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Metas e estratégias de socialização que mães de crianças surdas valorizam para seus filhos

Socialization Goals and strategies for deaf children that their mothers value for their children

Resumos

Estudos sobre desenvolvimento infantil destacam não apenas o papel do ambiente físico e social da criança, como também das cognições parentais, compartilhadas em determinado contexto e momento histórico. Pesquisas no Brasil apontam a prevalência de modelos de criação distintos, em virtude do contexto cultural, são eles: interdependente, independente e autônomorelacional. Sendo assim, objetivou-se conhecer as metas de socialização e expectativas de mães de crianças surdas sobre o futuro dos seus filhos. Foram entrevistadas 13 mães de crianças surdas matriculadas em uma unidade especializada na educação de surdos, no município de Belém, a partir da aplicação de um roteiro semiestruturado, composto por questões, validadas no Brasil, sobre metas e estratégias de socialização. O grupo entrevistado caracterizou-se por: mães residentes em contexto urbano, em sua maioria de baixa renda, com pouca escolaridade, na fixa etária entre 31 e 40 anos. Foram relatadas 20 metas de socialização, concentradas nas seguintes categorias, expectativas sociais, bom comportamento e autoaperfeiçoamento, em ordem decrescente, indicando uma tendência à dimensão sociocêntrica. O modelo de criação predominante foi o interdependente. Em relação às estratégias de socialização, foram descritas 37, entre elas a categoria centrada em si obteve maior escore, com destaque para o aspecto cognitivo. Compreende-se que embora o modelo de criação seja interdependente, as estratégias concentraram-se na figura da mãe. Uma análise possível é a barreira linguística decorrente da surdez que impede que a criança e o contexto sejam considerados pelas mães como mediadores de qualidades para seus filhos.

Educação Especial; Surdez; Metas Educacionais; Estratégias Pedagógicas; Socialização da pessoa com deficiência


Research in Brazil has drawn attention to the prevalence of distinct models for creativity that arise from the social background, which are as follows: interdependent, independent and autonomous-relational. In light of this, the purpose of this study is to uncover the socialization goals and expectations of mothers of deaf children with regard to the future of their children. Interviews were conducted with 13 mothers of deaf children enrolled in a deaf public school; the study was carried out using a semi-structured questionnaire (officially recognized in Brazil) comprising questions about the goals and strategies of socialization. The group of participants consisted of the following: low-income mothers residing in an urban environment, with little formal education and aged between 31 and 40. The study reported 20 socialization goals that were divided into the following categories: social expectations, good behavior and self-improvement-in descending order-which suggests a tendency towards a 'sociocentric' dimension. The interdependent category was the predominant model of creativity. With regard to strategies of socialization, 37 were described, one of which (the category centered on itself) obtained the highest score with stress being laid on its cognitive features. It should be understood that although the model of creativity is independent, the strategies were concentrated on the figure of the mother. One possible analytical approach is to examine the linguistic barriers that are caused by deafness and which prevent the child and the environment from being taken into account by mothers as mediators of the children.

Special Education; Deafness; Educational Goals; Pedagogical Strategies; Socialization of People with Disabilities


RELATO DE PESQUISA

Metas e estratégias de socialização que mães de crianças surdas valorizam para seus filhos

Socialization Goals and strategies for deaf children that their mothers value for their children

Hilda Rosa Moraes de FreitasI; Celina Maria Colino MagalhãesII

IMestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará - UFPA. Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA, Universidade Federal Rural da Amazônia, Instituto Ciberespacial. Belém, Pará, Brasil. hildarosamf@gmail.com

IIDoutora em Psicologia Experimental - USP. Bolsista de Produtividade CNPq. Professora do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento - PPGTPC - UFPA, Universidade Federal do Pará - UFPA, Belém, Pará, Brasil.. celinaufpa@gmail.com

RESUMO

Estudos sobre desenvolvimento infantil destacam não apenas o papel do ambiente físico e social da criança, como também das cognições parentais, compartilhadas em determinado contexto e momento histórico. Pesquisas no Brasil apontam a prevalência de modelos de criação distintos, em virtude do contexto cultural, são eles: interdependente, independente e autônomorelacional. Sendo assim, objetivou-se conhecer as metas de socialização e expectativas de mães de crianças surdas sobre o futuro dos seus filhos. Foram entrevistadas 13 mães de crianças surdas matriculadas em uma unidade especializada na educação de surdos, no município de Belém, a partir da aplicação de um roteiro semiestruturado, composto por questões, validadas no Brasil, sobre metas e estratégias de socialização. O grupo entrevistado caracterizou-se por: mães residentes em contexto urbano, em sua maioria de baixa renda, com pouca escolaridade, na fixa etária entre 31 e 40 anos. Foram relatadas 20 metas de socialização, concentradas nas seguintes categorias, expectativas sociais, bom comportamento e autoaperfeiçoamento, em ordem decrescente, indicando uma tendência à dimensão sociocêntrica. O modelo de criação predominante foi o interdependente. Em relação às estratégias de socialização, foram descritas 37, entre elas a categoria centrada em si obteve maior escore, com destaque para o aspecto cognitivo. Compreende-se que embora o modelo de criação seja interdependente, as estratégias concentraram-se na figura da mãe. Uma análise possível é a barreira linguística decorrente da surdez que impede que a criança e o contexto sejam considerados pelas mães como mediadores de qualidades para seus filhos.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial. Surdez. Metas Educacionais. Estratégias Pedagógicas. Socialização da pessoa com deficiência.

