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Imitação e desenvolvimento inicial: evidências empíricas, explicações e implicações teóricas

Imitation and early development: empirical evidences, theoretical explanations and implications

Resumos

A imitação em fases iniciais do desenvolvimento tem sido estudada sob diferentes perspectivas teóricas, que atribuem importância e interpretação diferenciadas para seu papel no desenvolvimento infantil. Considera-se que a compreensão da imitação inicial mostra-se extremamente relevante do ponto de vista epistemológico e teórico. Assim, neste trabalho é feito um breve histórico dos estudos sobre imitação, para apresentar uma revisão e discussão das principais evidências empíricas sobre imitação inicial. As explicações teóricas dessas evidências e as hipóteses que foram sendo falseadas a partir das mesmas são analisadas. Finalmente, a relação dessas evidências com o desenvolvimento da percepção e da origem da representação e as implicações para explicações do desenvolvimento inicial são discutidas.

Imitação; Desenvolvimento inicial; Evidências empíricas


Imitation in initial phases of the development has been studied under different theoretical perspectives that gave differentiated importance and interpretation for role of this process on development. This study's assumption is that the understanding of early imitation is extremely relevant from the epistemological and theoretical point of view. Based on this assumption, the history of imitation studies is briefly described before presenting a review and discussion of the main empirical evidences on early imitation. Theoretical explanations and their associated falsified hypotheses are analyzed. Finally, the relation between the evidences about early imitation and perceptual development, and the origins of representation, and their implications for explanations of early development are discussed.

Imitation; Early development; Empirical evidences


ARTIGOS

Imitação e desenvolvimento inicial: evidências empíricas, explicações e implicações teóricas

Imitation and early development: empirical evidences, theoretical explanations and implications

Maria Lucia Seidl de Moura; Adriana F. P. Ribas

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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RESUMO

A imitação em fases iniciais do desenvolvimento tem sido estudada sob diferentes perspectivas teóricas, que atribuem importância e interpretação diferenciadas para seu papel no desenvolvimento infantil. Considera-se que a compreensão da imitação inicial mostra-se extremamente relevante do ponto de vista epistemológico e teórico. Assim, neste trabalho é feito um breve histórico dos estudos sobre imitação, para apresentar uma revisão e discussão das principais evidências empíricas sobre imitação inicial. As explicações teóricas dessas evidências e as hipóteses que foram sendo falseadas a partir das mesmas são analisadas. Finalmente, a relação dessas evidências com o desenvolvimento da percepção e da origem da representação e as implicações para explicações do desenvolvimento inicial são discutidas.

Palavras-chave: Imitação, Desenvolvimento inicial, Evidências empíricas.

ABSTRACT

Imitation in initial phases of the development has been studied under different theoretical perspectives that gave differentiated importance and interpretation for role of this process on development. This study's assumption is that the understanding of early imitation is extremely relevant from the epistemological and theoretical point of view. Based on this assumption, the history of imitation studies is briefly described before presenting a review and discussion of the main empirical evidences on early imitation. Theoretical explanations and their associated falsified hypotheses are analyzed. Finally, the relation between the evidences about early imitation and perceptual development, and the origins of representation, and their implications for explanations of early development are discussed.

Key words: Imitation, Early development, Empirical evidences.

A imitação em fases iniciais do desenvolvimento tem sido estudada sob diferentes perspectivas teóricas que atribuíram a esse processo relevância e interpretação diferenciadas. Em geral a imitação é vista como importante no desenvolvimento da socialização, da linguagem e da cognição, mas a compreensão desse processo e de seu papel específico depende da teoria de desenvolvimento e de como inclui o ambiente social.

O objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão e discussão das principais evidências empíricas sobre imitação inicial, as explicações dessas evidências e algumas de suas implicações teóricas. Inicialmente é feito um breve histórico dos estudos sobre imitação, para apresentar a revisão. As explicações teóricas das evidências empíricas e as hipóteses que foram sendo falseadas a partir das mesmas são analisadas. Finalmente, a relação dessas evidências com o desenvolvimento da percepção e da origem da representação e as implicações para explicações do desenvolvimento inicial são discutidas.

Esta revisão pode representar uma contribuição para o tema, que se pressupõe ser extremamente relevante do ponto de vista epistemológico e teórico. Sua compreensão, entende-se, pode ter repercussões para a formulação de uma teoria da origem e desenvolvimento da representação, para se pensar a relação entre aprendizagem e desenvolvimento e para a compreensão da coordenação entre percepção e ação e dos processos de desenvolvimento cognitivo e sociocognitivo em geral. Naturalmente, não se tem a pretensão de resolver com este trabalho nenhum desses aspectos, apenas levantar pontos a partir de evidências dos principais de estudos da literatura e discuti-los.

