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Correios por estradas e rios: a tentativa de integração postal das capitanias da América portuguesa (1798-1807)

Postal routes by roads and by rivers: the attempt of postal integration in the captaincies of Portuguese America (1798-1807)

Resumo:

As reformas de Correios de fins do século XVIII atingiram a América portuguesa e iniciaram uma discussão para a abertura de novas estradas, chamadas recovagens públicas, para garantir a existência de correios internos que ligassem as capitanias entre si. Os governadores, ao levarem em consideração as demandas do centro, tomaram ações tanto para reaproveitar caminhos de terra já comumente trilhados, especialmente no caso de ligações mais ao Sul, quanto para a exploração de rotas fluviais pouco usuais, que ligariam as capitanias interiores com o Norte. Contudo, alguns governadores se recusaram a abrir novos caminhos para o giro das cartas. A análise das ideias e ações dos governadores acerca dos caminhos de correios permite compreender como as reformas postais na América portuguesa foram um processo de diálogo e embates entre a Coroa e seus representantes regionais.

Palavras-chave:
Reformas de correio; Rotas postais na América portuguesa; Recovagem pública

Abstract:

The Postal reform of the late 18th century reached the Portuguese America and a discussion was started for the opening of new public roads, to ensure the existence of internal post linking the captaincies to each other. The governors, taking into consideration the demands from the center, took actions both to reuse already commonly traveled land paths, especially in the case of more southerly connections, and to explore unusual river routes, which would connect the inland captaincies with the North. However, some governors refused to open new roads for improve communication. The analysis of the governors’ ideas and actions about the postal routes allows us to understand how the postal reforms in Portuguese America were a process of dialogue and clashes between the Crown and its regional representatives.

Keywords:
Postal reforms; Postal routes in Portuguese America; Public roads

Até 1798, o direito de transportar cartas e recolher as taxas referentes ao serviço, em Portugal e nos domínios, estava nas mãos da família Gomes da Mata, que comprou o ofício de Correio-mor em 1606. Em 1797, essa estrutura foi extinta, e o ofício foi incorporado à alçada direta da Coroa. A partir de então, os trâmites postais não seriam de usufruto de uma família. No lugar do antigo sistema, surgiu outro, no qual a circulação de cartas passou a ser controlada diretamente pela Coroa. Além disso, a taxa referente ao transporte de missivas, o porte, passou a ser receita régia.

As reformas dos correios fizeram parte de um conjunto amplo de ações executadas pelo ministro da Marinha e Ultramar, dom Rodrigo de Sousa Coutinho. O principal propósito dessas transformações era recuperar as receitas de Portugal, devido ao desgaste financeiro provocado pela guerra com a França (Cardoso, 2001CARDOSO, José Luís. Nas malhas do Império: a economia política e a política colonial de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. In: ALMODOVAR, António; CARDOSO, José Luís. (orgs.). A economia política e os dilemas do império luso-brasileiro. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. p. 65-109., p. 78). Para dom Rodrigo, as relações econômicas entre o Reino e seus domínios imperiais, especialmente a América portuguesa, tinham grande importância. A tentativa de reequilíbrio financeiro da metrópole era permeada pelo bom aproveitamento do espaço americano, seja no sentido da melhor administração, das transações comerciais ou na questão da cobrança de impostos. Assim, uma das primeiras ações de dom Rodrigo ao assumir a Secretaria da Marinha e Ultramar foi a inauguração do Correio Marítimo entre Reino e domínios em 1798, instituição que auxiliaria tanto na manutenção da comunicação à distância, essencial para o comércio, quanto na recolha fiscal, por meio da arrecadação dos portes das cartas.

Além da questão do correio por mar, as normas da Coroa de 1798 trouxeram considerações sobre a instituição de novas estradas para a circulação interna de correspondência. De acordo com o alvará de 20 de janeiro, era obrigação dos governadores das capitanias abrirem “recovagens públicas” para fazer a conexão entre os territórios do centro e a costa. Obrigatoriamente, os agentes da Coroa na América portuguesa deveriam prestar contas do andamento desta empresa no período de um ano.1 1 Alvará de dona Maria I mandando estabelecer uma comunicação regular com o Brasil e ilhas dos Açores e da Madeira para a troca de correspondência, através de paquetes correios marítimos, 20 jan. 1798. Citado em Silva (1825, p. 321-327). De acordo com o dicionário de Raphael Bluteau, recovagem está relacionado com um caminho que permite a passagem da multidão. Um recoveiro era sinônimo de almocreve, ou seja, um guia de bestas e cargas (Bluteau, 1728, p. 164).

É a partir da sugestão normativa de rotas de correio para o interior da América portuguesa que se iniciam articulações, dos agentes da Coroa em solo americano, para se arquitetar quais os possíveis caminhos para o transporte das cartas. Assim, havia articulação entre questões relativas ao espaço, aos caminhos e a projetos mais amplos de reestruturação político-econômica, neste caso, envolvendo a seara específica da comunicação à distância.

Ao longo do tempo, a historiografia produziu diversas reflexões a respeito da articulação entre processos históricos e espaço. Fernand Braudel, em seu livro clássico, indicou como a observação da geografia por parte do historiador pode ser um meio de compreender os processos estruturais e de longa duração, entendendo assim tanto as permanências quanto as modificações a partir de questionamentos feitos ao espaço (Braudel, 1953BRAUDEL, Fernand. El Mediterráneo y el mundo mediterrâneo em la época de Felipe II. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1953. t. I., p. 27). Buscando esta referência teórica, este artigo partirá do princípio que o aproveitamento de caminhos antigos, sob novas transformações de cunho político-econômico, permite compreender estas intricadas relações de rupturas e continuidades. Tal foi o caso da utilização de antigas estradas para o modelamento de um novo sistema, as rotas postais instituídas a partir de 1798.

Dentre os historiadores brasileiros, destaca-se o estudo pioneiro de Sérgio Buarque de Holanda a respeito dos caminhos coloniais (Holanda, 2014HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções e Capítulos de expansão paulista. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.). Este autor elucidou como os caminhos da América portuguesa foram um reaproveitamento de antigas trilhas indígenas, sendo essencial para os portugueses conhecerem o domínio da população nativa do meio e das técnicas de transporte para conseguirem a expansão para o sertão no período das bandeiras. Tal questão aparece de maneira evidente na análise de documentação acerca dos caminhos de correio de fins do século XVIII, quando foram frequentemente aproveitadas estradas anteriormente abertas, antes trilhadas por indígenas, bem como a mão de obra de diversas etnias, para alcançar o domínio das rotas para o envio da comunicação escrita.

Já Russel-Wood, em suas reflexões acerca de centro e periferia na América portuguesa, indicou a criação, especialmente a partir da expansão aurífera, de núcleos de maior importância que se conectavam espacialmente com diversas vilas e/ou cidades. Assim, a partir de finais do século XVII, foi visível o impacto da exploração do metal em questões como a densidade das comunicações, nas relações políticas e de comércio. Tal processo de expansão acabou por determinar a existência de núcleos/centros, entendidos pelo autor como áreas urbanas de importância política e/ou econômica. O historiador faz uso de três conceitos da geografia a respeito de centros e periferias que serão eventualmente utilizados neste artigo para explicar o estabelecimento das rotas de correio: umland para designar uma região ligada territorialmente a um núcleo de importância territorial. Hinterland diz respeito a um local ainda ligado ao núcleo, mas em uma distância maior. Por fim, vorland implica grande conexão com um núcleo, mas sem continuidade territorial (a exemplo de portos) (Russel-Wood, 1998RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. Centros e periferias no mundo luso brasileiro, 1500-1808. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/tPDDY4LGnDvZjJRrshMmtmv/?lang=pt . Acesso em: 20 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbh/a/tPDDY4LGnD...
).

