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Industrialização brasileira: notas sobre o debate historiográfico

Resumo:

O processo de industrialização da economia brasileira protagonizou o debate entre analistas de diversas áreas das ciências sociais a partir da segunda metade do século XX. As análises elaboradas perfilaram-se, principalmente, com as interpretações originais de Celso Furtado e Manuel Peláez, as quais foram, elas próprias, posteriormente qualificadas por pesquisadores contemporâneos. Este trabalho busca resgatar e sistematizar os principais aspectos que circunscreveram o debate historiográfico sobre o fenômeno da industrialização no Brasil.

Palavras-chave:
industrialização; Celso Furtado; Manuel Peláez; PSI.

Abstract:

During the second half of the twentieth century the industrialization of the Brazilian economy took center stage in the debate among analysts from different areas of the social sciences. Here it is aimed to present an understanding of the proposals of Celso Furtado and Manuel Peláez, which have been qualified by contemporary researchers. This article aims to analyze and systematize the main aspects related to the historiographical debate about Brazilian industrialization.

Keywords:
industrialization; Celso Furtado; Manuel Peláez; ISI.

Introdução

Importantes controvérsias marcaram e ainda acompanham a historiografia sobre a industrialização brasileira. Este artigo tem por objetivo resgatar as principais linhas de duas das mais importantes delas, respectivamente sobre: (a) a origem da indústria; e (b) a constituição do setor de bens de capital e o fim do processo de substituição de importações (PSI).

De certo modo, tais controvérsias abrangem diferentes períodos segundo uma ordem cronológica. O primeiro diz respeito às décadas que vão da Proclamação da República até o início da Segunda Guerra, ou seja, as cinco primeiras décadas do período republicano, e diz respeito às possibilidades e aos limites do crescimento industrial dentro dos marcos do “modelo agroexportador” e sua superação pelo PSI, o qual teria sido iniciado na década de 1930. Já o segundo abrange o período posterior à Primeira Guerra e vai até meados dos anos 1970: o governo Geisel (1974-1979) pode ser considerado como o último governo da “Era Desenvolvimentista” e com projeto de incrementar a substituição acelerada de bens de capital.

Para tanto, dividiu-se o artigo em três seções, além desta breve introdução. No segundo ponto, aborda-se o debate acerca das origens do setor industrial no Brasil, no qual se expõem a controvérsia original e seus desdobramentos. Na seção três, discorre-se sobre o modelo teórico do PSI, abordando suas limitações e um de seus pontos mais polêmicos, a questão do setor de bens de capital. Por fim, arrolam-se as considerações finais.

A origem da indústria

O debate mais acirrado sobre a história da indústria brasileira ocorreu a partir do final da década de 1960, teve seu auge nos anos 1970 e gradualmente foi perdendo fôlego nas últimas duas décadas do século XX (Saes, 1989SAES, Flávio de A. M. de. A controvérsia sobre a industrialização na Primeira República. Estudos Avançados, v. 3, n. 7, p. 20-39, set./dez. 1989.). Em linhas gerais, a controvérsia começou com as críticas de Carlos Manuel Peláez a Celso Furtado, a partir de 1968, e depois sistematizadas em dois livros seus na década de 1970 (Peláez, 1968PELÁEZ, Carlos Manuel. A balança comercial, a Grande Depressão e a industrialização brasileira. Revista Brasileira de Economia, n. 22, p. 24 e 40, 1968., 1969PELÁEZ, Carlos Manuel. Acerca da política governamental, da Grande Depressão e da industrialização no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 23, n. 3, p. 77-88, 1969., 1971PELÁEZ, Carlos Manuel. As consequências econômicas da ortodoxia monetária, cambial e fiscal no Brasil entre 1889 e 1945. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro: FGV, v. 25, n. 3, jul./set. 1971.). Na sequência, diante da polaridade das duas interpretações, vários autores procuraram mediar o debate e, de certo modo, confessadamente ou não, pesar para qual dos dois mais se inclinava o pêndulo da razão e da empiria.

“Choques adversos” versus “industrialização induzida pelas exportações”

A crítica de Peláez centra-se na argumentação de Furtado desenvolvida na Formação econômica do Brasil (1977FURTADO, Celso M. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1977 {1959}. {1959FURTADO, Celso M. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1977 {1959}.}), especialmente nos Capítulos 30 a 32, nos quais aborda a crise da economia cafeeira e o papel da Grande Depressão da década de 1930 como variáveis relevantes para explicar o forte crescimento industrial dessa década. Entretanto, sua crítica abrange também trabalhos como “Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil”, publicado em 1963 por Tavares (1972)TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.. O ponto de partida do argumento de Furtado em si não era novidade: já havia sido formulado pelo menos por dois “clássicos”, Caio Prado Jr. (1970 {1945}, p. 258) e Roberto Simonsen (1939SIMONSEN, Roberto C. A evolução industrial do Brasil. São Paulo: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, 1939., p. 34-41). Tratava-se da constatação empírica de que as crises da economia cafeeira levavam à depreciação do mil-réis e com isso encareciam os importados, abrindo espaço para a produção doméstica de manufaturados - a “substituição de importações”. A tese apoiava-se em uma formulação trivial da teoria econômica; todavia, nas mãos de Furtado, o argumento ganhou contornos heterodoxos ao ser encorpado com os instrumentais estruturalista e keynesiano, o primeiro tributário do tempo quando trabalhara na Cepal, entre 1949 e 1957, e, o segundo, em Cambridge, entre 1957 e 1958, onde escreveu a obra que se tornaria referência obrigatória nos estudos de economia brasileira - até hoje o livro da área mais traduzido.

O argumento de Furtado parte do impacto da crise e da subsequente desvalorização cambial como medida para enfrentá-la. Não obstante, vai além ao mostrar que, se o crescimento industrial fora impulsionado pelo estrangulamento externo, não se reduzia à mera decorrência sua, pois contara com a política econômica governamental a seu favor: o intervencionismo antecipara as medidas de sustentação da demanda agregada sugeridas por Keynes, as quais só viriam a lume em 1936, com a publicação da General Theory. Mesmo sem ter um projeto explícito de industrialização, o governo, além de desvalorizar o câmbio, resolveu comprar parte do estoque do café e destruí-lo, a fim de sustentar seu preço, ao mesmo tempo que expandiu a oferta monetária e o crédito.3 Em decorrência, a recuperação econômica começou já em 1933, antes de outros países cujos governos haviam optado pela ortodoxia (como a Argentina do governo do general Uriburu). Além disso, Furtado explora as contradições do modelo agroexportador vigente antes de 1930, perfilando-se com a tese de Prebisch de deterioração dos termos de intercâmbio: a política varguista contribuiu para “deslocar o centro dinâmico” da economia para o mercado interno - fato inédito na história brasileira, posto que, até então, essa se inserira de forma subordinada na divisão internacional do trabalho, especializando-se em poucos produtos primários para atender ao mercado internacional. O novo modelo, assentado na substituição de importações, abria uma oportunidade histórica, que acenava para um futuro com maior autonomia nacional e melhor distribuição de renda - robustecendo, com argumentos históricos, valores da ideologia nacional-desenvolvimentista vigente na época em que Formação econômica do Brasil foi publicado.

