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Concepções de biofiltração aplicada ao pré-tratamento de águas de abastecimento para remoção de contaminantes emergentes

Biofiltration conceptions applied to pre-treatment of supply water to remove emerging contaminants

RESUMO

Devido à susceptibilidade crescente dos mananciais utilizados como fontes para abastecimento público aos diversos contaminantes e à limitada eficiência do tratamento convencional de águas, há a necessidade de se investigarem técnicas complementares e/ou alternativas de tratamento. O objetivo deste estudo foi avaliar a eficiência de diferentes concepções de biofiltração, em escala de bancada, para a remoção/biodegradação de diuron e microcistinas, em concentrações da ordem de 1.000 μg·L−1 de diuron e 50 μg·L−1 de microcistinas, nos materiais granulares areia de filtro lento, areia de filtro rápido e carvão ativado granular em filtro de laboratório. O estudo foi realizado em duas fases experimentais distintas: com ativação biológica natural (Fase 1) e com ativação biológica específica, com adição de cultura de bactéria comprovadamente ativa para degradação de microcistinas Sphingosinicella microcystinivorans — B9 (Fase 2). A ativação natural apresentou maior eficiência em relação à remoção de diuron e microcistinas, bem como aos parâmetros complementares para todos os meios granulares. A ativação específica com bactéria B9 mostrou ser complexa em relação ao controle de sua atividade e interferiu negativamente na remoção de diuron e de microcistinas quando comparada à ativação natural, inclusive no filtro de carvão ativado granular. Para os filtros de areia, o emprego de granulometria mais grossa, como a areia de filtro rápido, pode ser promissor por apresentar manejo e limpeza facilitados, colmatação mais lenta e menor frequência de limpeza, além de desempenho similar ao do filtro com areia de filtro lento em relação à remoção de diuron e microcistinas.

Palavras-chave:
biofiltração; diuron; microcistinas; ativação biológica; bactéria B9

ABSTRACT

Due to the increasing susceptibility of water bodies used as sources for public supply to various contaminants and the limited efficiency of conventional water treatment, there is a need to investigate complementary and/or alternative treatment techniques. The aim of this study was to evaluate the efficiency of different biofiltration conceptions, on a bench scale, for the removal/biodegradation of diuron and microcystins, in concentrations of the order of 1000 μg·L−1 of diuron and 50 μg·L−1 of microcystins, in the granular materials slow filter sand, rapid filter sand and granular activated carbon in a laboratory filter. The study was carried out in two distinct experimental phases: with natural biological activation (Phase 1) and with specific biological activation, with the addition of a bacterial culture proven to be active for the degradation of microcystins Sphingosinicella microcystinivorans — B9 (Phase 2). Natural activation showed greater efficiency in relation to the removal of diuron and microcystins, as well as the complementary parameters for all granular media. Specific activation with B9 bacteria proved to be complex in relation of controlling its activity and interfered negatively in the removal of diuron and microcystins when compared to natural activation, including in the granular activated carbon filter. For sand filters, the use of coarser granulometry, such as the rapid filter sand, may be promising because it presents easier handling and cleaning, slower clogging and lower cleaning frequency, in addition to a similar performance to the filter with slow filter sand in relation to the removal of diuron and microcystins.

Keywords:
biofiltration; diuron; microcystins; biological activation; B9 bacteria

INTRODUÇÃO

Uma consequência das atividades antrópicas é o descarte de agentes químicos, como agroquímicos, medicamentos e produtos de higiene pessoal, que acabam atingindo os mananciais superficiais e subterrâneos destinados ao abastecimento público. Embora se apresentem em pequenas concentrações, da ordem de micrograma a nanograma por litro, esses contaminantes emergentes possuem elevada estabilidade em águas, podendo se acumular no longo prazo e causar prejuízos ao ambiente e à saúde pública por exposição crônica (MONTAGNER; VIDAL; ACAYABA, 2017MONTAGNER, C.C.; VIDAL, C.; ACAYABA, R.D. Contaminantes emergentes em matrizes aquáticas do Brasil: cenário atual e aspectos analíticos, ecotoxicológicos e regulatórios. Química Nova, São Paulo, v. 40, n. 9, p. 1094-1110, 2017. https://doi.org/10.21577/0100-4042.20170091
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; TIWARI et al., 2017TIWARI, B.; SELLAMUTHU, B.; OUARDA, Y.; DROGUI, P.; TYAGI, R.D.; BUELNA, G. Review on fate and mechanism of removal of pharmaceutical pollutants from wastewater using biological approach. Bioresource Technology, v. 224, p. 1-12, 2017. https://doi.org/10.1016/j.biortech.2016.11.042
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).

