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Fadiga por compaixão: evidências de validade fatorial e consistência interna do ProQol-BR

Compassion fatigue: evidence of internal consistency and factorial validity in ProQol-BR

La fatiga por compasión: evidencia de validez factorial y coherencia interna de ProQol-BR

Resumos

A fadiga por compaixão tem sido considerada a principal ameaça à saúde mental dos profissionais de saúde. Trata-se de uma síndrome que causa exaustão física e emocional em decorrência do custo empático de lidar com o sofrimento alheio. No Brasil este fenômeno ainda é pouco conhecido. Este artigo apresenta a validação para o Brasil do ProQol-IV, um dos instrumentos utilizados para mensuração deste fenômeno. Para tanto duas etapas foram realizadas: 1) validação semântica em que 37 profissionais de saúde responderam e/ou avaliaram o questionário; 2) validação psicométrica, que contou com 203 respondentes. Realizou-se análise fatorial e teste de consistência dos itens. Os resultados indicam que versão brasileira respeita as qualidades psicométricas e as propriedades semânticas do instrumento original.

fadiga por compaixão; profissionais de saúde; instrumento


Compassion fatigue has been considered the main threat to health professional's mental health. It is a syndrome that leads to emotional and physical exhaustion due to the empathic cost to deal with the other's suffering. In Brazil this phenomenon is barely known. This article presents the ProQol-IV validation for Brazil, one of the instruments used to measure this phenomenon. For that two steps were taken: 1) semantic validation in which 37 health professionals responded and/or evaluated the questionnaire, 2) psychometric validation, which had 203 respondents. Factor analysis and test of consistency of the items was done. The result indicates that the Brazilian version held the psychometric properties and semantic properties of the original instrument.

compassion fatigue; health professionals; instrument


La fatiga por compasión ha sido considerada como la principal amenaza para la salud mental de los profesionales de la salud. Es un síndrome que causa agotamiento físico y emocional como resultado de los costos empáticas de tratar con el sufrimiento de los demás. En Brasil, este fenómeno todavía no está claro. En este artículo se presenta la validación para el Brasil de ProQol-IV, uno de los instrumentos utilizados para medir este fenómeno. Así se tomaron dos medidas: 1) la validación semántica en la que 37 profesionales de la salud respondieron y/o revisaron el cuestionario; 2) la validación psicométrica, que incluyó 203 encuestados. Se realizó el Análisis factorial y prueba de consistencia de los ítems. Los resultados indican que la versión brasileña respeta las propiedades psicométricas y las propiedades semánticas del instrumento original.

fatiga por compasión; profesionales de la salud; instrumento


ARTIGOS

Fadiga por compaixão: evidências de validade fatorial e consistência interna do ProQol-BR

Compassion fatigue: evidence of internal consistency and factorial validity in ProQol-BR

La fatiga por compasión: evidencia de validez factorial y coherencia interna de ProQol-BR

Kennyston Lago; Wanderley Codo

Universidade de Brasília

RESUMO

A fadiga por compaixão tem sido considerada a principal ameaça à saúde mental dos profissionais de saúde. Trata-se de uma síndrome que causa exaustão física e emocional em decorrência do custo empático de lidar com o sofrimento alheio. No Brasil este fenômeno ainda é pouco conhecido. Este artigo apresenta a validação para o Brasil do ProQol-IV, um dos instrumentos utilizados para mensuração deste fenômeno. Para tanto duas etapas foram realizadas: 1) validação semântica em que 37 profissionais de saúde responderam e/ou avaliaram o questionário; 2) validação psicométrica, que contou com 203 respondentes. Realizou-se análise fatorial e teste de consistência dos itens. Os resultados indicam que versão brasileira respeita as qualidades psicométricas e as propriedades semânticas do instrumento original.

Palavras-chave: fadiga por compaixão; profissionais de saúde; instrumento.