As análises de Peláez podem ser lidas como a reação liberal a esse tipo de interpretação. Vieram à tona durante o período do “milagre brasileiro” (1968-1973), auge do governo militar, quando as teses cepalinas já estavam em refluxo, e Furtado, com direitos políticos cassados por decreto do general De Gaulle, tornou-se o primeiro estrangeiro nomeado para ocupar uma cátedra em universidade francesa. Elas apoiam-se em um programa de pesquisa segundo o qual, para contrapor-se a Furtado, precisava minimizar o impacto da política econômica da década de 1930 sobre o crescimento da indústria e do PIB, de modo a enfraquecer a periodização cepalina de que esse ano representara um ponto de inflexão para os países latino-americanos que passaram a seguir o modelo substitutivo de importações, como o Brasil. Se conseguisse evidências robustas para tal, esvair-se-iam as dualidades presentes na interpretação de Furtado (as quais, em uma leitura mais frouxa, poderiam lembrar as contradições da dialética marxista): países “centrais” versus “periféricos”, produção “para fora” versus “para dentro”, agroexportação versus substituição de importações… Para tanto, Peláez percebeu ser necessário atacar em duas frentes: analisar as políticas econômicas antes e depois de 1930, procurando mostrar que, antes desse ano, já havia indústria, e esta não era desprezível; e, em sequência, que o crescimento industrial na década de 1930 nem fora tão significativo. Em outras palavras: Furtado equivocara-se ao subestimar o crescimento industrial antes de 1930 e superestimara o posterior a esse ano; havia mais continuidade do que ruptura no processo histórico, de modo que não se pode falar nem em mudança do “centro dinâmico” nem em diferentes “modelos” de desenvolvimento opostos ou contraditórios. A mensagem implícita é que o crescimento da década de 1930, além de superdimensionado por Furtado, ocorreria mesmo sem o intervencionismo estatal; a indústria crescia em função da dinamicidade do setor exportador, e não em decorrência de políticas econômicas indutoras.

A parte da obra de Peláez de maior impacto diz respeito ao período anterior à Grande Depressão, pois encontrou evidências de crescimento da indústria nas três primeiras décadas do século XX, as quais lhe permitiram sustentar que havia complementaridade - e não contradição - entre indústria e agroexportação. Esta fora capaz de gerar um efeito renda ou riqueza com impacto no conjunto da economia, irradiada a partir do principal polo exportador: São Paulo.4 Por isso, contribuiu para rotular a interpretação de Furtado de “teoria dos choques adversos”, ironia à tese de que a indústria florescia nas crises: ao buscar dados do período anterior à Primeira Guerra, Peláez torna de difícil contestação o aparecimento de fábricas em um período de auge da economia cafeeira.5 3 O trabalho de Cardoso (1979) traz uma contribuição relevante ao formalizar a descrição dos impactos de algumas variáveis macroeconômicas — notadamente, a taxa de câmbio e a política fiscal — sobre a indústria brasileira no período. Com base em um modelo keynesiano simples, a autora corrobora a tese de Furtado segundo a qual a recuperação da economia brasileira no início dos anos 1930, encabeçada pelo setor industrial, deveu-se mais à defesa do setor cafeeiro do que propriamente à consciência industrializante. De acordo com a autora, “dificilmente se pode argumentar que as depreciações cambiais tenham partido de uma política consciente do governo”, as quais teriam refletido, em sua opinião, “uma adaptação da estrutura econômica, sendo, portanto, consequência da política do café” (p. 393). Ainda assim, a autora permite qualificações à sua própria hipótese ao assentir que “a geração de demanda pelo programa de sustentação do café foi mais complexa do que apontou Furtado” (Cardoso, 1979, p. 374). Já suas análises para o período posterior a 1930 são bem menos robustas. Peláez argumenta, de um lado, que a política não fora tão keynesiana quanto postulara Furtado, pois o governo financiou seus gastos não apenas com expansão monetária, mas com novos impostos, inclusive sobre o café - o que é verdade, mas não exclusivamente, como mostrará adiante o trabalho de Silber, para quem, na testagem econométrica, a política monetária expansionista pesou mais (Silber, 1977SILBER, Simão. Análise da política econômica e do comportamento da economia brasileira durante o período 1929/1939. In: VERSIANI, Flávio R.; BARROS, José Roberto Mendonça de (Org.). Formação econômica do Brasil: a experiência da industrialização. São Paulo: Saraiva, 1977.). Todavia, o menos convincente é, no afã de contrapor-se a Furtado, procurar diminuir a magnitude do crescimento industrial da década de 1930: 11,2% entre 1933 e 1939, avançando inclusive para setores não tradicionais, como os de papel e papelão, metalúrgica e minerais não metálicos; em adição, entre 1932 e 1937, a produção física de ferro gusa aumentou 240%, a de aço em lingotes, 123%, e a de laminados, 142% (Villela e Suzigan, 1973VILLELA, Aníbal V.; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1973., p. 216). Trata-se, portanto, de dados cuja magnitude não pode ser negligenciada.

Os desdobramentos da controvérsia

O impacto da crítica de Peláez foi significativo. Furtado nunca lhe respondeu, mas vários trabalhos subsequentes, direta ou indiretamente, tomaram partido no debate. Entre os que, nas décadas de 1970 e 1980, vão na direção de referendar a interpretação de Formação econômica do Brasil, podem-se citar: Castro (1971CASTRO, Antonio B. de. 7 ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1971.), Fishlow (1972FISHLOW, Albert. Origens e consequências da substituição de importações no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo: IPE/USP, v. 2 n. 6, p. 7-75, 1972.), Singer (1977SINGER, Paul I. Desenvolvimento e crise. São Paulo: Difusão Europeia, 1977.; 1984CASTRO, Antonio B. de; SOUZA, Francisco Eduardo P. de. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.), Silber (1977SILBER, Simão. Análise da política econômica e do comportamento da economia brasileira durante o período 1929/1939. In: VERSIANI, Flávio R.; BARROS, José Roberto Mendonça de (Org.). Formação econômica do Brasil: a experiência da industrialização. São Paulo: Saraiva, 1977.), Diniz (1978DINIZ, Eli. Empresário, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), Oliveira (1981)OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis: Vozes, 1981., Aureliano (1976AURELIANO, Liana. No limiar da industrialização: Estado e acumulação de capital, 1919-1937. São Paulo: Brasiliense, 1976.), Mello (1982MELLO, João Manuel C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982.), Fonseca (1984FONSECA, Pedro C. D. A política econômica governamental e os ciclos: reflexão sobre a crise atual. Estudos Econômicos, v. 14, n. 2, maio/ago. 1984.; 1987aFONSECA, Pedro C. D. O discurso em perspectiva e o capitalismo em construção. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Pesquisas Econômicas, Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987a.), Draibe (1985DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil, 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.), Cano (1985)CANO, Wilson. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1970. São Paulo: Global, 1985. e Abreu (1992ABREU, Marcelo de P. (Org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana. Rio de Janeiro: Campus, 1992.). Já os trabalhos de Dean (1971DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, 1971.), Villela e Suzigan (1973)VILLELA, Aníbal V.; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1973., Nicol (1974NICOL, Robert N. V. C. A agricultura e a industrialização no Brasil (1850-1930). Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1974.) e Leff (1982LEFF, Nathaniel. H. Interdevelopment and development in Brazil: economic structure and change, 1822-1947. Londres: George Allen & Unwin, 1982 {1964}. {1964LEFF, Nathaniel. H. The Brazilian capital goods industry 1929-1964. Cambridge: Harvard University Press, 1968.}) inclinam-se mais favoravelmente à tese da “industrialização induzida pelas exportações”, como viria ser conhecida mais tarde a concepção de Peláez. Entre estes, também se deve mencionar a análise mais recente de Suzigan (1986VILLELA, Aníbal V.; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1973., p. 66), a qual se apoia na “teoria do crescimento econômico induzido por produtos básicos”, de Watkins (1963WATKINS, Melville. Staple theory of economic growth. Canadian Journal of Economics and Political Science, v2, n. 29, p. 141-158, 1963. ) e na “abordagem do linkages generalizados ao desenvolvimento” de Hirschman (1981HIRSCHMAN, Albert. A generalized linkage approach to development, with special reference to staples. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.) para mostrar que a expansão das exportações induz o crescimento de atividades da economia doméstica. Tais encadeamentos de produção, tanto “para frente” quanto “para trás”, impactam os investimentos industriais da mesma forma que linkages de consumo (mercado doméstico) e fiscal (quando o imposto cobrado do setor exportador é empregado para financiar investimentos em outros setores, entre eles a própria indústria). De certa forma, pode-se considerar tal interpretação uma forma mais sofisticada de defender a mesma tese central de Peláez, pois corrobora a concepção segundo a qual a indústria cresceu no período voltado “para fora” e justamente impulsionada pelas próprias exportações. Em um programa de pesquisa paralelo, historiadores procuraram mostrar que a industrialização brasileira apresenta trajetória que remonta ao período do império, como Luz (1975LUZ, Nícia V. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975.), Carone (1977CARONE, Edgard. O pensamento industrial no Brasil: 1880-1945. São Paulo: Difel, 1977.) e Pesavento (1983)PESAVENTO, Sandra J. RS: agropecuária colonial e industrialização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983., embora sem questionar diretamente o papel da década de 1930 como período decisivo ou “ponto de inflexão” do processo.