Em 2019, foram comercializadas, no Brasil, mais de 620 mil toneladas de agroquímicos, sendo os herbicidas responsáveis por 59,56% desse total (IBAMA, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Relatórios de comercialização de agrotóxicos. Brasília: IBAMA, 2020.). Dentre os países do continente americano, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos, sendo que, no período de 2008 a 2013, houve um aumento de intoxicações de 3,70 para 6,26 por 100 mil habitantes por conta desses compostos (OMS/OPAS, 2017ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE/ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OMS/OPAS). Saúde nas Américas+: Resumo do panorama regional e perfil do Brasil — Edição de 2017. Washington, D.C.: OMS/OPAS, 2017.). O diuron (DIU) é um herbicida moderadamente tóxico (ANVISA, 2019AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada n. 294 de 29 de julho de 2019. Dispõe sobre os critérios para avaliação e classificação toxicológica, priorização da análise e comparação da ação toxicológica de agrotóxicos, componentes, afins e preservativos de madeira e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 31 jul. 2019.), com alta mobilidade e persistência no ambiente (MONCADA, 2017MONCADA, A. Environmental fate of diuron. 2017. Disponível em: https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.433.9676&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 20 nov. 2021.
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), que pode ser degradado em vários subprodutos.

Outro problema evidenciado em mananciais de abastecimento é a produção de algas e blooms de cianobactérias, favorecida pelo aporte excessivo de nutrientes inorgânicos, como fósforo e nitrogênio, e que podem causar toxicidade, sabor e odor desagradáveis nas águas, além de comprometer seus mais diversos usos. As microcistinas (MC) são toxinas produzidas por diferentes cepas de cianobactérias, capazes de promover tumores, destruir a estrutura e função do fígado e causar a morte por problemas respiratórios (DZIGA et al., 2013DZIGA, D.; WASYLEWSKI, M.; WLADYKA, B.; NYBOM, S.; MERILUOTO, J. Microbial degradation of Microcystins. Chemical Research in Toxicology, v. 26, n. 6, p. 841-852, 2013. https://doi.org/10.1021/tx4000045
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; SANCHES et al., 2012SANCHES, S.M.; PRADO, E.L.; FERREIRA, I.M.; BRAGA, H.F.; VIEIRA, E.M. Presença da toxina Microcistina em água, impactos na saúde pública e medidas de controle. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada, v. 33, n. 2, p. 181-187, 2012.). Por conta das limitações do tratamento de águas por ciclo completo (CC), tecnologias sustentáveis sob os pontos de vista técnico, ambiental e econômico devem ser exploradas, principalmente em relação à remoção de contaminantes emergentes dissolvidos e de cianotoxinas em concentrações que atendam aos requisitos estabelecidos pela Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.).

Considerando esses aspectos, o presente estudo avaliou, em escala de bancada, a eficiência de diferentes concepções de biofiltração para o pré-tratamento de águas para consumo humano em relação à remoção/biodegradação de DIU e MC, utilizando areia de filtro lento (AFL), areia de filtro rápido (AFR) e carvão ativado granular (CAG) como materiais suportes e ativações biológicas natural e específica, a partir da imobilização de cultura da bactéria Sphingosinicella microcystinivorans — B9, devido ao seu potencial de biodegradação de MC evidenciado por Tsuji et al. (2006)TSUJI, K.; ASAKAWA, M.; ANZAI, Y.; SUMINO, T.; HARADA, K. Degradation of microcystins using immobilized microorganism isolated in an eutrophic lake. Chemosphere, v. 65, N. 1, p. 117-124, 2006. https://doi.org/10.1016/j.chemosphere.2006.02.018
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, Kuriama et al. (2012)KURIAMA, F.; KURODA, E.K.; GUERGOLETTO, K.B.; GARCIA, S.; NOBREGA, G.M.A.; TSUJI, K.; HARADA, K.I.; HIROOKA, E.Y. Potencial de biodegradação de microcistinas por microrganismos. Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 181-186, 2012. https://doi.org/10.1590/S1413-41522012000200007
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e Rosa (2017)ROSA, J.L. Biofiltração aplicada ao tratamento de águas para remoção/biodegradação de microcistinas. 2017. 88 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2017..

