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Criação de protocolo de avaliação do equilíbrio corporal em crianças de quatro, seis e oito anos de idade: uma perspectiva funcional

Creation of a balance assessment protocol of balance for four, six and eight-year-old children: a functional perspective

Resumos

OBJETIVO: O objetivo desse estudo foi criar um teste de equilíbrio corporal, em contexto funcional, e verificar sua adequação e aplicabilidade em um grupo de crianças brasileiras. MÉTODO: Os participantes foram 66 crianças, com desenvolvimento motor típico, idades cronológicas de quatro, seis e oito anos, selecionadas em três escolas de classe média. Cada grupo etário foi composto por 22 crianças, sendo 11 meninos e 11 meninas. O protocolo elaborado foi constituído por oito provas, distribuídas em dois circuitos. Todas as provas foram avaliadas por critérios quantitativos e qualitativos. Os critérios quantitativos referiram-se ao tempo gasto e ao número de passos e saltos corretamente executados nas provas correspondentes. A avaliação qualitativa, pontuada em escala ordinal de quatro pontos, foi baseada em verbos de ação. RESULTADOS: Os resultados da correlação intraclasse indicaram nível satisfatório de confiabilidade entre examinadores e a confiabilidade teste-reteste. Para a comparação do desempenho entre os três grupos etários foi utilizado o teste Kruskal-Wallis e, para localizar a diferença entre os grupos, o teste U Mann-Whitney. Crianças de quatro e oito anos apresentam diferença significativa de desempenho nas provas, tanto para critérios qualitativos quanto quantitativos. Observou-se, também, diferença no desempenho entre crianças de quatro e seis anos para algumas das provas avaliadas. Crianças de seis e de oito anos, de um modo geral, não apresentam diferenças nas provas de equilíbrio propostas. CONCLUSÃO: O instrumento tem potencial para uso clínico. Estudos futuros deverão verificar a utilidade clínica do protocolo em crianças que apresentam atraso no desenvolvimento motor.

avaliação; equilíbrio musculoesquelético; desenvolvimento infantil; confiabilidade; validade


OBJECTIVE: To create a body balance test within a functional context and verify its adequacy and applicability among a group of Brazilian children. METHOD: The participants were 66 children with typical motor development and chronological ages of four, six and eight years old, who were selected at three schools with middle-class intake. Each age group was composed of 22 children (11 girls and 11 boys). The test protocol was composed of eight tasks distributed in two circuits. All the tasks were scored by quantitative and qualitative criteria. The quantitative criteria were based on the time taken and the number of steps/jumps correctly performed in the corresponding items. The qualitative assessment was scored on a four-point ordinal scale, based on action verbs. RESULTS: The intraclass correlations between examiners and the test-retest reliability were satisfactory. To compare the performance between the three age groups, the Kruskal-Wallis test was utilized, and to locate the differences between groups, the Mann-Whitney U test was used. There were significant differences in performance between the four and eight-year-old children in the tasks, both for qualitative and quantitative criteria. Differences in performance between the four and six-year-old children were also observed for some of the tasks assessed. Most of the differences between the six and eight-year-old children in the balance tasks examined were not significant. CONCLUSION: The assessment tool has potential for clinical use. Future studies should verify the clinical utility of the protocol among children presenting delayed motor development.

assessment; musculoskeletal balance; child development; reliability; validity


ARTIGOS CIENTÍFICOS

Criação de protocolo de avaliação do equilíbrio corporal em crianças de quatro, seis e oito anos de idade: uma perspectiva funcional

Creation of a balance assessment protocol of balance for four, six and eight-year-old children: a functional perspective

Cury RLSM; Magalhães LC

Programa de Mestrado em Ciências de Reabilitação, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG - Brasil

Correspondência para Correspondência para: Rosane Luzia de Souza Morais Cury Rua José Amaral, 255/102, Ouro Preto CEP 31320-020, Belo Horizonte, MG - Brasil e-mail: rcury.prof@newtonpaiva.br

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo desse estudo foi criar um teste de equilíbrio corporal, em contexto funcional, e verificar sua adequação e aplicabilidade em um grupo de crianças brasileiras.

MÉTODO: Os participantes foram 66 crianças, com desenvolvimento motor típico, idades cronológicas de quatro, seis e oito anos, selecionadas em três escolas de classe média. Cada grupo etário foi composto por 22 crianças, sendo 11 meninos e 11 meninas. O protocolo elaborado foi constituído por oito provas, distribuídas em dois circuitos. Todas as provas foram avaliadas por critérios quantitativos e qualitativos. Os critérios quantitativos referiram-se ao tempo gasto e ao número de passos e saltos corretamente executados nas provas correspondentes. A avaliação qualitativa, pontuada em escala ordinal de quatro pontos, foi baseada em verbos de ação.