No século XVIII, a questão das ligações territoriais interiores apontadas por Russel-Wood ganhou outros contornos, pautados pela especificidade das reformas de correio. A partir de então, toda uma nascente estrutura administrativa, associada diretamente à Coroa portuguesa, tentará se apropriar dos antigos caminhos coloniais para realizar o objetivo de manter a circulação da comunicação escrita. A apropriação de estradas para garantir o funcionamento do correio indica a intricada relação entre circulação de informações e manejo de trajetos e itinerários.

Mais recentemente, o estudo de Syllvia Sellers-García desenvolve o conceito de distância, relacionando-o às relações centro-periferia. Segundo a autora, distância, no período da América espanhola, não envolvia somente a medida espacial, mas também a perspectiva humana, perpassando por questões de poder e as relações políticas e socioeconômicas. Da mesma forma, as relações centro-periferia são determinadas pela percepção de distância, entendida de maneira abrangente (Sellers-García, 2014SELLERS-GARCÍA, Sylvia. Distance and documents at the Spanish Empire’s periphery. Stanford: Stanford University Press, 2014., p. 3-21). Um determinado território periférico, por exemplo, poderia ser considerado distante devido sua pouca expressão econômica e a falta de interesse do centro em manter comunicações com tal local. O interesse em manter ou não roteiros de correio regulares está também associado à percepção de determinados locais como periféricos ou centrais. Uma cidade ou vila periférica poderia tentar mudar seu status a partir do estabelecimento de comunicações regulares e comércio, enquanto locais nucleares poderiam não demonstrar interesse em se conectar com esta periferia.

A melhoria dos caminhos interiores da América portuguesa está associada às discussões do fim do século XVIII a respeito da revitalização da região aurífera, que entra em declínio econômico a partir do gradual esgotamento do metal a partir de 1760. Assim, figuras envolvidas no governo da Monarquia, como dom Rodrigo de Sousa Coutinho, passam a pensar em propostas de crescimento comercial para a região a partir do estímulo do comércio interno e da agropecuária (Lima, 2010LIMA, André Nicácio. Caminhos da integração, fronteiras da política: a formação das províncias de Goiás e Mato Grosso. Dissertação (Mestrado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010., p. 34-35). O desenvolvimento de novas estradas, que permitissem o escoamento de mercadorias e a comunicação do interior para a costa faziam parte deste contexto. Assim, a ligação das capitanias do sertão com regiões do Norte e demais capitanias costeiras fazia parte de um plano de conexão entre núcleos centrais e periféricos e uma tentativa de resolução do problema da distância.

Se, inicialmente, a questão da correspondência e a cobrança do porte não fazia parte das preocupações da Coroa na gestão dos caminhos, a partir de 1798 esse fator passa a ser levado em consideração. Ou seja, ocorreu uma ampliação do controle régio sobre o espaço intraterritorial, especificamente sobre gêneros que ali circulavam. Anteriormente, o gerenciamento limitava-se à cobrança de impostos relacionados aos bens comerciais que migravam de uma capitania a outra. Com as reformas postais, os documentos escritos mandados via correio entraram nesta esfera de cobrança e controle por parte do Estado. Esta nova taxa, o porte, deveria recair sobretudo em cartas particulares, pois qualquer documento oficial era despachado gratuitamente pelo sistema postal da época.2 2 Regulamento Provisional para o novo estabelecimento do Correio, 1 abr. em Lisboa, 1799. Citado em Silva (1825, p. 331). As cartas, assim como o ouro e outras mercadorias estavam, a partir daquele momento, passíveis de pagamento de tributo.

Este artigo tem como objetivo analisar o surgimento das rotas postais no momento inicial das reformas de correio, entre 1798 e 1807, período imediatamente anterior à mudança da Corte para o Rio de Janeiro. A partir de 1808, houve um maior incentivo à abertura de estradas e surgimento de novos giros de correio, o que pode ser considerado uma segunda fase desse processo, e está para além dos objetivos deste trabalho. Parte-se da hipótese que a organização postal também fez parte de um projeto específico de domínio do amplo espaço da América portuguesa e que questões de territorialidade e de comunicação são, especialmente no século XVIII, indissociáveis. Serão utilizados o conjunto de ofícios dos governadores de diversas capitanias, presentes no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, além de outras fontes.

Os caminhos do ouro transformados em rotas postais

O processo de expansão do litoral para o interior na América portuguesa se deu a partir da aprendizagem por parte dos colonos portugueses junto às populações nativas, originalmente responsáveis por construir caminhos e por deter o conhecimento de como percorrê-los. Ao longo do tempo, essas estradas originais foram pouco modificadas, passando, entretanto, a ser essenciais para os projetos de ocupação territorial da América portuguesa (Holanda, 2014HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções e Capítulos de expansão paulista. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. , p. 40). Para o caso específico do transporte de cartas, estes mesmos caminhos foram frequentemente utilizados desde a fundação das primeiras vilas interiores. Foi, contudo, somente em 1798 que tais estradas passaram a se caracterizar como parte de um roteiro postal fixo, a partir da instituição de Correios oficiais em diversas vilas e cidades da América portuguesa. Assim, é possível perceber que o aproveitamento de caminhos, algo corriqueiro na sociedade colonial, foi feito também no momento em que se visava expandir a comunicação à distância a partir da criação de uma nova instituição postal.

Portanto, no quesito dos nascentes roteiros postais, os governadores de capitanias que já possuíam em seu território caminhos frequentemente trilhados, utilizaram a estratégia de aproveitamento. Neste caso, trata-se especialmente das capitanias auríferas, as quais passaram pela exploração sistemática de vias desde a descoberta do metal, nos últimos anos do século XVII. Essas rotas de integração e o conhecimento geográfico gerado no período do auge do ouro foram reaproveitados para a fundação de rotas postais após 1798. Os governadores do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso não apresentaram, nos primeiros anos das reformas, sugestão de abertura de recovagens públicas, ou seja, novas estradas e caminhos. Se utilizaram de certa autonomia decisória para acionar vias já existentes, mas sem deixar de cumprir parcialmente as ordens da Coroa, atentando-se para a instituição de envios regulares de correios terrestres.

O primeiro ponto de integração deste roteiro dizia respeito ao giro postal entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em 1798, o governador e vice-rei do Rio de Janeiro, dom José Luís de Castro, conde de Resende, escreveu ao governador de Minas Gerais, dom Bernardo José Lorena. Indicou que os correios deveriam sair do Vice-reinado para a capitania mineira a cada 15 dias e afirmou ser possível duas soluções de rota: enviar todas as malas diretamente para Vila Rica, a capital, para depois serem distribuídas internamente para as demais vilas, ou a adoção de dois giros simultâneos, um para Vila Rica e outro para São João del Rei. A separação das malas deveria ser feita na “altura da Borda do Campo”, no caminho da “Estrada Geral”.3 3 AHU_ACL_CU_010, Cx. 36, Doc. 1844. Por meio destes localizadores podemos referenciar o caminho indicado pelo conde de Resende como coincidente com o “Caminho Novo”.