Na sequência, serão abordadas três vertentes propiciadas pela controvérsia: (a) as tentativas de mediação; (b) as abordagens marxistas; e (c) a questão da intencionalidade. Vejamos brevemente cada uma delas.

As mediações

Embora Versiani e Versiani (1975VERSIANI, Flávio R.; VERSIANI, Maria Teresa. A industrialização brasileira antes de 1930: uma contribuição. Revista de Estudos Econômicos, v. 5, n. 1, 1975.) defendam ser com Fishlow (1972FISHLOW, Albert. Origens e consequências da substituição de importações no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo: IPE/USP, v. 2 n. 6, p. 7-75, 1972.) que o revisionismo de Peláez às teses cepalinas começa, “ele próprio, a ser revisto” (p. 122), o trabalho mais representativo nessa linha é o dos próprios autores (Versiani e Versiani, 1975VERSIANI, Flávio R.; VERSIANI, Maria Teresa. A industrialização brasileira antes de 1930: uma contribuição. Revista de Estudos Econômicos, v. 5, n. 1, 1975.). Ao analisarem o desempenho da indústria têxtil algodoeira e, posteriormente, da cerveja (Versiani e Versiani, 1982VERSIANI, Flávio R.; BASTOS, Vânia L. The Brazilian machine-tool industry: patterns of technological transfer and the role of government. International Development Research Centre. Science and Technology Policy Instruments. Manuscript report. Background paper. Ottawa, n. 4, p. 1-36, 1982.), os autores ponderam a existência de fases distintas de expansão da capacidade produtiva e da produção industrial no período do “modelo agroexportador”. Assim, torna-se complexa a relação café/indústria, pois tais fases intercalam-se e, com elas, a política cambial, já que, em uma economia exportadora, a taxa de câmbio é o preço essencial para definir ganhos e perdas entre setores. Nos períodos de crise da agroexportação, com a desvalorização do mil-réis, como no Encilhamento e suas consequências (1895-1905), Primeira Guerra e Grande Depressão, aumentava a produção industrial, o que referenda a análise de Furtado. Todavia, os investimentos cresceram nos períodos de auge da economia cafeeira, como entre 1885 e 1895 e 1906 e 1914. Nestes, a capacidade produtiva industrial expandiu, contando com as divisas geradas pelo setor exportador, que possibilitava importar bens de capital e matérias-primas necessárias à produção, bem como pelo “efeito renda”, o qual ampliava o mercado interno e as fontes de financiamento necessárias para inversões em infraestrutura (portos, estradas, eletricidade). Assim, as teses de Furado e Peláez, antes de contraditórias, poderiam ser compreendidas em uma espécie de “síntese”.

Os dados empíricos trabalhados pelos autores corroboram tal linha interpretativa, além dos marcos teóricos em que Furtado e Peláez apoiam-se, o que não é explorado por Versiani e Versiani. A questão é: como se mede o “crescimento da indústria”? Furtado, sob influência keynesiana, sempre ao defender que a indústria crescera na década de 1930, enfoca a produção industrial e o crescimento do PIB com base no efeito multiplicador, em uma análise típica pelo lado da demanda. Realmente deixa para segundo plano a questão de onde teriam surgido as máquinas e os equipamentos, e muito menos questiona a necessidade da poupança para viabilizar tais investimentos (o que é consistente com sua formação keynesiana, cujo approach teórico privilegia o crédito, e não a poupança). Já Peláez é mais consistente com o paradigma neoclássico e com modelos de crescimento como o de Solow: procura a origem da poupança para explicar os ciclos de investimento, e a encontra no fluxo de renda proveniente da economia cafeeira. Assim, diferentemente de Furtado, os dados em que se apoia são predominantemente de ampliação da capacidade produtiva. A análise realmente mostrou-se robusta para romper com a polaridade do debate, embora fique ainda a pergunta, a ser respondida com mais acuidade, sobre o que levava empresários a investirem nos períodos de escassa demanda doméstica, quando os preços relativos favoreciam as importações baratas. A hipótese aventada pelos autores - de que os industriais anteviam que a economia comportava fases favoráveis às exportações, as quais seriam sucedidas por crises com câmbio desvalorizado e, portanto, investiam tendo a percepção do caráter cíclico da economia, em uma espécie de racionalidade adaptativa - realmente supõe um grau de clarividência do setor empresarial da época, o qual exige maior comprovação empírica para encorpar a análise.

As abordagens marxistas

Outra forma, mais sutil e menos explícita, de mediação da controvérsia foi realizada sob a égide do instrumental marxista. Tais análises abordam o aparecimento da indústria tendo como marco referencial a emergência do capitalismo como modo de produção. Assim, é feita a distinção entre o café escravista e a transição que se dá em São Paulo, a partir de 1850, no sentido de introduzir o trabalho livre, inclusive com mão de obra imigrante. Essa abordagem, a qual reconhece no imigrante também o gérmen do empresariado nascente - às vezes denominado “burguês imigrante” -, assim como no cafeicultor paulista (em contraste com os “barões do café”, escravistas, do Rio de Janeiro), deve-se principalmente à Escola de Sociologia da USP, como em G. Cohn (1969COHN, Gabriel. Problemas da industrialização no século XX. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. São Paulo: Difel, 1969., p. 288), F. H. Cardoso (Cardoso e Faletto, 1970CARDOSO, Fernando H.; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1970., p. 64) e F. Fernandes (1981FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981 {1975}. {1975}, p. 103).