Abordagens teóricas de desenvolvimento e o estudo da imitação

O estudo da imitação em crianças está presente em diversas abordagens, das quais, em psicologia do desenvolvimento, a mais conhecida talvez seja a piagetiana (Piaget, 1964/1978; Piaget & Inhelder, 1993). Nela é atribuído a este processo papel fundamental na construção da representação, da função semiótica, envolvendo a diferenciação entre significantes e significados. Para Piaget, a imitação, em contraste com a brincadeira (jogo), assimilação quase pura, envolve o predomínio da acomodação. São processos complementares, que, como se sabe, estão envolvidos na construção do conhecimento por equilibração majorante, na relação dinâmica e dialética entre os dois invariantes funcionais de adaptação e organização. A imitação, como os demais processos cognitivos, não é inata para Piaget, e, ela mesma, sofre um processo de transformações, a partir da ação do sujeito sobre os objetos do meio, durante os seis estágios do período sensório-motor. Só ao final deste último a ação se torna interiorizada, é dublada pela representação ou se "reapresenta internamente", e a criança adquire a possibilidade de imitar eventos sem a presença do modelo. No início a imitação é apenas um prolongamento da ação, envolve o que a criança já possui em seu repertório e, no caso de movimentos, inclui aqueles que ela pode se ver fazendo.

Vygotsky (1984) também atribui importância à imitação, mas por outras razões. Diferentemente de Piaget, para quem a aprendizagem, em seu sentido restrito, não é fator constitutivo do desenvolvimento, Vygotsky apresenta a hipótese de que uma intensa e dinâmica relação de influência recíproca entre esses dois processos. A aprendizagem precede temporalmente o desenvolvimento, que consiste na interiorização progressiva de instrumentos mediadores e se inicia sempre no exterior, na Zona de Desenvolvimento Proximal. É na interação com outros, principalmente em relações assimétricas com outros mais competentes, que se estabelecem as Zonas de Desenvolvimento Proximal e se desenvolvem as funções mentais superiores.

A imitação, à qual Vygotsky atribui um papel nos processos interpessoais através dos quais são internalizados mediadores pelos sujeitos, deve ser compreendida nesse cenário conceitual, que inclui as noções de mediação, de origem sociocultural das funções mentais superiores e de um enfoque genético.

Várias hipóteses de explicação psicológica para imitação têm sido propostas ao longo do tempo, e uma boa revisão das mesmas pode ser encontrada em Vinter (1987). Será feita aqui apenas uma breve apresentação, para discutir as mais importantes abordagens contemporâneas ao estudo da imitação em etapas iniciais do desenvolvimento.

Algumas hipóteses apontadas para explicar a imitação

Três tipos principais de hipóteses têm sido formulados: base biológica, produto de um processo de desenvolvimento e resultado de associações. São as duas primeiras que interessa discutir aqui. Quanto à terceira, diversas teorias de aprendizagem em suas variações explicam imitação por associação, seja entre estímulo e resposta, entre resposta e suas conseqüências ou entre estímulo, mediador e resposta (Pozo, 1994).

A hipótese de base biológica, segundo Vinter (1987), teve uma primeira versão sob a forma de explicação da imitação como instinto, que presidiria o estabelecimento de comportamentos coletivos e justificaria o gregarismo dos seres humanos. As teorias contemporâneas de natureza etológica dão uma nova versão às hipóteses de base biológica, introduzindo a noção de padrões de ação fixa ou de mecanismos inatos deflagradores para explicar imitações precoces (Abravanel & Sigafoos, 1984).

A hipótese de que a imitação seja ela própria o resultado de um processo de desenvolvimento está presente desde Baldwin (1897/1990). Este autor atribui grande importância à imitação em sua teoria, vinculando-a ao desenvolvimento da inteligência e discute suas diferentes formas, organizadas em níveis hierárquicos e distintas do ponto de vista do seu controle consciente.

Para Guillaume (1926), as instâncias de imitação não podem ser explicadas por mecanismos preestabelecidos. Como para Piaget com suas reações circulares primárias, são inicialmente centradas no próprio corpo do bebê e depois nos objetos externos dos quais se liberam lentamente para se tornarem simbólicas. Segundo Guillaume, entretanto, as percepções e representações adquirem o valor de sinais que desencadeiam respostas imitativas, graças a um processo de aprendizagem que consiste no que ele chama de transferências associativas.

Piaget (1964/1978), como foi mencionado, apresenta uma teoria do desenvolvimento na qual a imitação é em si construída e descreve uma evolução semelhante à de Guillaume em alguns aspectos, mas discorda desse autor quanto à sua noção de transferências associativas. Para ele, nenhuma explicação desta natureza é satisfatória. Piaget descreve seis fases no desenvolvimento inicial de imitação (0 a 2 anos). São elas: fase 1 – exercícios ou reflexos; fase 2 – imitação esporádica; fase 3 – imitação esporádica de sons e movimentos visíveis que já pertencem ao repertório; fase 4 – imitação de movimentos já executados pelo sujeito, mas de maneira visível para ele, e início de imitação de modelos sonoros ou visuais novos; fase 5 – imitação sistemática de modelos novos, compreendendo os que correspondem a movimentos invisíveis do próprio corpo; fase 6 – início da imitação representativa e da imitação diferida.

Wallon (1942), como Piaget, liga o desenvolvimento da imitação ao aparecimento da função simbólica. Para ambos, a imitação precede a representação. Wallon discute a evolução da primeira desde a fusão de si e do outro através do desdobramento do modelo e do ato reprodutivo. Entende-a, ainda, como exercendo um papel significativo na construção da identidade pessoal da criança.

