 20 segundos e realizadas duas vezes, consecutivamente); 3) exercícios ativos livres para membros superiores e inferiores, inicialmente sem carga externa e evoluindo para exercícios com utilização de espaguetes e pesos aquáticos que variam de 0,5-1 kg (por 30 minutos - os treinos foram cumpridos com frequência de três séries de 12 repetições); e 4) relaxamento, com alongamentos ativos de membros superiores e inferiores e cadeia posterior e anterior de tronco, associados a exercícios respiratórios, promovendo relaxamento progressivo (duração de 10 minutos).
Análise estatística
Os dados estão expressos como média e desvio padrão. O teste Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para analisar a normalidade dos dados. Usamos o teste t de Student para analisar os dados pré- e pós-intervenção. Considerou-se P < 0,05 estatisticamente significativo. O tamanho da amostra foi calculado com base na variável desfecho qualidade do sono, a partir da equação efeito esperado/desvio padrão (E/S). Neste estudo, o efeito esperado escolhido foi 4 pontos a menos entre a pré- e a pós-intervenção (diferença clínica minimamente importante), e o desvio padrão da amostra considerada foi a variabilidade da pontuação do IQSP. Portanto, para um α = 0,05 e um poder estatístico de β = 0,8, eram necessárias 27 pacientes para poder amostral. Todas as pacientes, mesmo as que participaram de apenas uma sessão de treinamento, foram avaliadas utilizando-se o método de intenção de tratar.
RESULTADOS
Fizeram parte deste estudo 30 pacientes com SFM com média de idade de 50,8 ± 12,5 anos (35-65 anos). As pacientes que apresentavam atividade profissional somavam 34,14%, e as que estavam afastadas do serviço por razões de saúde, 24,39%. Em relação ao número de tender points, obteve-se média de 14,8 ± 3,1 pontos. As demais características encontram-se na Tabela 1.
Quanto ao impacto da SFM, verificou-se que inicialmente as pacientes tinham alteração da capacidade funcional, absenteísmo ao trabalho elevado, redução da capacidade de serviços, alta intensidade de dor, fadiga, cansaço matinal, rigidez e depressão.
Imediatamente após o programa de hidrocinesioterapia, houve melhora significativa desses domínios (P < 0,0001). Houve melhora significativa quanto à ansiedade (P = 0,0013); porém, na avaliação do bem-estar não houve melhora significativa (P = 0,05) (Tabela 2).
Quanto à qualidade do sono, verificou-se que inicialmente os pacientes tinham alteração no sono; no entanto, imediatamente após o programa de hidrocinesioterapia, houve melhora significativa de 39,5 ± 6,29 para 33,2 ± 6,60 pontos (P < 0,0001) (Figura 1). Do mesmo modo, a qualidade do sono, inicialmente alterada, sofreu melhora significativa após o programa de hidrocinesioterapia, com o grau de sonolência passando de 13,8 ± 7,28 para. 10,1 ± 7,36; P = 0,0003 (Figura 2).
O impacto da SFM não correlacionou-se positivamente com a qualidade do sono. No entanto, as pacientes mais impactadas pela SFM relataram piora na qualidade do sono (r = 0,54; P = 0,0039) (Figura 3).
A intensidade da dor correlacionou-se positivamente com o grau de sonolência. Já as pacientes mais impactadas pela SFM também apresentaram piora no grau de sonolência (r = 0,049; P = 0,0024) (Figura 4).
DISCUSSÃO
O achado original deste estudo foi que a hidrocinesioterapia mostra-se eficaz na melhora do sono e da capacidade funcional de pacientes com SFM após 15 sessões de tratamento.
Acredita-se que a SFM apresenta em sua patogenia alterações nos sistemas musculoesquelético, neuroendócrino e nervoso central. Como a dor muscular é o principal sintoma da doença, pensou-se no sistema musculoesquelético como causa primária da síndrome. Histologicamente, foram identificadas anormalidades na estrutura do músculo de pacientes com SFM, como fibras atrofiadas e fibras elásticas ou reticulares que não são vistas no tecido muscular normal. Vale também ressaltar a presença de alterações funcionais, como redução na concentração de fosfato de alta energia, diminuição na oxigenação muscular e fluxo sanguíneo prejudicado.19 Essas alterações são semelhantes às de pessoas com mau condicionamento físico sem qualquer doença. Por isso, esses estudos não progrediram.