ABSTRACT

Compassion fatigue has been considered the main threat to health professional's mental health. It is a syndrome that leads to emotional and physical exhaustion due to the empathic cost to deal with the other's suffering. In Brazil this phenomenon is barely known. This article presents the ProQol-IV validation for Brazil, one of the instruments used to measure this phenomenon. For that two steps were taken: 1) semantic validation in which 37 health professionals responded and/or evaluated the questionnaire, 2) psychometric validation, which had 203 respondents. Factor analysis and test of consistency of the items was done. The result indicates that the Brazilian version held the psychometric properties and semantic properties of the original instrument.

Keywords: compassion fatigue; health professionals; instrument.

RESUMEN

La fatiga por compasión ha sido considerada como la principal amenaza para la salud mental de los profesionales de la salud. Es un síndrome que causa agotamiento físico y emocional como resultado de los costos empáticas de tratar con el sufrimiento de los demás. En Brasil, este fenómeno todavía no está claro. En este artículo se presenta la validación para el Brasil de ProQol-IV, uno de los instrumentos utilizados para medir este fenómeno. Así se tomaron dos medidas: 1) la validación semántica en la que 37 profesionales de la salud respondieron y/o revisaron el cuestionario; 2) la validación psicométrica, que incluyó 203 encuestados. Se realizó el Análisis factorial y prueba de consistencia de los ítems. Los resultados indican que la versión brasileña respeta las propiedades psicométricas y las propiedades semánticas del instrumento original.

Palabras clave: fatiga por compasión; profesionales de la salud; instrumento.

Imagine deparar-se com um acidente de carro. Você encosta possível deparar-se com uma situação dessas e não sentir nada. e apressa-se para prestar socorro. Ao chegar ao carro Avalie também se não é justamente o fato de uma situação dessas acidentado você percebe que há pessoas seriamente feridas. causar tanta tensão, tanto estresse naqueles que a vivenciam, o Avalie o quão estressante tal situação seria e quanto tempo você que justamente faz com que as pessoas se empenhem tanto em levaria para se acalmar depois de tal experiência. Imagine se seria socorrerem umas as outras. Imagine se os seres humanos não fossem capazes de serem afetados pela dor do outro, o quão diferente seriam as suas atitudes perante o sofrimento alheio.

Por outro lado, considere o quanto toda essa mobilização, esse estado de tensão, pode desgastar aqueles que estão submetidos a ela constantemente. Se prestar socorro a um grupo de vítimas de um acidente automobilístico é algo que demanda um processo de recuperação em qualquer pessoa, imagine o que pode acontecer com aqueles que devem prestar socorro a uma dezena de vítimas todo dia?

Fadiga por compaixão é o nome do processo no qual o profissional ligado ao atendimento de uma clientela, que tem como demanda o sofrimento, torna-se fatigado, exausto física e mentalmente, devido ao constante contato com o estresse provocado pela compaixão (Figley, 1995). Desta forma, estão sujeitos à fadiga por compaixão, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos, enfim, quaisquer profissionais que tenham como parte do seu oficio o contato com a dor e o sofrimento. De forma geral, a fadiga por compaixão ocorre quando o profissional não consegue mais lidar de uma forma saudável com os sentimentos negativos que emergem do sofrimento dos pacientes que ele atende. Em decorrência disso, estes profissionais começam a apresentar respostas somáticas e/ ou defensivas em relação ao seu trabalho.

Como o próprio nome indica, a fadiga por compaixão tem como base a experiência da compaixão, definida como sendo um estado de preocupação, de aflição pelo bem-estar de outrem, tendo em vista o estresse e o desconforto que o sofrimento alheio nos causa (Lago & Codo, 2010). Alguns estudos sugerem que a fadiga por compaixão é a principal ameaça à saúde mental dos profissionais de Saúde (Abendroth, 2005; Collins & Long, 2003; Huggard, 2003).

Apesar de ser relativamente recente o estudo da fadiga por compaixão conta com o desenvolvimento diversos instrumentos de mensuração. Recentemente Lago e Codo (2010) fizeram uma revisão dos instrumentos criados para mensurar tal fenômeno, e nesse trabalho contabilizaram cinco instrumentos, a saber:

• Compassion Fatigue Self Test (Figley, 1995);

• Compassion Satisfaction and Fatigue Test (Figley & Stamm, 1996);

• Compassion Fatigue Scale (Gentry et al., 2002);

• Professional Quality of Life Scale (Stamm, 2005);

• Compassion Fatigue - Short Scale (Adams, Boscarino, & Figley, 2006).