METODOLOGIA

O estudo foi realizado em duas fases experimentais distintas, cuja representação esquemática está apresentada na Figura 1:

  1. Fase 1: biofiltração com ativação biológica natural (microrganismos naturalmente presentes na água);

  2. Fase 2: biofiltração com ativação biológica específica a partir de cultura da bactéria B9.

Figura 1
Representação esquemática do sistema experimental e do filtro de laboratório.

Ambas as fases foram conduzidas no Laboratório de Tratamento de Águas e Resíduos (LABTAR) do Centro de Tecnologia e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina (CTU-UEL).

Considerando o tempo experimental de 90 dias e a realização de coletas semanais de água bruta (AB) da estação de tratamento de água (ETA) Tibagi, em Londrina (PR), a fim de possibilitar a ativação biológica do meio granular, foi necessário ajustar a sua turbidez (com água filtrada sem cloro da mesma ETA, quando necessário, de modo que os valores de turbidez resultassem inferiores a 20 uT), para evitar a colmatação precoce do meio granular, o que levaria à interrupção da operação para lavagem do meio granular e à inviabilização da ativação biológica.

Assim, na primeira fase, utilizou-se a água bruta ajustada e, separadamente, fortificada com soluções dos contaminantes de estudo em concentrações representativas de uma situação crítica de extrema contaminação, com o objetivo de verificar a eficácia e/ou os limites do tratamento proposto, da ordem de 1000 μg·L−1 de DIU e 50 μg·L−1 de MC, correspondendo a um fator de 50x o valor máximo permitido (VMP) pela Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.), denominada água de estudo 1 (AE-1). Optou-se por adotar concentrações representativas de uma situação crítica de extrema contaminação com a finalidade de verificar a eficácia e/ou os limites do tratamento proposto.

Na segunda fase, visando à ativação do meio granular por bactéria B9, utilizou-se AB da mesma ETA ajustada, previamente autoclavada a 121°C por 20 minutos, adicionada de cultura da bactéria B9 na proporção de 10% (v/v) e, separadamente, fortificada com solução de contaminantes nas mesmas concentrações utilizadas na AE-1, doravante denominada AE-2.

As amostras de AB foram caracterizadas em relação a turbidez, pH, alcalinidade, cores aparente e verdadeira, condutividade elétrica e absorbância em luz ultravioleta em 254 nm (Abs254).

A cepa da bactéria B9 foi mantida refrigerada a 4°C em meio Sakurai sólido modificado (ágar 2%, peptona de caseína 0,2%, extrato de levedura 0,1%, glicose 0,05% e cloreto de sódio 0,5%), com pH ajustado em 7,0. Antes da inoculação na AE-2, a cepa de B9 foi previamente ativada, a partir da incubação em meio Sakurai líquido (autoclavado a 121°C por 20 minutos) em incubadora a 30°C por 72 horas.

Em ambas as fases experimentais, foram utilizados filtros de laboratório de fluxo descendente (Figura 1), construídos em tubos de acrílico transparente, com diâmetros externo de 25 mm e interno aproximado de 18 mm, comprimento total de 50 cm, com um Cap de PVC soldável de 25 mm na parte inferior, perfurado no centro, com aplicação de uma tela metálica, a fim de evitar a perda de material granular, e conectado a um espigão de latão acoplado a uma mangueira flexível de silicone. A saída de água filtrada foi posicionada a 11 cm acima do topo do meio filtrante para evitar a ocorrência de pressões negativas no interior do meio granular. Para evitar a formação de zonas de escoamento preferenciais com a parede interna do filtro, foi aplicada uma camada de cola de elevada resistência, seguida de areia de granulometria fina.

A solução de contaminantes foi preparada a partir da adição de produto comercial de DIU (produto Herburon, fornecido pela ADAMA Brasil S/A, concentração de 500 g·L−1, lote 074-15-10200) e de extrato de MC, produzido a partir da cepa da cianobactéria Microcystis sp. TAC95, caracterizada pela produção predominante de MC-LR em elevadas concentrações. A cepa foi mantida em meio ASM-1 estéril (autoclavado a 121°C por 20 minutos) em incubadora a 25°C, com iluminação de 35 μE·m−2·s− 2, fotoperíodo de 12 h·d−1 e agitação diária. Para utilização nas águas de estudo (AE), a cepa foi inoculada a 10% (v/v) em meio ASM-1 estéril sob aeração mecânica contínua, de forma sucessiva e com volumes gradualmente crescentes, até a obtenção de volume final de 20 L com densidade aproximada de 1x107 cél.·mL−1. Em seguida, a cultura foi centrifugada a 1521 x G por 20 minutos, obtendo-se um biovolume concentrado que foi, na sequência, submetido a três ciclos de congelamento/descongelamento, liofilizado, macerado e ressuspenso em água ultrapura e para obtenção de extrato de TAC95 com MC. O extrato foi filtrado em membrana de fibra de vidro de 1,2 μm de porosidade média e em membrana de éster de celulose de 0,45 μm de porosidade média.

