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Polimorfismo do receptor Fc gama IIIa não está associado à susceptibilidade ao lúpus eritematoso sistêmico em pacientes brasileiros

RESUMO

Avaliou-se a possível associação entre o polimorfismo FCGR3A V/F (158) e a suscetibilidade e o fenótipo clínico do lúpus eritematoso sistêmico (LES) em 305 pacientes com LES admitidos sequencialmente e 300 controles saudáveis da Região Sudeste do Brasil por reação em cadeia da polimerase alelo-específica. Os resultados do presente estudo mostraram não haver associação entre os alelos FCGR3A 158 V/F e a suscetibilidade ao LES nessa série de pacientes, ainda que o genótipo heterozigoto tenha sido fortemente associado à doença.

Palavras-chave:
Lúpus eritematoso sistêmico; Receptor Fc gama IIIa; Polimorfismo de nucleotídeo único; Polimorfismo genético; Imunogenética

ABSTRACT

We evaluated the possible association between FCGR3A V/F (158) polymorphism and SLE susceptibility and clinical phenotype in 305 sequentially retrieved SLE patients and 300 healthy controls from the southeastern part of Brazil by allele-specific polymerase chain reaction. Our results showed no association between FCGR3A 158V/F alleles and susceptibility to SLE in this series of patients albeit the heterozygous genotype was strongly associated with the disease.

Keywords:
Systemic lupus erythematosus; Fc gamma receptor IIIa; Single nucleotide polymorphism; Gene polymorphism; Immunogenetics

Introdução

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é considerado o protótipo de doenças crônicas mediadas por complexos imunes. Em condições fisiológicas, os complexos imunes (CI) circulantes são eliminados do sangue periférico e outros líquidos biológicos pelo sistema fagocítico mononuclear.11 Manger K, Repp R, Jansen M, Geisselbrecht M, Wassmuth R, Westerdaal NA, et al. Fcgamma receptor IIa, IIIa, and IIIb polymorphisms in German patients with systemic lupus erythematosus: association with clinical symptoms. Ann Rheum Dis. 2002;61:786-92.,22 Salmon JE. Abnormalities in immune complex clearance and Fc receptor function. In: Wallace DJ, Hahn BH, editors. Dubois’ lupus erythematosus. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007. p. 191–213. No LES, a eliminação inadequada dos CI pode levar a danos nos tecidos em decorrência da deposição e sobrecarga tecidual de CI, o que resulta em liberação de mediadores inflamatórios e influxo de células inflamatórias.22 Salmon JE. Abnormalities in immune complex clearance and Fc receptor function. In: Wallace DJ, Hahn BH, editors. Dubois’ lupus erythematosus. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007. p. 191–213.,33 Li X, Ptacek TS, Brown EE, Edberg JC. Fcgamma receptors: structure, function and role as genetic risk factors in SLE. Genes Immun. 2009;10:380-9. Os receptores gama Fc (FcyR), presentes em células mononucleares fagocíticas, desempenham um papel importante na eliminação dos CI e das células apoptóticas.44 Gessner JE, Heiken H, Tamm A, Schmidt RE. The IgG Fc receptor family. Ann Hematol. 1998;76:231-48.,55 Takai T. Roles of receptors in autoimmunity. Nat Rev Immunol. 2002;2:580-92. Além disso, a internalização de CI que contém ácido nucleico via FcyR pelas células dendríticas plasmocitoides possibilita a ligação de receptores toll-like (TLR) intracelulares e consequente ativação de cascatas a jusante que culminam na síntese de interferon tipo I.66 Pascual V, Farkas L, Banchereau J. Systemic lupus erythematosus: all roads lead to type I interferons. Curr Opin Immunol. 2006;18:676-82.,77 Wiedeman AE, Santer DM, Yan W, Miescher S, Käsermann F, Elkon KB. Contrasting mechanisms of interferon-α inhibition by intravenous immunoglobulin after induction by immune complexes versus Toll-like receptor agonists. Arthritis Rheum. 2013;65:2713-23. Descreveram-se vários polimorfismos de nucleotídeo único (SNP) nos genes que codificam os FcyR e alguns deles têm consequências funcionais. Como esperado, alguns desses polimorfismos têm sido extensivamente estudados em doenças autoimunes.55 Takai T. Roles of receptors in autoimmunity. Nat Rev Immunol. 2002;2:580-92.,88 Bournazos S, Woof JM, Hart SP, Dransfield I. Functional and clinical consequences of Fc receptor polymorphic and copy number variants. Clin Exp Immunol. 2009;157:244-54.