Como consequência, a despeito de maior aproximação de tais abordagens com o approach de Furtado e distanciamento com o de Peláez, há nelas o reconhecimento de crescimento industrial já antes de 1930, fenômeno resultante da própria acumulação de capital cujo epicentro era o café. Assim, Mello (1982MELLO, João Manuel C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982.) e Tavares (1986)TAVARES, Maria da C. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campinas: Unicamp, 1986., em suas teses de livre-docência, ambas defendidas em 1975, embora resgatem a tradição cepalina,6 4 Há certa tendência na literatura de, ao analisar a origem da indústria no Brasil, focar principalmente São Paulo, muitas vezes passando ao largo da heterogeneidade regional. Todavia, o mesmo processo de substituição de importações é verificado, embora em menor dimensão, mas com intensidade não desprezível, em outros estados, principalmente Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O trabalho clássico sobre os desequilíbrios regionais e a concentração industrial em São Paulo é o de Cano (1985). Por outro lado, pesquisadoras como Lobo (1978) e Levy (1994) defendem que a indústria brasileira surgiu na antiga capital do império, e não em São Paulo, tese que foi explorada no debate dessa autora com Cano (1985). admitem o crescimento industrial antes de 1930, conquanto advoguem não se poder falar propriamente em industrialização naquele período, posto que esta ocorria ainda como desdobramento da acumulação de capital, cuja hegemonia repousava na agroexportação. Somente em 1933 - e, portanto, com o impacto da Grande Depressão - é que se inaugurou novo padrão de acumulação, cuja dinâmica assentava-se na indústria, ou seja, só a partir de então “existe um movimento endógeno de acumulação, em que se reproduzem, conjuntamente, a força de trabalho e parte crescente do capital constante industriais” (Mello, 1982MELLO, João Manuel C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982., p. 110). Como se observa, tal interpretação faz a distinção entre “crescimento industrial”, verificável já antes de 1933, e “industrialização” - esta entendida como um processo continuado e com “dinâmica própria” -, só defensável a partir desse ano, quando a indústria substitui o café como principal determinante do desenvolvimento capitalista do país. Destarte, com recurso a outro instrumental teórico, reconhecem-se a existência e a relativa importância das atividades industriais antes de 1930 e, ao mesmo tempo, reafirma-se a periodização cepalina e furtadiana.

Ainda na tradição marxista,7 5 Szmercsányi (2002) critica, com propriedade, que Furtado tenha ignorado ou subestimado o crescimento industrial antes de 1930, o que tornaria de certo modo impróprio rotular sua interpretação como “teoria dos choques adversos”. menciona-se como relevante o trabalho de Silva (1976SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.),8 6 Cabe qualificar a evolução da interpretação de Tavares acerca do PSI brasileiro. Observa-se clara influência do arcabouço teórico da Cepal em seu primeiro artigo sobre o tema — “Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil”, originalmente publicado em 1963 —, no qual o estrangulamento externo, como variável propulsora do processo, permeia sua análise, seguindo a tradição cepalina. Em trabalhos posteriores, porém, a autora afasta-se gradualmente das categorias cepalinas ao incorporar conceitos kaleckianos, como o esquema tridepartamental, e marxistas, como a proposta de reconstituição da história de industrialização brasileira inserida no processo de formação do capitalismo no Brasil, com foco na configuração de forças produtivas capazes de assegurar o que denominou “ciclo endógeno” da industrialização, o que só ocorreria a partir do Plano de Metas, quando a industrialização avançou para a formação do departamento de bens de capital (D1). fruto de tese defendida na École Pratique des Hautes Études (Paris, 1973). Também sem mencionar a controvérsia Furtado versus Peláez, Silva foi o pioneiro a fazer uma leitura marxista que vai ao encontro de uma síntese do debate entre os referidos autores. Sua tese principal, amparada na epistemologia dialética, propõe o entendimento da relação entre café e indústria como, ao mesmo tempo, de unidade e contradição. Unidade, pois café e indústria fazem parte de um mesmo processo de desenvolvimento capitalista, emergente no Brasil com a crise do trabalho escravo; a expansão exportadora fora capaz de gerar um “complexo cafeeiro”, o qual não se reduzia apenas à cultura do café, mas expandiu-se e impulsionou outros setores que, cada vez mais, ganharam importância, como comércio, firmas de importação, bancos, serviços, setor público, estradas, eletrificação - e também atividades industriais (esse efeito expansionista da acumulação cafeeira lembra, cum grano salis, o “efeito renda” de Peláez). Já a contradição emergia com “os limites impostos ao desenvolvimento da indústria pela posição dominante da economia cafeeira na acumulação de capital” (Silva, 1976SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1976., p. 103). Entre as partes mais criativas dessa interpretação está a relação da economia brasileira com a internacional, de modo que a expansão do café, ao longo das quatro primeiras décadas da república, passara a exigir crescente intervencionismo, cujas consequências se manifestaram em elevação da dívida externa, desvalorização cambial e crescimento do endividamento público, desde logo a ensejar novos impostos, como sobre importações. Assim, a economia exportadora, tal qual o capitalismo de Marx, ao expandir-se gerava os gérmens de sua superação. Gradualmente, tornava-se inviável sua sustentação, só possível com forte intervencionismo, denominado por Furtado “socialização das perdas”, pois levava o governo a adotar medidas, como as mencionadas, cujas consequências eram encarecer os importados e criar ambiente para a produção doméstica de itens antes importados (Furtado, 1977HIRSCHMAN, Albert. The political economy of import-substituting industrialization in Latin America. The Quarterly Journal of Economics, v. LXXXII, n. 1, p. 1-32, 1968. {1959}, p. 165). A “negação da negação”, cara à dialética hegeliana, é exposta com o fato de a indústria nascer como desdobramento da expansão e das contradições da economia cafeeira, da qual viria tomar o lugar em sua crise derradeira, acelerada pela Grande Depressão.

A questão da intencionalidade

Como foi mencionado, Furtado defendeu que a política econômica do governo na década de 1930 foi variável decisiva para o crescimento industrial do período e para o decorrente início do PSI. Todavia, tal política fora não intencional: “a recuperação da economia brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que era subproduto da defesa dos interesses cafeeiros” (Furtado, 1977HIRSCHMAN, Albert. The political economy of import-substituting industrialization in Latin America. The Quarterly Journal of Economics, v. LXXXII, n. 1, p. 1-32, 1968. {1959}, p. 193; grifos nossos). Tal conclusão de Furtado deve-se, em boa medida, ao fato de ter tratado o crescimento da indústria como resultado das políticas monetárias e cambiais, ou seja, de políticas macroeconômicas voltadas ao enfrentamento da crise da economia cafeeira, e não propriamente a incentivar a indústria. Outros autores vão na mesma linha de negar a intencionalidade, como Hirschman (1968HIRSCHMAN, Albert. The political economy of import-substituting industrialization in Latin America. The Quarterly Journal of Economics, v. LXXXII, n. 1, p. 1-32, 1968.), Dean (1971DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, 1971., p. 17), Villela e Suzigan (1973VILLELA, Aníbal V.; SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira, 1889-1945. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1973., p. 78), Lessa (1982LESSA, Carlos. 15 Anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1982., p. 15), Peláez (1987PELÁEZ, Carlos Manuel. Economia brasileira contemporânea. São Paulo: Atlas, 1987., p. 92) e Rodríguez (2009RODRÍGUEZ, Octavio. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009., p. 82). Isso mostra que, mesmo autores mais próximos do mainstream, nada divergem, nesse aspecto, da tradição cepalina de considerar o período anterior ao final da Segunda Guerra como “fase espontânea” da substituição de importações. Tal denominação aponta para um duplo sentido: um pertinente, ao associá-lo à inexistência de planejamento da economia, fenômeno que só aparece com nitidez na América Latina após a Segunda Guerra, inclusive por influência da própria Cepal; e outro, de mais difícil aceitação para o caso brasileiro, de que o governo não tinha consciência ou projeto industrializante, o que contraria o sentido das mudanças e da complexificação do aparelho estatal brasileiro na década de 1930 (Draibe, 1985DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil, 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.) e os pronunciamentos de Vargas, por meio de discursos, relatórios e entrevistas, além de leis e instituições cujas criações começaram nessa década e se aprofundaram ao longo do Estado Novo (Fonseca, 1987aFONSECA, Pedro C. D. O discurso em perspectiva e o capitalismo em construção. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Pesquisas Econômicas, Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987a., 1987bFERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981 {1975}.).9 7 Ainda que não tenha tratado diretamente do debate sobre a origem da industrialização brasileira, cabe mencionar os trabalhos de Francisco de Oliveira (1977, 1981) acerca da formação do capitalismo no Brasil e das classes sociais envolvidas no processo. O autor enfatiza a intermediação financeira do processo de transferência intersetorial de renda: “Verifica-se que, longe de ter havido transferência de recursos ou de renda do setor exportador para os demais setores, houve o contrário, o que reafirma o fato de que a intermediação comercial e financeira externa própria da economia agroexportadora representou uma restrição ao avanço da divisão social do trabalho interno ao próprio tempo em que se negava” (Oliveira, 1977, p. 34).