Sabe-se que a terapêutica medicamentosa isolada não tem sido eficiente no tratamento da doença, tornando indispensável a realização de estudos que buscam recursos para a redução dos sintomas dolorosos. Com base em estudos que preconizavam a fisioterapia no tratamento da SFM, a abordagem terapêutica desta pesquisa consistiu na utilização de um programa preestabelecido de exercícios aquáticos.
Os efeitos fisiológicos da hidrocinesioterapia advêm de uma combinação dos efeitos físicos da água (térmicos/mecânicos) com os efeitos do exercício.11 De fato, na piscina terapêutica as atividades podem ser executadas com maior facilidade devido à redução da força gravitacional. Isso permite a realização de exercícios com menos dor e de execução mais fácil que no solo. Portanto, a hidrocinesioterapia, além de permitir o relaxamento muscular por meio da água aquecida, proporciona aos fibromiálgicos um tratamento com melhora da autoconfiança e evolução mais rápida.20
O QIF é um instrumento que tem sido usado em vários estudos clínicos para avaliar a função física e o impacto da SFM na qualidade de vida dos pacientes.21 Ele avalia a qualidade de vida especificamente em pacientes fibromiálgicos, juntamente com questões relacionadas à capacidade funcional, situação profissional, distúrbios psicológicos e sintomas físicos. Sua versão para a língua portuguesa foi validada em 2006,22 e mostrou-se um instrumento de fácil compreensão e aplicação, válido e confiável para medir a capacidade funcional e o estado de saúde de pacientes com SFM, auxiliando, assim, no diagnóstico e no tratamento da doença.
Em nosso estudo, confirmamos os achados de alteração na qualidade do sono e de melhora da mesma após a implementação da hidrocinesioterapia. Estudos mostram que o sono não reparador está presente em 76%-90% dos pacientes com SFM, em comparação a 10%-30% dos indivíduos saudáveis.23 Má qualidade do sono foi observada em 99% dos voluntários no estudo realizado por Theadom et al.,24 que avaliaram 101 pacientes diagnosticados com fibromialgia e avaliados pelo PSQI. A qualidade do sono foi significativamente previsora de dor, fadiga e funcionamento social em pacientes com SFM.
A qualidade do sono é difícil de definir e mensurar, por ser muito complexa e variar de um indivíduo para o outro. Ela inclui aspectos quantitativos, como números de despertares, duração e latência do sono, e outros aspectos como profundidade, tranquilidade e sensação de descanso após o sono.25
Em nosso estudo, o instrumento utilizado para mensuração da qualidade subjetiva do sono foi o PSQI, validado em português por Bertolazi.26 O PSQI fornece um índice de gravidade e natureza do distúrbio do sono no último mês, e é um método seguro, confiável, não invasivo e fácil de aplicar.26 No pré-tratamento, despertares noturnos frequentes e poucas horas de sono alcançaram uma média de 39,5 pontos. Após a intervenção, aproximadamente 80% dos pacientes tiveram melhora na qualidade de sono, reduzindo a média para 33 pontos. Esses achados nos fazem acreditar que a hidrocinesioterapia auxilia nas correções de distúrbios do sono, melhorando a qualidade do sono.
Outra ferramenta utilizada foi a ESE, desenvolvida em 1991 por Dr. John W. Murray para avaliar a ocorrência de sonolência diurna excessiva.27 Segundo o autor, assim como qualquer outro método-questionário, a mensuração não é subjetiva, apesar de depender da habilidade de leitura, compreensão e resposta honesta do paciente.28 Neste estudo, os pacientes apresentaram sonolência excessiva para realizar as atividades de vida diária no pré-tratamento, com média de 13,88 pontos observada pela ESE. Essa sonolência excessiva pode estar associada com os frequentes despertares noturnos, fazendo com que o ciclo sono/vigília seja alterado. Tais alterações no padrão do sono podem resultar em cansaço e fadiga no dia seguinte. No pós-tratamento, a média foi de 10 pontos, o que mostrou melhora significativa. Em um estudo no qual a ESE foi utilizada em 30 voluntários fibromiálgicos, a ocorrência de sonolência diurna foi associada com maior gravidade da SFM, com alterações mais acentuadas nas polissonografias.29
A melhora do grau de sonolência e da qualidade do sono pode estar relacionada com aumento da serotonina, produzida pelos efeitos dos exercícios aeróbios realizados na água a 32ºC. Segundo Goldenberg et al.,30 os pacientes com SFM têm redução de serotonina, o que desregula o sono desses indivíduos. Por outro lado, com o nível de serotonina aumentado, há maior produção de melatonina, que tem como funções regular o sono e melhorar a qualidade do mesmo, proporcionando a sensação de descanso.