O receptor humano FcyRIII (CD16) é uma proteína heterogênea extensivamente glicosilada com um peso molecular aparente de 50-80KDa. O gene FCGR3A codifica o receptor FcγRIIIa presente em macrófagos, células MN e linfócitos T γδ, com baixa afinidade para o CI que contém IgG.44 Gessner JE, Heiken H, Tamm A, Schmidt RE. The IgG Fc receptor family. Ann Hematol. 1998;76:231-48.,99 Wu J, Edberg JC, Redecha PB, Bansal V, Guyre PM, Coleman K, et al. A novel polymorphism of FcgammaRIIIa (CD16) alters receptor function and predisposes to autoimmune disease. J Clin Invest. 1997;100:1059-70.,1010 Koene HR, Kleijer M, Algra J, Roos D, von dem Borne AE, de Haas M. Fc gammaRIIIa-158V/F polymorphism influences the binding of IgG by natural killer cell Fc gammaRIIIa, independently of the Fc gammaRIIIa-48L/R/H phenotype. Blood. 1997;90:1109-14. O gene FCGR3A apresenta um polimorfismo G559 T que leva à substituição da valina por fenilalanina na posição 158 da cadeia polipeptídica (158 v/F) e reduz ainda mais a afinidade do receptor para subclasses IgG.99 Wu J, Edberg JC, Redecha PB, Bansal V, Guyre PM, Coleman K, et al. A novel polymorphism of FcgammaRIIIa (CD16) alters receptor function and predisposes to autoimmune disease. J Clin Invest. 1997;100:1059-70.

10 Koene HR, Kleijer M, Algra J, Roos D, von dem Borne AE, de Haas M. Fc gammaRIIIa-158V/F polymorphism influences the binding of IgG by natural killer cell Fc gammaRIIIa, independently of the Fc gammaRIIIa-48L/R/H phenotype. Blood. 1997;90:1109-14.
-1111 Brambila-Tapia AJ, Gámez-Nava JI, González-López L, Sandoval-Ramírez L, Medína-Díaz J, Maldonado M, et al. FCGR3A V (176) polymorphism for systemic lupus erythematosus susceptibility in Mexican population. Rheumatol Int. 2011;31:1065-8. A associação entre o polimorfismo do gene FCGR3A e o LES foi estudada por vários pesquisadores. No entanto, foram relatados resultados contraditórios a respeito dessa associação em diferentes populações.99 Wu J, Edberg JC, Redecha PB, Bansal V, Guyre PM, Coleman K, et al. A novel polymorphism of FcgammaRIIIa (CD16) alters receptor function and predisposes to autoimmune disease. J Clin Invest. 1997;100:1059-70.,1010 Koene HR, Kleijer M, Algra J, Roos D, von dem Borne AE, de Haas M. Fc gammaRIIIa-158V/F polymorphism influences the binding of IgG by natural killer cell Fc gammaRIIIa, independently of the Fc gammaRIIIa-48L/R/H phenotype. Blood. 1997;90:1109-14.,1212 Oh M, Petri MA, Kim NA, Sullivan KE. Frequency of the FcγRIIIA-158F allele in African American patients with systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 1999;26:1486-9.

13 Seligman VA, Suarez C, Lum R, Inda SE, Lin D, Li H, et al. The Fcgamma receptor IIIA-158F allele is a major risk factor for the development of lupus nephritis among Caucasians but not non-Caucasians. Arthritis Rheum. 2001;44:618-25.

14 González-Escribano MF, Aguilar F, Sánchez-Román J, Núñez-Roldán A. FcgammaRIIA, FcgammaRIIIA and FcgammaRIIIB polymorphisms in Spanish patients with systemic lupus erythematosus. Eur J Immunogenet. 2002;29:301-6.