ABSTRACT

Research in Brazil has drawn attention to the prevalence of distinct models for creativity that arise from the social background, which are as follows: interdependent, independent and autonomous-relational. In light of this, the purpose of this study is to uncover the socialization goals and expectations of mothers of deaf children with regard to the future of their children. Interviews were conducted with 13 mothers of deaf children enrolled in a deaf public school; the study was carried out using a semi-structured questionnaire (officially recognized in Brazil) comprising questions about the goals and strategies of socialization. The group of participants consisted of the following: low-income mothers residing in an urban environment, with little formal education and aged between 31 and 40. The study reported 20 socialization goals that were divided into the following categories: social expectations, good behavior and self-improvement-in descending order-which suggests a tendency towards a 'sociocentric' dimension. The interdependent category was the predominant model of creativity. With regard to strategies of socialization, 37 were described, one of which (the category centered on itself) obtained the highest score with stress being laid on its cognitive features. It should be understood that although the model of creativity is independent, the strategies were concentrated on the figure of the mother. One possible analytical approach is to examine the linguistic barriers that are caused by deafness and which prevent the child and the environment from being taken into account by mothers as mediators of the children.

Keywords: Special Education. Deafness. Educational Goals. Pedagogical Strategies. Socialization of People with Disabilities.

1 INTRODUÇÃO

A família surge como um espaço privilegiado para o estudo do desenvolvimento, na medida em que é o primeiro ambiente com o qual a criança interage ao nascer, e do qual apreende padrões de interação, que irão influenciar sua visão e atuação no mundo (BUSSAB, 2000). Assim, estudar o sistema de crenças e práticas de cuidado parentais favorece o conhecimento não apenas das cognições que envolvem a paternidade/maternidade, mas e, principalmente, da qualidade do cuidado dos filhos, e das possíveis influências no desenvolvimento infantil (MOINHOS; LORDELO; SEIDL DE MOURA, 2007; BANDEIRA; SEIDL DE MOURA; VIEIRA, 2009).

Na intenção de compreender a interface entre desenvolvimento infantil e cultura, Harkness e Super (1996) elaboraram o conceito de nicho de desenvolvimento, no qual a construção do ambiente cultural da criança se processa a partir de três dimensões, articuladas de modo dinâmico, são elas: o ambiente físico e social da criança, os costumes culturais e historicamente construídos acerca dos cuidados e da criação das crianças e finalmente a psicologia dos cuidadores.

Para Harkness e Super (2005) as etnoteorias parentais inicialmente seriam um aspecto situado na psicologia dos cuidadores, porém, ao defini-las, o fazem atrelando-as ao conceito de modelos culturais, por compreender que as etnoteorias ao direcionar o que é certo ou esperado como prática de cuidado dos filhos atua como orientador dessas práticas. Nesse sentido, as etnoteorias relacionam-se também com outras duas dimensões do conceito de nicho desenvolvimental, uma vez que orientam não apenas ideias, como também ações.

Sendo assim, além das cognições parentais, tem sido enfatizado o estudo das metas de socialização dos cuidadores, as quais consistem nas perspectivas dos pais a respeito do desenvolvimento de seus filhos, servindo "como um veículo através do qual os pais traduzem os valores parentais globais em ações específicas e como um mecanismo para organizar essas ações" (MOINHOS; LORDELO; SEIDL DE MOURA, 2007, p.115).

Dessa forma, conhecê-las, implica identificar os modelos culturais do grupo de pais. Segundo Keller et al. (2005) no estudo do desenvolvimento infantil, foram identificados diferentes estratégias de socialização de acordo com os modelos culturais, ou seja, essas traduzidas em práticas direcionam modos de investimento parental, e consequentemente, de construção do self (KELLER et al., 2006).

Inicialmente, foram destacados dois modelos: o independente e o interdependente. No primeiro, característico de sociedades urbanas pós-industriais, são enfatizadas metas pessoais, os relacionamentos são construídos e mantidos a partir de uma escolha pessoal. No segundo, característico de sociedades rurais tradicionais, são priorizadas metas grupais e as relações são mantidas a partir de regras e obrigações (KELLER et al., 2005).

Kagitcibasi (2005) propõe um terceiro modelo que combina características do independente com o interdependente, denominado autônomo-relacional. O self, a partir desse modelo, seria autônomo quanto a sua ação e relacional quanto à proximidade interpessoal. Trata-se de um modelo comum em sociedades urbanas e famílias de classe média.

Estudar o sistema de crenças e práticas de cuidado parentais favorece o conhecimento não apenas das cognições que envolvem a paternidade/maternidade, mas e, principalmente, da qualidade do cuidado dos filhos, uma vez que ambos influenciam o desenvolvimento infantil (BANDEIRA; SEIDL DE MOURA; VIEIRA, 2009; MOINHOS; LORDELO; SEIDL DE MOURA, 2007). Segundo Kobarg, Sachetti e Vieira (2006) "o comportamento dos pais não ocorre ao acaso, mas é fundamentado em ideias e crenças organizadas, subjacentes ao comportamento diário, sobre a forma de lidar com os filhos" (p.97).