Os materiais granulares AFL e AFR foram preparados por Rosa (2017ROSA, J.L. Biofiltração aplicada ao tratamento de águas para remoção/biodegradação de microcistinas. 2017. 88 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2017.), cujas características granulométricas são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características granulométricas dos materiais areia de filtro lento e areia de filtro rápido.

O CAG foi selecionado por Fukumoto e Kuroda (2019)FUKUMOTO, A.A.F.; KURODA, E.K. Seleção de carvões ativados para adsorção de microcistinas. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 24, n. 2, p. 295-304, 2019. https://doi.org/10.1590/S1413-41522019183445
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em relação à capacidade de adsorção de MC e corresponde a um CAG nacional, proveniente de endocarpo de coco, com Número de Iodo (NI) de 976 mg·g−1, Índice de Azul de Metileno (IAM) de 190 mg·g−1, granulometria entre 0,8 e 1,1 mm e Área de Superfície Específica (Modelo BET) composta de 88% de microporos e 12% de mesoporos.

Inicialmente, os materiais granulares úmidos foram autoclavados a 121°C por 20 minutos e, na sequência, alocados nos filtros sob leve compactação, ocupando 5 cm de espessura.

Os filtros foram operados por escoamento descendente, com vazão total de alimentação de 0,29 mL·min−1, correspondendo à taxa de filtração de 1,62 m3·m−2·d−1 e tempo de contato de 20 minutos. A solução de contaminantes foi bombeada, através de uma bomba peristáltica de 12 canais (IP-N 12 ISM 947C Ismatec), ao topo de cada filtro, com vazão de 0,06 mL ·min−1 por canal, correspondendo a 20% da vazão total de alimentação de cada filtro. Além da solução de contaminantes, cada filtro foi alimentado com AB ajustada natural (Fase 1) e AB ajustada estéril com cultura da bactéria B9 (Fase 2), a uma vazão de 0,23 mL·min−1 (80% da vazão total de alimentação), por meio de bombas peristálticas de quatro canais (REGLO Digital MS-4/8 ISM 834 Ismatec) e de oito canais (Miniplus Evolution com dois cabeçotes MF4, Gilson).

Durante a operação do sistema, todas as águas de alimentação foram acondicionadas em recipientes de vidro âmbar, com capacidade volumétrica de 4 L, mantidos sob agitação constante por meio de agitadores magnéticos, abastecidos de duas a três vezes por semana.

Em todos os filtros, o meio granular foi lavado a cada incremento de perda de carga de 33 cm. Tal lavagem ocorreu com aplicação de água ultrapura por 10 minutos em sentido ascensional, promovendo expansão média de 10% do material granular, com vazão constante de 190 mL·min−1, controlada por bomba peristáltica de quatro canais (Miniplus Evolution com cabeçote MF4, Gilson).

A maturação em cada filtro se deu após a ocorrência simultânea das seguintes condições: turbidez do efluente inferior a 10 uT e remoção percentual mínima de 95% de pelo menos um dos contaminantes de interesse.

As fases experimentais 1 e 2 foram conduzidas por 84 dias, sendo que, nesse período, todos os filtros foram alimentados com AE-1 e AE-2 de forma ininterrupta, objetivando a formação de biofilme no meio granular. Amostras efluentes dos filtros foram coletadas diariamente para monitoramento dos parâmetros turbidez, temperatura, pH, oxigênio dissolvido (OD) e perda de carga no meio granular, a cada três dias, para monitoramento dos parâmetros alcalinidade, cor aparente e verdadeira, condutividade elétrica e Abs254 e, semanalmente, para análise cromatográfica de remoção dos contaminantes.

Considerando a já evidenciada potencialidade da bactéria B9 na degradação de MC, foi operado de forma simultânea, como controle positivo, um filtro com AFR pelo mesmo período e nas mesmas condições operacionais supracitadas, alimentado com AB ajustada estéril fortificada apenas com extrato de MC na concentração de 50 μg·L−1.