Ao estender-se o escopo da ação estatal como mais abrangente do que as medidas instrumentais de estabilização, com a inclusão de políticas institucionais de maior vulto e abrangência, ficam mais nítidas as evidências da tese segundo a qual, ao longo da década de 1930, a consciência industrializante fez-se presente (Fonseca, 2003FONSECA, Pedro C. D. Sobre a intencionalidade da política industrializante no Brasil na década de 1930. Revista de Economia Política, v. 23, n. 1, p. 133-148, 2003.). Entre essas, podem-se mencionar como desse período, entre outras iniciativas, a legislação trabalhista, a reforma educacional de Francisco Campos, a reforma tributária de 1934, a criação de institutos (como do Açúcar e do Álcool, do Mate etc.), de conselhos (como o Conselho Federal de Comércio Exterior e o Conselho Nacional do Petróleo), de comissões e departamentos (como a Comissão de Similares, a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional e o Departamento Administrativo do Serviço Público {Dasp}), de novos códigos (como de Minas e de Águas) e das primeiras estatais brasileiras, inauguradas nos início dos anos 1940, voltadas a um projeto explícito de industrialização, como a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Todas essas inciativas - que concretizam o discurso oficial pró-indústria, o qual não pode ser reduzido a meras declarações retóricas - entrosam-se no sentido de criar uma estrutura material, jurídica e institucional para viabilizar o crescimento industrial acelerado. Em outras palavras, não teriam razão de ser sem a existência de um projeto deliberado, e é este que lhes dá sentido. Cabe mencionar, ainda, que mesmo o estudo mais detalhado das políticas cambial e monetária (portanto, nas políticas “instrumentais” macroeconômicas) permite nelas se antever a mesma intencionalidade, além da defesa das exportações de produtos primários (Van Der Lan et al., 2012VAN DER LAN, Cesar et al. Os pilares institucionais da política cambial e a industrialização nos anos 1930. Revista de Economia Política, v. 32, n. 4, 2012.).

Tais análises, embora tenham como ponto de partida uma crítica a Furtado, ao apontarem tal lacuna na verdade reforçam - e, de certo modo, radicalizam - sua tese central de que a década de 1930 foi crucial para o processo de industrialização do Brasil.

A conclusão do PSI e a problemática dos bens de capital

A controvérsia sobre o fim do PSI e da constituição do setor de bens de capital como ápice do referido processo difere da referente à origem da indústria em pelo menos dois aspectos. Primeiro: a polêmica não se deu diretamente; na maioria das vezes, foram interpretações contrastantes sobre o mesmo fato sem um confronto direto. Segundo, e que talvez ajude a esclarecer as razões do primeiro: as diferenças analíticas envolveram basicamente economistas de um mesmo approach, de tradição cepalina e heterodoxa, o que por certo influiu para a menor radicalização. Pode-se dizer que a figura de Maria da Conceição Tavares é central na controvérsia, a qual tem como ponto de referência inicial seu artigo já referido “Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil”, de 1963.

O esgotamento do PSI e a estagnação

O artigo de Tavares foi escrito em momento particularmente grave para os principais países da América Latina, como Brasil e Argentina, com queda nas taxas de crescimento econômico posteriores aos governos de Juscelino Kubitschek e Arturo Frondizi, ambos com caráter nitidamente desenvolvimentista. Tavares sintetiza sua tese no próprio título: após o auge, o PSI esgotara-se. Fazia-se mister partir para novo modelo de desenvolvimento. Envolve o texto certo tom pessimista, pois contrasta os êxitos obtidos nas décadas anteriores, de 1930 a 1950, com a “estagnação” ora vivenciada, cujo diagnóstico apontava para as contradições do “modelo” substitutivo de importações.

São vários os motivos arrolados por Tavares para explicar a perda de fôlego do crescimento industrial do período. Seu entendimento basilar é que a substituição de importações era um processo fomentado pelo estrangulamento externo, uma resposta doméstica de alguns países latino-americanos ao problema recorrente do balanço de pagamentos, aguçado nas crises. Entretanto, à medida que tal processo avançava, o estrangulamento externo tornava-se mais barreira do que variável indutora ao crescimento industrial, pois a pauta de importação tornava-se a cada dia mais rígida e necessitava de mercados mais amplos, a fim de sustentar investimentos de maior relação capital/produto e mais complexos. Assim, houvera uma fase mais “fácil” de substituição de importações nas primeiras décadas após a Grande Depressão, centrada nas indústrias de bens de consumo não duráveis, como têxtil, vestuário, alimentos e bebidas, mais intensivas em mão de obra e com tecnologia menos complexa (Tavares, 1972TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 43 e 116). Entretanto, em meados da década de 1950, o processo passara a exigir novas importações de matérias-primas e bens de capital, as quais se viram barradas por capacidade de importar declinante. Nesse entendimento, o estrangulamento mostrava-se como variável indutora somente enquanto havia uma demanda interna reprimida; e, à medida que esta ia sendo atendida, gerava-se uma demanda derivada de bens intermediários e de capital - uma nova “onda de substituições” (Tavares, 1972TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 117). Na fase avançada, entretanto, concluíra-se a substituição das indústrias de bens de consumo tradicionais, que, em decorrência, deixavam de ser indutoras de novos investimentos.

Tavares não deixa de se questionar sobre as alternativas possíveis para alavancar o crescimento a partir de então, uma vez que não se poderia mais contar com as referidas ondas de substituição do PSI. Seguindo sua lógica, pois o estrangulamento externo e a demanda do setor de bens de consumo não mais seriam suficientes para induzir o crescimento do setor do bens de capital, fazia-se necessário “transitar para um modelo autossustentado de crescimento” (Tavares, 1972TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 118). Este dependia mais da demanda autônoma de bens de capital, na qual o setor público seria relevante, pois só ele teria condições de exercer tal papel. Tavares salienta ainda, em algumas passagens, o desafio de ampliar o mercado, uma vez que, ao se avançar para ramos mais complexos, a intensidade de capital passaria a exigir escalas de produção muitas vezes superiores ao tamanho relativo do mercado (Tavares, 1972TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 49). A ampliação do mercado, a seu ver, encontrava barreira na estrutura da propriedade da terra, a qual havia permanecido praticamente inalterada ao longo do PSI. A reforma agrária poderia ser uma alternativa para reter mão de obra no campo, ao mesmo tempo que aumentaria a produtividade do trabalho e teria uma “justificativa estritamente econômica para lançar as bases de um futuro consumo de massas, característica básica de uma sociedade capitalista desenvolvida” (Tavares, 1972TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 113).

