Resumo:
A administração eclesiástica do Rio de Janeiro, criada em 19 de julho de 1575, inaugurou um novo tipo de estrutura da Igreja diocesana. A administração detinha limites territoriais próprios e os administradores ou prelados exerciam um poder e uma jurisdição quase episcopal, possuindo quase todos os poderes de um bispo, exceto o de ordenar novos sacerdotes. Entre 1575 e 1681, foi governada por cerca de sete prelados. Este artigo analisa a trajetória e o governo prelatício do último deles, Francisco da Silveira Dias, numa época de transição entre as estruturas da administração eclesiástica e as da diocese. Em paralelo, pretende aprofundar o conhecimento sobre o funcionamento da administração eclesiástica e como os prelados exerceram, na prática, esta jurisdição quase episcopal.
Palavras-chave:
Administração eclesiástica; Rio de Janeiro; século XVII
Abstract:
The ecclesiastical administration of Rio de Janeiro, created on July 19, 1575, inaugurated a new type of structure of the diocesan Church. The administration had its own territorial limits and the administrators or prelates exercised a nearly episcopal power and jurisdiction. It had almost all the powers of a bishop, except that of ordaining new priests. Between 1575 and 1681, it was governed by about seven prelates. This study analyzes the trajectory and prelatical government of the last prelate, Francisco da Silveira Dias, at a time of transition between the structures of ecclesiastical administration and diocese. In addition, it intends to deepen the knowledge on how ecclesiastical administration worked and how the prelates exercised in practice this almost episcopal jurisdiction.
Keywords:
Ecclesiastical administration; Rio de Janeiro; XVII century
Sobre a administração eclesiástica
O início do processo de colonização do Brasil pelos portugueses foi lento. As atenções convergiam, sensivelmente até o último quartel do século XVI, para o comércio com o Oriente e, deste relativo desinteresse pelos domínios na América do Sul, nasceu o pouco empenho dos portugueses com a ocupação efetiva dos territórios recém-descobertos. Somente em 1549, Tomé de Souza foi enviado para fundar uma cidade e ser o governador-geral do Estado do Brasil. O local escolhido, batizado Salvador da Bahia de Todos os Santos, usualmente apenas conhecido como cidade da Bahia, de igual modo tornou-se a sede da primeira diocese da América portuguesa, fundada em 1551, pela bula Super specula militantis Ecclesiae. A organização urbana e populacional desta cidade recém-fundada era exígua e a ereção amparava-se em causas exógenas e nos anseios geopolíticos da Coroa lusa. O novo bispado ficou sufragâneo do arcebispado de Lisboa e, embora a presença portuguesa estivesse apenas na costa, detinha a jurisdição de todo o território da América portuguesa (Sales Souza, 2020SALES SOUZA, Evergton. Ecclesiastical geography of Colonial Brazil. Oxford Research Encyclopedia, Latin American History. Oxford: Oxford University Press USA, 2020., p. 2-3).
Em 19 de julho de 1575, a geografia diocesana do Brasil alterou-se. Desta vez, a opção não foi a fundação de uma diocese, mas a adoção de uma nova estrutura, uma administração eclesiástica ou prelazia. O pedido feito por D. Sebastião, por volta de 1574, baseava-se no exemplo de governo eclesiástico existente em Moçambique, Sofala, Molucas e Ormuz, onde existiam administradores amovíveis subordinados ao padrado régio. Todavia, o breve de Gregório XIII, criando a prelazia do Rio de Janeiro, inaugurava um novo modelo.2 2 Ver o breve em Bullarum diplomatum et privilegiorum santorum romanorum pontificum. Neapoli: Henrico Caporaso Editore, 1883, tomo 8, p. 124-129. Em primeiro lugar, o breve estabelecia efetivamente uma administração eclesiástica com limites territoriais próprios e desmembrava este território do bispado da Bahia. Normatizava ainda a forma de escolha dos administradores, que deveria ocorrer por meio da Mesa de Consciência e Ordens, responsável por examinar e indicar os candidatos aptos. Os poderes adjudicados ao prelado também seriam mais alargados do que os atribuídos aos administradores de prelazias no Oriente. No caso do Rio de Janeiro, o prelado teria amplos poderes, uma jurisdição quase episcopal, com autonomia do bispo da Bahia e com alçada espiritual sobre toda a população. O administrador tinha, na prática, quase todas as prerrogativas de um bispo, exceto o direito de ordenar sacerdotes. A jurisdição destes prelados assemelhar-se-ia, na prática, à dos detentores do governo nos espaços considerados nullius dioecesis (Sales Souza, 2018SALES SOUZA, Evergton. Sobre o governo eclesiástico na América portuguesa. Séculos XVI e XVII. In: FURTADO, Júnia Ferreira; ATALLAH, Cláudia C. Azeredo; SILVEIRA, Justiças, governo e bem comum na administração dos impérios ibéricos de Antigo Regime (séculos XV-XVIII). Curitiba: Editora Primas, 2017, p. 359-384., p. 519-522; 2020, p. 3-4).
Antonio Viana fez um preciso estudo sobre o desenvolvimento jurídico dos territórios separados da jurisdição diocesana e dos poderes atribuídos aos prelados. Embora não trate especificamente do caso das administrações eclesiásticas, o estudo da definição das nullius dioecesis permite compreender a delimitação da jurisdição e os limites dos poderes exercidos pelos administradores no Rio de Janeiro.3 3 Segundo o autor, a teoria dos “prelados inferiores” - classificação criada para distinguir estes dos “prelados maiores”, o papa e os bispos - apenas foi desenvolvida após o Concílio de Trento, sobretudo nos séculos XVII e XVIII. Os prelados inferiores ou menores respondiam diretamente ao papa e detinham certa independência e isenção da jurisdição do bispo diocesano, sendo definido em três tipos: infima (superiores regulares ou prelados seculares de igrejas, monastérios, conventos, sem separação do território diocesano e sem jurisdição ativa); media (com jurisdição ativa, mas sem a separação territorial) e suprema (com jurisdição ativa e com território separado da diocese, as nullius dioecesis) (Viana, 2002, p. 48-50). Ao analisar detidamente a jurisdição exercida pelos administradores eclesiásticos no Rio de Janeiro, percebe-se que estes se enquadrariam na categoria de suprema. Nesse sentido, um aspecto sobressalta aos olhos, a determinação deste tipo de jurisdição ativa com separação territorial efetiva ainda no século XVI, época da criação da administração eclesiástica do Rio de Janeiro. Os prelados das nullius dioecesis tinham jurisdição ativa sobre o clero e o povo de um determinado território, separado do da diocese. Nesta jurisdição quase episcopal, os poderes do prelado eram análogos aos do bispo, tendo direito a prover benefícios e ofícios paroquiais, emitir letras demissórias aos súditos para realizar a ordenação em outras dioceses, impor censuras às suas ovelhas, organizar o clero, construir um seminário, exercer o direito de visita e julgar causas matrimoniais. Além disso, embora não tenha sido usual, o prelado poderia convocar sínodos e estava apto a ser convocado aos concílios provinciais, com direito a voto. A única restrição era o direito de ordenar novos padres (Viana, 2002VIANA, Antonio. La doctrina postrindentina sobre el território separado, nullius dioecesis. Ius canonicum, v. XLII, n. 83, p. 41-82, 2002., p. 65-71).
Como notado por Joseph Bergin, na encruzilhada imposta pelos movimentos reformistas, a Igreja Apostólica Romana teve que refletir, dentro da estrutura eclesiástica, as diferentes competências exercidas por um padre e um bispo, e de onde emanava a faculdade deste último para ordenar novos sacerdotes. Nesse contexto, a sagração foi evidenciada como sendo o ato que conferiria aos eclesiásticos uma natureza sacerdotal, habilitando-os a ordenar novos padres. Os bispos detinham duas espécies de poder, uma emanada de Cristo, um poder divino, que lhes permitiria ordenar padres e, uma segunda, de caráter jurisdicional, oriundo do sumo pontífice (Bergin, 1999BERGIN, Joseph. The Counter-Reformation Church and its Bishops, Past & Present, n. 165, p. 30-73, nov. 1999., p. 34-37). O ofício dos prelados das nullius dioecesis não tinha origem no direito divino, visto que eles não recebiam a consagração episcopal (Viana, 2002VIANA, Antonio. La doctrina postrindentina sobre el território separado, nullius dioecesis. Ius canonicum, v. XLII, n. 83, p. 41-82, 2002., p. 56, 68). Nesta nova configuração adotada na América portuguesa, aconteceria o mesmo com os administradores eclesiásticos.