Para análise de DIU, as amostras foram preparadas de acordo com a metodologia de Pimenta (2019PIMENTA, J.A.A. Remoção de diuron e diclofenaco em águas pela técnica de tratamento de ciclo completo associada à adsorção. 2019. 118 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2019.) e quantificadas em Cromatógrafo Líquido de Ultra Eficiência acoplado a Espectrometria de Massas (UPLC-MS/MS) da marca Waters, utilizando-se coluna C18 (Acquity UPLC BEH C18) com preenchimento de micra 1,7 μm e dimensões de 2,1 mm de diâmetro e 50 mm de comprimento, à temperatura de 40°C, fluxo de fase móvel de 0,45 mL·min−1, tempo de corrida de 10 minutos e volume de injeção de 10 μL. A ionização se deu por electrospray no modo positivo, com emprego gradiente das fases móveis A (água ultrapura com 0,1% de ácido fórmico — grau HPLC, marca Fluka Analytical 50%) e B (metanol — grau LC-MS, J.T. Baker ou Honeywell — com 0,1% de ácido fórmico — grau HPLC, marca Fluka Analytical). Como gás de colisão, foi empregado o argônio com pressão na célula de colisão de 3,5 x 10−3 bar, voltagem capilar de 3 kV, voltagem do cone extrator de 65 V, temperatura de fonte de 150°C, temperatura do gás de dessolvatação (nitrogênio) de 400°C e fluxo de 900 L·h−1. Os valores de limite de detecção (LD) e limite de quantificação (LQ) foram de 1,66 μg·L−1 e 5,52 μg·L−1, respectivamente, sendo estes inferiores ao VMP de 20 μg·L−1 de DIU estabelecido pela Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.) e, portanto, adequados à investigação proposta.

Com relação as MC, o preparo das amostras, detecção e quantificação ocorreu a partir do método implementado e validado por Yamashita et al. (2017YAMASHITA, C.R.T.; ROSA, J.L.; KAWAMURA, O.; HIROOKA, E.Y.; KURODA, E.K. Comparação de métodos para análise de Microcistinas: imunoensaio ELISA competitivo indireto implementado em laboratório vs cromatografia líquida de ultra eficiência. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 24., 2017. Anais Eletrônicos IV-203. São Paulo: ABES/FENASAN, 2017. p. 1-7.), no mesmo cromatógrafo utilizado na quantificação de DIU, com ionização por eletrospray no modo positivo, sendo que os íons monitorados foram m/z 995,39 → 135,13 para MC-LR. A coluna empregada foi C18 (Acquity UPLC HSS C18) com preenchimento de micra 1,8 μm e dimensões de 2,1 mm de diâmetro e 100 mm de comprimento, fluxo de fase móvel de 0,3 mL·min−1, tempo de corrida de 5,14 minutos e volume de injeção de 10 μL. A separação cromatográfica ocorreu de modo gradiente, composta das fases móveis A e B de composições idênticas às utilizadas na quantificação de DIU. Os valores de LD e LQ foram de 0,04 μg·L−1 e 0,15 μg·L−1, respectivamente, também inferiores ao VMP de 1,0 μg·L−1 para o somatório de todas as variantes de MC, conforme a Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.). Todos os métodos cromatográficos foram validados de acordo com as diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2003AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada n. 294 de 29 de julho de 2019. Dispõe sobre os critérios para avaliação e classificação toxicológica, priorização da análise e comparação da ação toxicológica de agrotóxicos, componentes, afins e preservativos de madeira e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 31 jul. 2019.) e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO, 2011INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL (INMETRO). Orientação sobre validação de métodos analíticos: DOQ-CGCRE-008. Revisão n° 04, jul. 2011. Rio de Janeiro: Coordenação Geral de Acreditação, 2011.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Amostras de AB foram coletadas semanalmente na ETA Tibagi e os resultados da caraterização físico-química a que essas amostras foram submetidas (após ajuste de turbidez) estão apresentados na Tabela 2. Todos os parâmetros analisados apresentaram coeficiente de variação inferior a 25%, indicando um conjunto de dados razoavelmente homogêneo, contribuindo com a manutenção das características das AE-1 e AE-2 ao longo do experimento.

Tabela 2
Valores e concentrações médios dos parâmetros complementares.