Dessa forma, os estudos das etnoteorias parentais que têm sido realizados no Brasil proporcionam avanços na compreensão das relações mútuas que se estabelecem entre a cultura e o indivíduo (KOBARG; SACHETTI; VIEIRA, 2006). Alguns desses estudos (RUELA, 2006; SEIDL DE MOURA et al., 2007; MOINHOS; LORDELO; SEIDL DE MOURA, 2007; SILVA, 2008; BANDEIRA; SEIDL DE MOURA; VIEIRA, 2009; MACARINI et al., 2010) debruçam-se em elucidar as metas e estratégias de socialização de mães, pais e avós, em contextos urbanos e não urbanos, de diversas regiões do país.

No que diz respeito às metas, Vieira et al. (2007), Seidl de Moura et al. (2007) e Seidl de Moura et al. (2008) analisaram as concepções e metas de socialização de mães primíparas, a partir de uma pesquisa com 350 mães de sete capitais brasileiras (Belém, João Pessoa, Salvador, Campo Grande, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Florianópolis).

Vieira et al. (2007), por meio de uma análise lexical, observaram que embora algumas metas fossem comuns a várias cidades (bom emprego, educado, escolha, estudo, família, feliz, mãe, pai, religião, seguro, sem vícios e tudo de bom), outras foram mais específicas, como: emotividade (carinhoso, compreensivo) e expectativas sociais (honesto, sincero, trabalhador, responsável) presentes no grupo de mães de Belém, concluindo que o nível de escolaridade e a cidade em que a mãe residia, eram fatores relevantes na valorização de metas de socialização.

Seidl de Moura et al. (2007) utilizando do método de análise de conteúdo detectaram que entre essas mães, as metas de autoaperfeiçoamento e expectativas sociais são valorizas igualmente (t=-0,843, p>0,05), o que indica tendências tanto para metas individualistas quanto sociocêntricas; já as metas de bom comportamento, emotividade e autocontrole foram as menos valorizadas. Em relação ao grupo de mães de Belém, o que prevaleceu foi o modelo autônomo-relacional.

De modo geral, mais do que a renda, a escolaridade e a idade da mãe, a urbanização foi a variável que afetou os escores dessas mães nas categorias estudadas, confirmando a hipótese de Seidl de Moura et al. (2008) a respeito da influência do tamanho da cidade onde as mães residem sobre as metas de socialização por elas valorizadas. Nesse sentido, a orientação para autonomia ou interdependência dependeu de onde as mães viviam, se em cidades médias, grandes ou muito grandes, mostrando uma tendência ao estabelecimento de metas de socialização para autonomia, em cidades muito grandes.

Outros estudos foram implementados na perspectiva de compreender a influência de variáveis socioeconômicas e demográficas na valorização de determinadas metas pelas mães. Na pesquisa de Moinhos, Lordelo e Seidl de Moura (2007), com 50 mães baianas, um grupo com nível socioeconômico (NSE) elevado e outro com NSE baixo, a categoria que obteve maior frequência foi, expectativas sociais com 39,2% no primeiro grupo e 37,5% no segundo, a diferença entre os grupos ficou entre as categorias autoaperfeiçoamento e bom comportamento. Enquanto que, na fala das mães com NSE elevado, as categorias autoaperfeiçoamento (20,7%) e bom comportamento (16,0%) ficaram em segundo e terceiro lugar; na fala daquelas de NSE baixo ocorreu o oposto, a categoria de bom comportamento (24,2%) obteve um escore maior que a de autoaperfeiçoamento (22,6%).

Ao entrevistar 100 mães de contextos, urbano (Belém) e não urbano (Santa Bárbara), da Região Metropolitana de Belém, Silva (2008) identificou que no contexto urbano as categorias com maior frequência foram: autoaperfeiçoamento (2,94%), expectativas sociais (2,24%) e bom comportamento (1,16), e no contexto não urbano as principais categorias foram: autoaperfeiçoamento (1,22%), bom comportamento (1,06%) e expectativas sociais (0,58%). Essa discrepância no escore de metas entre as mães (Belém, M=7,08; Santa Bárbara, M=3,12) foi atribuída, pelo autor, à correlação entre fluência verbal e escolaridade materna.

Esses resultados não correspondem àqueles descritos por Keller et al. (2005) para contextos não urbanos, uma vez que as mães de Santa Bárbara não apresentaram maiores escores nas metas de bom comportamento e expectativas sociais, como o esperado. Entretanto, corroboram os dados destacados por Seidl de Moura et al. (2007) e Seidl de Moura et al. (2008) para as mães de Belém, ou seja, uma proximidade com o modelo autônomo-relacional descrito por Kagitcibasi (2005), ao agrupar as categorias (autoaperfeiçoamento mais autocontrole e expectativas sociais mais bom comportamento).

Outros estudos, além de pesquisarem sobre metas de socialização incluem a análise das estratégias descritas pelas mães para o alcance das qualidades desejadas para seus filhos. Ruela (2006) em sua pesquisa com 18 mães e 16 avós, de um contexto rural do Rio de Janeiro, identificou, em relação às mães, 45 descritores de estratégias, 75,56% desses corresponderam à categoria centrada em si e 24,44% corresponderam à centrada no contexto; em relação às avós, foram 56 descritores, sendo que 91,07% referentes à categoria centrada em si e 8,93% referentes à centrada no contexto.

Apesar da grande valorização de estratégias centradas em si, observou-se, nesse estudo, que as mães, muito em função de condições de trabalho, já delegam ao contexto maior influência sobre o desenvolvimento de seus filhos que suas mães. Na categoria centrada em si, os resultados apontam maior valorização dos aspectos cognitivos com 77,14%, somando respostas das mães e avós, ao passo que os afetivos se restringem a 22,86% dos descritores. Não foi mencionada a categoria centrada na criança.