A construção do “Caminho Novo” data de 1698 e foi empresa de García Rodrigues e do coronel Domingos Rodrigues. Apesar da abertura ter sido feita em finais do século XVII, é possível que tenha sido assentado em um antigo caminho pré-cabralino (Venâncio, 1999VENÂNCIO, Renato. Caminho Novo: a longa duração. Varia Historia, v. 15, n. 21, p.181-189, 1999.). O início da estrada foi aberto na região da Borda do Campo, próxima à atual Barbacena, para seguir em direção a Serra do Mar e alcançar o Vice-reinado. Este roteiro também permitia uma bifurcação (justamente a citada pelo conde de Resende) para São João del Rei, em uma variante conhecida como “Caminho de Baixo” (Costa, 2015COSTA, Antonio Gilberto. Registro do caminho novo para as minas de ouro nos mapas antigos. In: Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, 6., 2015, Braga. Atas... Braga: Universidade do Minho; Universidade do Porto , 2015, p. 85-100., p. 89). Por este roteiro, também era possível alcançar o “Caminho Velho de São Paulo”.

Inicialmente ficou deliberado que o único giro a ser adotado seria para Vila Rica.4 4 Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (BNRJ). Manuscritos, I-26, 31, 080. Esta decisão será revertida em 1809, quando há a inauguração de correio direto entre Rio de Janeiro e São João del Rei.5 5 Decisão n. 12, de 8 de maio de 1809. Sobre os correios da capitania de Minas Gerais. Coleção das decisões do Governo do Brasil. (Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1891. p. 10-15). A alteração pode ser explicada devido a maior importância recebida pela comarca do Rio das Mortes depois da mudança da Corte em 1808 e o aumento do trânsito de gêneros agropecuários entre estas duas localidades. Portanto, percebe-se como o trânsito das cartas, neste momento, passou a fazer parte de um sistema de correios regular e se adaptou ao nível de importância relacionado à cada cidade ou vila, passando a fazer parte de um sistema de centros e periferias, tal qual delineado por Russel-Wood (1998RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. Centros e periferias no mundo luso brasileiro, 1500-1808. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/tPDDY4LGnDvZjJRrshMmtmv/?lang=pt . Acesso em: 20 nov. 2021.
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). No momento que São João del Rei ganha mais importância devido a questões econômicas, o roteiro direto de ligação com o Vice-reinado passou a ser mais utilizado, inclusive estabelecendo-se uma comunicação direta, a partir do envio de cartas.

Ainda em 1798, o conde de Resende também apontou a necessidade do giro postal entre Minas e o Rio de Janeiro como entreposto para as cartas do Vice-reinado para Goiás. Neste sentido, na tentativa de construir uma rota postal integrada, o vice-rei indicava enviar anexo ao ofício para Bernardo José Lorena comunicação para a Junta da Fazenda de Goiás a fim de acordar as questões relativas aos correios das três capitanias.6 6 AHU_ACL_CU_010, Cx. 36, doc. 1844.

Lorena escreveu em 11 de agosto de 1798 para Tristão da Cunha Menezes, governador de Goiás, afirmando que o itinerário deveria continuar de Vila Rica até o Arraial de Paracatu. Neste ponto, os carregadores de Goiás assumiriam a mala, levando-a para Vila Boa. Os transportadores de Minas levariam a mala de Paracatu para Vila Rica, de onde deveriam ser distribuídas as missivas goianas para Minas Gerais. De lá, poderiam chegar ao Rio de Janeiro e serem enviadas para Portugal.7 7 AHU_ACL_CU_010, Cx. 36, doc. 1844. Vemos, portanto, a integração do giro postal, no qual desde Goiás poderia se comunicar com outras capitanias e, em última instância, com o Reino. Nesse sentido, o território goiano pode ser considerado, na definição de Russell Wood, como uma hinterland, ou seja, um local periférico com certa distância que possui continuidade territorial com um núcleo (Russel-Wood, 1998RUSSELL-WOOD, Anthony J. R. Centros e periferias no mundo luso brasileiro, 1500-1808. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, 1998. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/tPDDY4LGnDvZjJRrshMmtmv/?lang=pt . Acesso em: 20 nov. 2021.
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). Goiás, conectada pelas vias das Minas Gerais, conseguia este continuum com o Vice-reinado.

O caminho indicado por Bernardo José é coincidente com a “Picada de Goiás”. As negociações para abertura e manutenção dessa estrada datam dos anos 1730, e tinham o intuito de garantir a comunicação do sertão goiano com as Minas, tendo como principal objetivo a exploração aurífera (Rezende, 2017REZENDE, Ana Maria Nogueira. Fluxos globais no século XVIII: a produção do modus vivendi e operandi no entorno da estrada real picada de Goiás. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2017, p. 91) A passagem das Minas era feita por Paracatu para então atingir o Registro dos Arrependidos, seguindo para Vila Boa (Barbo, Ribeiro, 2015BARBO, Leonora de Castro; RIBEIRO, Rômulo José da Costa. Os itinerários da rede de caminhos de Vila Boa de Goiás no século XVIII. In: Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, 6., 2015, Braga. Atas... Braga: Universidade do Minho; Universidade do Porto, 2015. p. 437-450., p. 442). Em Instruções das Juntas da Fazenda de Minas, também de 11 de agosto de 1798, percebemos a adição de mais um caminho a este roteiro: de Vila Rica, a mala seguiria para Sabará para depois atingir Paracatu, havendo troca de malas em Bambuí.

O ponto seguinte deste roteiro postal eram as vilas de Mato Grosso: Cuiabá e Vila Bela. Os correios desta capitania foram instituídos pelo governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro em janeiro de 1799. No que diz respeito ao envio e recebimento de correspondência para Goiás, este devia ser feito a partir do caminho de ligação entre Vila Boa e Cuiabá. Desta última localidade, os caminheiros levariam a mala até Vila Bela, a capital. Assim, o itinerário percorria um caminho já existente, a “Estrada de Cuiabá”. Mais um aproveitamento de via terrestre, a qual permitiria a capitania trocar correspondências com Minas Gerais, Rio de Janeiro e Portugal. O mesmo roteiro, antes de configurar-se como o oficial para a troca de cartas, foi comumente trilhado por governadores no momento de assumirem seu posto, a exemplo de Luís d’Albuquerque. Em 1772, seguiu do Rio de Janeiro para Vila Boa, para a partir daí trilhar a picada de Goiás até atingir Vila Bela. As 569 léguas deste caminho foram vencidas em 209 dias (Barbo, Ribeiro, 2015BARBO, Leonora de Castro; RIBEIRO, Rômulo José da Costa. Os itinerários da rede de caminhos de Vila Boa de Goiás no século XVIII. In: Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, 6., 2015, Braga. Atas... Braga: Universidade do Minho; Universidade do Porto, 2015. p. 437-450., p. 444).