O Compassion Fatigue Self Test (CFST) foi o primeiro instrumento desenvolvido com o propósito de mensurar a fadiga por compaixão. O instrumento possui 40 questões tipo Likert, em que cada questão varia em razão da frequência, indo de 1 = Raramente/nunca a 5= Muito frequente. O instrumento subdivide-se em 2 escalas: fadiga por compaixão (23 itens) e burnout (17 itens).

O Compassion Satisfaction and Fatigue Test (CSFT) é um desenvolvimento do pioneiro (CFST). Desenvolvido por Figley em parceria com Stamm, traz como novidade a inserção de uma categoria positiva, a 'satisfação por compaixão'. Categoria essa que é uma influência do trabalho de Stamm, que propôs que a satisfação por compaixão seria o contrapeso da fadiga por compaixão, ou seja, aquilo que faz com que a maioria dos profissionais não adoeça. O CSFT é composto por 66 questões que se distribuem em três sub-escalas (satisfação por compaixão, fadiga por compaixão e burnout), sendo suas sub-escalas compostas por 26,23 e 16 itens respectivamente. O CSFT é o instrumento que possui o maior número de estudos já publicados. Porém, devido a problemas psicométricos, os autores tem recomendado o uso do ProQol, que é um desenvolvimento do mesmo. (Elwood, Mott, Lohr, & Galovski, 2011).

O Compassion Fatigue Scale (CFS) desenvolvido por Gentry, Baronowsky e Dunning (2002) é baseado no CFST, sendo composto por 30 questões que se subdividem em duas escalas: fadiga por compaixão (22 itens) e burnout (8 itens). Diferentemente do CFST, no CFS o respondente indica numa escala de 0 a 10 o quanto cada item se aplica ao seu caso.

Elaborado por Stamm, o Professional Quality of Life Scale (ProQol) é o desenvolvimento do CSFT. O ProQol, apesar de manter as 3 sub-escalas originais do CSFT, teve seu número de itens reduzido. Se o CSFT contava com 66 itens, o ProQol conta apenas com 30 itens, sendo 10 itens em cada fator. A elaboração do ProQol foi uma tentativa de melhorar as características psicométricas do CSFT sem perder, no entanto, a concepção teórica subjacente ao CSFT.

Por fim, é possível encontrar na literatura o Compassion Fatigue - Short Scale, que se trata de um aprimoramento do CFS. Este instrumento conta com 13 itens, sendo 8 itens de Burnout e 5 itens de Trauma secundário.

A concepção de fadiga por compaixão elaborada por Figley e Stamm (1996) é atualmente a mais adotada (Sabin-Farrell & Turpin, 2003). Esta concepção entende que a fadiga por compaixão é um fenômeno multidimensional composto por: fadiga por compaixão, burnout e satisfação por compaixão. De acordo com esta concepção, a fadiga por compaixão refere-se os efeitos nocivos da exposição secundária a eventos ligados à dor e ao sofrimento. O burnout refere-se aos aspectos ligados à exaustão emocional. Ou seja, um sentimento de falta de energia, de desânimo. E satisfação por compaixão ao prazer proveniente do sentir-se capaz de desempenhar bem o seu trabalho, um sentimento de satisfação por sentir-se capaz de ajudar as pessoas que estão sofrendo. Esta concepção entende que as três dimensões estão relacionadas, e, portanto, atuam de forma conjunta no desenvolvimento da síndrome.

A relação entre a síndrome de burnout e a fadiga por compaixão ainda permanece controversa na literatura existente. (Dunkley & Whelan, 2006; Hafkenscheid, 2005; Sabin-Farrell & Turpin, 2003). Alguns autores defendem que a fadiga por compaixão seria um estágio avançado do burnout, outros acreditam que fadiga por compaixão e a síndrome de burnout são um único fenômeno designados de formas diferentes, e por fim, há aqueles que argumentam que a síndrome de burnout é uma das dimensões da fadiga por compaixão. (Lago & Codo, 2010). Importante ressaltar que os autores do ProQol-IV enquadram-se no último grupo.