15 Kyogoku C, Dijstelbloem HM, Tsuchiya N, Hatta Y, Kato H, Yamaguchi A, et al. Fcgamma receptor gene polymorphisms in Japanese patients with systemic lupus erythematosus: contribution of FCGR2B to genetic susceptibility. Arthritis Rheum. 2002;46:1242-54.
-1616 Chu ZT, Tsuchiya N, Kyogoku C, Ohashi J, Qian YP, Xu SB, et al. Association of Fcgamma receptor IIb polymorphism with susceptibility to systemic lupus erythematosus in Chinese: a common susceptibility gene in the Asian populations. Tissue Antigens. 2004;63:21-7. Diante desse cenário, o presente estudo teve como objetivo investigar o polimorfismo FcγRIIIa 158 V/F em pacientes com LES brasileiros provenientes de uma população com origem étnica mista.

Material e métodos

Pacientes e controles

Coletou-se o sangue periférico de 305 pacientes com LES que sequencialmente passaram pelo Ambulatório de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brasil. Todos os pacientes preencheram pelo menos quatro dos critérios revisados para a classificação do LES de acordo com o American College of Rheumatology.1717 Hochberg MC. Updating the American college of rheumatology revised criteria for the classification of systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1997;40:1725. Não havia disponibilidade de características clínicas detalhadas de todos os pacientes e considerou-se somente os gráficos com dados consistentes na análise do fenótipo clínico da doença. Assim, dados do Systemic Lupus International Collaborating Clinics/American College of Rheumatology-Damage Index (Slicc-DI) estavam disponíveis para 167 pacientes. O grupo controle era composto por 300 doadores de sangue saudáveis que não tinham antecedentes familiares de doenças autoimunes conforme avaliado por um questionário detalhado. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição (# 2074/07) e todos os participantes forneceram um consentimento informado por escrito.

Classificação étnica

Países latino-americanos em geral, e em particular o Brasil, apresentam uma intensa miscigenação étnica, principalmente à custa de elementos africanos e europeus. Adotou-se a classificação étnica usada pelo Grupo Latinoamericano de Estudio del Lupus (Gladel).1818 Laitinen J, Samarut J, Hölttä E. A nontoxic and versatile protein salting-out method for isolation of DNA. Biotechniques. 1994;17:316, 318, 320–2. De acordo com essa classificação, o indivíduo descreve a própria etnia, bem como a de seus pais e quatro avós. Os grupos étnicos estudados foram definidos do seguinte modo:

  1. Etnia negra: indivíduo estudado, pais e avós classificados como negros.

  2. Etnia branca: indivíduo estudado, pais e avós classificados como brancos.

  3. Etnia mista: existência de pelo menos um desacordo na classificação da linhagem do indivíduo em avós maternos ou paternos.

Isolamento de ácido nucleico e análise do polimorfismo FCGR3A

Extraiu-se o DNA genômico de amostras de sangue por salting out, com base na metodologia previamente descrita por Laitinen et al. 1919 Siriboonrit U, Tsuchiya N, Sirikong M, Kyogoku C, Bejrachandra S, Suthipinittharm P, et al. Association of Fcgamma receptor IIb and IIIb polymorphisms with susceptibility to systemic lupus erythematosus in Thais. Tissue Antigens. 2003;61:374-83. Examinou-se o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) G559 T (rs396991) do FCGR3A (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/gene/2214) por PCR alelo-específica de acordo com Wu et al. 99 Wu J, Edberg JC, Redecha PB, Bansal V, Guyre PM, Coleman K, et al. A novel polymorphism of FcgammaRIIIa (CD16) alters receptor function and predisposes to autoimmune disease. J Clin Invest. 1997;100:1059-70. com pequenas modificações, com um único primer sense (5′ TCA CAT ATT TAC AGA ATG GCA ATG G 3′) e dois primers antisense (5′ TCT CTG AAG ACA CAT TTC TAC TCC CTA C 3′ para o alelo G; e 5′ TCT CTG AAG ACA CAT TTC TAC TCC CTA A 3′) para o alelo T. A mistura de reação de 50 µL continha 100 ng de DNA, 1,2 mM de MgCl2, 0,2 m de MdNTP, 2,5 U de Platinum Taq DNA polimerase e 10 pmol de cada um dos primer sense e antisense aleloespecíficos. A PCR iniciou com uma etapa inicial de cinco minutos a 95° C, seguida de 35 ciclos de 30 segundos a 94° C, 45 segundos a 54° C e 20 segundos a 72° C, com uma etapa de extensão final de oito minutos a 72° C. O fragmento amplificado de 138 pb foi analisado por eletroforese em gel de agarose a 3% em TBE.