Remoção dos contaminantes diuron e microcistinas

Os resultados para remoção de DIU e MC na Fase 1 são apresentados nas Figuras 2 e 3, respectivamente. Para o DIU, os filtros com AFL e AFR apresentaram remoções médias próximas, com valores de 32,1% (720,8 μ·L−1) e 32,5% (718,3 μ·L−1), respectivamente. Considerando que tais materiais granulares não possuem capacidade de adsorção físico-química, pode-se afirmar que as remoções se deram predominantemente pela ação dos microrganismos presentes na AB (biodegradação), a partir da formação de biofilme. No entanto, como esperado, não houve indícios da ocorrência de atividade pronunciada no filtro com AFL, devido a sua menor granulometria e maior área superficial específica para formação de biofilme, fato também observado por Rosa (2017ROSA, J.L. Biofiltração aplicada ao tratamento de águas para remoção/biodegradação de microcistinas. 2017. 88 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2017.). O filtro com CAG apresentou remoção média de 99,8%, sendo esse resultado atribuído à associação das funções adsortiva e de biodegradação. Considerando que a atividade microbiana observada nos filtros de areia também fosse mantida no filtro de CAG, pode-se estimar que aproximadamente 67% da remoção seria atribuída à função adsortiva.

Figura 2
Concentração de diuron ao longo do tempo na Fase 1.
Figura 3
Concentração de microcistinas ao longo do tempo na Fase 1.

Embora tenham sido detectados na maioria das amostras efluentes do filtro com CAG, os residuais de DIU não puderam ser quantificados, por serem inferiores ao valor do LQ (5,52 μg·L−1) do método cromatográfico utilizado. Pode-se afirmar, portanto, que todas as amostras atenderam à Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.), por terem apresentado, após tratamento, valores inferiores a 20 μg·L−1 de DIU. Pimenta (2019PIMENTA, J.A.A. Remoção de diuron e diclofenaco em águas pela técnica de tratamento de ciclo completo associada à adsorção. 2019. 118 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2019.) obteve remoção similar próxima a 100% (para água de estudo com concentração inicial de 1.181 μg·L−1 de produto comercial) em experimento conduzido a partir da técnica de tratamento por CC associado à adsorção em CAG vegetal de babaçu para remoção de DIU. Fu et al. (2019FU, J.; LEE, W.N.; COLEMAN, C.; NOWACK, K.; CARTER, J.; HUANG, C.H. Removal of pharmaceuticals and personal care products by two-biofiltration for drinking water treatment. Science of the Total Environmental, v. 664, p. 240-248, 2019. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2019.02.026
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) atribuíram à função adsortiva do CAG a remoção de 90,07% de produtos farmacêuticos e de cuidados pessoais, enquanto a atividade biológica natural em filtros com areia e antracito contribuiu com menos de 10% da remoção média dos contaminantes avaliados. Tais estudos indicam que a técnica de CC, empregada no tratamento de 75,1% do volume diário distribuído no país (IBGE, 2017INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017.), pode ser otimizada com a utilização da adsorção em CAG visando à remoção de contaminantes emergentes.

Com relação às MC, todas as amostras efluentes de todos os filtros apresentaram, a partir da primeira análise cromatográfica realizada no sétimo dia de operação, valores inferiores ao LQ para o método (0,15 μg·L−1), mesmo após concentração de 100 vezes de seu volume. Para a concepção técnica apresentada, os três materiais granulares removeram mais de 99,7% do contaminante, atendendo assim à Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.). Os resultados obtidos corroboram os estudos de Bourne et al. (2006BOURNE, D.G.; BLAKELEY, R.; RIDDLES, P.; JONES, G.J. Biodegradations of the cyanobacterial toxin microcystin-LR in natural water and biologically active sand filters. Water Research, v. 40, n. 6, p. 1294-1302, 2006. https://doi.org/10.1016/j.watres.2006.01.022
https://doi.org/10.1016/j.watres.2006.01...
), Wang et al. (2007WANG, H.; HO, L.; LEWIS, D.M.; BROOKES, J.D.; NEWCOMBE, G. Discriminating and assessing adsorption and biodegradation removal mechanisms during granular activated carbon filtration of microcystin toxins. Water Research, v. 41, n. 18, p. 4262-4270, 2007. https://doi.org/10.1016/j.watres.2007.05.057
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) e Rosa (2017ROSA, J.L. Biofiltração aplicada ao tratamento de águas para remoção/biodegradação de microcistinas. 2017. 88 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2017.), que obtiveram remoções superiores a 95,6% de MC-LR a partir de biofiltros ativados de forma natural preenchidos com areia e CAG.

As Figuras 4 e 5 apresentam, respectivamente, os resultados para remoção de DIU e MC na Fase 2. Com relação ao DIU, os filtros preenchidos com AFL e AFR apresentaram remoções médias de 59,4% (438,0 μg·L−1) e 44,2% (591,1 μg·L−1), nessa ordem. A remoção superior obtida nos filtros de areia na Fase 2, quando em comparação à Fase 1, permite concluir que a bactéria B9 apresentou maior propensão à degradação de DIU em relação às bactérias naturais da água bruta e que a menor granulometria da areia de AFL favoreceu a formação de biofilme.