O objetivo deste trabalho é apresentar o primeiro esforço do processo de validação para o Brasil da quarta versão do ProQol (Professional Quality of life Scale). Almeja-se com essa iniciativa, oferecer para os estudiosos de Saúde Mental e Trabalho do Brasil uma nova ferramenta para o estudo e compreensão da fadiga por compaixão. Para tanto, dois estudos foram desenvolvidos. O estudo 1 consistiu no processo de validação semântica do instrumento, o estudo 2 consistiu no desenvolvimento da validação psicométrica do instrumento. No estudo 1 buscou-se garantir que as proposições do instrumento original fossem corretamente repre sentadas na versão Brasileira. O estudo 2 teve como objetivo aferir as qualidades psicométricas do instrumento na sua versão para o Brasil.

Método

Estudo 1

O processo de validação semântica do ProQol-IV iniciou-se com a tradução do instrumento originalmente em inglês para o português. A primeira versão do instrumento em português foi então submetida a uma tradução reversa (backtranslation). O responsável por essa parte do processo foi um professor doutor em Letras/Inglês natural do País de Gales.

Foram então aplicados 37 questionários da versão em português do instrumento ProQol-IV. Os sujeitos constituíram-se de profissionais de saúde (enfermeiros e médicos) do Hospital Regional do Guará e em profissionais de enfermagem, assistência social e psicologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Dos 37 sujeitos que participaram da aplicação piloto, foram realizadas também entrevistas semiestruturadas com 15 deles, logo após os mesmos terem respondido ao questionário. Na entrevista pediu-se aos participantes que reportassem se eles tinham encontrado alguma dificuldade de compreensão das instruções e dos itens do instrumento. Foi solicitado também que a pertinência dos itens em relação a sua realidade e experiência profissional fosse avaliada.

Os dados provenientes das 15 entrevistas foram organizados, os comentários foram registrados assim como sobre qual aspecto do instrumento o comentário se referia (instrução, item, etc.). Com base nas respostas dos participantes e nas entrevistas semiestruturadas, analisou-se o significado dos itens, a dificuldade de compreensão dos mesmos, assim como a distribuição das respostas.

Com os dados provenientes dos 37 questionários respondidos, outra análise foi realizada. Os questionários foram inseridos em um banco de dados onde foram analisadas as curvas normais das repostas e a direção das dimensões do instrumento (fadiga por compaixão, burnout e satisfação por compaixão). Foram considerados distribuídos normalmente os itens que apresentaram valores padronizados de curtose e assimetria entre -3 e 3. (Tabachnick & Fidell, 1996).

Analisou-se também a direção dos fatores por meio da correlação de Pearson. Nessa análise não se pretendeu medir a correlação entre os fatores, uma vez que o tamanho da amostra não permitia essa operação, buscou-se com essa análise exclusivamente observar se os fatores haviam mantido a mesma relação que os mesmos mantinham no instrumento original em inglês. Por exemplo, por meio desta análise, procurou-se ter um indicativo se tal qual no instrumento original, o fator "burnout" e o fator "fadiga por compaixão" estavam relacionados de forma positiva e o fator "satisfação por compaixão" estava relacionado de forma negativa com os demais.

Estudo 2

O questionário resultante da validação semântica foi aplicado em profissionais do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU). A escolha desta população ocorreu devido ao fato de que dentro das possibilidades, esta foi a que mais se aproximou das condições de trabalho propícias para o desenvolvimento da fadiga por compaixão. Isto é, uma condição que expõe os profissionais constantemente a dor e ao sofrimento alheio. Vale salientar que pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Estadual de Saúde.