A administração gestada neste período no Rio de Janeiro também serviria de modelo para as novas prelazias a serem implementadas pela Coroa portuguesa. A opção por uma administração eclesiástica atendia aos anseios do centro político de alargar as estruturas da Igreja diocesana e, consequentemente, os instrumentos de controle e vigilância sobre o clero e fiéis sem, entretanto, investir a verba indispensável para a criação de um bispado (Sales Souza, 2017SALES SOUZA, Evergton. Estruturas eclesiásticas da monarquia portuguesa. A Igreja diocesana. In: XAVIER, Ângela Barreto; PALOMO, Federico; STUMPF, Roberta. Monarquias ibéricas em perspectiva comparada (sécs. XVI-XVIII). Dinâmicas imperiais e circulação de modelos administrativos. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2018, p. 513-541., p. 367-368). A título de exemplo, o administrador eclesiástico do Rio de Janeiro recebia uma côngrua de 300.000 réis, enquanto o bispo da Bahia de 1.200.000 réis, além de uma verba destinada à distribuição de esmolas e para os ordenados de vigário-geral e provisor. Uma diocese demandava ainda a constituição de um cabido, com os ordenados das dignidades e demais capitulares pagos pela Fazenda Real. Uma estrutura menos complexa e com menor custo possibilitava a ampliação das estruturas da Igreja em territórios com uma densidade demográfica rarefeita e com uma malha urbana pouco sedimentada.4 4 Numa petição em 1646, Antônio de Mariz Loureiro, à época administrador eclesiástico, citava as côngruas dele e do bispo da Bahia para fundamentar a sua súplica para aumentar o seu ordenado. Os mesmos valores figuram na dotação de côngrua de Francisco da Silveira Dias e do primeiro bispo do Rio de Janeiro, demonstrando a persistência destas cifras, ver, respectivamente, Arquivo Histórico Ultramarino [doravante AHU], Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, cx. 3, doc. 529, 13 de novembro de 1646 e Arquivo Nacional do Rio de Janeiro [doravante ANRJ], Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, vol. 1, f. 95 e 207v. Ver ainda Sales Souza (2017, p. 369).
A administração eclesiástica do Rio de Janeiro ficou responsável por um vasto território que compreendia a chamada repartição Sul: iniciava-se a Norte na capitania de Porto Seguro, estendia-se a Sul até o rio da Prata e a Oeste por todas as terras a conquistar. Esta configuração territorial permaneceria nestes moldes, grosso modo, até a criação dos bispados de Mariana e São Paulo e das prelazias de Cuiabá e Mato Grosso em 1745.
Nos anos da existência da prelazia, entre 1575 e 1676,5 5 Em decorrência da ausência do primeiro bispo eleito do Rio de Janeiro, a estrutura da administração eclesiástica, como se verá no decorrer deste texto, prolongou-se, de fato, até 1681, época da posse de D. José de Barros de Alarcão. cerca de sete administradores eclesiásticos governaram a prelazia do Rio de Janeiro. O intento deste artigo é retratar a trajetória e o governo prelatício de um deles, Francisco da Silveira Dias, numa época de transição entre as estruturas da administração eclesiástica e as da diocese, buscando demonstrar o papel exercido pelos administradores na consolidação da Igreja diocesana na América portuguesa. Antes de analisar seu percurso, entretanto, será necessário passar em revista, brevemente, os governos dos administradores eclesiásticos antecessores para que seja possível compreender os encargos e como foi exercida, na prática, esta jurisdição quase episcopal.
O governo dos administradores eclesiásticos
O governo exercido pelos administradores eclesiásticos na prelazia do Rio de Janeiro é ainda pouco conhecido. As informações sobre estes sujeitos nos relatos setecentistas e oitocentistas conhecidos são escassas e levemente divergentes, sendo que, na maioria das vezes, eram ressaltadas as grandes adversidades enfrentadas pelos prelados. Um relato anônimo, escrito em 1721, por exemplo, trazia pequenas notas biográficas dos administradores eclesiásticos. O primeiro, Bartolomeu Simões Pereira (1577-1698), teria morrido no Espírito Santo, durante as visitas pastorais; o segundo, João da Costa (1603-1606), morreu em São Paulo também durante as visitas; o terceiro, Mateus da Costa Aborim (1606-1629), teria sido muito amado pelos súditos “pelas muitas virtudes que nele resplandeceram”; o quarto, Lourenço de Mendonça (1632-1637), sofreu perseguições, desde a sua chegada, até ser finalmente expulso e enviado ao reino; o quinto, Antônio de Mariz Loureiro (1643-1657), após visitar as vilas do Sul, teria ficado “demente” e foi impedido de governar a prelazia em 1657, sendo embarcado para Lisboa e, por fim, o sexto prelado, Manuel de Souza de Almada (1659-1669), embora tenha governado com “grande exemplo”, também foi alvo de sérias malsinações e, após reclamar com o regente D. Pedro, recebeu ordem para retornar ao reino.6 6 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro [doravante IHGB], Prelados e bispos do Rio de Janeiro até 1721, lata 105, pasta 11, documento avulso.
Nas primeiras décadas do século XIX, José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo lançou uma grande obra sobre a história do Rio de Janeiro. Ao tratar dos administradores eclesiásticos, amparado em fontes nem sempre referenciadas nas notas de rodapé, enfatizou a ferrenha oposição da população ao governo dos prelados, sendo alguns deles vítimas de assassinato. O primeiro administrador, Simões Pereira, teria se autoexilado no Espírito Santo após sofrer perseguição da população e lá teria sido envenenado. João da Costa teria sofrido grande oposição, sendo deposto do cargo pela Relação da Bahia. O envenenamento também teria sido o destino de Costa Aborim, morto em 1629. As tentativas de assassinato de Lourenço de Mendonça iniciaram-se poucos dias após o desembarque no Rio de Janeiro, quando fizeram explodir um barril de pólvora em sua residência. A forte oposição ao prelado perseverou, chegando a ser acusado pela população de um crime de alçada inquisitorial e, por fim, foi forçado a embarcar para o reino. Antônio Mariz Loureiro também foi vítima de uma conspiração que tentou assassiná-lo. Exilou-se no Espírito Santo, onde “achou o veneno” que lesou a sua sanidade, e retornou ao reino. Souza de Almada teria tido a mesma sina dos antecessores, sofrendo perseguições e sendo vítima de uma emboscada e tentativa de assassinato. O administrador findou por desistir do cargo (Araújo, 1820ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil. 9 tomos. Rio de Janeiro: Na Impressão Régia, 1820-1822., tomo II, p. 56-58, 120, 216-226, tomo III, p. 3-5. 176-178).
Arlindo Rubert sinalizou, contudo, que Pizarro e Araújo deve ter usado como base para sua narrativa um manuscrito avulso, escrito possivelmente em finais do século XVII, à época do processo movido contra D. José de Barros de Alarcão e, por esta causa, o relato acentuava as perseguições e desventuras sofridas por todos os administradores antes da criação da diocese (Rubert, 1981RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. 3volumes. Santa Maria: Palloti , 1981., v. 1, p. 173).7 7 D. José de Barros de Alarcão, bispo do Rio de Janeiro entre 1680 e 1700, respondeu, a pedido da Coroa portuguesa, um processo em Roma quanto ao seu comportamento no exercício do múnus episcopal. Sobre aspectos gerais do exercício episcopal deste e de outros bispos fluminenses, ver Mendes (2018, p. 95-277). Outros relatos oitocentistas, a exemplo do Roteiro dos bispados do Brasil, de Carlos Augusto Peixoto d’Alencar (1864D’ALENCAR, Carlos Augusto Peixoto. Roteiro dos bispados do Brasil e dos seus bispos, desde os primeiros tempos coloniais até o presente. Ceará: Typ. Cearense, 1864., p. 83-95), replicam as histórias sobre as adversidades enfrentadas pelos administradores.
Do ponto de vista historiográfico, os governos desses prelados foram alvo de poucos estudos mais robustos, possivelmente, pela exiguidade de fontes disponíveis. Nesse sentido, o estudo mais abrangente e com maior fundamentação em fontes primárias ainda é o de Arlindo Rubert, nomeadamente o seu A Igreja no Brasil, apesar das incongruências interpretativas e das imprecisões das referências aos documentos originais (Rubert, 1981RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. 3volumes. Santa Maria: Palloti , 1981., v. 1, p. 169-174, v. 2, p. 43-56).
Entre os trabalhos mais recentes, o administrador mais estudado é, sem dúvida, D. Lourenço de Mendonça, tanto por ter tido uma incisiva atuação no combate à escravidão indígena, quanto por ter se envolvido na política ibérica à época da Restauração (1640). Antes de assumir a prelazia do Rio de Janeiro, Mendonça começou sua carreira na parte hispânica da América, atuando no Peru como cura, vigário, comissário do Santo Ofício, em Potosí, e predicador-geral do arcebispado de Los Charcas (Sucre, na atual Bolívia). Da América hispânica passou ao Rio de Janeiro para assumir o governo da prelazia, onde teve sérios conflitos com a população local acerca da escravização dos índios. Foi forçado a abandonar o governo e retornar a Portugal, em 1637, e dois anos depois foi eleito por D. Felipe IV para o bispado que se pretendia criar no Rio de Janeiro. A Restauração, no entanto, interrompeu o processo de nomeação e ereção da nova diocese. Mendonça tomou partido da Coroa de Castela e em Portugal foi acusado de traidor (Curto, 2010CURTO, Diogo Ramada. O padre Lourenço de Mendonça: entre o Brasil e o Peru (c. 1630-c. 1640), Topoi(Rio de Janeiro). v. 11, p. 27-35, jan-jun 2010., p. 27-35; Camenietzki, 2018CAMENIETZKI, Carlos Ziller. Mil ódios contra si. D. Lourenço de Mendonça, bispo eleito do Rio de Janeiro, seu combate à escravidão indígena, sua deposição e seu destino entre duas monarquias. Topoi(Rio de Janeiro). v. 19, n. 37, p. 144-170, jan-abr, 2018., p. 144-170). Neste caso, vale ainda ressaltar, os memoriais publicados e remetidos à Coroa de Castela são uma fonte riquíssima sobre sua vida e sobre a sua atuação nos dois lados do Atlântico e nas duas Américas, a portuguesa e a espanhola.8 8 A título de exemplo, ver Mendonça (1630; s.d.). Sobre o prelado Lourenço de Mendonça e seus escritos, podem-se citar ainda os estudos de Rubert (1976); Cardim (2008) e Vilardaga (2014).