Bandeira, Seidl de Moura e Vieira (2009) ao pesquisarem metas de socialização do casal, identificaram que a principal estratégia dos pais foi ser modelo comportamental aos seus filhos (meninos e meninas), destacando-se, mais uma vez, a categoria de estratégias centradas em si, embora eles considerem aquelas centradas no contexto. Dentro da categoria centrada em si, "quando se trata dos filhos desenvolverem qualidades, aconselhar e disciplinar é mais importante que a proteção, o carinho e o amor" (BANDEIRA; SEIDL DE MOURA; VIEIRA, 2009, p.455), dessa forma, percebe-se a ênfase dada pelos pais aos aspectos cognitivos em detrimento dos afetivos.

Dentro dessa temática observa-se uma valorização de estudos com crianças ditas normais. Essa ausência de pesquisas, associada às complexidades linguísticas e relacionais decorrentes do nascimento de uma criança surda, em uma família ouvinte, por exemplo, levaram ao interesse sobre as metas e estratégias de socialização das mães dessas crianças, uma vez que, o luto decorrente do diagnóstico da surdez de um filho altera as concepções sobre o que é ser pai/mãe (FRANÇOSO, 2003) e essa crise de identidade e de vínculo articula-se com as crenças e práticas de cuidado parental, direcionando as relações estabelecidas no grupo familiar.

Além dos fatores orgânicos, como causa da surdez e grau de perda auditiva, destacados como influentes no desenvolvimento da criança surda (MARCHESI, 2004), a aceitação dos pais e o fato deles serem surdos ou ouvintes são apontados como fundamentais para a aquisição precoce da língua de sinais pela criança (BOSCOLO; SANTOS, 2005; SILVA; ZANOLLI; PEREIRA, 2008). Destaca-se que, o uso e o domínio dessa língua, além de ser influenciado fortemente pela prática educativa adotada pela escola (especial ou regular) (LACERDA, 2006), passa pela autoidentificação da criança como surda e consequentemente pela aceitação da família (REZENDE; KROM; YAMADA, 2003).

Observa-se que mais do que fatores orgânicos, o que interfere no desenvolvimento da criança surda é a presença ou não de um ambiente que lhe permita aprender a língua de sinais como primeira língua. De acordo com Oliveira et al., (2004), a principal dificuldade relatada pelas famílias no convívio com a criança surda está relacionada com a comunicação, já que 90% dos pais de crianças surdas são ouvintes (MARCHESI, 2004). A não aceitação da surdez do filho é observada pela ausência da língua de sinais, como possibilidade linguística, ou seja, essa resistência faz com que as mães, ao invés de conversarem em língua de sinais, utilizem mímicas, para se comunicar com os filhos, impossibilitando assim, uma comunicação efetiva.

Essa postura da família resulta em dificuldades de compreender as necessidades da criança, acarretando problemas de socialização e o aparecimento de comportamentos agressivos (OLIVEIRA et al., 2004), uma vez que a criança é privada "dos bate papos informais dentro de casa, das discussões sobre assuntos familiares e dos conselhos dos pais" (NEGRELLI; MARCON, 2006, p.104), interferindo na identificação da pessoa surda com a família (DIAS et al., 2001).

A reação dos pais ao diagnóstico da surdez, assim como as estratégias de enfrentamento por eles utilizadas são influenciados, sobretudo por seus valores e crenças a respeito da surdez e de ter um filho surdo. Além disso, segundo Fiamenghi Júnior e Messa (2007), outros fatores influenciarão a busca pela intervenção mais adequada, como: as características da criança, competências e recursos dos pais como cuidadores, história de cada membro da família, situações de conflito anteriormente atravessadas e como foram solucionadas, capacidade de comunicação do grupo familiar, nível socioeconômico da família, existência ou não de uma rede de apoio (familiar e extra-familiar), capacidade da família de se relacionar com os outros e de buscar ajuda, possibilidade de que a família esteja enfrentando outra crise, em seu ciclo de vida, além da chegada de um filho com necessidades especiais, assim como características dos serviços particulares e públicos oferecidos às crianças e suas famílias.

Segundo Yu e Gamble (2008) quando as limitações da criança são interpretadas pelos pais como estressores, essa percepção pode reduzir a sensibilidade e a responsividade no cuidado parental. Deste modo, a percepção da surdez como um estressor pode provocar nos pais um reordenamento nas práticas de cuidado, o que conforme o grau de estresse pode gerar além da queda na responsividade, o aumento do autoritarismo no contato com os filhos.

Daí a importância de se conhecer as metas e estratégias de socialização, como componentes das cognições parentais, a partir da compreensão de sua influência nas práticas de cuidado parental e consequentemente no desenvolvimento da criança surda. Assim, a pesquisa objetivou conhecer as metas de socialização e expectativas de mães de crianças surdas sobre o futuro dos seus filhos, assim como conhecer o modelo de criação utilizado por essas mães. Uma vez que essas metas orientam práticas de cuidado ou para a autonomia ou para a independência, conhecê-las possibilita orientar políticas públicas que favoreçam uma rede de apoio mais eficaz no suporte aos familiares e à criança surda.