Figura 4
Concentração de diuron ao longo do tempo na Fase 2.
Figura 5
Concentração de microcistinas ao longo do tempo na Fase 2.

Os efluentes do filtro utilizado como controle positivo foram analisados quinzenalmente e demonstraram remoção média de 99,7%, sendo que, em todas as amostras, os valores foram inferiores ao LQ do método (5,52 μg·L−1), comprovando-se, assim, sua viabilidade ao longo do tempo.

Assim como na Fase 1, o CAG apresentou o melhor desempenho entre os materiais granulares, tendo resultado em remoção média de 96,1%. No entanto, apesar do resultado favorável em relação à biodegradação de DIU pela bactéria B9 no meio granular de areia em relação à ativação natural, o mesmo não foi observado para o CAG, uma vez que a remoção média resultou inferior à observada na Fase 1 e que apenas 25% dos efluentes do filtro com CAG atenderam ao VMP para DIU estabelecido pela Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.). Isso pode ter ocorrido devido à competição entre os possíveis metabólitos da bactéria B9 e o DIU pelos mesmos sítios adsortivos do CAG, resultando na diminuição da eficiência do processo adsortivo.

Para as MC, os filtros preenchidos com AFL, AFR e CAG e ativados com a bactéria B9 apresentaram, respectivamente, remoções médias de 85,6, 73,2 e 83,6%, bem inferiores às observadas com a ativação natural da Fase 1, tendo os residuais superados o VMP estipulado pela Portaria GM/MS n° 888/2021 (BRASIL, 2021BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS n. 888, de 04 de maio de 2021. Altera o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasília: Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, 07 mai. 2021, ed. 85, seção 1, p. 127.). Esse fato pode estar relacionado, provavelmente, à inibição da degradação de MC pela bactéria B9, devido à presença do contaminante DIU na AE-2, dado o desempenho comprovado pelo controle positivo, operado de forma simultânea a esse experimento.

Os resultados deste estudo foram inferiores também aos obtidos por Rosa (2017)ROSA, J.L. Biofiltração aplicada ao tratamento de águas para remoção/biodegradação de microcistinas. 2017. 88 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2017., que, em condições operacionais similares às deste estudo e com AE com concentração inicial de 9,70 μg·L−1 de MC, obteve remoções superiores a 97,7% em todos os materiais granulares (AFL, AFR, CAG). Esses resultados subsidiam a complexidade ao se empregar microrganismos com atividade específica para um determinado composto, quando exposto a uma condição mais próxima da realidade, com água contendo vários outros contaminantes e poluentes.

Parâmetros complementares

As Figuras 6 e 7 apresentam, respectivamente, os valores de remoção de turbidez nas fases experimentais 1 e 2, nas quais se pode verificar a atenuação dos valores de turbidez, atendendo à aplicação pretendida de uma concepção de pré-tratamento. Observa-se que, independente do material granular, os filtros ativados de forma natural apresentaram remoções médias próximas, com valores entre 77,2 e 78,7%, e residuais condizentes com a literatura (ROSA, 2017ROSA, J.L. Biofiltração aplicada ao tratamento de águas para remoção/biodegradação de microcistinas. 2017. 88 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2017.; TERIN; SABOGAL-PAZ, 2019TERIN, U.C.; SABOGAL-PAZ, L.P. Microcystis aeruginosa and microcystin-LR removal by household slow sand filters operating in continuous and intermittent flows. Water Research, v. 150, p. 29-39, 2019. https://doi.org/10.1016/j.watres.2018.11.055
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). No entanto, nos filtros ativados com a bactéria B9, o material granular influenciou na remoção de turbidez, sendo os maiores percentuais observados nos filtros com AFR (68,1%) e AFL (67,2%), seguidos do filtro com CAG (62,2%). Pode-se observar também, em todos os filtros utilizados na Fase 2, a ocorrência de picos elevados de turbidez a cada três dias, coincidindo com as intervenções devido à substituição total da suspensão com a cultura de bactéria B9. Esse fato pode estar associado à dificuldade de aderência das bactérias B9 nos meios granulares, provavelmente, por requerer um tempo de acondicionamento/adaptação maior, o que acarretou a ocorrência de desprendimento e carreamento destas no efluente, elevando os valores de turbidez residual. Como já observado, a complexidade do emprego de bactérias específicas desafia o controle de seu desempenho e a garantia de produção de água com qualidade. Além disso, devido à possibilidade de carreamento, há a necessidade de se investigar os efeitos nocivos da própria bactéria, bem como de seus metabólitos na água destinada ao consumo humano. Como contraponto, a ativação natural já empregada na tradicional filtração lenta apresentou melhor desempenho em relação à ativação específica, em termos operacionais e de eficiência de remoção, como resultado da associação das funções adsortiva e de biodegradação.