Por outro lado, a compreensão da formação da prelazia, da sua organização interna e dos poderes atribuídos aos administradores foi retomada em estudos mais recentes, a exemplo dos de Sales Souza, supramencionados. Este autor buscou delinear as estruturas existentes nas prelazias, o seu ordenamento jurídico e a eficiência dos instrumentos de controle no disciplinamento social (2017, p. 365-378).9 9 Sobre os conceitos de disciplinamento social e confessionalização, ver Palomo (2016, p. 69-89) e Prosperi (2014, p. 47-56).
Nessa perspectiva, salienta-se que alguns dos instrumentos do disciplinamento social, revigorados após o Concílio de Trento, como a realização de visitas pastorais, eram frequentes nos governos dos administradores eclesiásticos. Em 1608, por exemplo, uma carta régia de D. Felipe III determinava o pagamento de 5.000 réis anuais às fábricas das igrejas do Rio de Janeiro, que seriam aplicados conforme as “visitações do dito administrador”, demonstrando a manutenção das visitas pastorais.10 10 Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 1, p. 273, 1928. Aliás, segundo o relato anônimo de 1721, Bartolomeu Simões Pereira e João da Costa teriam falecido justamente no decorrer das visitações.11 11 IHGB, Prelados e bispos do Rio de Janeiro até 1721, lata 105, pasta 11, documento avulso.
Em meados do século XVII, encontram-se indícios mais cabais sobre a realização das visitas pastorais. Em 1646, Antônio de Mariz Loureiro, numa petição na qual requeria o aumento da sua côngrua, delineava claramente as funções do administrador eclesiástico. O prelado asseverava que, “exceto o caráter episcopal”, ele detinha toda a jurisdição espiritual “crismando, e dispensando nas causas matrimonias, e executando toda a jurisdição episcopal, exceto o poder [de] dar ordens”, além de realizar as visitas pastorais em todo o vasto território da prelazia. Anos depois, a Câmara do Rio de Janeiro atestava o zelo do administrador nas visitas, que teria ido “por duas vezes às capitanias desta repartição, e de próximo as do Espírito Santo, Rio das Caravelas e Porto Seguro” superando a “aspereza dos caminhos” e os “descômodos de passagens de cento e tantos rios com não menos perigo da fereza do gentio bárbaro”.12 12 AHU, Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, cx. 3, doc. 529, 13 nov. 1646 e Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 281, 29 dez. 1655.
Em 1662, Manuel de Souza de Almada deixou capítulos de visita na vila de São Paulo. De início, o prelado constatava o desregramento do governo espiritual, visto que parte dos moradores desrespeitava os lugares sagrados, perseguia e perturbava os ministros da Igreja, resultando em “grandes desconcertos, de serviços de Deus e embaraços de consciência”. Contudo, compreendendo que não lhe seria possível “acudir particularmente a tantas consciências embaraçadas”, passava uma carta de absolvição geral. O prelado confiava “firmemente” que os moradores teriam “emenda” e viveriam “com justiça, amor ao próximo, temor de Deus, respeito aos lugares sagrados, e a seus ministros” e recomendava que vivessem “com recolhimento, honestidade em hábito e costumes”. Advertia o vigário da igreja de São Paulo que mantivesse relação cordial com os moradores e os sacerdotes, não frequentasse sem necessidade as casas dos fregueses e, aos demais vigários, aconselhava o cuidado no culto e asseio das igrejas e proibia a assistência de seculares, de qualquer qualidade, na capela-mor.13 13 Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro [doravante ACMRJ], Série Visitas Pastorais, Papéis da Visita de Manoel de Souza e Almada a capitanias e repartições do Sul, VP 37, documento incompleto.
É interessante notar ainda a vigilância dos administradores eclesiásticos sobre o clero secular e os fiéis. Na missiva da Câmara do Rio de Janeiro de 1655, os edis atestavam que Antônio Mariz Loureiro castigava e advertia sempre que necessário, evitando os escândalos.14 14 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 281, 29 dez. 1655. No ano seguinte, o próprio administrador remetia para o reino um parecer geral sobre os eclesiásticos da prelazia, asseverando que era notória “a vigilância e cuidado com que sempre procurei conservar o bom procedimento dos súditos que estão a minha conta, atalhando e castigando os excessos com que por qualquer via podiam prevaricar e faltar a obrigação de seu estado”. Os sujeitos oriundos da corte “desterrados” eram “tão indignos” que era melhor se tivessem “outra profissão, em que com menos escândalo pudessem seguir o ditame de suas inclinações”. No Brasil, continuava Loureiro, estes sacerdotes encontravam mais “conveniências” para uso das ordens, permitindo que vivessem com mais “largueza e dissolução”, todavia, ele não hesitava em punir “pelo melhor modo que lho posso dar”. Apensado à carta, Loureiro enviava o “Rol dos clérigos da prelazia e administração da praça do Rio de Janeiro”, no qual continha os nomes dos eclesiásticos, a função que ocupavam e uma pequena apreciação sobre a sua conduta. Acerca do vigário da matriz de São Sebastião, por exemplo, o licenciado Manuel da Nóbrega, atestava ser um “grave clérigo”. Sobre os demais, seguiam apreciações genéricas como “honrado clérigo”, “muito bom clérigo”, “procede muito bem”, além de outras informações como a de ser “sisudo”, “quieto”, “moço”, “velho” ou “pobre”. Nem todas, entretanto, atestavam bom procedimento: os padres Roque Lopes e Marcos Mendes estavam proibidos de confessar; José de Souza, seu antigo criado, foi preso e enviado para o reino por mau procedimento na justiça eclesiástica e sobre o padre Anacleto Lobo relatava as denúncias de ser “indigno”.15 15 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 283, 4 jan. 1656. Sobre o assunto, ver ainda Sales Souza (2017, p. 369-371).
A realização das visitas pastorais, e os possíveis processos decorrentes delas, e a vigilância dos administradores eclesiásticos sobre o clero e fiéis apontam ainda para o funcionamento da justiça eclesiástica. Nessa perspectiva, a prelazia do Rio de Janeiro tinha uma estrutura similar a da diocese da Bahia, cujo vigário-geral era designado pelo prelado e com vigararias da vara (Sales Souza, 2017SALES SOUZA, Evergton. Estruturas eclesiásticas da monarquia portuguesa. A Igreja diocesana. In: XAVIER, Ângela Barreto; PALOMO, Federico; STUMPF, Roberta. Monarquias ibéricas em perspectiva comparada (sécs. XVI-XVIII). Dinâmicas imperiais e circulação de modelos administrativos. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2018, p. 513-541., p. 369-370).
Os administradores eclesiásticos não olvidaram outrossim dos aspectos temporais da sua governança. Bartolomeu Simões Pereira, segundo Rubert (1981RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. 3volumes. Santa Maria: Palloti , 1981., v. 1, p. 173), foi firme no controle sobre a execução dos testamentos, exigindo dos vigários da vara o seu pronto cumprimento. Em 1662, Manuel de Souza de Almada igualmente buscou esclarecimentos sobre quem deveria ajuizar os testamentos da alternativa secular, visto que, na ausência de ministro definido, eram julgados pelos oficiais eclesiásticos.16 16 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 330, 20 nov. 1662.
Apesar das imensas dificuldades de impor sua autoridade aos moradores, os administradores eclesiásticos conseguiram, de certa maneira, exercer esta jurisdição quase episcopal, vigiando a atividade do clero e o comportamento das suas ovelhas. O governo eclesiástico teve, como afiançado por Sales Souza (2017SALES SOUZA, Evergton. Estruturas eclesiásticas da monarquia portuguesa. A Igreja diocesana. In: XAVIER, Ângela Barreto; PALOMO, Federico; STUMPF, Roberta. Monarquias ibéricas em perspectiva comparada (sécs. XVI-XVIII). Dinâmicas imperiais e circulação de modelos administrativos. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2018, p. 513-541., p. 373-378), certo alcance e eficácia. Há ainda muito a se elucidar sobre as vidas e os governos dos administradores eclesiásticos do Rio de Janeiro. No exame da trajetória do último prelado, pretende-se não apenas investigar a vida de uma figura pouco conhecida, mas também lançar luz sobre o funcionamento da administração eclesiástica.
A trajetória do último administrador
Natural do Rio de Janeiro, Francisco da Silveira Dias era filho do capitão Francisco Dias da Luz e de Domingas da Silveira e tinha, ao menos, dois irmãos, o capitão Sebastião Dias da Luz e o religioso franciscano frei Cristóvão da Madre de Deus e Luz.17 17 ACMRJ, Série Encadernado, “Testamento do Reverendíssimo Deão da Sé Dr. Francisco da Silveira Dias...”, Livro Bulário do Arcebispado do Rio de Janeiro, E-230, p. 131, 136. Sabe-se pouco sobre a sua vida. Conforme Araújo, Silveira Dias exercia, desde 1660, a função de vigário-geral e, em 20 de janeiro de 1665, tornar-se-ia pároco colado da igreja matriz de São Sebastião.18 18 A partir de março de 1665, verifica-se a assinatura de Francisco da Silveira Dias nos assentos de batismos da igreja matriz, ver ACMRJ, Livro de batismos de pessoas livres (1654-1680), f. 44, disponível em: <https://www.familysearch.org/records/images/image-details?rmsId=TH-1-14177-32155-95&imageIndex=339&singleView=true>, acesso em: 4 abr. 2020. Segundo Rubert (1981, v. 2, p. 54), teria sido nomeado para a vigararia em 22 de setembro de 1666. No que tange à sua formação acadêmica, possivelmente era “licenciado”, forma como assinava suas provisões, obtendo posteriormente o título de doutor em Teologia por privilégio apostólico (Araújo, 1820ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil. 9 tomos. Rio de Janeiro: Na Impressão Régia, 1820-1822., tomo III, p. 229). O caminho até a nomeação de Silveira Dias como administrador eclesiástico do Rio de Janeiro é pouco claro. Nesse sentido, faz-se necessário retroceder e compreender o final intempestivo do governo de seu antecessor Manuel de Souza de Almada.