2 MÉTODO

2.1 PARTICIPANTES

O estudo foi desenvolvido com 13 mães de crianças surdas matriculadas na rede estadual de ensino em uma unidade de atendimento especializado do município de Belém. A seleção dessas mães obedeceu aos seguintes critérios: ter um filho surdo, sem associação de outra deficiência; não ser mãe adolescente; não ser primípara e aceitar participar da pesquisa por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

2.2 AMBIENTE

O espaço escolhido para contatar as mães foi a unidade educacional especializada no atendimento de surdos em Belém, por tratar-se de uma unidade de referência no Estado do Pará, tanto na escolarização de surdos (educação infantil, 1ª à 4ª série do ensino fundamental e educação de jovens e adultos), quanto na oferta de atendimentos especializados.

2.3 INSTRUMENTOS E MATERIAL

Os instrumentos utilizados nessa pesquisa foram: o termo de consentimento livre e esclarecido e o roteiro de entrevista semiestruturado. Além desses instrumentos foi utilizado um gravador de áudio digital, Panasonic, para o registro das respostas das mães.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi um documento criado pelas pesquisadoras que formaliza o compromisso entre essas e as participantes no que se refere aos aspectos éticos da pesquisa e o caráter voluntário da participação.

O roteiro de entrevista semiestruturado foi composto de três partes: a primeira, com questões de caracterização sociodemográfica da mãe como, idade, estado civil, escolaridade, profissão, ocupação atual e renda; a segunda com seis perguntas de caracterização da criança: idade, sexo, escolaridade, grau da perda auditiva, uso de aparelho amplificador sonoro e de medicação, e a última composta por três questões formuladas por Harwood et al. (1999) para avaliar as metas de socialização das mães, as quais foram adaptadas, no Brasil, pelo grupo de pesquisa da Profa. Dra. Maria Lúcia Seidl de Moura a saber:

1. Que qualidades você desejaria que seu filho (a) tivesse como adulto?

2. O que você acha que é necessário para que ele (a) possa desenvolver essas qualidades?

3. O que você pensa que pode fazer para que ele (a) possa desenvolver essas qualidades?

2.4 PROCEDIMENTO

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres Humanos do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará, aprovado sob o protocolo Nº 055/2011. A partir do aceite, as mães foram contatadas na escola, onde foi aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido àquelas que aceitaram participar deste estudo, para então ser realizada a entrevista. Essas ocorreram nas dependências da escola, de forma individual, no momento em que as mães aguardavam a saída dos seus filhos. As entrevistas foram realizadas em 30 minutos em média, perfazendo dois meses para coleta total dos dados.

Os resultados referentes à caracterização das mães e das crianças foram apresentados em tabelas com a somatória e percentual de participantes por subcategoria e os dados referentes às metas e estratégias de socialização foram discutidos tanto a partir dos cálculos da média e desvio padrão, por categoria, quanto pela transcrição das respostas das mães.

As metas de socialização foram analisadas a partir das categorias propostas por Harwood et al. (1999). Para a primeira pergunta foram elencadas as seguintes categorias:

1. Autoaperfeiçoamento (AA): preocupação com que a criança se torne autoconfiante e independente, e que desenvolva totalmente seus talentos e capacidades como indivíduo. Ex: sentir-se bem consigo mesmo, ter independência econômica.

2. Autocontrole (AC): preocupação com que a criança desenvolva a capacidade de controlar impulsos negativos de ganância, agressão e egocentrismo. Ex: não se sentir decepcionado cada vez que não puder ter o que quer, crueldade com outras crianças.

3. Emotividade (EM): preocupação com que a criança desenvolva a capacidade para intimidade emocional com outros, e que seja amada. Ex: ter relações próximas com familiares.

4. Expectativas sociais (ES): preocupação com que a criança atenda às normas sociais de ser trabalhador, honesto e seguidor das leis. Ex: evitar comportamento ilícito, compartilhar valores religiosos.

5. Bom comportamento (BC): preocupação com que a criança se comporte bem, se dê bem com os outros, e desempenhe bem papéis esperados (bom pais, boa mãe, boa esposa, etc.), especialmente em relação à família. Ex: ser respeitador, bem educado.

A partir da transcrição das respostas das mães, foram selecionadas frases, com função adjetiva, como por exemplo: ser uma pessoa autônoma, que tenha responsabilidade, que consiga um emprego e/ou conclua os estudos. Após a identificação, as frases foram classificadas por dois observadores independentes nas categorias (autoaperfeiçoamento, autocontrole, emotividade, bom comportamento e expectativas sociais). Com um índice de confiabilidade de 95 % entre os observadores.

Além dessas categorias, as respostas foram classificadas, também, a partir de duas dimensões: individualista e sociocêntrica, de acordo com o predomínio das metas em determinado grupo de categorias, segundo descrição de Bandeira, Seidl de Moura e Vieira (2009), na qual, "são consideradas respostas individualistas aquelas que se enquadram nas categorias de autoaperfeiçoamento e autocontrole e sociocêntricas aquelas que são codificadas nas categorias emotividade, expectativas sociais e bom comportamento" (p. 450). Esse agrupamento permitiu a identificação do modelo de cuidado parental adotado por essas mães.

As respostas a segunda e terceira perguntas foram classificadas em termos de possíveis estratégias de ação, são elas:

• Centrada em si (CS) - a mãe seria um modelo ou ofereceria modelos, iria disciplinar, aconselhar, ensinar por demonstração ou participação. Essa categoria apresenta dois aspectos: o cognitivo, no qual o papel da mãe seria educar, orientar, ensinar, etc., e o afetivo, onde a estratégia expressa seria dar amor, atenção e carinho;

• Centrada no contexto (CC) - o papel do cuidador seria oferecer boas oportunidades sociais; dar educação de qualidade etc.;

• Centrada na criança (CCr) - quando a criança tem participação ativa no processo de desenvolver determinadas qualidades por uma predisposição ou por uma autonomia de decidir o que fazer e que caminho seguir.