RESULTADOS: Os resultados da correlação intraclasse indicaram nível satisfatório de confiabilidade entre examinadores e a confiabilidade teste-reteste. Para a comparação do desempenho entre os três grupos etários foi utilizado o teste Kruskal-Wallis e, para localizar a diferença entre os grupos, o teste U Mann-Whitney. Crianças de quatro e oito anos apresentam diferença significativa de desempenho nas provas, tanto para critérios qualitativos quanto quantitativos. Observou-se, também, diferença no desempenho entre crianças de quatro e seis anos para algumas das provas avaliadas. Crianças de seis e de oito anos, de um modo geral, não apresentam diferenças nas provas de equilíbrio propostas.

CONCLUSÃO: O instrumento tem potencial para uso clínico. Estudos futuros deverão verificar a utilidade clínica do protocolo em crianças que apresentam atraso no desenvolvimento motor.

Palavras-chave: avaliação, equilíbrio musculoesquelético, desenvolvimento infantil, confiabilidade, validade.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To create a body balance test within a functional context and verify its adequacy and applicability among a group of Brazilian children.

METHOD: The participants were 66 children with typical motor development and chronological ages of four, six and eight years old, who were selected at three schools with middle-class intake. Each age group was composed of 22 children (11 girls and 11 boys). The test protocol was composed of eight tasks distributed in two circuits. All the tasks were scored by quantitative and qualitative criteria. The quantitative criteria were based on the time taken and the number of steps/jumps correctly performed in the corresponding items. The qualitative assessment was scored on a four-point ordinal scale, based on action verbs.

RESULTS: The intraclass correlations between examiners and the test-retest reliability were satisfactory. To compare the performance between the three age groups, the Kruskal-Wallis test was utilized, and to locate the differences between groups, the Mann-Whitney U test was used. There were significant differences in performance between the four and eight-year-old children in the tasks, both for qualitative and quantitative criteria. Differences in performance between the four and six-year-old children were also observed for some of the tasks assessed. Most of the differences between the six and eight-year-old children in the balance tasks examined were not significant.

CONCLUSION: The assessment tool has potential for clinical use. Future studies should verify the clinical utility of the protocol among children presenting delayed motor development.

Key words: assessment, musculoskeletal balance, child development, reliability, validity.

INTRODUÇÃO

Por meio dos movimentos corporais a criança interage e atua de forma dinâmica no ambiente físico e social1. Entretanto, para que a criança possa agir, é necessário ter como suporte básico o equilíbrio corporal2. O equilíbrio ou manutenção da estabilidade está relacionado ao balanceamento entre forças internas e externas, que agem no corpo durante a realização de ações motoras3.

Na prática clínica, terapeutas recebem encaminhamento de crianças com alterações perceptivo-motoras variadas4,5. Tais profissionais têm, como um dos objetivos, a avaliação das alterações de equilíbrio, visto que elas interferem na capacidade da criança para realizar suas atividades motoras diárias6. Com a crescente ênfase no embasamento científico para a prática clínica, que requer o uso de medidas válidas e fidedignas, os terapeutas têm sido encorajados a incorporarem instrumentos padronizados no processo de avaliação7.

Vários instrumentos padronizados de avaliação motora infantil têm itens para a mensuração do equilíbrio corporal8,9,10,11,12. No entanto, a maioria dos testes clínicos padronizados requer controle consciente, em vez de avaliar o equilíbrio como suporte para a realização de atividades funcionais supraposturais, como ocorre nas situações de vida real. Tarefas supraposturais são ações motoras, resultantes da interação intencional do executor com o ambiente, realizadas enquanto uma determinada postura é mantida13. Estudos recentes têm apontado para a necessidade de se desenvolver testes mais funcionais para avaliação de equilíbrio, visto que o equilíbrio corporal não "tem um fim em si mesmo", mas seu valor está em facilitar o alcance de metas ou tarefas realizadas no cotidiano13,14,15.

Na literatura, encontramos poucos instrumentos padronizados para crianças brasileiras. Uma referência clássica é o Exame Neurológico Evolutivo (ENE) desenvolvido por Lefèvre16 e, recentemente, compilado por Coelho17. O ENE é composto exclusivamente por provas neurológicas tradicionais. Seus dados, porém, não foram disponibilizados desde a publicação original.