Já em sua tese de livre-docência, de 1975, Tavares apresenta algumas diferenças significativas com relação à sua interpretação de 1963. Além da já assinalada com relação ao acrescimento industrial antes de 1930, passa a compartilhar com Cardoso de Mello nova peridiozação para a economia brasileira, a qual relativiza o papel do estrangulamento externo e da própria categoria “substituição de importações”, cara ao pensamento cepalino. A dinâmica “externa-interna”, tal como havia nesse approach, precisava ser revista, fazendo-se necessário recorrer a um marco teórico cuja ênfase residisse no processo de formação dos departamentos de bens de capital e de consumo na economia brasileira (D1 e D2 de Marx), o qual, uma vez concluído, constituiria um padrão endógeno de acumulação de capital. O trabalho de Cardoso de Mello, escrito praticamente ao mesmo tempo que o de Tavares, nesse aspecto, torna-se referência obrigatória, ao assinalar que a década de 1930 é relevante não propriamente pela polaridade entre “modelo agroexportador” versus “substituição de importações”, como se pensara anteriormente, mas porque só a partir de então se pode falar em industrialização:

Há industrialização, porque a dinâmica da acumulação passa a se assentar na expansão industrial, ou melhor, porque existe um movimento endógeno de acumulação de capital em que se reproduzem, conjuntamente, a força de trabalho e parte crescente do capital constante industriais; mas a industrialização se encontra restringida, porque as bases técnicas e financeiras da acumulação não são suficientes para que se implante, num golpe, o núcleo fundamental da indústria de bens de produção, que permitiria à capacidade produtiva crescer adiante da demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial. (Mello, 1982MELLO, João Manuel C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982., p. 110; negrito do original)

Na sequência, Cardoso de Mello argumenta que é com o Plano de Metas de Kubitschek, a partir de 1956, que essa fase de “industrialização restringida” aos bens de consumo se encerra. Foi decisivo para isso o bloco de investimentos liderado pelo Estado e pelo capital internacional, o que levou a um crescimento “mais que proporcional do departamento de bens de produção” (Mello, 1982MELLO, João Manuel C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982., p. 111). Nas categorias marxistas, a industrialização estava até então restringida ao Departamento II, que reproduz o capital variável (ou os bens de consumo necessários para reproduzir a força de trabalho); a partir de então, internalizaria o Departamento I, ao produzir o capital constante em um “bloco de investimentos” que leva a capacidade produtiva a crescer muito além da demanda preexistente (Tavares, 1986TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 113). Tavares assinala, em sequência, que o processo de substituição de importações acabara bem antes do período que defendera no trabalho de 1963 (Tavares, 1986TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 115). Já a partir de 1947 deixaria de ser o estrangulamento externo o responsável pelo crescimento industrial: “O ponto central é que esse incremento de produção permite, pela primeira vez na história da indústria, reproduzir conjuntamente a força de trabalho e parte do capital constante industrial, em um movimento endógeno de acumulação” (Tavares, 1986TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 104; grifos do original). Só a partir desse momento se pode falar em “modo especificamente capitalista de produção”, em que a relação entre os dois departamentos de produção consegue reproduzir, conjuntamente, tanto o proletariado urbano quanto a acumulação de capital (Tavares, 1986TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 105).

Tal mudança de paradigma altera o pensamento dos autores com relação às teses cepalinas antes por eles defendidas em vários aspectos, mas interessa aqui assinalar pelo menos três:

as causas da estagnação deixam de ser o subconsumo ou as altas relação capital/produto e capital/trabalho dos novos investimentos da fase da substituição de importações. Trata-se agora de frisar o lado dos investimentos, os quais, pelas características das plantas e técnicas de produção, iam além da demanda corrente, ou seja, ocasionando capacidade ociosa (fato explorado, adiante, por Ignácio Rangel {1980RANGEL, Ignácio. Recursos ociosos e política econômica. São Paulo: Hucitec, 1980.]);

o estrangulamento externo deixa de ter a importância a ele atribuída no paradigma cepalino, seja como indutor na fase inicial do PSI, seja como entrave ou limitante na “fase avançada”, a partir do Plano de Metas. Robustece essa interpretação o entendimento de que os ciclos, a partir de então, passariam a ser “endógenos”, ou seja, não devidos aos problemas de balanço de pagamentos decorrentes da inserção subordinada na divisão internacional do trabalho ou da deterioração dos termos de intercâmbio, mas determinados pela expansão e diversificação do setor industrial. Em suas palavras: “Nossa hipótese central de análise continua sendo a de que os fluxos de comércio e de capital estrangeiro não determinam exogenamente a dinâmica da acumulação, apenas articulam-se com ela e modificam-na a partir de dentro” (Tavares, 1986, p. 104; grifos do original). Os ciclos, a rigor, não decorrem mais da situação de subdesenvolvimento ou das contradições do PSI, pois a partir de então a economia estaria “sujeita a ciclos de expansão e a problemas de realização que podem ou não se desenvolver numa crise, como em qualquer economia capitalista” (Tavares, 1986, p. 117; grifo nosso);

o entendimento de que a partir do Plano de Metas a indústria de bens de capital é implantada de “um só golpe” será objeto da seção seguinte.

A problemática dos bens de capital

No artigo “Auge e declínio…”, há uma passagem famosa em que Tavares recorre à metáfora da construção de um edifício para ilustrar seu entendimento sobre a periodização do PSI e a construção dos setores de bens de consumo e de bens de capital. O inusitado é que a metáfora é para ilustrar não o que é, mas o que não é, ao enfatizar a diferença entre as construções de engenharia e a economia. Assim, se um edifício só pode ser construído gradativamente dos alicerces aos pisos superiores, ou do térreo para cima, em economia o mesmo não ocorre, pois esta não comportaria compartimentos estanques: é como se todos os andares devessem ser construídos simultaneamente, “mudando apenas o grau de concentração em cada um deles de período para período” (Tavares, 1972TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 46). Essa visão da autora não significa que não houvesse “ondas de substituição” centradas em determinados setores - como já se mencionou, tal expressão é utilizada no próprio artigo -, mas salienta a interdependência setorial da economia (lembrando a matriz de Leontief). Assim, embora nas décadas de 1930 e 1940 a substituição de importações se concentrasse, em termos de valor agregado, nos ramos de bens de consumo não duráveis ou bens-salários, isso não significa que a eles se restringisse, pois a produção doméstica de tais bens abria oportunidades aos empresários para que se avançasse para bens intermediários e mesmo de capital, em integração vertical com outros setores. Quando os empresários privados não se mostraram dispostos ou aptos para tais investimentos, coube ao Estado cumprir tal tarefa, como no caso da siderurgia, quando se criou a primeira estatal brasileira voltada diretamente à produção industrial (CSN, 1941). Assim, a necessidade de expansão para ramos mais complexos decorria da própria dinâmica da industrialização, de maneira que o predomínio de um setor em determinada “onda substitutiva” não apagava o fato de que investimentos complementares e conexos em outros setores se faziam necessários.

Por outro lado, ainda nesse artigo de 1963, Tavares não dá como concluída a substituição de importação de bens de capital. O fato de a substituição de importações ter se esgotado como modelo de desenvolvimento não significava que o parque industrial tivesse se completado com a internalização dos dois departamentos, mas que agora dependeria de decisões de política econômica - o investimento autônomo do governo -, e não mais pela indução do estrangulamento externo, como acontecia no PSI: “só o setor público, com o seu peso relativo dentro da economia, tem capacidade de exercer uma demanda autônoma, capaz de se opor às tendências negativas que emergem do esgotamento do impulso externo” (Tavares, 1972TAVARES, Maria da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972., p. 118).