As rotas postais a partir de caminhos preexistentes também foram adotadas na ligação entre as capitanias acima citadas e São Paulo. A região paulista tornou-se importante entreposto também no período de extração do ouro, quando passou a fornecer gêneros alimentícios para as Minas, Rio de Janeiro e capitanias do Sul (Aidar, 2013AIDAR, Bruno. A vereda dos tratos: fiscalidade e poder regional na capitania de São Paulo, 1723-1808. Tese (Doutorado em História), Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013., p. 72). Neste caso, as conexões eram feitas ou por meio do Caminho Velho, o primeiro a ser explorado em fins do século XVII, ou pelo porto de Santos, via navegação de cabotagem (p. 79-80).

O caso de São Paulo permite entrever as principais justificativas para a recusa da abertura de recovagem pública. Para além do estipulado no alvará de 20 de janeiro de 1798, um aviso do ano seguinte, de autoria do príncipe regente dom João, ordenava o cumprimento da primeira lei, especificando que deveria haver abertura de via terrestre para ligar São Paulo a Goiás e Mato Grosso. A ideia por trás deste ordenamento era permitir, além da troca de correspondência, o comércio de prata com a América espanhola. Até aquele momento, Castro e Mendonça havia informado o estabelecimento de correios, mas pelas rotas usuais de ligação.8 8 AHU_ACL_CU_023-01, Cx. 44, doc. 3507.

Diante da insistência do Centro, o governador sentiu-se na obrigação de justificar-se. Discorreu acerca da impossibilidade da abertura da recovagem, pois as ligações frequentes entre as capitanias eram dificultadas pela estação das chuvas, sendo possível de serem feitas somente uma vez ao ano. Somado a tal questão, estava o dispêndio com animais de carga e o ataque dos mensageiros postais por populações indígenas. Concluiu, portanto, haver “impossibilidade física e moral que há de se estabelecer atualmente as recovagens na forma que ali se me recomendava”.9 9 AHU_ACL_CU_023, Cx. 16, doc. 786. Assim, o governador sugeria o aproveitamento dos cursos fluviais normalmente utilizados para a ligação com Mato Grosso. A transformação definitiva deste caminho existente em giro das cartas foi marcada pela criação de uma Administração na vila de Porto Feliz, local de saída de canoas para Vila Bela e Cuiabá.

A problemática levantada pelo governador de São Paulo recai em questão levantada por Sérgio Buarque de Holanda para os caminhos paulistas e a navegação fluvial. De acordo com esse historiador, os rios, durante o período colonial, foram pouco utilizados como meio de comunicação devido às inúmeras barreiras naturais desse tipo de caminho como, por exemplo, cachoeiras. Nesse sentido, as técnicas de navegação utilizadas nunca diferiram daquelas empregadas pelos indígenas, inclusive no que diz respeito a construções de canoas específicas (Holanda, 2014HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções e Capítulos de expansão paulista. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 42). No caso desse tipo de via para a comunicação escrita, ela dependia, ainda em fins do século XVIII, da utilização de pequenos barcos sujeitos às variedades climáticas do período de monções.

Os correios pelos caminhos fluviais da Amazônia

Novos caminhos, explorados posteriormente às reformas postais, existiram, apesar de constituírem exceção. Com a inauguração de sistemas de correios buscava-se sobretudo garantir a comunicação entre as capitanias da costa e as interiores. Um ponto importante de conexão dizia respeito ao Pará. A partir deste ponto, era possível navegar com a correspondência diretamente para Lisboa. De fato, esta capitania era o último ponto de paragem do paquete, embarcação de correio criada após as reformas, e responsável por ligar, em um dos seus circuitos, a maioria das capitanias do Norte com o Reino. Assim, a ligação interior entre Pará e Goiás ou Pará e Mato Grosso permitiria que estas duas regiões auríferas tivessem mais uma opção de saída para o Atlântico além do Rio de Janeiro.

A comunicação do Pará com o interior deveria ser feita, de acordo com os ofícios trocados, pelos rios Tocantins ou Araguaia, pois ambos permitiam alcançar a capitania de Goiás. Outro percurso fluvial possível era para o Oeste, pelo rio Amazonas e seus afluentes, como Madeira e Mamoré. Por meio desta rota, era possível alcançar tanto a capitania do Rio Negro quanto a de Mato Grosso. Diferentemente das rotas postais analisadas na seção anterior, baseadas em caminhos existentes, parte da navegação destes rios é contemporânea ao aproveitamento destes cursos fluviais como rotas postais.

A navegação do Tocantins foi interditada pela Coroa em 1733, sobretudo como medida de segurança para impedir o contrabando de ouro (Flores, 2006FLORES, Kátia Maia. Caminhos que andam: o rio Tocantins e a navegação fluvial nos sertões do Brasil. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006., p. 84). A permissão para a navegação só foi novamente concedida em 1782 (p. 84). Tal proibição também tinha a intenção de barrar a fuga de escravos da região de Goiás pelo Pará (Silva, 2013SILVA, João Márcio Palheta da. Território e mineração em Carajás. Belém: Gapta/UFPA, 2013., p. 72). As medidas de proteção das regiões auríferas, acompanhado de um extenso controle das vias de comunicação, foram bastante comuns neste período. A mesma providência também foi adotada, inclusive, para caminhos terrestres, pois em 1730 foi proibida a instauração de serviços postais para ligar Minas Gerais e Rio de Janeiro (Mourão, 2012MOURÃO, Maria da Graça Menezes. O cerceamento da comunicação por Correios na capitania de todos os negócios. Cadernos de História, v. 13, n. 18, p. 9-31, 2012., p. 22-23).

A partir desta nova onda exploratória dos rios de ligação de Pará com Goiás, pode-se perceber a afirmação de um processo territorial que, de acordo com Russell-Wood (1998), ocorria desde o século XVII. Neste período, o porto de Belém já podia ser considerado como vorland de Lisboa, por se caracterizar como um núcleo de importante ligação com uma cidade sem continuidade terrestre. Ao mesmo tempo, cumpria também o papel de hinterland para regiões como Amazonas, Mato Grosso e Goiás, a partir das conexões fluviais. Os planos de revitalização econômica dessas regiões da América portuguesa pensados por dom Rodrigo de Sousa Coutinho, bem como a reforma de Correios, reiteraram este duplo papel da capitania do Pará.

Apesar disso, as viagens por rio e o papel de hinterland aconteceram de maneira intermitente ao longo do tempo, pois, mesmo em fins do século XVIII, as dificuldades dos cursos das águas se colocavam como um obstáculo. Em 1791, dom Francisco Maurício de Sousa Coutinho, governador do Pará, deu início a uma expedição para a navegação do Araguaia. A viagem foi conduzida pelo cabo Tomás de Sousa Vila Real, e o retorno ocorreu somente em 1793. Contudo, após esta primeira tentativa, a navegação deste rio permaneceu relativamente infrequente (Batista, 2017BATISTA, Alcides. A (in)viabilidade da navegação comercial pelo Araguaia: um século de desafios. Margens: Revista Interdisciplinar, v. 11, n. 16, p. 161-173, 2017., p. 163).

Poucos anos após esta primeira viagem exploratória, houve a tentativa de se estabelecer comércio e correios entre Pará, Goiás e Mato Grosso. Em maio de 1798, a Coroa solicitou que os governadores do Pará e Goiás organizassem comunicações regulares entre suas capitanias.10 10 AHU_ACL_CU_013, Cx.116, doc. 8955. Tal ação, deve-se notar, fez parte de um plano mais amplo de revitalização econômica a partir da ligação entre Goiás e Pará, e que englobava a também a questão da troca de correspondência.