Os eventos que levariam ao afastamento de Almada, ao que parece, iniciaram no conflito com o ouvidor-geral do Rio de Janeiro Manuel Dias Raposo. Conforme o relato do governador da capitania, D. Pedro Mascarenhas, o prelado teria se negado a favorecer um clérigo preso pela justiça eclesiástica com quem o ouvidor-geral tinha “parcial comunicação e pouca decorosa amizade”. Por esta razão, o ouvidor teria nutrido pelo prelado um “entranhável ódio” e, na calada da noite, montou uma emboscada, armando uma peça de artilharia e atirando em direção à janela da casa do administrador. Souza de Almada saiu ileso da armadilha, mas o “tão notável e diabólico malefício” não deixou de causar em “todos os estados da praça” grande surpresa. O governador prendeu o ouvidor e o enviou para a Bahia para ser julgado pela Relação. Na percepção do Conselho Ultramarino, entretanto, foi o governador que cometeu um excesso, pois feriu o regimento ao prender o ouvidor-geral.19 19 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 370, 14 jul. 1668. A consulta, escrita na margem da carta do governador, data de 10 de abril de 1669. Nesta época, Manuel de Souza de Almada rogava ao rei, argumentando sua velhice, seus merecimentos e o bom governo da prelazia, a nomeação para o bispado do Brasil ou para os bispados de Funchal ou Angra, ver Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 369, ant. 10 abr. 1668.
No decorrer deste imbróglio, Manuel de Souza de Almada teria remetido ao Conselho Ultramarino uns “capítulos” contra o ouvidor-geral, contendo “casos tão extraordinários” que deveriam ser logo remetidos à Mesa de Consciência e Ordens para serem examinados. O regente ainda enviou ao Rio de Janeiro o desembargador Antônio Nabo Peçanha para “sindicar” o governador, enviá-lo preso ao reino, fazer a residência do ouvidor-geral e questioná-lo acerca dos capítulos.20 20 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 374, 6 set. 1669.
O resultado da sindicância do governador foi pouco abonatório. Além de apontar que o governador negociava, pedia propinas e vendia cargos, continha uma narrativa distinta da prisão do ouvidor-geral. Segundo o desembargador, o governador teria encarcerado Manuel Raposo em uma fortaleza, onde o manteve isolado, e imediatamente proveu João Correia de Faria como substituto, contrariando as regras do regimento que determinava a posse do juiz ordinário. A prisão teria sido feita a “requerimento, e com negociações, e traças e compras do prelado daquela repartição” e executada pelo capitão Gabriel Garcês e Garcia da Gama, “inimigos do dito ouvidor, e amigos e parciais do dito prelado”. O ouvidor permaneceu isolado e quando alguém queria contatá-lo, o governador mandava pedir autorização ao prelado “sem reparar que dava a jurisdição real e secular a um eclesiástico, coisa tão proibida pelas leis”.21 21 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 381, 30 jun. 1671. Nada foi dito sobre a suposta emboscada ao prelado.
Após narrar a história da tentativa de assassinato, Pizarro e Araújo afiançava que a devassa retirada por Nabo Peçanha condenou o prelado ao pagamento das custas do processo. Manuel de Souza de Almada “por desistência voluntária do cargo ou por ordem da corte” findou por retornar ao reino em data desconhecida.22 22 Não encontrei nos livros de Consultas das partes do Conselho Ultramarino, códices 46 e 47, e nos livros de provisões e cartas régias, sobretudo os códices 93 e o 276, consulta sobre o assunto ou expedição de carta ao administrador eclesiástico ordenando o seu retorno ao reino. O tema, provavelmente, foi tratado na Mesa de Consciência e Ordens e, neste caso, são escassas as fontes para este período. Na ausência do titular da prelazia, Francisco da Silveira Dias, na qualidade de vigário-geral, assumiu interinamente o governo eclesiástico (Araújo, 1820BERGIN, Joseph. The Counter-Reformation Church and its Bishops, Past & Present, n. 165, p. 30-73, nov. 1999., tomo III, p. 175-178).
Atente-se que, seguindo os dados arrolados por Araújo, foi usual a substituição dos prelados por administradores interinos, normalmente os vigários-gerais e provisores da prelazia, que a governavam enquanto não fosse nomeado um sucessor. O processo da escolha deste substituto variou ao longo do tempo e ao sabor das circunstâncias. No caso das dioceses, que pode servir como parâmetro de comparação, os governadores dos bispados eram designados, normalmente, pelos bispos que se ausentavam, ou eram eleitos pelo cabido, entidade responsável pelo governo diocesano em períodos de sede vacante. No caso da administração eclesiástica não existia cabido e, ao que parece, nem regras claras sobre o processo de sucessão. Dessa maneira, conforme Araújo, o vigário-geral assumiu o comando da prelazia após os governos de Bartolomeu Simões Pereira, João da Costa e Mateus da Costa Aborim. Neste último caso, o então vigário-geral e provisor Francisco da Silveira Vilalobos teria sido substituído por um administrador interino nomeado pelo bispo da Bahia D. Miguel Pereira (1627-1630), por meio dos governadores do bispado Manuel Temudo da Fonseca e Pedro Velho. Vilalobos, por sua vez, foi substituído pelo padre Pedro Homem Albernaz, eleito pelo clero do Rio de Janeiro. Este padre igualmente teria sido nomeado por Lourenço de Mendonça, depois confirmado pelo rei, para governar a prelazia na sua ausência. Mais uma vez, o vigário-geral, desta vez, o padre Manuel de Araújo, assumiu o governo da prelazia após a partida de Antônio de Mariz Loureiro para o reino.23 23 Conforme Rubert (1981, p. 52), assumiu interinamente o governo da prelazia o padre José de Castro, nomeado pelo cabido da Bahia. Por esta razão, faz todo o sentido que, com a partida do administrador eclesiástico Manuel de Souza de Almada para o reino, o governo interino da prelazia do Rio de Janeiro recaísse sobre o vigário-geral (Araújo, 1820ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil. 9 tomos. Rio de Janeiro: Na Impressão Régia, 1820-1822., tomo II, p. 56-58, 121-122, 216-226 e tomo III, p. 3-5).
Araújo igualmente especula sobre a possível data da posse de Francisco da Silveira Dias como administrador eclesiástico. Ao consultar os livros de batismo da igreja da Candelária, notou que em maio de 1669 já aparecia o nome de Silveira Dias como “prelado”. Sem embargo, Manuel de Souza de Almada teria deixado um provimento de visita, em finais de 1670, atestando que ainda estaria no Rio de Janeiro neste período. Segundo este autor, por fim, Silveira Dias teria sido provido em definitivo em 7 de março de 1671 (Araújo, 1820ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil. 9 tomos. Rio de Janeiro: Na Impressão Régia, 1820-1822., tomo III, p. 228-229).
Francisco da Silveira Dias deve ter começado a exercer a função imediatamente após a partida de Manuel de Souza de Almada e depois terá sido confirmado pelo regente na função. Embora não tenha encontrado a carta régia, o alvará autorizando o pagamento da côngrua aponta para a sua nomeação como interino. Neste alvará, de 16 de outubro de 1672, o regente D. Pedro concedia a Silveira Dias a terça parte do ordenado dos administradores eclesiásticos por tê-lo apresentado “na serventia do cargo da administração eclesiástica da mesma prelazia enquanto não for proprietário”, devendo receber o ordenado desde que “começou a servir até o dia em que lhe for sucessor”. Em um alvará anterior, o regente afirmava ainda que concedia a mercê tendo em vista as alegações do vigário e “o trabalho que tem em servir o dito cargo”. Outro fato corrobora o caráter provisório da sua nomeação, a concessão de somente um terço da côngrua dos administradores eclesiásticos, em vez dos 300.000 réis habituais, Dias receberia 100.000 réis anuais.24 24 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês, Mercês de Ordens Militares, livro 9, respectivamente, f.152v-153, 16 out. 1672, e f. 127v-128, 2 abr. 1672. O alvará foi expedido pela Mesa de Consciência e Ordens em 20 de novembro de 1673 e registrada no Rio de Janeiro em fevereiro de 1674, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 15-15v. O registro de pagamento da côngrua feito pela Provedoria da Fazenda do Rio de Janeiro sinaliza ainda uma possível data para o início do seu exercício como administrador eclesiástico. Em agosto de 1674, foram pagos 200.000 réis referentes a dois anos de ordenado “que começaram em 27 de julho de 1671 e acabaram em outro tal dia de 1673”.25 25 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 15.
Francisco da Silveira Dias assumiu interinamente a função de administrador eclesiástico até à chegada de um sucessor, contudo, este jamais chegaria ao Rio de Janeiro. Um acaso prolongaria o seu governo na prelazia.