Representação e imitação

Além das hipóteses sobre sua gênese, uma questão importante no estudo do papel da imitação no desenvolvimento é a da origem da representação. São duas as principais abordagens a esta questão: (1) para Piaget, a imitação (e o jogo ou brincadeira) é constitutiva da representação; (2) outros autores (e.g. Vinter, 1987; Meltzoff & Moore, 1999) defendem uma ordem inversa.

Na abordagem de Piaget, como já foi apontado, é pela evolução da imitação e do jogo, duas relações próprias entre a assimilação e a acomodação, que se constrói a representação. A representação para Piaget, no sentido restrito, é a reunião de um significante e de um significado e produto da interiorização gradativa da ação. Fica problemático explicar, entretanto, o isomorfismo que o sujeito introduz entre o seu comportamento e o do modelo, sem fazer uso de algum tipo de representação.

Deste modo, a posição de diversos autores contemporâneos é de que uma função representativa já existe desde o nascimento, o que não impede que se considere que essa função sofra um processo de desenvolvimento de natureza construtivista. Esta é a abordagem de Mounoud e Vinter (Vinter, 1987). Para eles, há diferentes formas de representação (perceptivas e simbólicas ou conceituais) e de imitação, que apresentam correspondência entre si. Sua concepção é uma organização ou estruturação interna de conteúdos de diferentes configurações da realidade, que resulta de atividade de análise ou de amostragem e do relacionamento de dimensões diversas de objetos e de suas variações. Assim, as representações têm como função tornar significativa a realidade. Associadas às estruturas de tratamento do sujeito, levam aos processos ou programas de ação iniciados pela criança para compreender, transformar e interagir com o meio.

Para tratar a divergência entre essas duas abordagens à origem da representação, é necessário apresentar e discutir as evidências de algumas formas de comportamento imitativo desde o nascimento ou em etapas muito precoces. É o que será feito no próximo item. Particularmente importantes são as respostas imitativas de movimentos não-visíveis para o sujeito e respostas adiadas. Numa teoria em que a representação se constrói e, também, a própria imitação se transforma e torna-se mais complexa, essas respostas só são previstas mais tarde, a segunda ao final do período sensório-motor.

Imitação inicial: evidências empíricas, explicações e implicações teóricas

A imitação nos primeiros meses tem tido registro em estudos observacionais desde o final do século dezenove, inicialmente sem tentativas de explicação (e.g. McDougall, 1908/1967). Esse autor relatou evidências de imitação de protusão da língua em um bebê de quatro meses.

Zazzo (1957) também observou a imitação do movimento de protusão da língua em torno de sete e 25 dias. Sua explicação é de certa forma semelhante à de um mecanismo de desencadeamento automático.

Na década de 1960, Brazelton e Young (1964) identificaram instâncias de imitação vocal e de movimentos faciais em um bebê de nove semanas. Essas manifestações imitativas foram interpretadas como produto da forma de cuidados da mãe (predominância de interações face a face) e potencialidades inatas.

Como já indicado, essas evidências de imitações precoces de movimentos faciais não vistos pela criança são de fundamental importância porque não confirmam a seqüência descrita por Piaget (1964/1978). Mais do que uma simples indicação de precocidade, desafiam uma explicação alternativa, seja pela presença de processos representacionais anteriores propostos por Piaget, seja por algum tipo de mecanismo desencadeador de base inata, que também não faz parte do repertório teórico deste autor. De qualquer maneira, como as que são apresentadas por Piaget (estudo de seus três filhos), essas evidências são de estudos observacionais de caráter geral, em que a imitação não era o foco específico.

Guernsey (1928, citado por Vinter, 1987) realizou o único estudo mais sistemático de imitação precoce identificado nas primeiras décadas do século vinte. Este autor estudou bebês entre dois e 21 meses e selecionou diferentes modelos para apresentação. Os resultados indicaram um aumento seguido de uma diminuição de freqüência nos comportamentos imitativos de abrir e fechar a boca, de protusão da língua e dos movimentos com a cabeça. A interpretação dessas evidências é a de que a imitação é inicialmente um reflexo e se torna depois ativa e consciente. Até então, a explicação biológica é a única apresentada para dar conta dos dados.

A década de 1970 se caracterizou pelos primeiros estudos sistemáticos e experimentais sobre imitação precoce. Maratos (1982) realizou um estudo pioneiro de grandes repercussões, em sua tese de doutoramento, de 1973. Acompanhou 12 bebês entre um e seis meses num primeiro estudo e observou desde um mês a imitação de protusão da língua e movimentos da boca. Em suas observações, esses comportamentos imitativos pareciam desaparecer em torno dos dois meses. Imitações vocais e de movimentos manuais foram observadas mais tarde, em torno de dois/três meses, se fixando até seis meses.