Pesquisa e procura de autoanticorpos

Identificaram-se todas as subsorologias (DNA de cadeia dupla, Sm, RNP, SSA, SSB). Usou-se a imunofluorescência indireta para o teste de ANA e ds-DNA e difusão dupla Ouchterlony para os autoanticorpos Sm, RNP, SSA-Ro e SSB-La.

Análise estatística

Usaram-se o teste de qui-quadrado e a correção de Bonferroni para comparações múltiplas para analisar as variáveis categóricas e o teste exato de Fisher foi usado quando apropriado. As variáveis contínuas foram testadas quanto ao padrão de distribuição pelo teste de Kolmogorov-Smirnoff. As variáveis com distribuição normal foram analisadas pelo teste t de Student e aquelas com distribuição não paramétrica foram analisadas pelo teste de Kruskal-Wallis (três ou mais grupos), seguido pelo teste U de Mann-Whitney. A significância foi estabelecida em p < 0,05. Os cálculos estatísticos foram feitos com o programa SPSS 17.0 e Minitab Statistical 15.0.

Resultados

Não houve diferença entre pacientes e controles em relação à distribuição étnica, mas o grupo LES teve uma menor frequência de homens em comparação com o grupo controle (tabela 1). No entanto, a análise estatística feita intragrupo confirmou que nem a distribuição dos alelos (pacientes com LES p = 0,863; controles p = 1,000) nem a distribuição genotípica (pacientes com LES p = 0,449; controles p = 1,000) estiveram relacionadas com o gênero (dados não mostrados).

Tabela 1
Distribuição da etnia e gênero em pacientes e controles com LES

O grupo de pacientes teve uma proporção significativamente maior de indivíduos heterozigotos (VF) do que o grupo controle (tabela 2). Assim, o grupo controle apresentou uma proporção significativamente maior de genótipos homozigotos VV (p = 0,023) e FF (p = 0,027) no FCGR3A. Como esperado, não houve diferença entre os grupos em relação à prevalência de alelos individuais (p = 0,853) (tabela 2). A distribuição dos genótipos FCGR3A mostrou desvio do equilíbrio de Hardy-Weinberg em ambos os grupos, LES e controle.

Tabela 2
Genótipo FCGR3A e distribuição dos alelos em pacientes e controles com LES

Não houve associação entre a maior parte das manifestações clínicas e genótipos (tabela 3), com exceção de uma maior frequência de manifestações do sistema nervoso central (SNC) observada em pacientes com genótipo FCGR3A VV (cinco pacientes apresentaram diagnóstico de psicose, três tiveram convulsões e um teve outra manifestação). Entre os 167 pacientes com LES com registros Slicc/ACR-DI disponíveis, não foi encontrada associação entre esse escore de danos e qualquer genótipo FCGR3A (p = 0,300) (fig. 1). Não foi encontrada associação entre os genótipos FCGR3A e a presença de autoanticorpos individuais anti-dsDNA, anti-Sm, anti-RNP, anti-SS-A/Ro e anti-SS-B/La entre os 305 pacientes com LES (tabela 4).

Tabela 3
Manifestações clínicas de pacientes com LES de acordo com o genótipo FCGR3A

Figura 1
Distribuição Boxplot do Slicc/ACR-DI de acordo com os genótipos FCGR3A. Não foi encontrada associação entre o escore de danos e qualquer genótipo FCGR3A específico (p = 0,300).