Manuel Pessoa de Figueiredo foi nomeado administrador eclesiástico do Rio de Janeiro em 15 de fevereiro de 1673 (Rubert, 1981RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. 3volumes. Santa Maria: Palloti , 1981., v. 2, p. 54).26 26 O alvará de mantimento foi expedido em 8 de março de 1673, quando é ordenado o pagamento de 300.000 réis na forma em que se pagava a “Manuel de Souza de Almada seu antecessor”, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 23-23v. Em 18 de abril, embarcou em Lisboa na nau Nossa Senhora da Boa Viagem, na companhia de seu futuro vigário-geral, o padre André Gomes Craveira, dois sacerdotes e cinco pessoas seculares. Dois meses depois, na altura da costa da Paraíba e em decorrência de ventos poucos favoráveis, a nau buscou o porto do Rio Grande para o desembarque, mas sem sucesso. A embarcação naufragou, “desfazendo[-se] em menos de quatro horas”. Duas pessoas morreram afogadas e outras conseguiram escapar “umas nadando e outras em lanchas de pau”, entre elas, o prelado e seus acompanhantes. O prelado perdeu todo o seu espólio, 900.000 réis que levava para o “ornato e serviço da sua casa” e sua livraria “de livros seletos de grande valor e doutrina”. Manuel Pessoa de Figueiredo sobreviveu ao naufrágio, mas não aos achaques decorrentes dele, falecendo em Olinda, na casa da Congregação de Santo Amaro, em 28 de agosto de 1673.27 27 No testamento, Pessoa de Figueiredo deixava para o prepósito da Congregação do Oratório, o padre João do Sacramento, o único espólio que lhe restou, a côngrua vencida desde a sua partida de Lisboa, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 20v-28. No relato de 1721, mencionado anteriormente, o autor afirmava que Silveira Dias havia assumido o cargo devido à partida de Manuel de Souza de Almada e apontava como o último administrador eclesiástico justamente Manuel Pessoa de Figueiredo, além de resumir essencialmente estes fatos, o da sua partida de Lisboa, o naufrágio e a morte em Pernambuco, ver IHGB, Prelados e bispos do Rio de Janeiro até 1721, lata 105, pasta 11, documento avulso. Não há notícias de que, após a morte de Manuel Pessoa de Figueiredo, a Coroa portuguesa tenha cogitado o envio de outro sujeito para ocupar a administração eclesiástica. Talvez, o início das tratativas em Roma para criar outros bispados na América, entre eles o do Rio de Janeiro, tenha postergado esta resolução.28 28 O assunto começou a ser tratado pouco tempo após a retomada das relações entre a Coroa portuguesa e a Cúria romana, em 1671. As primeiras súplicas feitas pelo embaixador português em Roma rogavam a criação das dioceses do Rio de Janeiro e Maranhão, ver Sales Souza (2020, p. 7).
De fato, em 16 de novembro de 1676, foi criada a diocese do Rio de Janeiro através da bula Inter pastoralis officii e D. Frei Manuel Pereira foi nomeado o seu primeiro bispo. O antístite eleito tinha, todavia, outras pretensões no reino e retardou a sua vinda ao Brasil até renunciar em 1678 (Vale, 1994VALE, Teresa Leonor M. D. Fr. Manuel Pereira, bispo e secretário de Estado. Poder eclesiástico, poder político e mecenato artístico na segunda metade do século XVII. Lisboa: E.G., 1994., p. 61; Paiva, 2006PAIVA, José Pedro. Os bispos de Portugal e do Império (1495-1777). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006., p. 473). Em decorrência da ausência do primeiro bispo eleito da diocese, Francisco da Silveira Dias permaneceu no governo espiritual da capitania do Rio de Janeiro e da repartição Sul.
A transformação da administração eclesiástica em diocese impulsionou uma mudança de “título” de Francisco da Silveira Dias. Em 30 de agosto de 1672, Dias iniciava a provisão de nomeação do padre Gregório Pereira como coadjutor da igreja de Santo Antônio de Caserabu, afirmando ser “vigário-geral e administrador desta cidade do Rio de Janeiro e mais capitanias da sua repartição”. Anos depois, em 2 de novembro de 1678, numa outra provisão, iniciava como “administrador deste bispado de São Sebastião do Rio de Janeiro e mais capitanias de sua repartição”. Chama atenção o uso da expressão “administrador deste bispado”.29 29 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, vol. 1, f. 1 e 105-105v. A utilização, no entanto, não era somente uma autotitulação do administrador eclesiástico. Nas cartas remetidas pelo Conselho Ultramarino a autoridades no Rio de Janeiro, entre elas, o governador e os oficiais da Câmara Municipal, de igual modo foram usadas expressões como “administrador dessa diocese” para designar o papel assumido por Francisco da Silveira Dias no Rio de Janeiro.30 30 AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 19v-20. A forma, aparentemente, somente passou a ser usada após a renúncia do bispo eleito D. Frei Manuel Pereira. Entre 1676 e a supramencionada provisão de 1678, Silveira Dias manteve a formulação anterior. Enquanto outra carta régia, de 7 de novembro de 1677, destinava-se ao “prelado da capitania do Rio de Janeiro”.31 31 Ver, respectivamente, ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 79v-80 e AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 14v. A menção a um “administrador da diocese” não era usual. As dioceses poderiam ter governadores de bispado, normalmente membros do cabido, nomeados pelos bispos e arcebispos para gerir as demandas da mitra na sua ausência, seja em casos de doenças, seja em decorrência da saída do antístite da sede da diocese ou eram designados pelo cabido em períodos de sede vacante. Este não era o caso. O bispo eleito não havia tomado posse da sua diocese e o administrador da prelazia permanecia no exercício das suas antigas funções, recebendo a mesma côngrua da Fazenda Real.
Por outro lado, vale salientar, embora a capitania do Rio de Janeiro não gozasse ainda do “status” de diocese antes de 1676, muitos moradores assim a percebiam. Em 1655, por exemplo, os oficiais da Câmara referiam-se a Antônio de Mariz Loureiro como “administrador desta diocese”. Em 1668, o governador Pedro Mascarenhas também se referiu a Manuel de Souza de Almada como o “prelado eclesiástico desta diocese”. A percepção do território da administração eclesiástica como um bispado ultrapassava o Rio de Janeiro. Em 1673, o procurador do prepósito da Congregação do Oratório de Santo Amaro de Olinda, Manuel de Ágila, aludiu a Manuel Pessoa de Figueiredo como o “prelado desta diocese”.32 32 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 281, 29 dez. 1655 e caixa 4, doc. 370, 14 jul. 1668; ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 21. Ver ainda Sales Souza (2017, p. 370).
Ademais, percebe-se a permanência de Francisco da Silveira Dias no encargo de administrador eclesiástico depois da criação do bispado pela não interrupção do pagamento da côngrua. Além da terça parte da côngrua recebida pelos administradores, Silveira Dias acumulava o ordenado de vigário e recebia outras quantias destinadas ao governo da igreja matriz. Na folha ordinária de pagamentos do ano de 1673/1674, encontra-se o registro do pagamento de 50.000 réis referente à côngrua de vigário da igreja matriz, 23.920 réis de ordinária da igreja matriz, 36.800 réis para celebrar os ofícios divinos na Semana Santa e 5.000 mil réis de fábrica da igreja. No total, Dias recebia da Fazenda Real 215.720 réis. Em 14 de janeiro de 1676, ainda conseguiu um acrescentamento de 20.000 réis na ordinária da igreja matriz, alegando a carestia dos provimentos cotidianos da igreja.33 33 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 28v-29 e 61v-62v.
Francisco da Silveira Dias, como referido, começou a receber a terça parte da côngrua de administrador eclesiástico a partir de 1671. A criação do bispado, entretanto, não retirou de imediato das folhas ordinárias remetidas pela Provedoria da Fazenda da Bahia ao Rio de Janeiro a obrigatoriedade de pagamento dos administradores eclesiásticos. Nas folhas de 1676/1677 e 1677/1678, constam os registros de pagamento e os atestados de recebimento da côngrua, enquanto na folha do ano de 1678/1679, o registro de pagamento do ordenado do administrador eclesiástico foi finalmente suprimido e Silveira Dias recebeu apenas a côngrua de vigário.34 34 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 79, 95, 107v-108. Em decorrência da ausência do registro nesta folha, o administrador imediatamente apelou ao provedor-mor da Fazenda da Bahia que atendeu ao seu pedido em “fiança enquanto não vier provisão passada pelo Conselho Ultramarino”. A partir desta determinação, em maio de 1680, Silveira Dias recebeu o correspondente a três anos de ordenado. Um novo alvará de mantimento acabou por ser expedido pelo Conselho Ultramarino em 15 de janeiro de 1681, renovando a concessão. O envio de um novo alvará indica que a Coroa ainda reconhecia Francisco da Silveira Dias como o responsável pelo governo eclesiástico. Apenas para citar mais um exemplo deste reconhecimento, em provisão régia de 17 de fevereiro de 1680, na qual D. Pedro provia Antônio Pereira na igreja de Nossa Senhora de Cabo Frio, destinava-se a “Francisco da Silveira Dias que ora serve de prelado e administrador da jurisdição eclesiástica do Rio de Janeiro ou a quem vosso cargo servir”.35 35 A provisão do provedor-mor, após consulta ao procurador da Fazenda do Estado do Brasil, foi passada em 23 de novembro de 1680 e registrada no Rio de Janeiro em fevereiro de 1681, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 127-127v, 131v e 180v-181. Estes documentos assinalam outrossim que a não tomada de posse do primeiro bispo do Rio de Janeiro retardou a transição entre as estruturas da administração eclesiástica e as da diocese. Em 1681, por exemplo, a diocese de Olinda, fundada no mesmo ano do bispado do Rio de Janeiro, já tinha cabido constituído, e o primeiro bispo D. Estêvão Brioso de Figueiredo tinha realizado grandes visitas pastorais e encaminhado à Cúria romana um relatório de visita ad limina, datado de 1680, fazendo um apanhado do seu governo diocesano (Mendes, 2018MENDES, Ediana Ferreira. Da Universidade de Coimbra ao Brasil: os bispos da Baía, de Olinda e do Rio de Janeiro (1676-ca.1773). Tese (Doutorado em História), Universidade de Coimbra. Coimbra, 2018., p. 278-284).