A identificação das estratégias, com base na transcrição das entrevistas, ocorreu a partir de frases e/ou expressões que descrevessem: ações das mães, de outros membros da família, de pessoas envolvidas no processo de educação formal, além de ações ou habilidades da própria criança, consideradas pelas mães como necessárias para o alcance das metas de socialização expressas por elas na primeira pergunta.

Destaca-se que essa análise foi feita por duas pesquisadoras separadamente, para garantir a fidedignidade do resultado em relação às categorias obtidas conforme sugere Leyendecker et al. (2002). O grau de concordância ficou em aproximadamente 90% do total das análises confrontadas.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 CARACTERIZAÇÃO SOCIODEMOGRÁFICA DAS PARTICIPANTES

Os resultados a seguir tratam da caracterização das mães e seus filhos; optou-se por representá-los em tabelas, para melhor visualização dos dados, identificando o total de participantes por subcategorias de acordo com o roteiro semiestruturado. Na tabela referente às mães foram apresentados os dados de idade, escolaridade, estado civil, ocupação e renda; já na dos filhos, os dados destacados foram: sexo, idade, escolaridade, perda auditiva, uso de medicamento e de aparelho amplificador sonoro (AAS).

De modo geral, das 13 mães entrevistadas, a maioria encontra-se na faixa etária entre 31 e 40 anos, a média de idade do grupo foi de M=33,46 anos com um desvio padrão de DP=5,51. O nível de escolaridade de maior percentual foi o ensino fundamental incompleto, com 46% das entrevistadas. A renda do grupo concentrou-se em até um salário mínimo, (61% das mães). Devido à baixa escolaridade, a ocupação da maioria foi em atividades domésticas, restringindo a renda familiar daquelas que são solteiras em até um salário mínimo (algumas delas possuem como única fonte de renda o benefício de prestação continuada recebido do governo federal).

No que diz respeito às características sociodemográficas maternas, Seidl de Moura et al. (2008) e Keller et al. (2006) destacam, quanto maior a escolaridade materna, maior a valorização de metas voltadas para a interdependência, modelo de criação comum em sociedades urbanas (KELLER et al., 2005). No entanto, apesar de serem mães urbanas, compreende-se que a baixa escolaridade e renda dessas mães tende a concentrar suas metas no modelo dependente e não no interdependente.

Em relação às crianças, segue a Tabela 2 com os dados de caracterização desse grupo. Ressalta-se que todos tem perda auditiva profunda, oito crianças usam aparelho auditivo e duas tomam medicação do tipo, antiepilético.

Embora essas crianças estudem em uma unidade especializada na educação de surdos, observa-se, pelos dados de idade e escolaridade, que mesmo tendo a LIBRAS como base do ensino, o tempo de conclusão das primeiras séries do ensino fundamental (1ª à 4ª série) ainda é maior que o esperado. Observa-se que além do aluno surdo concluir a escolaridade bem mais tarde que o ouvinte, ainda é comum que ele "termine a oitava série com conhecimentos de língua portuguesa e matemática compatíveis com a terceira série" (LACERDA, 2006, p.176177), o que implica em várias demandas não apenas à criança surda como também à família.

3.2 METAS DE SOCIALIZAÇÃO

Na Tabela 3, as metas mais citadas foram: expectativa social, bom comportamento e autoaperfeiçoamento.

Quando questionadas sobre, "Que qualidades você desejaria que seu filho (a) tivesse como adulto?" as mães destacaram "as metas referentes às expectativas sociais (pessoa responsável, bom profissional, terminar os estudos, ser alguém na vida) com 60% do total de respostas, seguidas de bom comportamento (pessoa de bem, ser prestativo, ter sua família) com 25% e por último autoaperfeiçoamento (viver sozinho, ser independente) com 15%. As categorias autocontrole e emotividade não foram identificadas nas falas das mães, a média de respostas por categoria foi M=4 e DP=4,94. Esse resultado corrobora dados de Vieira et al. (2007) sobre o predomínio de metas correspondentes às expectativas sociais nas respostas das mães de Belém. Embora, essas mães não sejam primíparas e tenham um filho surdo diferente do grupo pesquisado por esses autores, elas apresentaram as mesmas metas que as mães de crianças ouvintes.

A partir da compreensão de que a valorização de metas de socialização pode ser influenciada por variáveis sociodemográficas das mães, buscou-se analisar de forma mais detalhada o percentual de metas, com os dados de escolaridade materna, pela sua influência na valorização de metas individualistas ou sociocêntricas (VIEIRA et al., 2007; SILVA, 2008; MACARINI et al., 2010). Na Tabela 4, tem-se a relação entre escolaridade materna e metas.

As metas concentraram-se nos grupos com Ensino Fundamental Incompleto (M=1,8; DP=2,48) e Ensino Médio Completo (M=1,4; DP=1,34), sendo 45% e 35% do total, respectivamente. Essa centralidade de respostas, nos dois grupos, se repetiu na categoria autoaperfeiçoamento, porém com maior percentual no segundo grupo (10%). A categoria expectativas sociais obteve um escore alto em todos os grupos de escolaridade, sendo maior naquele com Ensino Fundamental Incompleto, 30%. A categoria bom comportamento teve o mesmo resultado (10%) nos grupos, Ensino Fundamental Incompleto e Ensino Médio Completo e 5% no grupo do Ensino Médio Incompleto.