A interpretação posterior compartilhada por Tavares e Cardoso de Mello, ao endossar a tese de que a indústria de bens de capital fora implementada “num só golpe”, vai, portanto, em direção oposta à defendida no artigo “Auge e declínio…”. Embora tais palavras possam ser interpretadas como força de expressão, parece não haver dúvida quanto ao entendimento dos autores sobre dois aspectos: (a) a “substituição de importações” não faria mais sentido seja como categoria analítica, por não mais decorrer do estrangulamento externo, seja por ter alcançado os bens de capital e, com isso, internalizado na economia os dois departamentos; e (b) a concentração no tempo da implantação da indústria de bens de capital, a qual, da mesma forma, teria ocorrido na segunda metade da década de 1950, em decorrência dos investimentos do Plano de Metas. Reforça tal entendimento dos autores sua periodização, segundo a qual em 1955 teria acabado a fase da “industrialização restringida” aos bens de consumo, usando para qualificá-la este último adjetivo, per se forte e incisivo.

Quanto à tese de que a substituição de bens de capital completara-se nos anos 1950 como consequência do Plano de Metas, pode-se afirmar que contraria não só o que Tavares pensava em “Auge e declínio…”, mas pelo menos dois trabalhos relevantes que apontam em sentido contrário. O primeiro é de Furtado, no Plano Trienal, elaborado no segundo semestre de 1962 para o governo Goulart e posto em prática em 1963, ao assumir a pasta do Planejamento. O Plano defendia que a substituição era um processo que não estava esgotado: ao contrário, deveria ser aprofundado com o ingresso no setor de bens de capital (Fonseca, 2004FONSECA, Pedro C. D. Legitimidade e credibilidade: impasses da política econômica do governo Goulart. Estudos Econômicos, v. 34, n. 3, jul./set. 2004., p. 609). O segundo é o de Castro e Souza (1984CASTRO, Antonio B. de; SOUZA, Francisco Eduardo P. de. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.), no qual consta crítica explícita à visão de substituição de importações de Tavares e entende que só com os investimentos do II PND, durante o governo Geisel (1974-1979), é que a economia brasileira completa a substituição de importações de bens de capital, com o que se poderia dar por encerrado o PSI iniciado na década de 1930 (Castro e Souza, 1984CASTRO, Antonio B. de; SOUZA, Francisco Eduardo P. de. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984., p. 70). As críticas de Castro e Souza a Tavares constituem um dos poucos momentos do debate em que a controvérsia toma dimensão mais direta. O entendimento daqueles autores aponta que o principal setor privilegiado a partir da segunda metade da década de 1950, e que perdura até o “milagre brasileiro” (1968-1973), portanto até o “choque do petróleo”, não é o de bens de capital, mas o de bens de consumo duráveis, como a indústria automobilística e eletroeletrônica. Não se nega que o Plano de Metas contribuiu para a implantação de setores de bens de capital e intermediários, mas foi insuficiente para completar a substituição de importações do setor. De modo que, ao findar o “milagre”, o país tinha um setor de bens de consumo duráveis superdimensionado, ao lado de setores de bens de capital, intermediários e de infraestrutura carentes de investimentos e de modernização. O II PND propôs a “mudança de rota”, voltada a superar a “atrofia dos setores produtores de insumos básicos e de bens de capital” (Castro e Souza, 1984CASTRO, Antonio B. de. 7 ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1971., p. 33).

Na mesma linha, vários trabalhos, principalmente realizados no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, têm argumentado ser imprópria a expressão “industrialização restringida” para caracterizar o período entre 1933 e 1955, tal como aparece em Tavares e Cardoso de Mello, nas teses já mencionadas (Fonseca, 1984FONSECA, Pedro C. D. A política econômica governamental e os ciclos: reflexão sobre a crise atual. Estudos Econômicos, v. 14, n. 2, maio/ago. 1984., 1989FONSECA, Pedro C. D. O discurso em perspectiva e o capitalismo em construção. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Pesquisas Econômicas, Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987a.).

De acordo com Aldworth (1988ALDWORTH, Rosana G. Ensaio crítico à razão endogenista. Dissertação (Mestrado em Economia) - Programa de Pós-graduação em Economia, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1988.), a internalização do setor de bens de capital não poderia significar autonomia diante do sistema internacional, pois o progresso tecnológico tem como epicentro os países centrais. Assim, mesmo que a economia brasileira conseguisse implantar o setor de bens de capital, tal situação não estaria assegurada em termos permanentes: “a tecnologia não impede a constituição de um departamento produtor de bens de capital, mas não permite sua reprodução” (p. 188). Já Arend (2009AREND, Marcelo. 50 anos de industrialização do Brasil (1955-2005): uma análise evolucionária. Tese (Doutorado em Economia) - Programa de Pós-graduação em Economia, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.), com uma análise apoiada no instrumental schumpeteriano, questiona a interpretação segundo a qual, a partir da introdução do setor de bens de capitais, os ciclos seriam determinados endogenamente. Assim, o problema maior de economias como a brasileira é manter-se na fronteira tecnológica, pois tende a acompanhar com defasagem de tempo os paradigmas tecnológicos emergentes nos países centrais. Além disso, defende que “há uma aparente confusão entre ‘fatores internos’ e ‘endógenos’ na tese do capitalismo tardio, já que o agente dinamizador e promotor do progresso técnico é fundamentalmente o capital estrangeiro” (p. 91). Finalmente, Guerrero (2013GUERRERO, Glaison A. Trajetória e aprendizado tecnológico do setor de máquinas-ferramentas no Brasil. Tese (Doutorado em Economia) - Programa de Pós-graduação em Economia, Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.), ao elaborar o histórico do setor de máquinas-ferramentas no Brasil, assinala que na década de 1930 produziu-se uma variedade de máquinas “pequenas e de uso universal”, enquanto na década de 1940 começa a produção em escala industrial, incluindo modelos maiores. Apoia-se, ainda, em Versiani e Bastos (1982VERSIANI, Maria Teresa. Proteção tarifária e o crescimento industrial brasileiro dos anos 1906-1912: o caso da cerveja. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 12, n. 2, 1982., p. 13) para lembrar que, em 1955, portanto antes do Plano de Metas, “a produção de máquinas-ferramentas brasileira foi de 4.500 unidades, e as importações corresponderam a apenas 34,7% (em unidades) da demanda interna e 53,9% em peso”.

Cabe assinalar que, antes de Versiani e Bastos, Fishlow já argumentara que, entre 1919 e 1939, o setor de bens de capital havia elevado sua participação no valor adicionado em mais de três vezes (Fishlow, 1972FISHLOW, Albert. Origens e consequências da substituição de importações no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo: IPE/USP, v. 2 n. 6, p. 7-75, 1972., p. 35). Nesse mesmo sentido, Leff, ao trabalhar com dados sobre o consumo de ferro e aço, demonstra que o crescimento da produção de equipamentos fora especialmente alto já na década de 1930 (Leff, 1968LEFF, Nathaniel. H. The Brazilian capital goods industry 1929-1964. Cambridge: Harvard University Press, 1968., p. 12). Todavia, a crítica com fundamentos empíricos mais robustos à tese de que o setor tenha sido implantado “num só golpe” encontra-se em Marson (2012MARSON, Michel D. Origens e evolução da indústria de máquinas e equipamentos em São Paulo, 1870-1960. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.). Este, a despeito da disponibilidade restrita de dados acerca da evolução da indústria de bens de capital no início do século XX, atesta a diversificação da indústria brasileira durante os anos 1930 em favor dos setores mais dinâmicos, especialmente bens intermediários de capital. Acompanhando o desenvolvimento agrícola da província de São Paulo, o número significativo de plantas não artesanais que se estabeleceram nessa região contraria a tese de que a indústria de bens de capital deve-se ao Plano de Metas, pois sua história mostra um crescimento gradual e constante nas décadas precedentes, acompanhando o crescimento industrial do período.