No âmbito do governo espiritual da prelazia, nada mudou com a criação da diocese. Em 8 de abril de 1677, o administrador proveu o licenciado Sebastião Fagundes como coadjutor da igreja de Nossa Senhora de Loreto de Jacarepaguá. Em 11 de janeiro de 1679, proveu Antônio Pereira Pinto como vigário encomendado da igreja de Cabo Frio. Neste mesmo ano, nomeou Pedro Rondon como coadjutor da igreja da Ilha Grande e Francisco Álvares da Fonseca como coadjutor da igreja matriz. Em 1680, Manuel da Fonseca foi nomeado coadjutor da igreja de Irajá e Lourenço de Carvalho de Araújo como coadjutor da igreja de São Gonçalo. Por fim, em 22 de outubro de 1681, proveu João dos Santos como coadjutor da igreja de Santo Antônio de Caserabu.36 36 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 78v-80, 106-107, 118-118v, 119-120, 124v-125, 143-143v, 164-165.
A posse e posterior chegada de D. José de Barros de Alarcão ao Rio de Janeiro significou um revés na prossecução da carreira de Francisco da Silveira Dias. Alarcão foi preconizado segundo bispo da diocese fluminense em 19 de agosto de 1680, tomando posse somente em dezembro de 1681, através do seu procurador, o padre Sebastião Barreto de Brito (Mendes, 2018MENDES, Ediana Ferreira. Da Universidade de Coimbra ao Brasil: os bispos da Baía, de Olinda e do Rio de Janeiro (1676-ca.1773). Tese (Doutorado em História), Universidade de Coimbra. Coimbra, 2018., p. 97-98). Este eclesiástico, vigário confirmado da igreja de Nossa Senhora da Candelária, foi também nomeado pelo bispo como governador do bispado. Assim que começou a exercer sua nova função, Brito logo tratou das nomeações, provendo, ainda em dezembro, Manuel Ferreira como coadjutor da Sé. Em janeiro de 1682, nomeou Luís Gago como vigário encomendado da igreja de Caserabu; João Duarte como coadjutor da igreja de São Gonçalo; Antônio de Pina como vigário encomendado da igreja de Cabo Frio; Diogo Amorim como coadjutor da igreja de Jacarepaguá; Tomé Peres como coadjutor da igreja de Irajá; e André Fernandes como coadjutor da igreja de São João.37 37 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 165v-174v. O novo governador da diocese, possivelmente instruído pelo antístite, tratava de remodelar o corpo eclesiástico, pensando, quiçá, em acomodar as clientelas do bispo.
D. José de Barros de Alarcão postergou o máximo possível a sua partida para o Brasil, aportando no Rio de Janeiro em 1 de junho de 1682. O bispo, contudo, não tratou de imediato de organizar a diocese, constituindo, por exemplo, o cabido. Optou por iniciar as visitas pastorais e estabelecer residência na vila de São Paulo, o que aprazou ainda mais a estruturação do bispado (Mendes, 2018MENDES, Ediana Ferreira. Da Universidade de Coimbra ao Brasil: os bispos da Baía, de Olinda e do Rio de Janeiro (1676-ca.1773). Tese (Doutorado em História), Universidade de Coimbra. Coimbra, 2018., p. 98-100).
Enquanto Francisco da Silveira Dias foi reapresentado para a vigairaria da igreja matriz de São Sebastião do Rio de Janeiro, tendo novo alvará de mantimentos expedido pelo Conselho Ultramarino em 26 de janeiro de 1683.38 38 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 231v-232v. D. Pedro II já havia autorizado a criação do cabido com cinco dignidades (deão, chantre, tesoureiro-mor, mestre-escola e arcediago) e 13 capitulares, instituindo as respectivas côngruas em 18 de novembro de 1681. Contudo, os sujeitos apenas foram designados por outra provisão de 19 de janeiro de 1685, quando Francisco da Silveira Dias foi apresentado para o cargo de deão.39 39 Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro, “Memória da origem e progressos do Cabido da Santa Sé de São Sebastião do Rio de Janeiro por José de Souza Marmelo, tesoureiro-mor da mesma Santa Sé, no anno de 1789”, Livro do tombo do Cabido da Sé do Rio de Janeiro, f. 36v-37, 18 nov. 1681 (cópia da provisão) e Estatutos do Cabido Metropolitano da Sé, 1736, f. 6. Ver ainda Silva (2016, f. 81). D. José de Barros de Alarcão permaneceu na vila de São Paulo até pelo menos finais de 1686 e, portanto, não colou nem deu posse imediata aos capitulares da Sé. Em janeiro de 1687, D. Pedro II ainda recusou o pedido feito por Alarcão de pagar os capitulares desde a sua chegada ao Rio de Janeiro. O monarca achou a justificativa do bispo infundada, posto que os capitulares não tinham sido empossados por uma falha do próprio antístite.40 40 ACMRJ, Livro de ordens régias 1681-1809, E-278, f. 2v-3, 27 jan. 1687. Nesse sentido, entre 1685 e a data de posse no deado, em 29 de abril de 1687, Francisco da Silveira Dias deve ter ficado em um limbo.41 41 Data de posse como deão em Araújo (1890, tomo VI, p. 97).
Não sabemos muito sobre a relação do último administrador com o bispo recém-empossado. Contudo, a informação extrajudicial remetida à corte em 1689 pelo desembargador Belchior da Cunha Brochado sobre o comportamento de D. José de Barros de Alarcão no exercício episcopal evidencia uma relação pouco amistosa. Na informação, o desembargador afiançava que o bispo enxergava todos seus diocesanos como “cristãos-novos, mecânicos e vilões ruins” e afirmava ser o deão da Sé descendente “de um mouro da vila de São Vicente”.42 42 AHU, Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, caixa 9, doc. 1713-1721, 14 dez. 1689. Ver ainda Mendes (2018, p. 105-107). A visão dos moradores da cidade do Rio de Janeiro deveria ser diferente. Em 1686, a Câmara Municipal reclamava ao rei sobre a permanência do bispo fluminense na vila de São Paulo e rogava que os naturais da terra fossem cogitados para serem bispos. Os vereadores asseveram que também eram vassalos e por não terem o “coração na corte, nem aspira[re]m a maiores lugares, provavelmente farão melhor a sua obrigação”.43 43 AHU, Rio de Janeiro Avulsos, caixa 5, doc. 516, 26 ago. 1686. Na memória dos edis, certamente emergia o papel desempenhado por Francisco da Silveira Dias nos últimos anos à frente da administração eclesiástica do Rio de Janeiro.
O governo prelatício
Os resquícios acerca do governo de Francisco da Silveira Dias são ainda mais escassos. Segundo Pizarro e Araújo, logo que começou a exercer a função de administrador eclesiástico, Dias visitou as igrejas paroquiais da diocese (Araújo, 1890, tomo III, p. 229). Ademais, o administrador manteve, como visto anteriormente, as nomeações de párocos encomendados e coadjutores das igrejas paroquiais, além de emitir provisões colando e empossando os vigários apresentados pela Mesa de Consciência e Ordens.44 44 São vários os exemplos copiados no livro da Provedoria da Fazenda. Estas provisões eram registradas nestes livros para que o pagamento anual dos vencimentos fosse garantido, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1.
Nesta linha, Francisco da Silveira Dias exercia plenamente os poderes outorgados aos administradores eclesiásticos, nomeando párocos, realizando visitas pastorais e impondo censuras aos seus diocesanos. Em 1677, por exemplo, acatando um pedido feito pelo reitor do Colégio de Jesus, o padre Bernabé Soares, o prelado publicou carta de excomunhão a todos os moradores da cidade que cortassem madeiras dos mangues. Os jesuítas e os beneditinos afirmavam ter posse das terras, por carta de sesmarias, e queriam impedir os moradores de cortar as madeiras, contando para tal com o apoio do prelado. Os moradores, por sua vez, alegavam, por meio de representação da Câmara Municipal, que as madeiras eram fundamentais para a manutenção da cidade, sendo usadas como lenha, pelos engenhos, nas armações das casas, nas viagens dos navios. O regente manteve a posse dos moradores e ao administrador encomendou que não os perturbasse com este tipo de excomunhão. A advertência ao prelado pautava-se numa intromissão em um tema fora da alçada espiritual.45 45 Ver consulta do Conselho Ultramarino em AHU, Livro de registro de consultas sobre as capitanias do Rio de Janeiro (1674-1710), cód. 232, f. 17-17v e cartas régias sobre o assunto ao governador, oficiais da Câmara e ao administrador em Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 19v-20.