A pesquisa de Maratos deu origem a uma série de investigações sistemáticas sobre a origem e o desenvolvimento da imitação, em especial de suas manifestações precoces, e a uma intensa polêmica em relação à metodologia e aos resultados encontrados. Três tendências principais são observadas nessa polêmica. A primeira é negar as evidências de imitações precoces, vendo-as como artefatos de manipulações experimentais ou comportamentos aleatórios indevidamente identificados como imitativos (e.g. Hayes & Watson, 1981). A segunda é admitir as evidências, mas explicá-las por algum tipo de mecanismo disparador automático (e.g. Abravanel & Sigafoos, 1984). Finalmente, a terceira é enfatizar as evidências e suas implicações para uma teoria do desenvolvimento cognitivo inicial (Meltzoff & Moore, 1994, 1997, 1999). As três são apresentadas de forma articulada, a seguir, tentando-se construir um panorama do status de comprovação ou falseamento de hipóteses com a seqüência de estudos.

Meltzoff e Moore (1977) publicaram o primeiro estudo, que já se tornou clássico, de uma extensa linha de pesquisas sobre imitação em recém-nascidos. Sua hipótese era que os recém-nascidos são capazes de imitação de movimentos faciais, portanto não-visíveis. Usaram quatro modelos: três faciais (colocar a língua para fora, estender o lábio, abrir a boca) e um envolvendo os dedos, com bebês de doze a 21 dias de idade. Cada um deles era apresentado para os sujeitos por um adulto e as respostas eram codificadas por observadores que desconheciam o movimento modelado. Foi verificada uma freqüência significativamente maior do gesto que estava sendo modelado, do que a de qualquer outro.

Este estudo não foi recebido sem polêmica e um número inteiro da revista Science foi dedicado à questão (Anisfeld, Masters, Jacobson & Kagan, 1979), tendo sido levantados problemas com a pesquisa feita, por vários autores. Anisfeld e Masters centraram-se em aspectos metodológicos e de interpretação dos dados, enquanto Jacobson e Kagan apresentaram evidências de seus estudos que não apoiavam as conclusões do trabalho original. Meltzoff e Moore responderam às críticas com novas pesquisas que buscaram eliminar hipóteses alternativas para o que haviam concluído.

Quatro anos mais tarde, Meltzoff e Moore (1983a) encontraram efeitos semelhantes aos observados em 1977 em uma amostra de 40 bebês de menos de uma hora a 71 horas. Neste estudo, os sujeitos foram apresentados a dois gestos de um modelo adulto: abertura da boca e protusão da língua. Os resultados indicaram que imitaram ambos. Os autores interpretaram seus resultados como podendo ser explicados por um processo de emparelhamento intermodal ativo. Para eles, um sistema representacional, de natureza amodal, garantiria a possibilidade desses emparelhamentos. No caso de imitação de movimentos faciais, por exemplo, a modalidade visual (visão do modelo) seria emparelhada com a proprioceptiva (movimentos do sujeito). Essa hipótese é corroborada pela evidência fascinante de que bebês são capazes de reconhecer visualmente a chupeta que sugam, o que foi verificado por Meltzoff e Borton (1979). Para eliminar a possibilidade de que estivessem de certa forma emparelhando a ação com o modelo com base em uma resposta reflexa, os autores realizaram um experimento em que criaram procedimentos para impedir que os bebês respondessem imediatamente à ação do modelo (Meltzoff & Moore, 1983b). Os resultados corroboraram os anteriores.

Meltzoff e Moore (1989) continuaram a investigar os mecanismos psicológicos subjacentes à imitação de movimentos faciais em bebês pequenos. Além da protusão da língua, incluíram um gesto diferente nesta investigação, o movimento de cabeça. Com os mesmos cuidados de usar observadores que desconheciam o gesto que serviu de modelo, verificaram que os bebês eram capazes de reproduzir ambos os movimentos. A novidade é que isto acontecia não só nos intervalos em que o modelo era apresentado, mas, também, após algum tempo depois da execução do movimento pelo adulto. Para os autores, isto é indicação de que é possível a imitação de memória neste período do desenvolvimento (imitação diferida).

Com base em evidências de estudo com bebês de seis semanas e de dois/três meses, Meltzoff e Moore (1992) propuseram uma função social e psicológica para as imitações iniciais. Posturas faciais estáticas e movimentos, tanto de estranhos como das respectivas mães, eram imitados; portanto, os resultados não dependiam da familiaridade com o modelo. Além disso, esse comportamento apresentado em sujeitos de seis semanas de idade estava presente aos dois e três meses. Para os autores, a imitação inicial tem uma função comunicativa e os bebês a utilizam nos encontros com outros para enriquecer seu conhecimento de pessoas e suas ações e para identificá-las.

O trabalho de Vinter (1986) encontrou resultados semelhantes aos de Meltzoff e Moore na imitação de movimentos, mas não de posturas faciais estáticas. Uma amostra de bebês recém-nascidos, com idade média de quatro dias, foi estudada. Os resultados indicaram que o movimento provoca um nível de ativação maior do que a visão de configurações estáticas e, com isso, é mais eficiente em eliciar imitação. O trabalho de Sophian (1980) trouxe dados na mesma direção e o autor afirma que a memória de reconhecimento está presente desde os primeiros dias de vida. Legerstee (1991) também encontrou evidências confirmatórias, ao examinar o papel de pessoas e objetos em provocar imitação em bebês de cinco e oito semanas. Para esses três autores, a imitação é uma resposta social que tem implicações para o desenvolvimento, especialmente da comunicação e da linguagem.