Considerações finais

Este artigo recupera as linhas gerais de três grandes controvérsias que dividiram os estudiosos sobre a história da industrialização brasileira. Esta, que tem início no fim do século XIX - inicialmente como processo espontâneo, mas fruto de uma política consciente e deliberada, por parte do governo federal, a partir da década de 1930 -, fez com que a economia brasileira abandonasse o modelo agroexportador e passasse a se desenvolver alavancada no setor industrial e no mercado interno. O PSI logrou dotar o país de um dos maiores e mais diversificados parques industriais do mundo capitalista no século XX.

A primeira controvérsia parte da obra de Celso Furtado, a qual lançou as bases do debate historiográfico acerca desse fenômeno. Utilizando-se de ferramental teórico heterodoxo para interpretar a realidade observada a partir da Revolução de 1930, Furtado enfatizou o papel da política pública como instrumento de fomento da industrialização. Ao relevar aspectos caros ao estabelecimento do setor fabril, como a poupança prévia e os fatores que ensejaram o aumento da capacidade produtiva, a análise de Furtado passou a ser contestada por uma perspectiva ortodoxa, da qual Peláez fez-se seu principal representante a partir dos anos 1970.

O avanço das pesquisas trouxe novos elementos, os quais concorreram para aprofundar o entendimento das origens da indústria. Conforme demonstrado na primeira parte deste trabalho, as tentativas de mediação contribuíram não apenas para atenuar a dicotomia original, mas principalmente para qualificar o impacto de episódios centrais para o desenvolvimento do processo, como as duas guerras mundiais, a Grande Depressão e a própria intencionalidade da política econômica do governo brasileiro.

O esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações representa outra grande controvérsia na literatura, na qual se destaca a tese clássica de Tavares que delegava ao estrangulamento externo a centralidade no PSI. À medida que a industrialização avançava, no entanto, a variável externa tornava-se mais impedimento que indutor do processo, fazendo com que, no início dos anos 1960, a economia brasileira adentrasse seu primeiro período de estagnação em mais de duas décadas.

Diretamente relacionada com esse debate, a segunda controvérsia enfocada diz respeito à consolidação do setor de bens de capital, que também provocou divergências entre os analistas. A interpretação segundo a qual somente a partir da segunda metade da década de 1950 a economia brasileira superou a fase da “industrialização restringida” recebeu qualificações de pesquisas recentes. Ao se demonstrar que a indústria de máquinas e equipamentos, notadamente a metal-mecânica, já havia se estabelecido em São Paulo pelo menos desde a segunda década do século XX, atenua-se a interpretação que delega ao Plano de Metas a implantação do referido setor no país.

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  • 3
    O trabalho de Cardoso (1979) traz uma contribuição relevante ao formalizar a descrição dos impactos de algumas variáveis macroeconômicas — notadamente, a taxa de câmbio e a política fiscal — sobre a indústria brasileira no período. Com base em um modelo keynesiano simples, a autora corrobora a tese de Furtado segundo a qual a recuperação da economia brasileira no início dos anos 1930, encabeçada pelo setor industrial, deveu-se mais à defesa do setor cafeeiro do que propriamente à consciência industrializante. De acordo com a autora, “dificilmente se pode argumentar que as depreciações cambiais tenham partido de uma política consciente do governo”, as quais teriam refletido, em sua opinião, “uma adaptação da estrutura econômica, sendo, portanto, consequência da política do café” (p. 393). Ainda assim, a autora permite qualificações à sua própria hipótese ao assentir que “a geração de demanda pelo programa de sustentação do café foi mais complexa do que apontou Furtado” (Cardoso, 1979, p. 374).
  • 4
    Há certa tendência na literatura de, ao analisar a origem da indústria no Brasil, focar principalmente São Paulo, muitas vezes passando ao largo da heterogeneidade regional. Todavia, o mesmo processo de substituição de importações é verificado, embora em menor dimensão, mas com intensidade não desprezível, em outros estados, principalmente Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O trabalho clássico sobre os desequilíbrios regionais e a concentração industrial em São Paulo é o de Cano (1985). Por outro lado, pesquisadoras como Lobo (1978) e Levy (1994) defendem que a indústria brasileira surgiu na antiga capital do império, e não em São Paulo, tese que foi explorada no debate dessa autora com Cano (1985).
  • 5
    Szmercsányi (2002) critica, com propriedade, que Furtado tenha ignorado ou subestimado o crescimento industrial antes de 1930, o que tornaria de certo modo impróprio rotular sua interpretação como “teoria dos choques adversos”.
  • 6
    Cabe qualificar a evolução da interpretação de Tavares acerca do PSI brasileiro. Observa-se clara influência do arcabouço teórico da Cepal em seu primeiro artigo sobre o tema — “Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil”, originalmente publicado em 1963 —, no qual o estrangulamento externo, como variável propulsora do processo, permeia sua análise, seguindo a tradição cepalina. Em trabalhos posteriores, porém, a autora afasta-se gradualmente das categorias cepalinas ao incorporar conceitos kaleckianos, como o esquema tridepartamental, e marxistas, como a proposta de reconstituição da história de industrialização brasileira inserida no processo de formação do capitalismo no Brasil, com foco na configuração de forças produtivas capazes de assegurar o que denominou “ciclo endógeno” da industrialização, o que só ocorreria a partir do Plano de Metas, quando a industrialização avançou para a formação do departamento de bens de capital (D1).
  • 7
    Ainda que não tenha tratado diretamente do debate sobre a origem da industrialização brasileira, cabe mencionar os trabalhos de Francisco de Oliveira (1977, 1981) acerca da formação do capitalismo no Brasil e das classes sociais envolvidas no processo. O autor enfatiza a intermediação financeira do processo de transferência intersetorial de renda: “Verifica-se que, longe de ter havido transferência de recursos ou de renda do setor exportador para os demais setores, houve o contrário, o que reafirma o fato de que a intermediação comercial e financeira externa própria da economia agroexportadora representou uma restrição ao avanço da divisão social do trabalho interno ao próprio tempo em que se negava” (Oliveira, 1977, p. 34).
  • 8
    Em oposição a uma das principais teses de Silva, deve-se mencionar também a contribuição de Martins (2010), que defende o predomínio na indústria brasileira nascente de mercados concorrenciais, de pequenas e médias empresas, contrariando a tese daquele, segundo a qual a indústria brasileira já nasceu oligopolizada.
  • 9
    A inclusão de Versiani e Versiani como defensores da “ótica da industrialização intencionalmente promovida por políticas do governo”, como faz Suzigan (1986, p. 39), parece-nos inapropriada. Deve-se ter claro que aqueles autores tratam do período anterior a 1930, no qual é ainda mais polêmica a aceitação de uma política pró-substituição de importações deliberada, inserida em um projeto voltado a deslocar o “centro dinâmico” da economia, para usar a expressão de Furtado (1977 {1959FURTADO, Celso M. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1977 {1959}.}, p. 195). Além disso, a defesa por eles de protecionismo a setores industriais específicos é insuficiente para evidenciar projeto consciente de industrialização, posto que medidas desse teor podem ser tomadas por outros motivos, como a busca de equilíbrio do balanço de pagamentos ou atender às demandas empresariais particularistas. Suzigan parece, no correr do texto, contrariar o título dado à sua taxonomia ao ponderar que o “intencionalmente” não significa uma “abrangente política deliberada de desenvolvimento”, mas tão somente que o Estado teria desempenhado “papel positivo” por meio de proteção alfandegária, incentivos e subsídios a indústrias específicas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2016
  • Aceito
    09 Ago 2016
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