O administrador igualmente manteve o exercício das visitas pastorais, seja pessoalmente seja nomeando visitadores. A título de exemplo, em 5 de abril de 1672, durante a visita à igreja da freguesia da Candelária, Francisco da Silveira Dias deixava disposto no livro de óbitos que o mesmo também deveria ser usado para os registros dos falecidos sem testamento, citava como fundamento a constituição de Lisboa e ordenava a assinatura do assento pelo pároco ou coadjutor. Em 27 de março de 1677, determinava a continuidade dos registros na mesma forma. Estes dados apontam para uma perenidade das visitas pastorais.46 46 ACMRJ, Livro de óbitos de livres (1668-1695), f. 12v e 26v. Disponível em: <https://www.familysearch.org/records/images/image-details?rmsId=TH-1-14178-23580-2&imageIndex=189&singleView=true>. Acesso em: 4 abr. 2020. Enquanto nos anos de 1672 e 1677, Dias nomeou o padre Mateus Nunes de Siqueira para visitar Parnaíba. O administrador não podia ordenar novos sacerdotes, contudo, acompanhava os procedimentos necessários para a ordenação, como a publicação das inquirições de genere, de vita et moribus e os exames. Em 1675, Silveira Dias ordenou, por exemplo, ao vigário da vara da Parnaíba, Pedro Leme de Padro, que realizasse as investigações do processo de Guilherme Pompeu de Almeida. Este candidato foi ordenar-se na diocese da Bahia, mas levando consigo o atestado do vigário da vara da Parnaíba de estar livre de culpas e depois de ter feito o exame de latim, em abril de 1679, no Rio de Janeiro.47 47 Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, Livro do Tombo Geral de Parnaiba organizado pelo padre Paulo Florencio da Silveira Camargo, vigario da mesma parochia, armário 55, prateleira 1, n. 33, f. 18-20. Por fim, pese não termos indícios mais concretos, Dias, enquanto vigário-geral, tinha atuação direta na justiça eclesiástica.
Como o responsável pelo governo da prelazia, Francisco da Silveira Dias também recebeu outras recomendações e pedidos de parecer do centro político. Em 7 de novembro de 1677, D. Pedro solicitou informação ao prelado sobre o pedido feito pelo visconde de Asseca e seu tio João Correia de Sá, donatários de São Salvador dos Campos e São João da Paraíba do Sul, sobre o direito de eles nomearem os párocos. O regente requeria que o administrador remetesse informações sobre os dízimos do território, o valor das côngruas dos vigários, das fábricas e da existência de coadjutores e se era conveniente pagar os sacerdotes pelas folhas ordinárias ou se era melhor deixar o pagamento a cargo dos donatários.48 48 AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 14v, 7 nov. 1677. Em 20 de julho de 1679, recomendou ao prelado, assim como ao governador e ouvidor-geral, que fizesse cumprir a ordem remetida ao abade do mosteiro de São Bento para retirar dois religiosos das terras dos Campos dos Goycatazes por fomentarem distúrbios entre os moradores.49 49 Ver cartas ao prelado, ouvidor, governador e abade em AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 21-22.
De igual modo, o prelado buscou defender os direitos do clero fluminense, a conservação da igreja matriz e das suas competências. Na deprecação feita para aumentar a ordinária da igreja matriz, o administrador, na qualidade de vigário, alegou a carestia dos gêneros, como o vinho e as hóstias, e seu dispêndio na reedificação da matriz com a realização de obras e compra de ornamentos. Conseguiu, na ocasião, o acrescentamento de 20.000 réis.50 50 ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 61v-62. Em 1674, o administrador e demais vigários da prelazia do Rio de Janeiro rogaram a quitação dos ordenados e demais porções, como as ordinárias das igrejas, em dinheiro e aos quartéis, em razão do grande prejuízo no pagamento em açúcar branco. Pedido atendido pelo alvará de 30 de setembro de 1674.51 51 AHU, Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, cx. 7, doc. 1223, 3 jul. 1674 (consulta) e ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 37v-38 (alvará). Em 1681, a Câmara Municipal de São Paulo solicitou ao administrador que nomeasse novos capelães e ermitões para as aldeias indígenas, ou na sua ausência delegasse a competência ao vigário da vila. O administrador atendeu o pedido dos provimentos, reiterando que não poderia ceder a sua jurisdição.52 52 A informação aparece na carta dos vereadores, AHU, São Paulo, Coleção Alfredo Mendes Gouveia, caixa 1, doc. 36, 29 dez. 1681. Em 9 de julho de 1678, Francisco da Silveira Dias teria ainda iniciado a construção de um recolhimento junto à capela de Nossa Senhora da Ajuda. O desejo do prelado era a transformação deste edifício em um convento de religiosas (Araújo, 1890ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil. 9 tomos. Rio de Janeiro: Na Impressão Régia, 1820-1822., tomo III, p. 229).
Francisco da Silveira Dias faleceu no Rio de Janeiro em 16 de março de 1690. Em seu testamento, escrito três anos antes, nomeava, como era a praxe, a sua alma por herdeira e instituía como testamenteiros o seu irmão, o capitão Sebastião Dias da Luz, Antônio Prego, Francisco Barbosa Corvinel e Simão da Barbosa Corvinel. Definia como deveria ser o seu enterro, primeiro, solicitava que fosse sepultado na cova dos pais, na capela-mor da igreja do mosteiro de São Bento. Pedia que seu corpo, “com esquife e pompa costumada”, fosse acompanhado pelos irmãos da irmandade de São Pedro dos Clérigos, pelos carmelitas e os membros das irmandades do Santistíssimo Sacramento da Sé, de Nossa Senhora do Rosário das Almas, de São Benedito, de Nossa Senhora da Paz, de São José, de Nossa Senhora da Encarnação, de Nossa Senhora da Candelária e de Nossa Senhora da Ajuda. A cerimônia fúnebre deveria ter um ofício de corpo presente na Sé com um canto de nove lições e “todas as missas” possíveis no dia e no seguinte, além de cantos de salmo por “vinte e quatro clérigos com os capitulares”, mais um “oitavário de missas com seus responsas por todos os sacerdotes e religiosos que houverem nesta cidade”. Ademais, Silveira Dias instituía algumas capelas de missas, deixando a cargo dos testamenteiros a venda e administração do seu legado que incluía, entre outros, algumas peças de prata, um partido no Engenho dos padres, uma quantia de dinheiro destinada a manter as capelas e outra parte como dote para as irmãs do testamenteiro ingressarem no convento, umas casas de sobrado e algumas arrobas de açúcar branco. Legava à Sé dois escravos “um por nome Lourenço para tanger o sino da reza do coro, e outro por nome Paulo para carretar água para as Missas e lavatório da sacristia e pias da Igreja, e para a varrerem e fazerem todo o mais serviço dela”. Cada um receberia do testamenteiro “um calção de baeta, casaca e chapéu e duas camisas”. Ao bispo, deixava um terceiro escravo, “um mulato alfaiate por nome Sebastião”, considerado pelo deão “a melhor peça que tenho na minha estimação”. A livraria foi legada ao irmão franciscano “para que dela tire os livros que lhe parecer” e o restante deveria ser repartido entre os conventos de São Boaventura e de Santo Antônio.53 53 ACMRJ, Série Encadernado, “Testamento do Reverendíssimo Deão da Sé Dr. Francisco da Silveira Dias...”, Livro Bulário do Arcebispado do Rio de Janeiro, E-230, p. 131-138. O testamento assinalava que o antigo prelado e deão da Sé do Rio de Janeiro tinha um razoável cabedal.
O padre Francisco da Silveira Dias não foi oficialmente escolhido para o posto de administrador eclesiástico do Rio de Janeiro. No entanto, a vacância da prelazia o conduziu a assumir interinamente a função e uma série de circunstâncias prolongaram o seu governo prelatício. Nesse ponto, foi imprescindível examinar sua trajetória em fases, a saber, como vigário da igreja matriz de São Sebastião, como administrador eclesiástico, a permanência na função após a fundação do bispado e a ausência do primeiro bispo e, por fim, como deão da Sé. A reconstituição de parte da sua trajetória, sobretudo à frente do governo da prelazia, demonstra que, mesmo antes da criação da diocese, os administradores, no exercício desta jurisdição quase episcopal, desempenharam um papel fundamental na construção desta Igreja diocesana.
Referências
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Este artigo resulta de pesquisas realizadas no âmbito do projeto Religião, administração e justiça eclesiástica no império português (1514-1750) - ReligionAJE, PTDC/HAR-HIS/28719/2017, financiado pela FCT-Portugal e coordenado pelo prof. dr. José Pedro Paiva. Nas transcrições de originais, a ortografia foi atualizada e as abreviaturas desdobradas. Agradeço ao prof. dr. José Pedro Paiva pela leitura e sugestões a uma primeira versão deste artigo.
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Ver o breve em Bullarum diplomatum et privilegiorum santorum romanorum pontificum. Neapoli: Henrico Caporaso Editore, 1883, tomo 8, p. 124-129.
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Segundo o autor, a teoria dos “prelados inferiores” - classificação criada para distinguir estes dos “prelados maiores”, o papa e os bispos - apenas foi desenvolvida após o Concílio de Trento, sobretudo nos séculos XVII e XVIII. Os prelados inferiores ou menores respondiam diretamente ao papa e detinham certa independência e isenção da jurisdição do bispo diocesano, sendo definido em três tipos: infima (superiores regulares ou prelados seculares de igrejas, monastérios, conventos, sem separação do território diocesano e sem jurisdição ativa); media (com jurisdição ativa, mas sem a separação territorial) e suprema (com jurisdição ativa e com território separado da diocese, as nullius dioecesis) (Viana, 2002, p. 48-50). Ao analisar detidamente a jurisdição exercida pelos administradores eclesiásticos no Rio de Janeiro, percebe-se que estes se enquadrariam na categoria de suprema. Nesse sentido, um aspecto sobressalta aos olhos, a determinação deste tipo de jurisdição ativa com separação territorial efetiva ainda no século XVI, época da criação da administração eclesiástica do Rio de Janeiro.