O estudo de Abravanel e DeYong (1997) também apóia essas evidências acerca do papel do modelo na imitação inicial, apesar de sua hipótese não ser igual à dos autores que vêm sendo citados. Da mesma forma, Bjorklund (1987) pensa que esses comportamentos são de tipo reflexo, mas têm a função de manter a interação adulto-bebê.

Outros trabalhos sugeriram que a imitação de bebês não se limitava aos movimentos de protusão da língua e abertura da boca. Recém-nascidos também reproduziram expressões faciais sutilmente diferentes, em amostras de outras culturas (Reissland, 1988). Foi confirmada a imitação de posições dos lábios em 12 bebês com uma hora de vida de uma região rural do Nepal, para quem o experimentador era a primeira pessoa com quem interagiam após o nascimento.

Apesar dos resultados desses diferentes estudos, as evidências sobre imitação em recém-nascidos têm sido recebidas, por vezes, com ceticismo e críticas. Alguns autores (e.g. Anisfeld et al., 1979) discutem sua validade, interpretando-as como resultado de artefatos metodológicos. Entre outros aspectos, é ressaltado que o controle rigoroso do registro de comportamentos imitativos deve levar em conta a linha de base da produção do gesto.

Críticas metodológicas ao primeiro estudo de Meltzoff e Moore (1977) também podem ser encontradas em Hayes e Watson (1981), que fizeram dois experimentos em ambiente natural, na tentativa de investigar imitação de abertura da boca e protusão da língua. Respostas imitativas não foram encontradas e estes autores concluem que, embora não se possa rejeitar a hipótese da capacidade de imitação em recém-nascidos, a aceitação da mesma é ainda prematura, pois se baseia em evidências pouco consistentes e que podem ser produto de artefatos metodológicos. Abravanel e Sigafoos (1984) e Bjorklund (1987), entre outros, pensam ser válidas algumas evidências, mas oferecem explicações alternativas às propostas por Meltzoff e Moore.

Kellman e Arterberry (1999) discutem o que significam os resultados sobre imitação inicial e suas implicações. Para eles é necessário pressupor capacidades de percepção, de representação e de ação, subjacentes a essas instâncias de imitação. Sua idéia é que, como a posição de Piaget tem grande influência entre os pesquisadores de desenvolvimento infantil, a alternativa para muitos deles é explicar as evidências como fruto de uma atividade reflexa ou um padrão de ação fixa(fixed action pattern – FAP).

Esta é a hipótese de Abravanel e colaboradores (Abravanel & Sigafoos, 1984; Abravanel & DeYong, 1997) e não exige pressupostos de maiores capacidades de processamento ou ação, como emparelhamento entre diferentes modalidades de estímulo perceptivo, representação, ação voluntária ou consciência social. Abravanel e Sigafoos (1984) realizaram dois experimentos com amostras de sujeitos de quatro a 21 semanas, utilizando cinco tipos diferentes de gestos. Os resultados dos dois experimentos foram diversos e levaram ao acirramento da polêmica. Sua explicação para o que observam em bebês de quatro/seis semanas é a de uma resposta reflexa, deflagrável apenas por um conjunto restrito de estímulos.

Kaitz, Meschulach-Safarty, Auerbach e Eidelman (1988) concordam com a hipótese explicativa de Abravanel e colaboradores, diante do caráter restrito das evidências. Apesar de confirmarem a resposta imitativa de protusão de língua em 26 bebês recém-nascidos (de 10 a 51 horas de vida), não verificaram a imitação de expressões faciais (de alegria, tristeza e surpresa).

A explicação alternativa aos FAPs é a de Meltzoff e Moore, como foi discutido. Meltzoff e Moore (1999) argumentam que as explicações baseadas na aprendizagem e nos FAPs têm sido enfraquecidas em três aspectos centrais pelas evidências em fases muito precoces: a variedade de gestos imitados, que contraria a idéia de que apenas alguns poucos gestos privilegiados seriam imitados; a imitação de ações novas, que contraria a idéia de que seria uma resposta fixa e estereotipada; e a possibilidade de imitação facial diferida com intervalos de 24 horas, que contraria a hipótese de que apenas a presença do modelo deflagra a resposta. Essa última indica uma imitação diferida, que só seria esperada muito mais tarde.

Esses autores pressupõem a existência de um processo de emparelhamento intermodal ativo (active intermodal matching – AIM) presente desde o nascimento. De acordo com este modelo, a imitação inicial é intencional e consiste em um processo de emparelhamento dirigido ao alvo. Meltzoff e Moore (1999) sustentam que os movimentos produzidos pelas crianças enquanto imitam fornecem informações proprioceptivas que podem ser comparadas ao modelo que está sendo visto. O mapeamento intermodal ativo propõe que a comparação é possível porque ambas as ações da criança, aquelas que são executadas e as que são percebidas, são representadas dentro de uma estrutura comum.