Em janeiro de 1799, o governador do Pará afirmou ter iniciado projeto para garantir o comércio efetivo entre estas capitanias. Assim, afirmou seus esforços em “estabelecer a recovagem, e correspondência que determina o Alvará sobre o estabelecimento do Correio”.11 11 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, BR, AN, RIO. 3 jan. 1799. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 20, 55. Portanto, podemos concluir ser esta a única iniciativa, de “abertura” da recovagem pública solicitada pelo alvará de 20 de janeiro de 1798. Seria, talvez, o que pode ser chamado de “recovagem fluvial”.

Por meio de sua prestação de contas à Coroa, dom Francisco de Sousa Coutinho tentava demonstrar seus esforços para unir o plano de revitalização econômica da região às reformas de correio. A partir destes indícios, pode-se observar como os agentes de governo da época percebiam ambas as ações, econômica e comunicacional, como parte de um único projeto. A mesma visão era compartilhada por seu irmão e ministro da Marinha e Ultramar, dom Rodrigo de Sousa Coutinho, que tratou a questão em suas memórias econômicas. Ele desenvolveu a ideia, baseada em Adam Smith, de que os serviços postais seriam uma espécie de “empresa comercial” do soberano (Coutinho, 1993COUTINHO, Rodrigo de Sousa; SILVA, Andrée Mansuy Diniz (org.). Textos políticos, económicos e financeiros (1783 - 1811). Lisboa: Banco de Portugal, 1993. v. 1., p. 148). Partindo da junção entre economia e comunicação, o ministro afirmava que qualquer gasto em estrutura, inclusive de abertura e exploração de novos caminhos, seria posteriormente revertido em lucro, a partir do momento da popularização e utilização dos serviços postais pelo público. Foi exatamente este o teor da resposta para seu irmão e governador do Pará, no qual dava anuência para prosseguir com o projeto.12 12 BNRJ. Manuscritos, I-28, 28, 033.

A navegação do Araguaia e Tocantins não ficou somente no papel, conforme demonstra a documentação dos anos posteriores. Dom Francisco Coutinho se esforçou para, a partir dos cofres da Real Junta da Fazenda, proporcionar toda uma estrutura para garantir a navegação dos rios, bem como o transporte do correio e de gêneros comerciais. O gasto consistiu na compra de canoas para garantir a travessia fluvial.13 13 BR, AN, RIO. 20 maio 1802. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 23, 125-126.

Tais fontes evidenciam, de maneira qualitativa, o que vem sendo discutido na historiografia atual a respeito da formação territorial da América portuguesa, mas evidenciando o pouco explorado papel dos correios nesta sistemática. De acordo com Iris Kantor, entre meados do século XVIII e a primeira metade do século XIX, o ordenamento do território e a produção cartográfica foi essencial para a manutenção da unidade geopolítica que caracterizou o espaço nacional no pós-independência. Desde 1750, com o tratado de Madri, coube aos agentes regionais da Coroa e a um conjunto de especialistas da área da matemática, engenharia e astronomia, produzir o conhecimento de ordenamento territorial. Este projeto ganhou força com a atuação de dom Rodrigo de Sousa Coutinho (Kantor, 2010KANTOR, Iris. Mapas em trânsito: projeções cartográficas e processo de emancipação política do Brasil (1779-1822). Araucaria: Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades, n. 24, p. 110-123, 2010., p. 112). Para além da produção cartográfica, a tentativa de implantar um sistema de comunicação à distância, feito pelos correios, configurava-se também enquanto elemento do controle do espaço e esforço de manutenção da unidade.

Os projetos de unificação, contudo, ao menos no que diz respeito às ligações postais, encontravam seus limites nos obstáculos da natureza bem como na percepção local da necessidade de se vencer distâncias. Esta questão foi matizada por Fernand Braudel. O historiador, ao tratar do Mediterrâneo, colocou como o mar podia significar um meio de transporte e de ligação territorial, contudo, também representava uma forma de separação. Tudo dependia, na verdade, das relações humanas construídas naquele meio físico, e até que ponto a estrutura social ali existente estava apta, ou mesmo disposta, a vencer os obstáculos naturais (Braudel, 1953BRAUDEL, Fernand. El Mediterráneo y el mundo mediterrâneo em la época de Felipe II. México, DF: Fondo de Cultura Económica, 1953. t. I., p. 365). Levando em conta as devidas diferenças, pode-se pensar como essa construção da relação homem-espaço tomou forma na região amazônica e em seus rios navegáveis. Não obstante a exploração da navegabilidade dos rios por meio de expedições militares entre os séculos XVIII e XIX, a comunicação por tal via nunca chegou a ser bem-sucedida, pois contava com diversos empecilhos.

No Araguaia, as expedições exploratórias neste período não tornaram a utilização deste rio uma via regular, e, segundo Alcides Batista, a navegação era muito mais uma intenção política do que realidade, pelo menos até a Independência (Batista, 2017, p. 166). As dificuldades perpassavam pelos obstáculos naturais, como as cachoeiras presentes no percurso, mas, sobretudo, pela dificuldade em lidar com as populações indígenas habitantes da margem do rio (p.167). A relação entre os indígenas e os agentes de navegação era contraditória. A mão de obra de etnias diversas era utilizada nas viagens, devido ao conhecimento ancestral dos caminhos fluviais. Contudo, as expedições eram também frequentemente atacadas por populações que sentiam a ameaça estrangeira ao seu território. No caso específico dos indígenas, manter a distância e o isolamento, não permitindo assim a invasão de seus territórios, era o ideal. Uma perspectiva bastante diferente dos agentes da Coroa, que então buscavam conectar pontos periféricos do território núcleos de maior importância. Portanto, perspectivas sociais diferentes acerca de distância.

Estes inúmeros obstáculos aparecem refletidos na documentação da época. É o que dá conta o ofício do capitão Domingos Antônio Cardoso, responsável por navegar do Pará para Goiás. Ao sair do Tocantins, a expedição alcançou a barra do rio Manuel Alves e desceu rumo ao rio Paraná, este até então nunca navegado. Após 12 dias, atingiram o Arraial de Cavalcante, em Goiás. Precisaram de mais 23 dias para vencer o percurso do rio das Almas, devido às barreiras impostas por diversas cachoeiras. O tempo total gasto nesta exploração, do Pará ao centro de Goiás, foi de 35 dias, sendo necessário o trabalho de trinta índios. Não obstante todas as dificuldades, o capitão aponta em sua correspondência o potencial da região para a comercialização de café, algodão em rama e aguardente de cana.14 14 AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9448.

A participação dos indígenas na instituição deste caminho foi frequente, e os agentes de governo apontavam para a vontade tanto de explorar sua mão de obra quanto de conter os agrupamentos hostis. Essa dupla preocupação se deu sobretudo devido à necessidade de se construir povoações nas margens dos rios para garantir pontos de paragens e de abastecimento de víveres para as embarcações. De acordo com dom Francisco de Sousa Coutinho, um desses polos deveria ser estabelecido nas margens do Araguaia, a partir da utilização de trabalhadores indígenas. O local serviria como entreposto para garantir “a brevidade das comunicações assim para o correio ordinário como para os extraordinários que se precisem expedir”.15 15 AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9448.