Tabela 4
Presença de autoanticorpos individuais em pacientes com LES de acordo com o genótipo FCGR3A

Discussão

Este é o primeiro estudo que analisa o polimorfismo FCGR3A em pacientes brasileiros com LES. Apesar da quantidade considerável de pacientes e controles normais, não houve diferença na distribuição dos alelos FCGR3A 158 V/F entre pacientes com LES e controles saudáveis. Curiosamente, os pacientes com LES mostraram uma frequência significativamente maior do genótipo heterozigoto 158 V/F. Além disso, houve uma maior frequência do genótipo homozigoto VV em pacientes com história de envolvimento do SNC. Outras características clínicas e a gravidade da doença não estiveram associadas ao polimorfismo FCGR3A nesta série de casos. De acordo com os resultados do presente estudo, a distribuição dos genótipos FCGR3A não obedeceu ao equilíbrio de Hardy-Weinberg. Uma possível explicação para essa observação é a existência de variação na quantidade de cópias do gene, uma das principais causas do desvio no equilíbrio de Hardy-Weinberg.2020 Salmon JE, Ng S, Yoo DH, Kim TH, Kim SY, Song GG. Altered distribution of Fcgamma receptor IIIA alleles in a cohort of Korean patients with lupus nephritis. Arthritis Rheum. 1999;42:818-9. Na realidade, estudos recentes mostraram que os genes dos receptores Fcy podem apresentar variação na quantidade de cópias, incluindo os genes FCGR3A, FCGR3B e FCGR2 C.2121 Lee EB, Lee YJ, Baek HJ, Kang SW, Chung ES, Shin CH, et al. Fcgamma receptor IIIA polymorphism in Korean patients with systemic lupus erythematosus. Rheumatol Int. 2002;21:222-6.,2222 Lee S, Kasif S, Weng Z, Cantor CR. Quantitative analysis of single nucleotide polymorphisms within copy number variation. PLoS One. 2008;3:e3906.

Willcocks et al. descobriram uma associação entre a baixa quantidade de cópias do gene FCGR3B e o LES em brancos; porém, essa associação não foi observada em pacientes com LES chineses em geral ou quando os pacientes com LES com nefrite lúpica foram analisados separadamente.2323 Schaschl H, Aitman TJ, Vyse TJ. Copy number variation in the human genome and its implication in autoimmunity. Clin Exp Immunol. 2009;156:12-6. Em outro estudo feito na população chinesa, Zhou et al. descobriram uma associação entre o aumento na quantidade de cópias do gene FCGR3A (3 ou 4) e a presença de anticorpos antimembrana basal glomerular.2424 Breunis WB, van Mirre E, Bruin M, Geissler J, de Boer M, Peters M, et al. Copy number variation of the activating FCGR2C gene predisposes to idiopathic thrombocytopenic purpura. Blood. 2008;111:1029-38.