O objetivo desse estudo foi criar um teste de equilíbrio corporal, em contexto funcional, e verificar sua adequação e aplicabilidade em um grupo de crianças brasileiras com desenvolvimento típico. Tal protocolo foi criado baseado em provas que constam de testes padronizados8,9,10,11,12, mas modificados, para avaliar o equilíbrio corporal em contexto mais funcional, similar ao brincar, compatível com os interesses e motivações de crianças.

MATERIAIS E MÉTODOS

Participantes

Participaram deste estudo 66 crianças com desenvolvimento motor típico, de quatro, seis e oito anos. Cada grupo etário foi composto por 22 crianças, onze meninos e onze meninas. As crianças selecionadas constituíram amostra de conveniência, recrutadas em escolas de educação infantil e ensino fundamental da região da Grande Belo Horizonte, MG. Como o estado nutricional e o nível socioeconômico da criança podem influenciar o desenvolvimento motor, para obter uma amostra homogênea, foram selecionadas somente crianças de classe média, classificadas de acordo com avaliação do Setor de Assistência Social do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo18.

Materiais

Para a aplicação do protocolo foi utilizado um cronômetro (microsplit HEUER); uma bola amarela de borracha Nº 10 (Mercur) de 20 cm de diâmetro; uma fita métrica; um rolo de fita crepe adesiva de 2,0 cm de largura, para a marcação feita no chão; um metro de cordão de algodão colorido de 3,0 mm de grossura e uma cadeira de tamanho padrão. Foi confeccionado um alvo vermelho e azul de Etil Vinil Acetato (EVA) de 6,0 mm de espessura e 37 cm de diâmetro. Para as provas de salto, foram feitos dois suportes de madeira com ganchos de metal, que permitem regular a altura do cordão. Foram também confeccionadas sete placas de mesmo tamanho, 20 x 25 cm, com alturas e graus variados de complacência. Todas receberam uma camada de 2,0 mm de borracha natural antiderrapante na face que mantinha contato com o solo. Externamente, todas foram revestidas com capas de lycra power fit azul para que a criança não notasse, visualmente, as diferenças. As composições internas das placas seguiram três modelos básicos, criando superfícies com diferentes graus de complacência. Modelo (1) - placas rígidas, não complacentes, de resina polimérica conhecida como "borracha da Amazônia", de 1,5 cm de espessura. Modelo (2) - placas com propriedades viscoelásticas, parcialmente complacentes, de resina polimérica e laminado de espuma, de 1,0 e 1,5 cm de espessura. Modelo (3) - placas com propriedades elásticas, complacentes, confeccionadas com espuma densidade média, de 3,0 cm de espessura.

Procedimentos

Inicialmente, o protocolo de teste foi aplicado em 23 crianças, que foram filmadas, com o consentimento dos pais, e o material produzido foi examinado para refinar os itens do teste e para definir critérios qualitativos de escore para cada prova. Finalizado o protocolo, outras sete crianças, correspondentes a 10% da amostra do estudo, na faixa etária de quatro a oito anos de idade, foram filmadas, exclusivamente para exame da confiabilidade entre examinadores. Nenhuma dessas crianças foi incluída na amostra final do estudo. Como os resultados indicaram confiabilidade satisfatória, foi feita revisão final dos itens e dado prosseguimento ao estudo.

Para a coleta dos dados, inicialmente, foi feita a medida longitudinal de um dos pés e a distância do chão até a borda inferior da patela da criança. As medidas foram realizadas no membro inferior dominante. A primeira medida, o dobro do comprimento longitudinal do pé da criança, foi utilizada para estabelecer a distância entre as sete placas confeccionadas. A segunda medida foi utilizada para estabelecer a altura do cordão de algodão nas provas salto. A distância entre os suportes do cordão de algodão foi estabelecida pela medida da largura entre os ombros da criança. O alvo foi afixado na parede, com a borda inferior acima da altura dos olhos da criança. Após explicação e demonstração dos procedimentos do teste, foram dadas à criança duas oportunidades para desempenhar cada prova. A primeira tentativa foi considerada apenas como familiarização e, na segunda oportunidade, os dados foram coletados. As provas foram aplicadas, conforme descritas a seguir.