A colonização das terras ribeirinhas por parte dos agentes da Coroa, para assim garantir o comércio e o giro postal, resultou em conflitos de terra com as populações nativas. As margens do rio eram densamente habitadas devido à grande fertilidade das terras ao seu redor. Na primeira viagem de reconhecimento do Araguaia, em 1792, foram contadas 13 etnias indígenas diferentes ao longo do caminho (Batista, 2017BATISTA, Alcides. A (in)viabilidade da navegação comercial pelo Araguaia: um século de desafios. Margens: Revista Interdisciplinar, v. 11, n. 16, p. 161-173, 2017., p. 165). Assim, a tentativa de “civilizar” os indígenas (ou de controlá-los para possuir suas terras) fazia parte da estratégia da época para garantir a comunicação entre Pará e Goiás. Esta preocupação, aliás, ultrapassou o período aqui analisado, estendendo-se ao longo de todo o século XIX, conforme analisado por Batista nos relatórios dos presidentes das províncias.

Um caso específico de conflito ocorreu em 1799, entre autoridades militares e os Apinajé, habitantes das margens do Araguaia, na tentativa de se estabelecer a povoação para a paragem do correio e das viagens de comércio. Neste contexto, o governador do Pará afirmou ser necessário “se reduzir por termos amigáveis os gentios vizinhos”.16 16 AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9514. Entretanto, tal “redução amigável” não foi recebida de forma positiva pelos Apinajé, resultando em diversos conflitos.17 17 AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9514. Tem-se, neste caso, um claro embate sobre a utilização do território, levando em consideração o conceito de distância, conforme entendido por Sylvia Sellers-García. Neste caso, importava mais a perspectiva social da distância, sendo que, de um lado, havia planos para superá-la, e, de outro, a necessidade de mantê-la como proteção. A distância dependia não somente da medida espacial, mas também de questões sociais, culturais, políticas e econômicas (Sellers-García, 2014, p. 3).

Os esforços comunicacionais também perpassavam os planos de navegação do Amazonas, para atingir Mato Grosso a partir dos rios Madeira e Mamoré.18 18 AHU_ACL_CU_013, Cx.109, Doc. 8578. Diferentemente dos casos do Araguaia e Tocantins, os quais têm sua navegação retomada a partir do final do século XVIII e em conjunto com as reformas postais, a exploração do Amazonas e seus afluentes é mais antiga. Em 1752, a ligação entre Vila Bela e Belém por este caminho fluvial foi efetivada, e a rota permaneceria ativa para a exploração comercial de drogas do sertão até o século XIX (Teixeira, 2008TEIXEIRA, Marco Antônio Domingues. O rio e os tempos: reflexões sobre a colonização e as questões ambientais do vale do Madeira entre os séculos XVII e XXI. Saber Científico, v. 1, n. 2. p. 223-295, 2008., p. 224). Nesse sentido, a utilização da rota para a passagem do correio, a partir de 1798, foi feita com o emprego de uma via já comumente navegada. Entretanto, a tentativa efetiva de ocupação territorial das regiões ribeirinhas por meio de povoações, esforço que ocorria desde os anos 1750, nunca foi bem-sucedida. Isso se explica em parte devido às condições naturais adversas, e, também, à resistência indígena.

Nesse caso, garantir a afluência de comunicação escrita era medida essencial para superar a distância das capitanias alcançáveis por este rio, entendendo-se o conceito a partir da perspectiva da atuação humana e da vontade de acelerar o ritmo de contato, somando-se a isso o enfrentamento das dificuldades naturais (Sellers-García, 2014, p. 3). No contexto das reformas postais, o rio Amazonas foi também entendido como parte do projeto de revitalização comercial, e a conexão entre estes planos e o incentivo ao funcionamento dos correios aparece, mais uma vez, como duas facetas do mesmo plano. Tal argumento é visível em ofício de dom Francisco de Sousa Coutinho de 1802:

Para se pôr em execução na capitania de Rio Negro a recovagem que determina o Alvará de 20 de janeiro de 1798 no parágrafo 16 combinando-se com a navegação estabelecida para Mato Grosso pela Carta Régia de 12 de maio de 1798 se assentou que se estabelecessem embarcações do Real Serviço a navegar a frete no Solimões, e no Rio Negro.19 19 BR, AN, RIO. 20 maio 1802. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 23, p. 125-126.

As canoas para realizar esta navegação foram efetivamente adquiridas pela Junta da Real Fazenda do Pará, e se chamavam Memória e Atlante.20 20 BR, AN, RIO. 20/05/1802. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 23, p. 125-26.

Apesar das ações tomadas por dom Francisco, esta via de comunicação também padeceu de dificuldades encontradas ao longo do percurso. Em 1803, o novo governador do Pará, Marco de Noronha e Brito, aponta para o fracasso do estabelecimento da povoação de Santo Antônio de Jamari, nas cachoeiras do rio Madeira. Nesta região, segundo Brito, existiam plantas que “envenenaram as águas e empestavam o ar”.21 21 AHU_ACL_CU_013_Cx.127, Doc. 9764. A partir das investigações atuais, pode-se inferir que esta povoação provavelmente estava localizada próxima à atual região das Candeiras do Jamari, em uma cachoeira denominada Santo Antônio (Cella-Ribeiro et al., 2013CELLA-RIBEIRO, Adriana; VILARA-TORRENTE, Gislene; HUNGRIA, Diogo Barbalho; OLIVEIRA, Manoel de. As corredeiras do rio Madeira. In: VILARA-TORRENTE, Gislene; SILVA, Tiago Henrique Silva; DORIA, Carolina Rodrigues da Costa. Peixes do rio Madeira. São Paulo: Santo Antônio Energia, 2013. v. 1, p. 57-63., p. 59). Além disso, aponta-se para o fato de o grande número de cachoeiras ao longo do rio Madeira serem grande obstáculo para a navegação (Cella-Ribeiro et al., 2013CELLA-RIBEIRO, Adriana; VILARA-TORRENTE, Gislene; HUNGRIA, Diogo Barbalho; OLIVEIRA, Manoel de. As corredeiras do rio Madeira. In: VILARA-TORRENTE, Gislene; SILVA, Tiago Henrique Silva; DORIA, Carolina Rodrigues da Costa. Peixes do rio Madeira. São Paulo: Santo Antônio Energia, 2013. v. 1, p. 57-63.).

Figura 1
Ligações postais na América Portuguesa (1798-1807)

Assim, o estabelecimento de rotas postais fluviais, quer pela exploração da navegação de rios pouco conhecidos, quer pela utilização de roteiros já existentes, apresentou inúmeras dificuldades impeditivas da comunicação regular. Entretanto, o esforço da utilização dessas rotas e a tentativa de integrar a região Norte com o centro aurífero, bem como este e o Vice-reinado demonstram como, em fins do século XVIII, os agentes da Coroa pensavam em rotas postais integradas, responsáveis por interligar diversas capitanias. Estas foram utilizadas com maior ou menor frequência, a depender das dificuldades impostas pelos caminhos e pelo interesse de cada capitania em manter a comunicação. O mapa a seguir demonstra as principais ligações postais estabelecidas pelos governadores neste momento.