Observou-se que a valorização de metas referentes à categoria expectativas sociais foi maior no grupo com menor escolaridade, assim como o escore de metas de autoaperfeiçoamento foi maior no grupo com maior escolaridade. Esse resultado coaduna-se com dados de Keller et al. (2006) e Seidl de Moura et al. (2008) que apontam influência da escolaridade sobre as metas de socialização maternas; de modo geral, mães com alto nível de instrução tendem a dar mais importância às metas individualistas que aquelas com baixo nível de instrução.

Macarini et al. (2010) em sua pesquisa com um grupo de 100 mães residentes em contextos, urbano e não urbano, no estado de Santa Catarina, obtiveram resultados semelhantes: para mães do contexto urbano, quanto maior a escolaridade materna (r= -0,55; p<0,01), menor as médias para as metas relacionais.

Essa tendência de valorização de metas individualistas por mães com maior escolaridade, diferiu dos dados obtidos por Silva (2008), com 100 mães residentes na região metropolitana de Belém, em contextos, urbano e não urbano. Em seu estudo, a valorização da categoria expectativas sociais correlacionou-se positivamente com a escolaridade materna (r=0,53; p<0,01), ou seja, quanto maior a escolaridade materna maior a valorização desse tipo de meta, característico do modelo interdependente. Essa diferença, por exemplo, entre os estudos de Silva (2008) e Macarini et al. (2010), pode ser atribuída ao fato de no segundo, eles analisarem a relação entre escolaridade materna e metas, a partir de suas dimensões (relacional e autônoma) e contexto das mães, enquanto o primeiro analisa essa relação discriminando as metas por categorias sem incluir nessa análise, o contexto das mães.

3.3 ESTRATÉGIAS DE SOCIALIZAÇÃO

Em relação às duas últimas perguntas do roteiro, "O que você acha que é necessário para que ele (a) possa desenvolver essas qualidades?" e "O que você pensa que pode fazer para que ele (a) possa desenvolver essas qualidades?" foram identificadas 37 estratégias de socialização, a média de respostas por categoria foi M=12,33 com desvio padrão de DP=5,50. Na Tabela 5 tem-se o percentual de estratégias por categoria.

A estratégia com maior percentual foi a centrada em si com 48,65%. Observou-se no relato das mães a preocupação com que seus filhos alcancem um futuro a partir do trabalho e que isso depende delas, na maioria das vezes, da sua dedicação, do seu investimento na educação dos filhos, em virtude das dificuldades escolares decorrentes da surdez, o que pode ser constatado nos relatos das mães abaixo:

Ajudá-la nos trabalhos escolares quando tiver dificuldade, dar o melhor de mim para que ela possa crescer, fazer o possível e o impossível para favorecer o crescimento dela (M9 - Ens. Fund. Incomp.).

Isso eu já estou fazendo, eu modifico, vivo só pra ele praticamente, mudo toda a minha vida pra que ele tenha essa oportunidade, acredito que quando ele chegar lá ele vá ter toda essa autonomia que é importante (M5 - Ens. Méd. Comp.).

Dentre os aspectos, cognitivo e afetivo presentes na categoria centrada em si, o cognitivo se sobressaiu com 61,11% das respostas, em detrimento do afetivo com apenas 38,89%, conforme Tabela 6.

Esses dados corroboram os achados de Ruela (2006), em sua pesquisa com mães e avós de uma comunidade rural do Rio de Janeiro, onde a categoria centrada em si obteve maior percentual, nos dois grupos, sendo 75,56% para as mães e 91,07% para as avós, quando comparada à centrada no contexto; dentre os aspectos presentes na categoria centrada em si, o cognitivo foi o mais destacado por mães e avós, com 77,14%.

Bandeira, Seidl de Moura e Vieira (2009) ao pesquisarem 30 casais da região metropolitana do Rio de Janeiro obtiveram resultado semelhante, a categoria centrada em si teve o maior número de respostas, sendo que dos aspectos (afetivo e cognitivo) presentes nessa categoria, o cognitivo teve maior percentual, com 74,19% das mães, em detrimento do afetivo, com 25,81%. Não foram apresentados os escores referentes às estratégias: centrada no contexto e centrada na criança, porém em relação a essa última, os autores afirmaram que não foram muito citadas, indicando a dificuldade do casal em relacionar as qualidades desenvolvidas, pela criança no futuro com a sua decisão ou empenho.

No estudo de Silva (2008), para mães residentes em Belém, a categoria de maior resposta foi centrada no contexto (M=2,22), seguida da categoria centrada em si (M=0,66) e por último a centrada na criança (M=0,36). No Brasil há poucos estudos voltados para as estratégias de socialização, os escores das mães de crianças surdas embora não venham diferir das mães do Rio de Janeiro, destoa das mães pesquisadas por Silva (2008) que entrevistou uma amostra de Belém -PA, já que as mães de crianças surdas apontaram com maior escore, as estratégias centradas em si.

Uma análise possível é que a concentração de respostas na categoria centrada em si seja em virtude das barreiras linguísticas que a criança surda enfrenta ao participar da comunidade ouvinte. Nesse momento, a mãe é quem, na maioria das vezes, interpreta o mundo ouvinte para a criança, a partir de sinais rudimentares e mímicas elaborados no grupo familiar (NEGRELLI; MARCON, 2006; SILVA; ZANOLLI; PEREIRA, 2008), daí a dificuldade dessas mães em reconhecer, na própria criança e/ou no contexto, fatores de promoção de qualidades para seus filhos.