O ProQol-BR foi então enviado a todos os funcionários do SAMU em um envelope contendo um questionário e um outro envelope para retorno do questionário. Do total de 792 funcionários, 219 responderam à pesquisa, resultando em uma taxa de resposta de 27%. O tempo disponibilizado para devolução dos questionários foi de dois meses (entre novembro e dezembro de 2006), para que houvesse tempo de os envelopes serem distribuídos e devolvidos. Os 219 questionários foram digitados e realizou-se a análise de componentes principais, análise fatorial e testes de confiabilidade.

Resultados

Estudo 1

Dos 30 itens, 18 itens foram aprovados na tradução reversa. Foram considerados aprovados aqueles itens em que se julgou mantida a proposição existente no item original. Os demais itens, que não foram aprovados por meio do processo de tradução reversa, foram reavaliados resultando em novas propostas de tradução. Os itens reavaliados, somados aos itens aprovados no processo de tradução reversa, compuseram o instrumento piloto, que foi então aplicado em profissionais de saúde.

Durante as entrevistas, 11 elementos foram citados pelos entrevistados como fonte de: confusão, dificuldade de compreensão ou inadequação ao contexto de trabalho (Tabela 1). Dois elementos foram mencionados com maior frequência (um deles mencionado cinco vezes e o outro três vezes).

Em relação aos demais elementos do questionário o termo "ajudar" foi mencionado cinco vezes e a "instrução" do instrumento foi mencionada duas vezes.

Um dos itens mencionado com frequência, o item 28, foi um dos itens reformulados. Por outro lado, o segundo item mais mencionado, o item 1, foi um dos itens aprovados na tradução reversa e não sofreu reformulação. Levando em conta todo o questionário, oito itens não apresentaram uma distribuição normal.

No que tange a direção dos fatores, pode-se observar na Tabela 2 que os dados indicam que o ProQol-BR manteve a mesma direção entre os fatores existentes na versão original.

Estudo 2

Após uma análise dos casos extremos (outliers), por meio da análise da distância Mahalanobis optou-se pela exclusão de 16 casos, sendo analisados 203 questionários. Os respondentes dividiram-se quase igualitariamente entre os dois sexos, sendo 51,5% do sexo masculino e 48,5% do sexo feminino. A maioria dos respondentes declarou-se casada (64,1%) e 77% declararam possuir filhos. A maior parte dos participantes do estudo declarou pertencer ao cargo de auxiliar de enfermagem (43%).

Quanto à escolaridade, mais de 48% dos respondentes se encontram entre o segundo grau finalizado e o nível superior incompleto e 45% possuem curso superior. Em relação à faixa salarial, observa-se que os respondentes se concentram na faixa que vai de seis a nove salários mínimos (salário mínimo correspondente a R$ 350,00). Seguindo isso, a renda familiar de mais de 50% dos participantes é superior 12 salários mínimos (R$ 4.201,00).

Os resultados referentes à descrição do perfil da amostra são apresentados na Tabela 3.

A análise dos componentes principais apontou um KMO 0,861, indicando que a matriz de covariâncias atinge índices suficientes de fatorabilidade. O determinante da matriz de correlações apresentou o valor de 8,834E-07, e o teste Scree de Cattell (Cattell's Scree Test) (Figura 1), apontou a possibilidade de extração de até 3 fatores.


Diante desses resultados, julgou-se que a matriz de correlações era fatorizável. Para a extração dos fatores foi realizada uma análise fatorial de eixos principais com rotação oblíqua (Direct Oblimin).

Os resultados da análise fatorial (Tabela 3) mostraram que os três fatores extraídos explicam 45,5% da variância dos 28 itens observados (dois a menos que no instrumento original). Quanto à carga fatorial dos itens que compõem os fatores, o primeiro fator apresentou cargas variando entre 0,32 e 0,77, o segundo cargas entre 0,43 e 0,69, e o terceiro fator cargas que variam entre - 0,60 e - 0,65.

A análise de consistência dos fatores por meio do alfa de Cronbach apresentou índices de 0,81 para o primeiro fator, 0,83 para o segundo fator e 0,76 para o terceiro fator (Tabela 4).