Neste estudo, os pacientes com SFM apresentaram redução da capacidade funcional. Segundo Chaitow et al.,31 os pacientes com SFM apresentam músculos descondicionados, tendência a microtraumatismos musculares, dor e fadiga crônica. A melhora da capacidade funcional desses indivíduos está relacionada com os efeitos dos exercícios aeróbicos na água, principalmente sobre o sistema cardiovascular e muscular esquelético, que proporciona: aumento do débito cardíaco;32 desvio da curva de dissociação da hemoglobina para a direita, aumento da capilaridade muscular e diminuição da resistência à difusão de O2 das hemácias para as fibras musculares contráteis;33 e remodelamento dos músculos exercitados, com transformação das fibras tipo II B para II A e aumento do número, do tamanho e da concentração enzimática das mitocôndrias das células musculares de contração lenta.34
Uma das limitações deste estudo foi a não realização da polissonografia, que é o padrão ouro para avaliação da qualidade do sono. No entanto, os resultados não são invalidados, considerando-se a confiabilidade de nosso método.
CONCLUSÃO
A hidrocinesioterapia está bem indicada para pacientes com SFM, sendo importante para a melhora de qualidade do sono, capacidade funcional, situação profissional, distúrbios psicológicos e sintomas físicos da síndrome.
A avaliação da qualidade de vida antes e após a terapia indicou melhora na percepção subjetiva das condições físicas e psicológicas. Desse modo, as intervenções destinadas a melhorar a qualidade do sono e a capacidade funcional podem contribuir para a melhora da saúde e qualidade de vida de pacientes com SFM.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Elias F. Porto, pela orientação deste trabalho, e à Prof.ª Cláudia Kumpel, pela ajuda na realização deste.
Recebido em 08/11/2011.
Aprovado, após revisão, em 05/09/2012.
Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.
Comitê de Ética: FR - 460754.
Centro Universitário Adventista de São Paulo - UNASP.
-
1Santos AMB, Assumpção A, Matsutani LA, Pereira CAB, Lage LV, Marques AP. Depressão e qualidade de vida em pacientes com fibromialgia. Rev Bras Reumatol 2006;10:317-24.
-
2Heymann RE, Paiva ES, Helfenstein Junior M, Pollak DF, Martinez JE, Provenza JR et al Consenso brasileiro do tratamento da fibromialgia. Rev Bras Reumatol 2010;50(1):56-66.
-
3Gimenes RO, Santos EC, Silva TJPV. Watsu no tratamento da fibromialgia. Rev Bras Reumatol 2006;46(1):75-6.
-
4Okumus M, Gokoglu F, Kocaoglu S, Ceeceli E, Yorgancioglu ZR. Muscle performance in patients with fibromyalgia. Singapore Med J 2006;47(9):752-6.
-
5Martins IRM, Polvero LO, Rocha CW, Foss MH, Junior RS. Uso de questionários para avaliar a multidimensionalidade e a qualidade de vida do fibromiálgico. Rev Bras Reumatol 2012;52(1):16-26.
-
6Weidebach WFS. Fibromialgia: evidências de um substrato neurofisiológico. Rev Associação Médica Bras 2002;48(4):291-292.
-
7Wolfe F. Fibromyalgia: the clinical syndrome. Rheum Dis Clin North Am 1989;15(1):1-19.
-
8Ribeiro LS, Proietti FA. Fibromialgia e estresse infeccioso: possíveis associações entre a síndrome de fibromialgia e infecções viróticas crônicas. Rev Bras Reumatol 2005;45(1):20-9.
-
9Wolfe F, Simons DG, Fricton J, Bennett RM, Goldenberg DL, Gerwin R et al The fibromyalgia and myofascial pain syndromes: a preliminary study of tender points and trigger points in per-sons with fibromyalgia myofascial pain syndrome and no disease. J Rheumatol 1992;19(6):944-51.
-
10Campion MR. Efeitos fisiológicos, terapêuticos e psicológicos da atividade aquática. In: Campion MR. Hidroterapia: princípios e prática São Paulo: Manole, 2000; p. 3-4.