Os giros postais que não ocorreram

Enquanto diversos governos de capitanias se esforçaram para garantir o giro das cartas após 1798, quer por reaproveitamento de estradas quer pela exploração de novos cursos fluviais, houve alguns casos nos quais os agentes da Coroa tomaram a direção contrária. Tal posicionamento ocorreu especificamente em Pernambuco e na Bahia. Enquanto a Coroa, por meio do alvará de 20 de janeiro de 1798, colocava a importância de abertura de estradas para ligações interiores, os governadores destas capitanias indicaram que, para a maioria dos seus territórios, essa solução era infrutífera. Nesse caso, a solução apontada por eles para manter as comunicações e superar a distância, tanto com o Reino quanto com outras capitanias, era a via marítima.

Não obstante, a defesa por giros postais terrestres se dava em alguns casos, embora não para conexão com as capitanias interiores ou auríferas. Dom Tomás José de Melo, governador de Pernambuco, defendeu em seu plano de correio que ligações por estradas deveriam ser feitas somente para a Bahia e as capitanias subalternas de Pernambuco: Paraíba, Ceará e Rio Grande. Sugeria a contratação de mensageiros para fazerem o transporte por estes caminhos. Entretanto, outras vias terrestres, sobretudo as que poderiam levar, por meio de outras capitanias, às regiões auríferas ou mesmo ao Vice-reinado, foram tidas como desnecessárias pelo governador. Percebemos, neste caso, a priorização da comunicação interna pela via marítima, especialmente com as capitanias costeiras: “visto que estas capitanias raras vezes se comunicam por terra, porque a maior parte das Vilas se edificaram ao longo das praias”.22 22 AHU_ACL_CU_015, Cx. 202, Doc. 13807. É possível perceber que, alguns meses depois, esse roteiro marítimo para comunicações interiores funcionava, pois Maximiano Francisco Duarte, administrador do correio de Pernambuco, deu notícias de se corresponder regularmente por esta via com outros administradores de correio.23 23 AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, Doc. 13850.

Portanto, a atenção de dom Tomás voltou-se sobretudo para as comunicações internas marítimas. A necessidade de conexões terrestres dizia respeito exclusivamente às capitanias próximas, sobretudo as subalternas. Contudo, a documentação dos anos seguintes relativa aos correios de Pernambuco não permite entrever se esses giros postais por terra foram de fato efetivados. Em 1799, o então governador de Pernambuco, o bispo dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, indicou haver uma ligação terrestre para enviar as cartas chegadas via Correio Marítimo de Pernambuco para a Paraíba.24 24 AHU_ACL_CU_015, Cx.209, Doc. 14190. Entretanto, por meio desta fonte, não se pode perceber se este era um giro correio oficial e muito menos regular. Contrariamente, há indícios de que nenhuma ligação postal era realizada assiduamente ainda no avançar do século XIX. Em 1819, Antonio de Castro Viana, administrador do correio de Pernambuco, indicou não haver nenhum correio terrestre estabelecido para a Paraíba, e ele próprio enviava cartas para esta capitania por meio de conhecidos.25 25 Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (Apeje), CG-1, . f.20-21.

Da mesma maneira, dom Fernando José de Portugal e Castro, governador da Bahia, foi contrário à manutenção regular de giros postais para as capitanias auríferas, como é possível entrever no ofício no qual discorre sobre a comunicação entre seu território e Goiás. Assim, posiciona-se contrariamente ao plano do governador Tristão da Cunha Menezes, defensor do estabelecimento de uma ligação terrestre via comarca da Jacobina. A ideia era partir com a mala de cartas para Goiás e atingir, por via fluvial, o Arraial de Nossa Senhora da Glória do Rio das Éguas, já na Bahia. De lá, os mensageiros dos correios baianos seriam responsáveis por recolherem as cartas para distribuir por sua capitania. Contudo, esta rota não foi aceita por dom Fernando.

A recusa, de acordo com o governador da Bahia, visava sobretudo desonerar os cofres régios, pois “a aspereza dos caminhos não dificultam pouco o trânsito de um correio, e que este só será praticável à custa de avultadas despesas para as quais jamais poderá chegar o pequeno crédito de algumas poucas cartas, que de tempos em tempos se ofereçam”.26 26 AHU_Bahia_CA, Cx. 99, Doc. 19431. Tem-se, neste caso, a questão econômica como justificativa primordial para a manutenção da distância, associada à vontade administrativa unilateral de manter tais espaços isolados.

Contudo, é preciso certo posicionamento crítico em relação à informação cedida por dom Fernando José de Portugal e Castro sobre a quase inexistência de comércio (e comunicação, portanto) entre as duas capitanias. Nesse período, as ligações territoriais e trocas comerciais entre os dois locais eram frequentes, embora feitas não pelo caminho do rio das Éguas, indicado pela documentação como possível rota de correio. Em alternativa, havia uma trilha a partir do rio Carinhanhas, afluente do São Francisco, na divisa entre Bahia e Minas Gerais. Por ela era possível atingir o atual Distrito Federal e, posteriormente, Vila Boa de Goiás. Este era o “caminho dos currais e Bahia”, utilizado principalmente para fins comerciais (Barbo, Ribeiro, 2015BARBO, Leonora de Castro; RIBEIRO, Rômulo José da Costa. Os itinerários da rede de caminhos de Vila Boa de Goiás no século XVIII. In: Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica, 6., 2015, Braga. Atas... Braga: Universidade do Minho; Universidade do Porto, 2015. p. 437-450., p. 445-446).

Já o caminho do rio das Éguas permitia atingir a capitania de Goiás em uma porção mais ao Norte de Carinhanhas. O Arraial de N. S. da Glória do Rio das Éguas (atual município de Correntina) é de ocupação mais recente, de 1792, e foi feito com a intenção de explorar ouro e pedras preciosas existentes no local, passando posteriormente à atividade agropastoril (Santos, 2016SANTOS, Iann Dellano da Silva. A gênese do urbano no Oeste Baiano: os núcleos de povoamento e a rede de vilas no século XIX. GeoTextos, v. 12, n. 1, p. 133-156, 2016., p. 142). Era um ponto importante de conexão entre Bahia e Goiás, tanto que, na época de sua ocupação, houve um conflito de jurisdição entre as duas capitanias. O Conselho Ultramarino acabou por manter o povoamento sob domínio do território baiano (IBGE, s.dIBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Correntina. Enciclopédia de municípios brasileiros. s.d. Disponível em: Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/correntina/historico . Acesso em: 17 maio 2021.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/co...
.).

Embora esses caminhos, existentes à época, indiquem o fluxo entre Bahia e Goiás, os mesmos não foram aproveitados para integrar a malha postal do período. O mapa abaixo demonstra tais conexões. É possível perceber o caminho do rio das Éguas, o qual, na visão do governador de Goiás, deveria ser aproveitado para fazer circular as missivas via correio.

Entretanto, a simples existência destes caminhos não necessariamente demonstra a estruturação de um giro de correio regular, mantido pelos governos das capitanias, conforme o pretendido pelo alvará de 20 de janeiro de 1798. Aparentemente, o aproveitamento destas trilhas para a comunicação regular, a ser mantido pela Real Fazenda, era de maior interesse para Goiás do que para a Bahia. A sugestão de Tristão da Cunha Menezes foi recusada por dom Fernando José de Portugal e Castro, sob o subterfúgio de desoneração dos cofres públicos. A comunicação entre estas capitanias certamente continuaria, mas por meios não oficiais, ou seja, sem a instituição de um correio regular. Restaria o envio de cartas por portadores particulares ou por negociantes acostumados a trilharem estes caminhos, recurso utilizado de forma eficiente há séculos.