Figura 6
Valores residuais de turbidez ao longo do tempo na Fase 1.
Figura 7
Valores residuais de turbidez ao longo do tempo na Fase 2.

Os demais parâmetros monitorados nos efluentes (temperatura, pH, OD, alcalinidade, cores aparente e verdadeira, condutividade elétrica e Abs254) não apresentaram diferenças significativas entre os diferentes materiais granulares para cada fase, e os resultados médios são apresentados na Tabela 2. Vale salientar que, na Fase 1, o filtro com CAG apresentou redução de matéria orgânica dissolvida consideravelmente superior às remoções observadas nos filtros com AFL e AFR, indicando melhor desempenho desse material na filtração de águas com alta taxa de carga orgânica dissolvida.

Na Fase 2, observa-se que o consumo de OD se comportou de maneira semelhante nos três filtros, porém, com valores notadamente inferiores aos obtidos na Fase 1, indicando o carreamento de cultura da bactéria B9 (consumidora de oxigênio) nas amostras efluentes.

Além disso, a adição de cultura de bactéria B9 aumentou os valores de condutividade elétrica e alcalinidade do efluente, devido ao incremento do meio de nutrientes, fato que deve ser considerado no tratamento subsequente.

Com relação à perda de carga no meio granular, os filtros ativados biologicamente com a bactéria B9 (Fase 2) apresentaram limitada retenção de particulados no meio granular e, portanto, menor colmatação, sendo necessária menor quantidade de interrupções na carreira de filtração para lavagem dos filtros. Na Fase 1, foram registradas duas lavagens no filtro com CAG (dias 54 e 68), três lavagens no filtro com AFR (dias 42, 46 e 64) e seis lavagens no filtro com AFL (dias 21, 28, 46, 60, 67 e 72), ao passo que, na Fase 2, nenhuma lavagem foi feita no filtro com CAG, duas lavagens ocorreram no filtro com AFR (dias 30 e 69) e três lavagens no filtro com AFL (dias 23, 69 e 82).

Vale destacar que, considerando as condições operacionais, o emprego de areia com granulometria mais grossa, como a de AFR em substituição à de AFL, é vantajoso, uma vez que o manejo, bem como a limpeza é facilitada. Além disso, a colmatação no meio granular ocorre de forma mais lenta, o que reduz substancialmente o número de interrupções na operação para limpeza. Ademais, os resultados da Fase 1 com ativação natural e condições aplicadas indicaram que o desempenho dos filtros de areia AFL e AFR foram similares em relação à remoção de DIU e MCs.

Considerando os critérios de maturação anunciados no item 2, pode-se observar que, na Fase 1, todos os filtros atenderam às condições estabelecidas após três dias, ao passo que, na Fase 2, a ocorrência simultânea de valores de turbidez inferiores a 10 uT e remoção percentual mínima de 95% de MC ocorreu somente após 14 dias de operação.

CONCLUSÕES

A ativação natural apresentou maior eficiência em relação à remoção de DIU e MC, bem como aos parâmetros complementares para todos os meios granulares.

A ativação específica com bactéria B9, comprovadamente ativa para degradação de MC, interferiu negativamente na remoção de DIU e de MC quando comparada à ativação natural, inclusive no filtro de CAG. Além disso, mostrou-se ser complexa em relação à possibilidade de controle de seu desempenho para garantia da produção de água com qualidade, especialmente quando sujeita à presença de outros contaminantes e poluentes, como ocorre numa situação prática real.

Para os filtros de areia, o emprego de granulometria mais grossa, como a AFR, pode ser promissor por apresentar manejo e limpeza facilitados, colmatação mais lenta e menor frequência de limpeza, além de desempenho similar ao do filtro com AFL em relação à remoção de DIU e MC, como observado na Fase 1.

O filtro com CAG e ativação natural foi a concepção mais eficiente provavelmente por permitir a associação das funções adsortiva e de biodegradação e a única capaz de produzir, consistentemente, água com qualidade compatível com os valores estabelecidos pela legislação vigente em relação ao DIU e às MC.

  • Financiamento: nenhum.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2021
  • Aceito
    25 Jan 2023
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