Circuito 1(a): Equilibrista/Caminhando nas nuvens (1)

A criança andava sobre uma linha de dois metros de comprimento, com o calcanhar de um pé encostando-se ao primeiro artelho do outro pé, pegava a bola colocada sobre uma cadeira e, em seguida, caminhava sobre sete placas de consistências e alturas variadas. Ao final deveria parar sobre a última placa e lançar a bola no alvo, colocado a uma distância de 1,0 m.

Circuito 1(b): Bailarino/Caminhando nas nuvens (2)

A criança andava sobre uma linha de dois metros de comprimento, na ponta dos pés, pegava a bola posicionada sobre a cadeira e, em seguida, caminhava sobre sete placas de consistências e alturas variadas. Ao final, deveria parar sobre a última placa e lançar a bola no alvo, colocado a uma distância de 1,0 m.

Circuito 2(a): Salto andando/ Saltos do coelho

A criança andava dois metros, parava e saltava um cordão posicionado à altura da borda inferior de suas patelas. Em seguida, pegava a bola posicionada sobre a cadeira e saltava, com os pés juntos, dentro de cinco quadros consecutivos, de 45 cm cada, marcados no chão. Ao final, lançava a bola no alvo.

Circuito 2(b): Salto correndo/ Saltos do saci

A criança corria dois metros e, sem parar, saltava um cordão posicionado à altura da borda inferior de suas patelas. Em seguida, pegava a bola colocada sobre a cadeira e, segurando a bola com as mãos, saltava, equilibrando-se em um pé só, dentro de cinco quadros consecutivos, de 45 cm cada, marcados no chão, com o pé dominante. Ao final, lançava a bola no alvo.

Todas as crianças foram avaliadas individualmente, sem filmagem, pela primeira autora, fisioterapeuta, na própria escola, em horários determinados pelas professoras que interferissem o mínimo possível com atividades de ensino. As avaliações foram realizadas em local tranqüilo e espaçoso, na presença da examinadora e uma assistente. A examinadora observava atentamente o desempenho da criança, registrando imediatamente os dados quantitativos e os critérios qualitativos. Os critérios quantitativos foram: o tempo total gasto para percorrer cada circuito e número de passos e saltos corretos. Os critérios qualitativos foram desenvolvidos, tendo como base verbos de ação, que descrevem as reações da criança durante o desempenho das provas: sai da marca; exagera; hesita; olha, desequilibra e derruba. Os itens qualitativos foram pontuados de acordo com escala ordinal de quatro pontos: (0) não apresenta; (1) apresentação discreta; (2) apresentação exagerada, e (3) falha, caso a criança não fosse capaz de realizar a prova. Para todos os circuitos, a criança foi instruída a atirar uma bola em um alvo, para desviar o foco de atenção da tarefa de manter o equilíbrio corporal. A criança não foi pontuada pelo desempenho ao atirar a bola ao alvo.

Para examinar a confiabilidade teste-reteste, dez crianças da amostra, três de quatro, três de seis e quatro de oito anos, foram testadas duas vezes, com intervalo de uma semana entre cada aplicação. Os pais de todos os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa - COEP - da UFMG (parecer ETIC 165/03 de 30/01/2004).

Análise de dados

Para a análise dos dados foi utilizado o pacote estatístico SPSS (versão 10.7, SPSS Inc.). O coeficiente de correlação intraclasse (CCI) foi utilizado para verificar confiabilidade entre examinadores e teste-reteste. As variáveis quantitativas foram examinadas quanto à distribuição normal (Shapiro-Willk) e a homogeneidade de variância (Levine). Como estes pressupostos não foram confirmados para a maioria das variáveis, deu-se seguimento a análise dos dados com modelo não paramétrico. Para comparação do desempenho entre os três grupos etários, foi utilizando o teste o Kruskal-Wallis, adotando-se o nível de significância de 0,05. O teste U Mann-Whitney, foi utilizado para localizar a diferença entre os grupos. Neste caso, o nível de significância adotado foi de 0,0167, conforme correção de Bonferroni.

RESULTADOS

As Tabelas 1 a 5 apresentam os itens que obtiveram diferença significativa entre os grupos etários. As crianças de quatro e oito anos apresentaram diferenças evidentes de desempenho. Nos critérios quantitativos, as crianças de oito anos foram significativamente mais rápidas para a realização de todos os circuitos, obtendo resultados similares apenas para o número de passos na prova bailarino. As crianças de oito anos também apresentaram melhor desempenho que as de quatro anos na maioria das variáveis qualitativas, à exceção de exagera, que não foi significativo na maioria das provas, hesita, nas provas bailarino, saltos do coelho e saltos do saci e derruba, para as provas caminhado nas nuvens (1) e (2).