Com esse modelo e buscando sempre responder às críticas metodológicas de seus opositores, Meltzoff e Moore (1994) testaram hipóteses de imitação imediata e de memória (com intervalo de 24 horas). Este experimento utilizou um procedimento experimental muito cuidadoso, incluindo a microanálise da topografia da resposta. Os procedimentos foram testados para fidedignidade, apresentando índices bastante altos. Os resultados mostraram imitação imediata, confirmando evidências de pesquisas anteriores e, também, imitação depois de um intervalo de tempo, um dado novo. Esse último resultado indica que memória de evocação em bebês de seis semanas pode gerar ações com base em alguma forma de representações armazenadas. A organização motora envolvida na imitação, investigada pela microanálise das respostas, revelou que os bebês gradualmente as modificavam nos testes sucessivos na direção de emparelhamentos mais precisos.

Pode-se dizer que, embora não resolvendo totalmente a polêmica, este foi um experimento crucial. Os resultados de imitação com um intervalo de 24 horas não podem ser facilmente explicados por um modelo que postula FAPs. Além disso, por definição, FAPs são comportamentos estereotipados, e o estudo mostrou mudanças graduais das respostas na direção da melhor congruência com o modelo. Deste modo, pode-se especular a presença de uma capacidade do bebê de organizar ações com base em representações armazenadas de eventos perceptualmente ausentes. O que é o ponto de chegada no desenvolvimento sensório-motor para Piaget é o ponto de partida para os autores.

Apesar da hipótese da capacidade inicial, Meltzoff e Moore (1999) admitem importantes mudanças evolutivas na imitação. Para eles, o recém-nascido estaria mais focado na ação, e a motivação para seu desempenho pode ser sociocognitiva. Por volta de seis semanas, a criança trataria a expressão facial como uma questão de identidade do ator. É destacada pelos autores a função social que seria desempenhada pela imitação. Depois de um dia de intervalo, ao imitar o movimento visto, os bebês podem estar querendo ver se essa é a mesma pessoa, ou se encontro social vai se desenrolar como na véspera. Essa hipótese é consistente com a noção de capacidades de percepção e ação que são usadas desde uma etapa inicial para exploração e aprendizagem acerca de eventos do mundo social. O desenvolvimento posterior leva a criança em direção a noções mais abstratas da relação de emparelhamento entre atores. Crianças de 14 meses realizam jogos de imitação e testam se estão sendo copiadas. Por volta de 18 meses, níveis de maior complexidade, que os autores chamam de atos de inferência, são alcançados. Neste caso, Meltzoff (1995) relata um estudo com crianças de 18 meses, no qual o modelo tentava realizar uma determinada ação com um objeto, mas falhava. A conduta imitativa observada levava em conta o que os adultos haviam tentado fazer, e não o que eles de fato haviam feito. É com base nesse tipo de dado que os autores ressaltam que estas crianças de 18 meses não estavam apenas imitando o que elas haviam visto, mas realizando atos de inferência.

Gallagher e Meltzoff (1996) discutem alguns pressupostos tradicionais sobre o desenvolvimento do esquema e da imagem corporal e da natureza do processo de tradução entre a experiência perceptual e a capacidade motora. Com base nas evidências das pesquisas sobre a imitação de gestos não-vistos, defendem uma capacidade rudimentar de diferenciação entre o self e o que não é o self presente no recém-nascido.

Meltzoff e Moore (1997) analisam as questões críticas do processo de o bebê imitar o que não pode ver em si mesmo, ou seja, todos os movimentos faciais: o que usam para detectar equivalências de diferentes modalidades em gestos humanos e como identificam e corrigem erros de imitação. Para eles, os bebês relacionam partes de seus próprios corpos aos correspondentes nos adultos. Ao mesmo tempo, realizam movimentos espontâneos que são como "balbucios" e que lhes dão experiência em mapear mudanças e configurações de seu corpo. Finalmente, estabelecem relações entre órgãos que lhes permitem perceber e emparelhar seus movimentos com os do modelo. Para os autores citados, esse é um processo inicial de estabelecimento de equivalências intermodais entre si e os outros, já encontrado nos recém-nascidos, e que é a base de importantes processos do desenvolvimento sociocognitivo posterior.

Mais recentemente, Meltzoff (1999) relaciona esses achados sobre emparelhamento intermodal e imitação inicial com os dados acerca da memória nos primeiros meses e relativos à teoria da mente em bebês de 18 meses. Para ele, esse conjunto de evidências apóia explicações teóricas que defendem a hipótese da combinação de uma estrutura inata elaborada e a progressiva reorganização qualitativa da vida mental da criança com base em sua experiência com pessoas e eventos de sua cultura.

Essa análise é importante porque alguns autores admitem a presença de imitação inicial, explicada por mecanismos reflexos, como já discutido, mas não a relação entre essas capacidades inatas e o desenvolvimento sociocognitivo posterior. Segundo Field, Goldstein, Vega-Lahr e Porter (1986), esses comportamentos apresentam um declínio nos primeiros meses. Anisfeld (1996) considera que só a protusão da língua é copiada por recém-nascidos, pode ser melhor explicada como uma resposta elicitada e é uma capacidade restrita e sem importância no desenvolvimento da imitação. Outros (Jones, 1996; Ullstadius, 1998, 2000) ainda mantêm uma atitude cética, percebendo as evidências como específicas, frágeis, pouco reprodutíveis em condições menos restritivas do que as do laboratório e/ou passíveis de serem explicadas como condutas exploratórias iniciais.