Sabe-se que o alelo FCGR3A 158 v codifica para um receptor de afinidade mais elevada do que o alelo 158F.99 Wu J, Edberg JC, Redecha PB, Bansal V, Guyre PM, Coleman K, et al. A novel polymorphism of FcgammaRIIIa (CD16) alters receptor function and predisposes to autoimmune disease. J Clin Invest. 1997;100:1059-70.,1010 Koene HR, Kleijer M, Algra J, Roos D, von dem Borne AE, de Haas M. Fc gammaRIIIa-158V/F polymorphism influences the binding of IgG by natural killer cell Fc gammaRIIIa, independently of the Fc gammaRIIIa-48L/R/H phenotype. Blood. 1997;90:1109-14. Consistente com o papel desempenhado pelo FcγRIIIa na eliminação do complexo imune, é concebível que a diminuição na capacidade de ligação do alelo 158F estaria associada a doenças mediadas por complexos imunes. Na verdade, relata-se um aumento na suscetibilidade ao LES em indivíduos FCGR3A 158F/F em alguns grupos étnicos.33 Li X, Ptacek TS, Brown EE, Edberg JC. Fcgamma receptors: structure, function and role as genetic risk factors in SLE. Genes Immun. 2009;10:380-9. No entanto, a literatura é controversa em relação a essa associação. Entre os japoneses, a homozigose para o alelo 158F contribuiu para a susceptibilidade ao LES,1515 Kyogoku C, Dijstelbloem HM, Tsuchiya N, Hatta Y, Kato H, Yamaguchi A, et al. Fcgamma receptor gene polymorphisms in Japanese patients with systemic lupus erythematosus: contribution of FCGR2B to genetic susceptibility. Arthritis Rheum. 2002;46:1242-54. mas na população tailandesa encontrou-se apenas uma tendência a associação entre o genótipo FF e a suscetibilidade ao LES.2525 Willcocks LC, Lyons PA, Clatworthy MR, Robinson JI, Yang W, Newland SA, et al. Copy number of FCGR3B, which is associated with systemic lupus erythematosus, correlates with protein expression and immune complex uptake. J Exp Med. 2008;205:1573-82. Não foi encontrada associação entre o polimorfismo 158 V/F e o LES em indivíduos espanhóis,1414 González-Escribano MF, Aguilar F, Sánchez-Román J, Núñez-Roldán A. FcgammaRIIA, FcgammaRIIIA and FcgammaRIIIB polymorphisms in Spanish patients with systemic lupus erythematosus. Eur J Immunogenet. 2002;29:301-6. negros americanos1212 Oh M, Petri MA, Kim NA, Sullivan KE. Frequency of the FcγRIIIA-158F allele in African American patients with systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 1999;26:1486-9. e mexicanos.1111 Brambila-Tapia AJ, Gámez-Nava JI, González-López L, Sandoval-Ramírez L, Medína-Díaz J, Maldonado M, et al. FCGR3A V (176) polymorphism for systemic lupus erythematosus susceptibility in Mexican population. Rheumatol Int. 2011;31:1065-8. Em coreanos, de acordo com Salmon et al.,2626 Zhou XJ, Lv JC, Bu DF, Yu L, Yang YR, Zhao J, et al. Copy number variation of FCGR3A rather than FCGR3B and FCGR2B is associated with susceptibility to anti-GBM disease. Int Immunol. 2010;22:45-51. a homozigose para o alelo F constituía um fator de risco para a nefrite lúpica, em contraste com os resultados encontrados por Lee et al., que não encontraram associação entre esse polimorfismo e o LES nesse grupo étnico.2727 Alarcón GS, McGwin G Jr, Petri M, Ramsey-Goldman R, Fessler BJ, Vilá LM, et al. Time to renal disease and end-stage renal disease in PROFILE: a multiethnic lupus cohort. PLoS Med. 2006;3:e396. Na população alemã, embora o polimorfismo FcγRIIIa não confira suscetibilidade ao LES, a presença do alelo F esteve associada às manifestações clínicas, ao prognóstico e ao curso da doença (tabela 5).11 Manger K, Repp R, Jansen M, Geisselbrecht M, Wassmuth R, Westerdaal NA, et al. Fcgamma receptor IIa, IIIa, and IIIb polymorphisms in German patients with systemic lupus erythematosus: association with clinical symptoms. Ann Rheum Dis. 2002;61:786-92.

Tabela 5
Polimorfismo FCGR3A-158 V/F e LES nos diferentes grupos étnicos

No presente estudo, o genótipo heterozigoto (VF) foi mais prevalente em pacientes com LES; como esperado, isso não causou qualquer diferença na distribuição de alelos entre os grupos LES e controle. A razão para uma maior frequência do genótipo heterozigoto 158 V/F em pacientes com LES não é claramente compreendida. Pode estar relacionada com a variação na quantidade de cópias e pode-se supor que um estado de afinidade intermediária no conjunto de receptores FcγRIIIa, conforme previsto pela coexistência de variantes de alta avidez (158 v) e baixa avidez (158F) ao FCGR3A, definiu um cenário de eliminação de complexo imune favorável ao desenvolvimento de doenças mediadas por complexos imunes nessa configuração étnica. São necessários dados experimentais para testar essa hipótese.

Outro aspecto importante a ser considerado é que a análise isolada do polimorfismo FCGR3A pode ser uma simplificação do problema. Deve-se lembrar que o FcγRIIIa é um dos vários receptores envolvidos na eliminação do complexo imune. Por conseguinte, a capacidade final de eliminação do complexo imune deve corresponder à composição genética global dos vários receptores envolvidos nesse processo.