Observou-se, em algumas mães entrevistadas, a preocupação com a vida escolar das crianças, com as demandas do atendimento especializado e da inclusão de seus filhos no ensino regular, sendo elas a principal fonte de auxílio para os filhos, conforme destacado nas falas a seguir: Ajudar ela (pausa longa) ajuda ela assim né, (pausa curta) a continuar a estudar, e, ajudar ela assim, pagar um professor, ajudar ela! Pagar um professor particular pra ajudar ela também, porque ela vai precisar, eu acho que é isso (M1 - Ens. Fund. Incomp.).

É muito cansativo as coisas sabe, eu não medo esforço, porque ano que vem que ela vai fazer a quarta série, ela vai sair daqui desse colégio vai ter que ir pro outro, mas mesmo assim o meu objetivo que eu quero que ela continue estudando não quero que ela pare porque ano que vem ela vem fazer de tarde pra cá e de manhã ela vai pro outro colégio né, então meu esforço vai ser maior, vai ser redobrado, então eu como mãe tenho que fazer de tudo pra ela, entendeu?! (M4 - Ens. Méd. Comp.)

Compreende-se de acordo com as mães, que o sucesso profissional idealizado para o filho passa por uma boa educação, e que com o imperativo legal da inclusão escolar, isso requer tanto a escolaridade, com as crianças na sala de aula regular, quanto o atendimento na unidade especializada, dependendo, portanto, não apenas de incentivo, como também de ajuda para o cumprimento da jornada escolar, que agora inclui mais um turno da vida da criança e sua mãe.

4 CONCLUSÕES

De acordo com o conceito de nicho desenvolvimental proposto por Harkness e Super (1996), não apenas o ambiente físico da criança tem relevância, como também o social, as trocas que ela estabelece, suas interações com os cuidadores e outras pessoas, assim como os modelos culturais acerca do cuidado parental. Nesse sentido, as cognições parentais assumem grande relevância pela influência que tem não apenas orientando ideias sobre maternidade/paternidade, como também direcionando práticas. A qualidade do cuidado ofertado à criança dependerá, em grande parte das crenças e metas compartilhadas pelo grupo de pais, variando de uma cultura para outra e de um momento histórico para outro (SEIDL DE MOURA et al., 2008).

O que hoje se compreende como um modo correto de criar filhos nem sempre foi encarado como prática de criação por outras gerações, o que explica em um país como o Brasil, por exemplo, em um mesmo momento histórico ter-se a valorização de diferentes metas de socialização, pelas mães, de acordo com a região onde moram (VIEIRA et al., 2007; SEIDL DE MOURA et al., 2007). Dessa forma, deve-se considerar o grau de urbanização da cidade onde as mães residem, escolaridade, renda, presença de outros filhos, etc. (SEIDL DE MOURA et al., 2008; MOINHOS; LORDELO; SEIDL DE MOURA, 2007; KELLER et al., 2006).

Em virtude da carência de estudos sobre cognições de mães de crianças com necessidades especiais, é que essa pesquisa teve seu foco em mães de crianças surdas, por compreender que as barreiras linguísticas enfrentadas por essas famílias afetam não apenas o desenvolvimento acadêmico da criança em virtude de uma aquisição tardia da língua de sinais, como também a identificação dessa criança com sua família (OLIVEIRA et al., 2004; DIAS et al., 2001) e consequentemente a dinâmica familiar.

Percebe-se, portanto, pelo delineamento sociodemográfico da amostra (mães residentes em contexto urbano, em sua maioria de baixa renda e com pouca escolaridade), que embora as mães residam em área urbana, a escolaridade e a renda foram preponderantes para o predomínio de metas sociocêntricas. Esse resultado as aproxima do modelo de criação interdependente indicado por Keller et al. (2005) para mães residentes em sociedades rurais, menos industrializadas, embora o modelo identificado para as mães de Belém, residentes em contexto urbano seja o autônomo-relacional, descrito por Kagitcibasi (2005), conforme Seidl de Moura et al. (2007) e Seidl de Moura et al. (2008).

No que diz respeito às estratégias de socialização, a maioria concentrou-se na figura da mãe, mesmo naquelas que vivem com companheiro, elas se consideram como modelo de comportamento e orientação para seus filhos, mais que o ambiente externo e que a própria criança, com predomínio da categoria cognitiva. Nesse aspecto, o educar e o orientar estiveram acima de comportamentos como dar afeto, amor e carinho. Esses dados coadunam-se com dados de Ruela (2006), Bandeira, Seidl de Moura e Vieira (2009) e Silva (2008); geralmente os cuidadores tendem a identificar mais a sua participação para o alcance das metas do que de outras pessoas e dentro da sua participação, mais aquelas com caráter cognitivo.

Para novos estudos, sugere-se analisar a influência da presença de irmãos na prevalência das metas de socialização dessas mães, assim como estender esse estudo para mães de crianças com outras limitações. Pois, na medida em que se identificam as ideias subjacentes às práticas de cuidado parental pode-se orientar essas práticas com objetivo de promover o desenvolvimento tanto da criança quanto da família.

Recebido em: 01/03/2013

Reformulado em: 16/09/2013

Aprovado em: 21/09/2013

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2013
  • Aceito
    21 Set 2013
  • Revisado
    16 Set 2013
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