Jones (1996), por exemplo, não nega as evidências de movimentos faciais sendo realizados pelos bebês diante de modelos adultos, mas oferece como explicação uma alternativa tanto à de Meltzoff e Moore como à de Abravanel. Para ela, essas respostas são tentativas iniciais de exploração oral de objetos interessantes, antes do desenvolvimento da preensão. Sua hipótese não é rejeitada por seus três experimentos. Relata que bebês de quatro semanas realmente apresentam protusão da língua diante de brinquedos que lhes são mostrados por suas mães. No entanto, em seu trabalho não há referência a controle da expressão facial do adulto durante as apresentações dos brinquedos. Além disso, as modificações na topografia da resposta imitativa, tal como demonstrado por Meltzoff e Moore (1994), não são explicadas. Finalmente, a presença de respostas de protusão da língua diante de certos objetos que não se pode ainda pegar não implica incapacidade de imitar movimentos faciais. Assim, a hipótese de emparelhamento não é falseada.

Com isso, apesar dessas críticas e das posições céticas, defende-se aqui que não parece que se possam descartar as evidências do experimento crucial de Meltzoff e Moore, suas hipóteses explicativas de emparelhamento intermodal e a discussão integrada do desenvolvimento de capacidades variadas, considerando-as como tendo características sociocognitivas. Especificamente em relação à imitação inicial, há dados que apóiam a idéia de que esse processo é de natureza social. Em primeiro lugar, as respostas imitativas se limitam a movimentos de modelos vivos e não se generalizam para objetos inanimados, como discutido acima. Além disso, imitação envolve também alternar turnos. Interações imitativas iniciais incluem um equilíbrio ou coordenação de ações e pausas dos interlocutores. Essa capacidade nos bebês pode demonstrar uma compreensão rudimentar de intersubjetividade.

Imitação inicial e outras evidências do desenvolvimento inicial

Outras evidências do desenvolvimento inicial parecem consistentes com os achados sobre imitação e serão apresentadas a seguir. A literatura sobre esse tema é muito extensa e optou-se por citar alguns estudos básicos. A capacidade de estabelecimento de intersubjetividade entre o bebê e os adultos é um dos aspectos centrais que se podem vincular às evidências que vêm sendo descritas. Trevarthen e Hubley (1978) discutem que a comunicação entre o bebê e os adultos, principalmente a mãe, e suas transformações se devem à diferenciação de uma função inata, interpessoal, geral e altamente complexa, que se manifesta muito cedo de uma forma rudimentar. Essa função identifica pessoas, regula motivação e intenção em relação a elas e constrói simultaneamente atos rudimentares de fala e gesto em combinações e seqüências-padrão. Uma forma primitiva de intersubjetividade começa nas primeiras semanas de vida, com o prazer do contato visual entre a mãe e o bebê (ao qual se deveria acrescentar o prazer do toque). A partir disso, desenvolve-se, transformando-se na capacidade de compartilhar atenção a objetos comuns e se tornando verbal na época da pré-escola.

No curso das primeiras semanas, os bebês apresentam uma ligação estreita entre os sistemas de percepção e ação organizada e uma sensibilidade essencialmente humana para estímulos sociais, como já foi apontado. No segundo mês, mostram os primeiros sinais de "intersubjetividade primária", definida originalmente por Trevarthen e Hubley (1978). Esta é caracterizada como uma forma de interação que tem como aspectos essenciais o interesse que o bebê demonstra pela fala da mãe e sua capacidade de orientar a atenção para o rosto da mesma e de responder às solicitações dela.

As capacidades imitativas iniciais, portanto, não podem ser entendidas de forma isolada, mas se inserem em um panorama mais geral. Os bebês parecem predispostos a responder seletivamente a eventos sociais e demonstram uma motivação básica para se relacionar com pessoas. Além disso, revelam um conjunto de características que os capacitam para os primeiros contatos e trocas com os membros da cultura, inicialmente representados, sobretudo, por sua mãe. Alguns exemplos mais significativos dessas capacidades serão brevemente apresentados a seguir.

O sistema auditivo parece pré-adaptado para tratar a voz humana. Os bebês discriminam sons da voz humana de outros sons, preferindo os primeiros, em especial, os das vozes femininas (Eisemberg, 1975). Esta capacidade discriminativa se manifesta também no sistema olfativo. Tem sido verificado que, desde o terceiro dia de vida, conseguem distinguir sua mãe de uma estranha com base no odor (Engen, Lipsitt & Haye, 1963).

No campo visual, as investigações de Fantz (1965) demonstraram a capacidade de discriminar e manifestar preferências por configurações de rostos humanos. Em condições normais, os bebês buscam estabelecer contato visual com os adultos que cuidam deles e são estimulados e reforçados a fazê-lo (Schaffer, 1979).

Há divergências entre os autores quanto à natureza das percepções iniciais do bebê. Em geral, não tem sido confirmada a concepção piagetiana de que estas são modais e justapostas e de que a organização comportamental é não-coordenada e constituída de reflexos isolados. Bertenthal (1996) revê e analisa as evidências das origens e do desenvolvimento inicial da percepção, ação e representação. Para este autor, os resultados das pesquisas recentes desafiam "crenças antigas" (sic) que viam os recém-nascidos como dotados apenas de um repertório muito simples de comportamentos sensório-motores que são gradualmente integrados e internalizados. Além disso, evidenciam que a capacidade de representação pode estar presente desde o nascimento.