Com relação às manifestações clínicas no LES, Wu et al. descobriram que houve uma forte associação entre o genótipo FF e a nefrite lúpica em americanos de diferentes origens genéticas,99 Wu J, Edberg JC, Redecha PB, Bansal V, Guyre PM, Coleman K, et al. A novel polymorphism of FcgammaRIIIa (CD16) alters receptor function and predisposes to autoimmune disease. J Clin Invest. 1997;100:1059-70. de modo semelhante ao que foi observado na população coreana por Salmon et al., em 1.999.2626 Zhou XJ, Lv JC, Bu DF, Yu L, Yang YR, Zhao J, et al. Copy number variation of FCGR3A rather than FCGR3B and FCGR2B is associated with susceptibility to anti-GBM disease. Int Immunol. 2010;22:45-51. Entretanto, mesmo em americanos com origem genética variada o papel do polimorfismo FCGR3A no fenótipo do LES não é claro, uma vez que Alarcon et al. descobriram que a homozigose para o alelo V (FCGR3A * GG) foi um preditor significativo de doença renal em estágio terminal entre os pacientes com LES com doença renal.2828 Pons-Estel BA, Catoggio LJ, Cardiel MH, Soriano ER, Gentiletti S, Villa AR, et al. The GLADEL multinational Latin American prospective inception cohort of 1,214 patients with systemic lupus erythematosus: ethnic and disease heterogeneity among Hispanics. Medicine (Baltimore). 2004;83:1-18. A associação do alelo F 158 com a nefrite lúpica99 Wu J, Edberg JC, Redecha PB, Bansal V, Guyre PM, Coleman K, et al. A novel polymorphism of FcgammaRIIIa (CD16) alters receptor function and predisposes to autoimmune disease. J Clin Invest. 1997;100:1059-70.,2626 Zhou XJ, Lv JC, Bu DF, Yu L, Yang YR, Zhao J, et al. Copy number variation of FCGR3A rather than FCGR3B and FCGR2B is associated with susceptibility to anti-GBM disease. Int Immunol. 2010;22:45-51. e a associação do alelo V com a doença renal terminal2828 Pons-Estel BA, Catoggio LJ, Cardiel MH, Soriano ER, Gentiletti S, Villa AR, et al. The GLADEL multinational Latin American prospective inception cohort of 1,214 patients with systemic lupus erythematosus: ethnic and disease heterogeneity among Hispanics. Medicine (Baltimore). 2004;83:1-18. sugerem que outros fatores ainda desconhecidos podem influenciar no desenvolvimento e desfecho das manifestações renais no LES. A associação entre o genótipo VV e a história de envolvimento do SNC não foi relatada por outros autores. Esse achado original é intrigante, mas deve-se ter em mente que, em razão da pequena quantidade de pacientes homozigotos VV com LES nos casos do presente estudo, essa associação deve ser considerada como preliminar.

Em conclusão, esta análise original do polimorfismo FCGR3A 158 V/F em pacientes com LES brasileiros não mostrou associação entre quaisquer alelos e a susceptibilidade ao LES, mas revelou uma frequência consideravelmente maior do genótipo heterozigoto 158 V/F em pacientes com LES em comparação com controles saudáveis. Além disso, não se confirmou a associação previamente relatada entre o alelo F 158 e a nefrite lúpica na presente série de casos, mas se conseguiu encontrar uma intrigante associação entre o alelo 158 V e o envolvimento do sistema nervoso central. Os presentes resultados apoiam o impacto da variabilidade genética dos receptores Fcγ em geral e do FcγRIIIa em particular sobre a suscetibilidade e o fenótipo do lúpus eritematoso sistêmico. Os resultados preliminares do presente estudo justificam outras pesquisas para confirmar e investigar o papel da família de receptores Fcγ na fisiopatologia do lúpus eritematoso sistêmico.

  • Financiamento
    Este estudo foi apoiado pela bolsa 2008/50213-2 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Marcelle Grecco recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Luís Eduardo Coelho Andrade recebeu uma bolsa (# 476356/2008-3) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2014
  • Aceito
    15 Jun 2016
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