-
11Ferro CV, Ide MR, Streit MV. Correlation between sleep disorders and subjective parameters in subjects with fibromyalgia. Fisioter Mov 2008;21(1):33-8.
-
12Affleck G, Urrows S, Tennen H, Higgins P, Abeles M. Sequential daily relations of sleep, pain intensity, and attention to pain among women with fibromyalgia. Pain 1996;68(2-3):363-68.
-
13Martinez JE, Barauna Filho IS, Kubokawa K, Cevasco G, Pereira IS, Machado LAM. Avaliação da qualidade de vida de pacientes com fibromialgia através do "Medical Outcome Survey 36 Item Shortform Study". Rev Bras Reumatol 1999;39(6):312-6.
-
14Bates A, Hanson N. Exercícios aquáticos terapêuticos. In: Bates A, Hanson N. Síndrome da fibromialgia e exercício aquático São Paulo: Manole, 1998; p. 285-99.
-
15Soares MP. Hidroterapia no tratamento da osteoporose. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.
-
16Burckhardt CS, Mannerkorpi K, Hedenberg L, Bjelle A. A randomized, controlled clinical trial of education and physical training for women with fibromyalgia. J Rheumatol 1994;21(4):714-20.
-
17Buysse DJ, Reynolds CF 3rd, Monk TH, Berman SR, Kupfer DJ. The Pittsburgh Sleep Quality Index: a new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatry Res 1989;28(2):193-213.
-
18Boari L, Cavalcante CM. Avaliação da escala de Epworth em pacientes com síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono. Rev Bras Otorrinolaringol 2004;70(6):752-6.
-
19Bastos CC, Oliveira EM. Síndrome da fibromialgia; tratamento em piscina aquecida. Lato & Sensu 2003;4(2):6.
-
20Salvador JP, Silva QF, Zirbes MCGM. Hidrocinesioterapia no tratamento de mulheres com fibromialgia: estudo de caso. Fisioterapia e Pesquisa 2005;11(1):27-36.
-
21Burckardt CS, Clark SR, Bennett RM. The Fibromyalgia Impact Questionnaire: Development end Validation. J Rheumatol 1991;18(5):728-33.
-
22Marques AP, Santos AMB, Assumpção A, Matsutani LA, Lage LV, Pereira CAB. Validação da Versão Brasileira do Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol 2006;46(1):24-31.
-
23American Academy of Sleep Medicine. International classification of sleep disorders: Diagnostic and coding manual. 2.ed. West chester, IL: American Academy of Sleep Medicine; 2005.
-
24Theadom A, Cropley M, Humphrey KL. Exploring the role of sleep and coping in quality of life in fibromyalgia. J Psychosom Res 2007;62(2):145-51.
-
25Bixler EO, Kales A, Soldatos JD, Healey S. Prevalence of sleep disorders in the Los Angeles Metropolitan area. Am J Phsychiatry 1979;136(10):1257-62.
-
26Bertolazi AN. Tradução, adaptação cultural e validação de dois instrumentos de avaliação do sono: Escala de Sonolência de Epworthe Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2008.
-
27Johns MW. A new model for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep 1991;14(6):540-5.
-
28Johns MW. Daytime sleepiness, snoring and obstructive sleep apnea. The Epworth Sleepiness Scale. Chest 1993;103(1):30-6.
-
29Sarzi PP, Rizzi M, Andreoli A, Panni B, Pecis M, Colombo S et al Hypersomnolence in fibromyalgia syndrome. Clin Exp Rheumatol 2002;20(1):69-72.
-
30Goldenberg DL. Fibromyalgia chronic fatigue syndrome and myofacial pain syndrome. Curr Opin Rheumatol 1991;3(2):247-58.
-
31Chaitow L. Síndrome da fibromialgia: um guia para tratamento. São Paulo: Manole, 2002.
-
32Wasserman K, Hansen JE, Sue DY, Casaburi R, Whipp BJ. Principles of exercise testing and interpretation. 3.ed. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins, 1999; p. 201-14.
-
33Hepple RT. Skeletal muscle: microcirculatory adaptation to metabolic demand. Med Sci Sports Exerc 2000;32(1):117-23.
-
34Starnes JW. Introduction to respiratory control in skeletal muscle. Med Sci Sports Exerc 1994;26(1):27-9.
Correspondência para:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Dez 2012 -
Data do Fascículo
Dez 2012
Histórico
-
Recebido
08 Nov 2011 -
Aceito
05 Set 2012