Observou-se, também, diferença no desempenho entre crianças de quatro e seis anos para algumas das provas. Dos 27 itens analisados pelo Kruskal-Wallis, doze (44,4%) demonstraram diferença estatística entre os grupos. Nos critérios quantitativos, as crianças de seis anos mostraram-se mais rápidas do que as de quatro anos nos circuitos que tiveram provas de salto - salto correndo e andando, saltos do coelho e do saci. Também houve diferença para número de passos no equilibrista e número de saltos no saltos do saci. As crianças de seis anos apresentaram melhor desempenho do que as de quatro anos nos critérios qualitativos apenas para as provas salto andando e salto do saci.

De um modo geral, não houve diferença significativa no desempenho entre as crianças de seis e oito anos de idade na realização das provas. No entanto, no presente estudo, embora as crianças de seis e oito anos tenham apresentado desempenho qualitativo semelhante em todas as provas, exceto para saltos do saci – item desequilibra, as crianças de oito anos, como indicado na Tabela 1, foram mais rápidas nos circuitos 1 (a) – equilibrista e caminhando nas nuvens (1), e 2 (a) – salto andando e salto do coelho. Tais resultados sugerem que, embora crianças de seis anos tenham o mesmo desempenho que as de oito anos nos critérios qualitativos, parecem precisar ser mais cautelosas, gastando mais tempo, para realizar provas mais difíceis, como equilibrista e salto andando.

Para o teste-reteste foram encontrados CCI considerados muito bons, igual ou acima de 0,80, para 25 (62,5%) das 40 variáveis examinadas. Quatorze variáveis (35%) apresentaram coeficiente moderado de confiabilidade, entre 0,60 a 0,79. Apenas uma variável (2,5%) apresentou confiabilidade abaixo de 0,60.

DISCUSSÃO

Como o estudo foi voltado para a criação de provas de equilíbrio, os resultados devem ser discutidos em termos das principais características psicométricas do instrumento, no caso, a confiabilidade entre examinadores e teste-reteste, e um aspecto da validade de construto, que é a habilidade para diferenciar o desempenho de crianças em idades variadas.

Para a confiabilidade entre examinadores, a maioria dos itens (92,5%) do protocolo proposto apresentou CCI acima do valor mínimo recomendado de 0,8019, sendo que, dentre estes, 78,4% dos itens apresentaram valores acima de 0,95. Três itens apresentaram confiabilidade de 0,77 o que, de acordo com Streiner e Norman20, é aceitável, pois tais autores consideram 0,75 como o valor mínimo de confiabilidade para um instrumento clinicamente útil. Tais resultados indicam que o protocolo proposto pode ser administrado com acuidade por observadores treinados.

Para a confiabilidade teste-reteste, 62,5% das variáveis apresentaram confiabilidade acima do valor ótimo de referência (> 0,80) e 35% das variáveis tiveram valores considerados moderados, entre 0,60 a 0,7919. Estes resultados estão de acordo com aqueles encontrados na literatura para teste-reteste de equilíbrio corporal em crianças. Os CCI dos diferentes itens do Pediatric Clinical Test of Sensory Interaction for Balace12 variaram de 0,44 a 0,83 e os itens de equilíbrio do Bruininks-Ozeretsky Test of Motor Proficienc9 variaram de 0,49 a 0,64, dependendo da idade da criança.

Apenas a variável hesita na prova caminhando nas nuvens (1) apresentou confiabilidade teste-reteste abaixo de 0,60. Como essa variável apresentou boa confiabilidade entre observadores, é possível que inconsistências no desempenho das crianças tenham influenciado os resultados. Deve-se, no entanto, considerar que, em situações de teste-reteste, por mais que se procure minimizar variações relacionadas a mudanças no ambiente, no examinador e a erro específico do teste, existem ainda fatores relacionados à criança que estão sendo avaliadas8. Segundo Liao et al.4 o desempenho de crianças em tarefas de equilíbrio parece flutuar de uma sessão para a outra.

Quanto às diferenças entre as idades no desempenho das provas, foi observada variação ao longo das idades, mas esta diferença torna-se cada vez mais sutil conforme a criança fica mais velha. Experimentos laboratoriais indicam que de sete a dez anos de idade a criança passa a apresentar desempenho, em provas de equilíbrio e marcha, semelhante ao do adulto21. É possível, portanto, que crianças de seis e oito anos avaliadas clinicamente, sem o uso de aparato sofisticado, tenham desempenho bastante semelhante.