A Tabela 5 mostra que todos os fatores mantêm alguma relação entre si, sendo que os fatores 2 e 3 possuem uma relação moderada, e os demais possuem uma relação mais fraca. Desta forma, verifica-se que estes três fatores não são independentes entre si.

Discussão

Estudo 1

O estudo 1 teve como objetivo a validação semântica do ProQol-BR, sendo a mesma composta pela análise dos comentários dos profissionais de saúde ao questionário e pela análise das respostas dadas pelos mesmos. Em relação aos resultados da entrevistas, verificou-se que alguns elementos apresentaram dificuldade de compreensão ou compreensão equivocada e por isso os mesmos sofreram alterações. Em relação às resposta aos itens do questionário, verificou-se que alguns itens não apresentaram uma distribuição normal.

Em relação aos dois elementos que foram frequentemente mencionados, "instrução do instrumento" e o termo "ajudar", adotou-se os seguintes procedimentos. No que tange à instrução do instrumento, a mesma foi modificada indo de encontro às sugestões dos entrevistados. Porém, quanto ao emprego do termo "ajudar", julgou-se que o melhor seria tentar adotar a seguinte estratégia.

A tradução dos termos em inglês 'help, helper, helping', recorrentes no ProQol-IV, foi uma das maiores dificuldades enfrentadas durante a tradução do instrumento. Em português a palavra 'ajudar' parece carregar um conceito que não está necessariamente ligado a uma atividade profissional. Por outro lado,em inglês há profissionais denominados de 'helpworkers' ou 'helpers'. O mesmo não ocorre na língua portuguesa, onde o sentido do termo "ajudar" é mais amplo e relacionado a comportamentos altruístas, portanto, não sendo comumente usado para se referir a ofícios.

Este dado encontrou confirmação nas respostas dos entrevistados, onde os mesmos mostraram-se incomodados com as várias definições que o termo "ajudar" pode ter na língua portuguesa. Eles argumentaram que ajudar não é necessariamente uma atividade desenvolvida por um profissional de saúde, podendo ser realizado por qualquer pessoa. Por outro lado, prestar assistência ou atendimento é algo que apenas profissionais capacitados podem fazer. Por essa razão, decidiu-se substituir o termo "ajudar" por "atender" nos itens onde se considerou possível a substituição. Ou seja, onde se julgou que a substituição do termo não acarretaria em prejuízo a compreensão da sentença.

Com as modificações descritas anteriormente, considerou-se aprovada a tradução do instrumento ProQol-IV para o português. Tal avaliação baseou-se no julgamento de que os resultados não indicaram problemas no processo de tradução, e que, portanto, alguns resultados podem ser decorrentes da construção do instrumento original e não apenas do processo de adaptação para o português. Este julgamento baseia-se nas seguintes avaliações. Entendeu-se que os problemas na tradução do instrumento acarretariam duas ocorrências: itens seriam tanto mencionados nas entrevistas, quanto apresentariam problemas na distribuição normal das respostas.

Entendeu-se que a distribuição normal seria afetada, uma vez que interpretações muito distintas dos itens acarretariam uma maior dispersão. Desta forma, conjecturou-se que no caso de problemas de tradução, ocorreria uma correspondência entre os dados qualitativos (entrevistas) e os quantitativos (análise da distribuição normal da respostas).

Além disso, avaliou-se também a relação entre os itens não aprovados na tradução reversa e os itens que apresentaram problemas nas análises qualitativas e quantitativas. Porém, como observou-se, essa relação não existiu. Dos itens mencionados nas entrevistas, um foi aprovado na tradução reversa e outro foi reformulado. Depois, observou-se que mesmo levando-se em conta os itens pouco mencionados nas entrevistas, ou seja, somando-se um total de seis itens, não houve correspondência entre estes e os itens nos quais verificou-se problemas relativos a normalidade.

Sendo assim, o critério adotado para reprovação da tradução dos itens foi de que os mesmos apresentassem problemas tanto na análise qualitativa (entrevistas) quanto na análise quantitativa (normalidade). Observou-se também que a versão em português manteve a relação que fatores tinham entre si no instrumento original, no qual fadiga por compaixão e burnout relacionamse de forma positiva e satisfação por compaixão relaciona-se negativamente com os demais. Desta forma, o instrumento resultante do processo de validação semântica manteve a mesma quantidade de itens existente no instrumento em inglês.