Este mesmo autor (Bertenthal, 1996) questiona a visão monolítica de percepção de que diferentes inputs sensoriais convergem numa representação única que precede o pensamento e ação. Propõe, então, um modelo em que o sistema visual é dividido em duas rotas funcionalmente dissociáveis. Uma dessas rotas trata do controle perceptivo e da orientação das ações, e a outra da percepção e do reconhecimento de objetos e eventos. Diferentes fatores contribuem para mudanças evolutivas nos dois sistemas. Nem percepção, nem ação, nem representação são privilegiadas ontogeneticamente.

Pode-se pensar que o que essas pesquisas têm indicado é que o estado inicial do desenvolvimento talvez não seja exatamente o que Piaget propôs, e que se necessitam levar em conta algumas predisposições inatamente especificadas. As evidências de que a percepção depende de relações e de que produz descrições abstratas permitem defender a hipótese de que a obtenção de aspectos do conhecimento conceitual e a aprendizagem sobre os mundos físico e social pela percepção. Com isso, pode-se ter que repensar o estágio sensório-motor tal como apresentado e explicado por Piaget.

Talvez seja possível adotar uma posição que dê conta das evidências sobre o estado inicial e que inclua um processo em que a representação sofra transformações no sentido de maior complexidade, ou seja, passe por uma construção gradual. Essa é a proposta de Meltzoff e Moore, como discutido acima. Num modelo mais geral, isto é o que propõe também Karmiloff-Smith (1995). A autora admite tais capacidades inatas, mas também a hipótese de um mecanismo de construção. Pensa que as predisposições inatas podem ser especificadas em detalhe ou ter apenas uma direção geral. No primeiro caso, os estímulos do ambiente são apenas disparadores do processo. No segundo caso, o ambiente influencia a estrutura subseqüente do cérebro através de uma rica interação específica entre a mente e o ambiente físico e sociocultural. Karmiloff-Smith desenvolveu o que chama de modelo RR (redescrições representacionais). O modelo pressupõe um processo cíclico pelo qual a informação já presente no funcionamento independente do organismo, sob a forma de representações com finalidades específicas, se torna progressivamente disponível, por meio de redescrição, para outras partes do sistema cognitivo. Para ela, é necessário acrescentar à visão de Piaget algumas predisposições inatas, impregnadas de conhecimento, dando ao processo epigenético uma base para se desenrolar. Essa base envolve especificações menos detalhadas do que alguns inatistas pressupõem e um processo mais progressivo de modularização. Uma apresentação mais detalhada do modelo RR ultrapassa o âmbito deste artigo, mas ele não pode deixar de ser mencionado como indicação de uma alternativa teórica que parece fértil.

Considerações finais

Em síntese, os resultados dos estudos sobre imitação em recém-nascidos são parte de um corpo de evidências que leva a que se pressuponham um estado inicial bastante sofisticado e capacidades inatas não suspeitadas há algumas décadas.

As conexões não-aprendidas, evidentes na imitação do recém-nascido, estão entre os fenômenos que mais favorecem o revolucionar das noções de percepção inicial e de representação. É difícil explicar os achados sobre imitação sem uma visão de percepção como produzindo representações significativas adequadas para apoiar a ação.

As evidências sobre imitação precoce podem ser integradas a uma abordagem social do desenvolvimento, já que este processo tem sido compreendido como verdadeiramente social, estando os bebês predispostos a se engajar em interações com membros de sua espécie desde o nascimento. Levando em conta sua generalidade e flexibilidade, as capacidades imitativas parecem envolver uma base adaptada para uma espécie caracteristicamente social aprender sobre o mundo. Há ainda indicações de que os bebês são predispostos a responder de forma seletiva a eventos sociais e apresentam uma motivação básica para se relacionar com pessoas.

A revisão feita, os resultados empíricos e os argumentos apresentados sugerem que a imitação desempenha um papel crucial no desenvolvimento e na aprendizagem sobre o mundo desde o início da infância. Teorias nessa área precisarão levar em conta os achados das pesquisas sobre imitação precoce, avaliando suas implicações e integrando-os a outras esferas do desenvolvimento da criança. Este trabalho pretendeu apresentar uma contribuição para fundamentar esforços nesse sentido.

Maria Lucia Seidl de Moura

Rua Fritz Feigl

465, 22750-600, Rio de Janeiro, RJ

E-mail: mlseidl@alternex.com.br

Adriana F. P. Ribas

E-mail: aribas@ajato.com.br.

Recebido em 18.09.01

Revisado em 18.12.01

Aceito em 12.09.02

Maria Lúcia Seidl de Moura, doutora em Psicologia Cognitiva pela Fundação Getúlio Vargas, é Professora Livre-Docente do Departamento de Fundamentos de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Adriana F. P. Ribas, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Professora da Universidade Estácio de Sá.

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  • Endereço para correspondência
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Jul 2002

    Histórico

    • Aceito
      12 Set 2002
    • Revisado
      18 Dez 2001
    • Recebido
      18 Set 2001
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