Embora as provas equilibrista, saltos do saci e salto andando (Tabela 1, 4 e 5) tenham demonstrado melhor potencial para diferenciar o desempenho por idade do que seus similares, bailarino, salto do coelho e salto correndo (Tabela 2, 4 e 5), para estudos futuros, todas as provas dos circuitos deverão ser mantidas no protocolo, pois algumas delas foram de difícil execução para crianças de quatro anos. Na prova salto do saci, oito crianças de quatro anos (36, 4%) não foram capazes de realizar a prova, assim como sete crianças (31,8 %) na prova salto andando e quatro crianças (18,9%) na prova salto correndo. É importante que o protocolo mantenha a capacidade de abranger diferentes níveis de desempenho.

Embora os dados da confiabilidade entre examinadores e teste-reteste tenham sido satisfatórios, o critério qualitativo exagera não atingiu significância para a maioria das provas. Das seis provas dinâmicas avaliadas por este critério, em quatro delas a criança carregava a bola com as duas mãos, o que pode ter dificultado o uso de estratégias compensatórias de membros superiores. Além disto, é possível que, no contexto de movimento, este critério seja difícil de ser visualizado, sendo recomendado, portanto, que o mesmo seja retirado do protocolo de teste.

Para o critério qualitativo derruba, no total, apenas quatro crianças derrubaram a bola: uma criança de seis anos na prova caminhando nas nuvens (2), duas de quatro anos e uma de seis anos no salto do saci. Todas derrubaram a bola apenas uma vez, recebendo escore (1). Embora poucas crianças tenham derrubado a bola, este critério deverá ser mantido, pois no estudo piloto, das 23 crianças participantes, 10 eram crianças com distúrbios motores leves e derrubaram a bola com freqüência, o que pode ter significado diagnóstico. Novos estudos, com crianças com distúrbios leves de coordenação motora, poderão confirmar tal hipótese.

Quanto à aplicação do protocolo, de um modo geral, as crianças consideraram o teste divertido e se mostraram motivadas a participar das diferentes provas. Ao serem dadas três opções para dizer o que acharam do teste, 64 crianças (97%) responderam "legal", duas crianças (3%) responderam "mais ou menos" e nenhuma respondeu que era "chato". A aplicação das provas em crianças de quatro anos foi mais demorada, cerca de 40 minutos, devido à dificuldade de concentração e menor persistência em relação às crianças mais velhas. Além disto, as crianças de quatro anos, por terem mais dificuldade na execução das tarefas, necessitaram de mais interrupções e explicações durante a realização do teste. As crianças de seis e, principalmente, de oito anos mostraram-se solícitas e concentradas ao serem testadas, levando apenas cerca de 20 minutos para concluir o teste.

Como a maioria dos testes motores existentes foram padronizados para crianças com desenvolvimento típico8,9,10,11,12, optou-se por essa estratégia, verificando-se primeiro o potencial dos itens para diferenciar o desempenho por idade. Naturalmente, a próxima etapa do processo de validação do protocolo deve incluir crianças com alteração motoras.

CONCLUSÃO

O equilíbrio corporal é a base para a realização das ações motoras humanas. O protocolo de equilíbrio, proposto neste estudo, foi baseado no princípio de que o equilíbrio deve ser visto como suporte para atividades supraposturais e que há variações na intensidade e amplitude de oscilações corporais em função da tarefa a ser realizada, sem necessidade de controle consciente do equilíbrio corporal.

De acordo com os resultados deste estudo, pode-se afirmar que a confiabilidade entre examinadores e teste-reteste do protocolo proposto foram satisfatórias. Algumas provas mostraram-se mais eficientes para discriminar o desempenho das crianças por idade e o conjunto de todas as provas se mostrou adequado para avaliar diferentes níveis de habilidade de equilíbrio. Recomenda-se, em etapas futuras, que este protocolo seja aplicado em crianças com alterações motoras.

Agradecimentos: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Bolsa PQ nº 352564/1996-2) e à Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG (CDS-511/04) pelo suporte dado ao estudo.

Recebido: 16/11/2005

Aceito: 13/06/2006

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  • Correspondência para:

    Rosane Luzia de Souza Morais Cury
    Rua José Amaral, 255/102, Ouro Preto
    CEP 31320-020, Belo Horizonte, MG - Brasil
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Recebido
      16 Nov 2005
    • Aceito
      13 Jun 2006
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