Estudo 2

Segundo Pasquali (2005) cargas de ±0,30 normalmente são aceitas como sendo um índice não desprezível de validade do item. Desta forma, todos os itens que compuseram os fatores permaneceram dentro dos padrões de validade. Diante desses resultados, considerou-se que o primeiro e o segundo fatores alcançaram bons índices de consistência, enquanto o terceiro fator alcançou índice satisfatório.

Porém, em uma análise fatorial não basta que seja alcançada uma distribuição dos itens em fatores de forma válida e consistente. Validade e consistência em psicologia não se restringem apenas a adequação a parâmetros estatísticos. É almejado que esse agrupamento faça algum sentido, que os itens que foram agrupados de forma matemática também guardem alguma coerência semântica.

Fator 1. Segundo Pasquali (2005), na interpretação dos fatores, deve-se dar especial atenção aos itens com as maiores cargas. Os cinco primeiros itens referem-se aos benefícios do trabalho ligado à ajuda. Eles se relacionam ao orgulho, ao sentimento de "poder fazer a diferença", ao entusiasmo e à satisfação produzida por essa atividade.

Os demais itens, por sua vez, também se referem a fatores positivos ligados ao trabalho de ajuda. Mencionam desde o julgamento do profissional acerca do seu desempenho, até o seu julgamento sobre coisas mais amplas, como a sua felicidade.

Entende-se então, que o conteúdo desse fator representa o que Stamm (2005) chamou de satisfação por compaixão (SC). Isto é, o prazer proveniente do sentir-se capaz de desempenhar bem o seu trabalho e a satisfação causada pelo sentir-se capaz de ajudar as pessoas.

Fator 2. No segundo fator, os três primeiros itens referem se a um estado de tensão, de estresse, uma situação que chega a invadir a vida privada do profissional. Os três itens seguintes dizem respeito a fatores negativos relacionados à atividade profissional. Os demais itens abordam questões ligadas ao "contágio emocional" relacionadas ao trabalho com pessoas em sofrimento.

Julgou-se que esse fator represente o que Figley (1995) e Stamm (2005) definiram como sendo a fadiga por compaixão (FC), isto é, os efeitos nocivos da exposição secundária a eventos altamente estressantes.

Fator 3. O fator 3 refere-se aos aspectos ligados à exaustão emocional, sentimentos de falta de energia, de desânimo. Uma sensação que faz com que as atividades figurem ser tão grandes e tão difíceis que parecem soterrar o indivíduo. Esse fator parece representar a interpretação que Figley (1995) e outros tiveram acerca da síndrome de burnout.

A análise fatorial resultou em três fatores com boas cargas fatoriais e com bons índices de consistência. Além disso, os três fatores permitiram a interpretação de seu conteúdo semântico, e que este conteúdo manteve-se coerente com o conteúdo do instrumento original. Isto é, os fatores puderam ser entendidos em termos de satisfação por compaixão, fadiga por compaixão e burnout.

Apesar de essa análise ter resultado na mesma quantidade de fatores, e na mesma interpretação dos fatores do instrumento original, a validação apresentada resultou em uma disposição diferente dos itens. No instrumento original os três fatores eram compostos por 10 itens cada. Nesta validação, o primeiro fator compôs-se de 15 itens, o segundo de 10 itens e o terceiro de apenas três itens, totalizando 28 itens. Sendo assim, dois itens foram excluídos durante o processo de extração de fatores.

Os dois itens que foram excluídos foram os itens 28 "Não consigo recordar de partes importantes do meu trabalho com as vítimas de trauma" e 29 "Sou uma pessoa muito sensível". No instrumento original, o item 28 pertencia ao fator fadiga por compaixão, e o item 29 ao fator burnout. Vale lembrar que o item 28 apresentou problemas na etapa de validação semântica, tendo sito citado com frequência nas entrevistas com os profissionais.