Figura 2
Ligações entre Bahia e Goiás: rios das Éguas e Carinhanha

Considerações finais

As normas da Coroa sobre as reformas de correio, lançadas a partir de 1798, sugeriram a abertura de recovagens públicas para ligar entre si as capitanias americanas. Assim, os governadores responderam às demandas do centro, dando conta de seus esforços no sentido de superar as distâncias entre os múltiplos territórios da América portuguesa. Foram indicados o aproveitamento de estradas existentes para o envio regular de cartas pelos correios, uma solução de comprometimento frente à demanda de abertura de novos caminhos, considerado um projeto bastante oneroso. A discussão de vias fluviais, sobretudo as que ligavam o Pará ao centro do território e às capitanias auríferas, também se intensificaram neste momento. Em tal caso, a exploração de novos caminhos fluviais, naquela época ainda pouco utilizados, se somaram às tentativas de revitalização econômica e construção de uma estrutura postal. Em casos mais específicos, alguns governadores se recusaram mesmo a manter giros postais pelas estradas já existentes, como foi o caso dos representantes de Pernambuco e Bahia.

A partir dos ofícios dos governadores enviados à Secretaria da Marinha e Ultramar sobre a abertura das rotas postais, percebe-se as disputas e pontos de discordância acerca da anuência ou não de se comunicar com as capitanias de menor preponderância econômica e, por isso, consideradas mais distantes: Goiás e Mato Grosso. Tendo isso em vista, os governadores destas capitanias buscaram fazer o possível para tentar se comunicar com o restante da América portuguesa, e, assim, resolver a questão da distância que os apartava do resto do território e impedia o sucesso de quaisquer projetos de recuperação econômica. Contudo, a resposta de algumas capitanias litorâneas/de economia mais avultada foi diversa, pois nem todos os governadores tinham interesse em manter comunicações oficiais regulares com Mato Grosso e Goiás.

Por um lado, percebe-se a tentativa de integração destas duas capitanias pelo aproveitamento da antiga estrutura viária. Isso se deu para o caso das rotas postais do Vice-reinado para as capitanias citadas, por meio das Minas Gerais. Outra solução foi adotada para integrar estas capitanias ao Norte: para atingir o Pará, os correios deveriam usufruir dos percursos dos rios navegáveis. Esta solução foi considerada, à época, como a “abertura” de uma recovagem e é o único exemplo no qual as recomendações da Coroa foram propriamente seguidas.

Por fim, houve a recusa em comunicar-se, ou, pelo menos, em proporcionar a troca de correspondência por meio de correios oficiais. Pernambuco e Bahia, capitanias litorâneas, mantenedoras de comunicações internas sobretudo por mar, não viam necessidade de giros postais para Goiás e Mato Grosso. A manutenção desta ligação era mais interessante para as capitanias centrais se comparadas às litorâneas, pois a região de Goiás e Mato Grosso necessitava de novos meios de florescimento comercial. A integração territorial de regiões interiores, almejada nas reformas de correios, em certos casos, foi frustrada devido à falta de interesse de algumas capitanias costeiras, as quais viam a utilidade de um sistema postal somente para as comunicações regulares com regiões que possuíam acesso ao mar.

Portanto, a abertura das recovagens públicas não foi seguida pela maioria dos representantes regionais da Coroa nos primeiros anos das reformas. A solução mais comum foi o aproveitamento de estradas usuais para fazer o giro dos correios. E alguns governadores nem sequer se dispunham a enviar mensageiros pelos caminhos existentes. O único esforço de “abertura” de recovagem foi o caso do Pará, com peculiaridade da exploração de um caminho fluvial até então pouco navegado. E essa empreitada foi desafiadora e mesmo pouco frutífera, haja vista os empecilhos encontrados. Ao que tudo indica, a inauguração de rotas postais começou a ser mais usual somente após a transferência da Corte para o Rio de Janeiro, quando o interesse de ligações interiores passou a ser mais latente.

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  • SILVA, João Márcio Palheta da. Território e mineração em Carajás Belém: Gapta/UFPA, 2013.
  • TEIXEIRA, Marco Antônio Domingues. O rio e os tempos: reflexões sobre a colonização e as questões ambientais do vale do Madeira entre os séculos XVII e XXI. Saber Científico, v. 1, n. 2. p. 223-295, 2008.
  • VENÂNCIO, Renato. Caminho Novo: a longa duração. Varia Historia, v. 15, n. 21, p.181-189, 1999.
  • 1
    Alvará de dona Maria I mandando estabelecer uma comunicação regular com o Brasil e ilhas dos Açores e da Madeira para a troca de correspondência, através de paquetes correios marítimos, 20 jan. 1798. Citado em Silva (1825, p. 321-327). De acordo com o dicionário de Raphael Bluteau, recovagem está relacionado com um caminho que permite a passagem da multidão. Um recoveiro era sinônimo de almocreve, ou seja, um guia de bestas e cargas (Bluteau, 1728, p. 164).
  • 2
    Regulamento Provisional para o novo estabelecimento do Correio, 1 abr. em Lisboa, 1799. Citado em Silva (1825, p. 331).
  • 3
    AHU_ACL_CU_010, Cx. 36, Doc. 1844.
  • 4
    Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (BNRJ). Manuscritos, I-26, 31, 080.
  • 5
    Decisão n. 12, de 8 de maio de 1809. Sobre os correios da capitania de Minas Gerais. Coleção das decisões do Governo do Brasil. (Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1891. p. 10-15).
  • 6
    AHU_ACL_CU_010, Cx. 36, doc. 1844.
  • 7
    AHU_ACL_CU_010, Cx. 36, doc. 1844.
  • 8
    AHU_ACL_CU_023-01, Cx. 44, doc. 3507.
  • 9
    AHU_ACL_CU_023, Cx. 16, doc. 786.
  • 10
    AHU_ACL_CU_013, Cx.116, doc. 8955.
  • 11
    Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, BR, AN, RIO. 3 jan. 1799. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 20, 55.
  • 12
    BNRJ. Manuscritos, I-28, 28, 033.
  • 13
    BR, AN, RIO. 20 maio 1802. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 23, 125-126.
  • 14
    AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9448.
  • 15
    AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9448.
  • 16
    AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9514.
  • 17
    AHU_ACL_CU_013_Cx.123, doc. 9514.
  • 18
    AHU_ACL_CU_013, Cx.109, Doc. 8578.
  • 19
    BR, AN, RIO. 20 maio 1802. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 23, p. 125-126.
  • 20
    BR, AN, RIO. 20/05/1802. Negócios de Portugal. Códice 99, v. 23, p. 125-26.
  • 21
    AHU_ACL_CU_013_Cx.127, Doc. 9764.
  • 22
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 202, Doc. 13807.
  • 23
    AHU_ACL_CU_015, Cx. 203, Doc. 13850.
  • 24
    AHU_ACL_CU_015, Cx.209, Doc. 14190.
  • 25
    Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (Apeje), CG-1, . f.20-21.
  • 26
    AHU_Bahia_CA, Cx. 99, Doc. 19431.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2021
  • Aceito
    26 Nov 2021
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