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4
Numa petição em 1646, Antônio de Mariz Loureiro, à época administrador eclesiástico, citava as côngruas dele e do bispo da Bahia para fundamentar a sua súplica para aumentar o seu ordenado. Os mesmos valores figuram na dotação de côngrua de Francisco da Silveira Dias e do primeiro bispo do Rio de Janeiro, demonstrando a persistência destas cifras, ver, respectivamente, Arquivo Histórico Ultramarino [doravante AHU], Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, cx. 3, doc. 529, 13 de novembro de 1646 e Arquivo Nacional do Rio de Janeiro [doravante ANRJ], Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, vol. 1, f. 95 e 207v. Ver ainda Sales Souza (2017, p. 369).
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5
Em decorrência da ausência do primeiro bispo eleito do Rio de Janeiro, a estrutura da administração eclesiástica, como se verá no decorrer deste texto, prolongou-se, de fato, até 1681, época da posse de D. José de Barros de Alarcão.
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6
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro [doravante IHGB], Prelados e bispos do Rio de Janeiro até 1721, lata 105, pasta 11, documento avulso.
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7
D. José de Barros de Alarcão, bispo do Rio de Janeiro entre 1680 e 1700, respondeu, a pedido da Coroa portuguesa, um processo em Roma quanto ao seu comportamento no exercício do múnus episcopal. Sobre aspectos gerais do exercício episcopal deste e de outros bispos fluminenses, ver Mendes (2018, p. 95-277).
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8
A título de exemplo, ver Mendonça (1630; s.d.). Sobre o prelado Lourenço de Mendonça e seus escritos, podem-se citar ainda os estudos de Rubert (1976); Cardim (2008) e Vilardaga (2014).
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9
Sobre os conceitos de disciplinamento social e confessionalização, ver Palomo (2016, p. 69-89) e Prosperi (2014, p. 47-56).
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10
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 1, p. 273, 1928.
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11
IHGB, Prelados e bispos do Rio de Janeiro até 1721, lata 105, pasta 11, documento avulso.
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12
AHU, Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, cx. 3, doc. 529, 13 nov. 1646 e Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 281, 29 dez. 1655.
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13
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro [doravante ACMRJ], Série Visitas Pastorais, Papéis da Visita de Manoel de Souza e Almada a capitanias e repartições do Sul, VP 37, documento incompleto.
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14
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 281, 29 dez. 1655.
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15
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 283, 4 jan. 1656. Sobre o assunto, ver ainda Sales Souza (2017, p. 369-371).
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16
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 330, 20 nov. 1662.
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17
ACMRJ, Série Encadernado, “Testamento do Reverendíssimo Deão da Sé Dr. Francisco da Silveira Dias...”, Livro Bulário do Arcebispado do Rio de Janeiro, E-230, p. 131, 136.
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18
A partir de março de 1665, verifica-se a assinatura de Francisco da Silveira Dias nos assentos de batismos da igreja matriz, ver ACMRJ, Livro de batismos de pessoas livres (1654-1680), f. 44, disponível em: <https://www.familysearch.org/records/images/image-details?rmsId=TH-1-14177-32155-95&imageIndex=339&singleView=true>, acesso em: 4 abr. 2020. Segundo Rubert (1981, v. 2, p. 54), teria sido nomeado para a vigararia em 22 de setembro de 1666.
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19
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 370, 14 jul. 1668. A consulta, escrita na margem da carta do governador, data de 10 de abril de 1669. Nesta época, Manuel de Souza de Almada rogava ao rei, argumentando sua velhice, seus merecimentos e o bom governo da prelazia, a nomeação para o bispado do Brasil ou para os bispados de Funchal ou Angra, ver Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 369, ant. 10 abr. 1668.
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20
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 374, 6 set. 1669.
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21
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 4, doc. 381, 30 jun. 1671.
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22
Não encontrei nos livros de Consultas das partes do Conselho Ultramarino, códices 46 e 47, e nos livros de provisões e cartas régias, sobretudo os códices 93 e o 276, consulta sobre o assunto ou expedição de carta ao administrador eclesiástico ordenando o seu retorno ao reino. O tema, provavelmente, foi tratado na Mesa de Consciência e Ordens e, neste caso, são escassas as fontes para este período.
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23
Conforme Rubert (1981, p. 52), assumiu interinamente o governo da prelazia o padre José de Castro, nomeado pelo cabido da Bahia.
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24
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês, Mercês de Ordens Militares, livro 9, respectivamente, f.152v-153, 16 out. 1672, e f. 127v-128, 2 abr. 1672. O alvará foi expedido pela Mesa de Consciência e Ordens em 20 de novembro de 1673 e registrada no Rio de Janeiro em fevereiro de 1674, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 15-15v.
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25
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 15.
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26
O alvará de mantimento foi expedido em 8 de março de 1673, quando é ordenado o pagamento de 300.000 réis na forma em que se pagava a “Manuel de Souza de Almada seu antecessor”, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 23-23v.
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27
No testamento, Pessoa de Figueiredo deixava para o prepósito da Congregação do Oratório, o padre João do Sacramento, o único espólio que lhe restou, a côngrua vencida desde a sua partida de Lisboa, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 20v-28. No relato de 1721, mencionado anteriormente, o autor afirmava que Silveira Dias havia assumido o cargo devido à partida de Manuel de Souza de Almada e apontava como o último administrador eclesiástico justamente Manuel Pessoa de Figueiredo, além de resumir essencialmente estes fatos, o da sua partida de Lisboa, o naufrágio e a morte em Pernambuco, ver IHGB, Prelados e bispos do Rio de Janeiro até 1721, lata 105, pasta 11, documento avulso.
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28
O assunto começou a ser tratado pouco tempo após a retomada das relações entre a Coroa portuguesa e a Cúria romana, em 1671. As primeiras súplicas feitas pelo embaixador português em Roma rogavam a criação das dioceses do Rio de Janeiro e Maranhão, ver Sales Souza (2020, p. 7).
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29
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, vol. 1, f. 1 e 105-105v.
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30
AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 19v-20.
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31
Ver, respectivamente, ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 79v-80 e AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 14v.
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32
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, cx. 3, doc. 281, 29 dez. 1655 e caixa 4, doc. 370, 14 jul. 1668; ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 21. Ver ainda Sales Souza (2017, p. 370).
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33
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 28v-29 e 61v-62v.
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34
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 79, 95, 107v-108.
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35
A provisão do provedor-mor, após consulta ao procurador da Fazenda do Estado do Brasil, foi passada em 23 de novembro de 1680 e registrada no Rio de Janeiro em fevereiro de 1681, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 127-127v, 131v e 180v-181.
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36
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 78v-80, 106-107, 118-118v, 119-120, 124v-125, 143-143v, 164-165.
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37
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 165v-174v.
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38
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 231v-232v.
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39
Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro, “Memória da origem e progressos do Cabido da Santa Sé de São Sebastião do Rio de Janeiro por José de Souza Marmelo, tesoureiro-mor da mesma Santa Sé, no anno de 1789”, Livro do tombo do Cabido da Sé do Rio de Janeiro, f. 36v-37, 18 nov. 1681 (cópia da provisão) e Estatutos do Cabido Metropolitano da Sé, 1736, f. 6. Ver ainda Silva (2016, f. 81).
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40
ACMRJ, Livro de ordens régias 1681-1809, E-278, f. 2v-3, 27 jan. 1687.
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41
Data de posse como deão em Araújo (1890, tomo VI, p. 97).
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42
AHU, Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, caixa 9, doc. 1713-1721, 14 dez. 1689. Ver ainda Mendes (2018, p. 105-107).
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43
AHU, Rio de Janeiro Avulsos, caixa 5, doc. 516, 26 ago. 1686.
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44
São vários os exemplos copiados no livro da Provedoria da Fazenda. Estas provisões eram registradas nestes livros para que o pagamento anual dos vencimentos fosse garantido, ver ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1.
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45
Ver consulta do Conselho Ultramarino em AHU, Livro de registro de consultas sobre as capitanias do Rio de Janeiro (1674-1710), cód. 232, f. 17-17v e cartas régias sobre o assunto ao governador, oficiais da Câmara e ao administrador em Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 19v-20.
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46
ACMRJ, Livro de óbitos de livres (1668-1695), f. 12v e 26v. Disponível em: <https://www.familysearch.org/records/images/image-details?rmsId=TH-1-14178-23580-2&imageIndex=189&singleView=true>. Acesso em: 4 abr. 2020.
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47
Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, Livro do Tombo Geral de Parnaiba organizado pelo padre Paulo Florencio da Silveira Camargo, vigario da mesma parochia, armário 55, prateleira 1, n. 33, f. 18-20.
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48
AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 14v, 7 nov. 1677.
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49
Ver cartas ao prelado, ouvidor, governador e abade em AHU, Livro de cartas régias do Rio de Janeiro (1673-1700), cód. 223, f. 21-22.
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50
ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 61v-62.
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51
AHU, Rio de Janeiro, Coleção Castro e Almeida, cx. 7, doc. 1223, 3 jul. 1674 (consulta) e ANRJ, Secretaria do Estado do Brasil, cód. 60, v. 1, f. 37v-38 (alvará).
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52
A informação aparece na carta dos vereadores, AHU, São Paulo, Coleção Alfredo Mendes Gouveia, caixa 1, doc. 36, 29 dez. 1681.
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53
ACMRJ, Série Encadernado, “Testamento do Reverendíssimo Deão da Sé Dr. Francisco da Silveira Dias...”, Livro Bulário do Arcebispado do Rio de Janeiro, E-230, p. 131-138.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Dez 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2021
Histórico
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Recebido
25 Maio 2020 -
Aceito
11 Mar 2021