Realizamos uma análise de consistência adotando a distribuição dos itens do fator burnout tal qual no instrumento original. Verificamos que adotar essa estratégia resulta em índice baixo de alfa de Cronbach (0,625), indicando que há problemas na composição do fator burnout. Acredita-se que isso ocorre devido à seguinte razão. Uma vez que se observam os alfas obtidos na validação da versão em inglês (Stamm, 2005) é possível notar que esse fator parece misturar, por exemplo, questões referentes à felicidade (q1) a sintomas de traumatização secundaria (q8). Enquanto que nesta validação, o fator compôs-se apenas de itens referentes à exaustão.

Importante frisar que nesta validação, mesmo este fator contando com apenas três itens, o mesmo apresentou um alfa bastante superior ao da validação da versão original em inglês que com 10 itens apresentou um alfa de 0,72 (Stamm, 2005).

Considerações finais

Com o intuito de dar início ao processo de validação para o Brasil do ProQol-IV foram realizados dois procedimentos. Por meio da validação semântica, tentou-se assegurar que as proposições contidas nas sentenças originalmente elaboradas em inglês sofressem o mínimo possível de distorção no processo de tradução e que o mesmo não criasse sentenças de difícil compreensão para os brasileiros. Na validação psicométrica, tentou-se garantir que, mesmo após ser traduzido, o instrumento mantivesse boas qualidades psicométricas. Os resultados indicaram que a validação teve êxito em conseguir respeitar o sentido das sentenças e manter as propriedades psicométricas do instrumento.

Porém, entende-se que para que seja possível ter uma maior segurança quanto às conclusões apresentadas, há necessidade de outras aplicações do instrumento em outras populações a fim de averiguar a consistência desses resultados. Além disso, faz-se necessária uma maior discussão acerca do papel da síndrome de burnout dentro do fenômeno da fadiga por compaixão, assim como, do que significa o fator fadiga por compaixão ser encarado no instrumento com um dos fatores que compõem o próprio fenômeno que o instrumento pretende medir. A princípio, esta característica parece transmitir uma sensação incômoda de circularidade tautológica.

De qualquer forma, o início do processo de validação para o Brasil de um instrumento de mensuração de um fenômeno pouco conhecido, como a fadiga por compaixão, insere na área de Saúde Mental e Trabalho uma nova frente de estudo. Essa área, justamente por ser nova, carece do esforço de todos aqueles que se preocupam com as questões ligadas a promoção de saúde dos trabalhadores. Desta forma, o ProQol-BR torna possível o início da coleta de dados sobre a fadiga por compaixão, proporcionando, acumulo de informações acerca da incidência deste fenômeno entre os profissionais de saúde no Brasil, assim como, de informações acerca dos elementos capazes de causar ou prevenir o desenvolvimento da mesma.

Na literatura, tem crescido a concordância de que a fadiga por compaixão é a principal ameaça à saúde mental destes profissionais, e que o avanço no estudo e na compreensão deste fenômeno pode resultar no progresso das estratégias de promoção da saúde mental desta categoria profissional. Isto se torna ainda mais importante, uma vez que o cuidado com este profissional configura-se como uma dupla promoção de saúde, uma vez que a promovendo, promove-se não só a saúde deste trabalhador, como de todos aqueles que ele atende.

Recebido em 19. Set.10

Revisado em 02. Abr.12

Aceito em 11. Abr.13

Kennyston Costa Lago, Mestre em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília, é gerente de planejamento & pesquisa na Opinião Consultoria. Endereço para Correspondência: QNC 01 AE 19 Bloco A Apt 803, Taguatinga Norte - Brasília - DF, CEP 72115-510. E-mail: kennylago@yahoo.com.br

Wanderley Codo, Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, Pós-Doutor pela London School of Economics, Pós-Doutor pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, Pós-Doutor pela Universidad de Habana, Pesquisador pelo Centro Internacional de Pesquisa em Representações e Psicologia Social - CIRPS pela Universidade de Brasília. E-mail: codo@unb.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2012
  • Aceito
    11 Abr 2013
  • Revisado
    02 Abr 2012
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