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Amputação dos membros inferiores na criança: relato e experiência em 21 casos

Resumos

Os autores apresentam os resultados de 21 pacientes, com idade média de 6 anos, submetidos à 26 amputações do membro inferior por malformações congênitas (14), infecções (06) e outras. Discute-se os procedimentos, as complicações, as vantagens e desvantagens de cada nível de amputação. Concluem que a amputação na criança continua sendo uma opção a ser considerada, principalmente por propiciar rápida recuperação funcional e social do paciente.


It is reported the experience in 21 patients, average age of 6 years old, who were submitted to 26 lower limb amputation due to congenital malformation (14), infection (6) and others. It is discussed the procedures, complications, advantages and disadvantages of each amputation level. It is concluded that amputation in children is still an option to be considered, mainly for allowing the patent a rapid recovery both functional and social.


ARTIGO ORIGINAL

Amputação dos membros inferiores na criança. Relato e experiência em 21 casos

William Dias BelangeroI; Bruno LivaniII; Alessando Janson AngeliniIII; Michael DavittIV

IProf. Assist. Dr. e Coordenador do Departamento de Ortopedia e Traumatologia FCM/UNICAMP

IIPós-Graduando em Cirurgia e Médico Contratado do Grupo de Traumatologia

IIIPós-Graduando em Cirurgia e Médico Contratado do Grupo de Traumatologia

IVOrtotista e Responsável pela Unidade de Órteses e Próteses

RESUMO

Os autores apresentam os resultados de 21 pacientes, com idade média de 6 anos, submetidos à 26 amputações do membro inferior por malformações congênitas (14), infecções (06) e outras. Discute-se os procedimentos, as complicações, as vantagens e desvantagens de cada nível de amputação. Concluem que a amputação na criança continua sendo uma opção a ser considerada, principalmente por propiciar rápida recuperação funcional e social do paciente.

INTRODUÇÃO

Apesar de se utilizar os mesmos princípios básicos da técnica cirúrgica de amputação do adulto nas crianças, algumas diferenças importantes merecem ser destacadas. A criança, diferentemente do adulto, tolera suturas sob tensão e enxerto de pele sobre o coto e apresenta menor número e freqüência de complicações (7), como a dor fantasma e o desenvolvimento de neuromas, que são praticamente inexistentes nesta faixa etária(1,2,3). Por outro lado, diferentemente do adulto, as crianças podem apresentar instabilidade ou até luxação da patela nas amputações abaixo do joelho. A rótula alta produzida pelo apoio da prótese PTB nas crianças pode ser evitada utilizando-se soquetes com distribuição mais uniforme da carga no coto de amputação(6). O objetivo desta apresentação é discutir os aspectos relacionados com as indicações e os níveis funcionais de amputação dos membros inferiores na criança.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Entre janeiro de 1990 e janeiro de 2000 foram realizadas 26 amputações em 21 crianças com idade variando de 09 meses a 16 anos (média de 6 anos), com seguimento médio de 4,5 anos (1 à 10 anos). Quatorze amputações foram de causa congênita, 6 por infecção, 1 por trauma e 5 por outras causas (vasculite, púrpura fulminante e 03 neurofibromatoses). O nível da amputação foi: 1 desarticulação de artelhos, 2 desarticulações de joelho, 7 desarticulações do tipo Syme e 16 amputações transtibiais (Tabela 1).

Dois pacientes (casos 14 e 16) com amputação transtibial necessitaram de revisão dos cotos com 2 e 5 anos de pós-operatório respectivamente, para serem submetidos à ressecção de exostose distal e osteotomia percutânea das tíbias para correção do antecurvatum que estavam prejudicando a adaptação protética.

O caso 11 foi o único nesta série que foi submetido à amputação do terço médio dos ossos da perna (transtibial) com a realização de ponte óssea segundo a técnica proposta por Ertl (4)

DISCUSSÃO

A amputação dos membros inferiores na criança pode ser uma excelente alternativa de tratamento para deformidades complexas, por evitar que o paciente seja submetido a múltiplas intervenções cirúrgicas, com resultados, às vezes, frustrantes.

A rápida recuperação pós-operatória e a boa adaptabilidade à prótese devem ser levadas em consideração quando da indicação precoce deste procedimento. A prótese deve ser colocada logo após a cicatrização e preparação do coto. No pós-operatório imediato é conveniente o uso de curativo gessado, que pode ser bivalvado, se necessário. Após a cicatrização, o coto deve ser envolvido por bandagem elástica para diminuir o edema e moldá-lo, a fim de que se adapte melhor à prótese.

No planejamento da amputação deve-se preservar o máximo de comprimento do membro e, sempre que possível, as placas de crescimento. A presença da epífise impede o crescimento ósseo terminal causado pela aposição de tecido ósseo neo-formado, que não está relacionado com a atividade da placa de crescimento da extremidade proximal do coto. Este fenômeno é mais freqüentemente observado no úmero, fíbula, tíbia e fêmur, nesta ordem de freqüência, e por não ser influenciado pela placa de crescimento, a epifisiodese não está indicada (7). Embora a amputação transtibial possa resultar neste sobrecrescimento, isto não é motivo aceitável para sacrificar o comprimento do membro e realizar, por exemplo, a desarticulação do joelho. Nesta série, das dezesseis amputações transtibiais, com mediana de seguimento de 5 anos, apenas duas (casos 14 e 16) necessitaram de revisão do coto. A preservação da articulação do joelho, mesmo com um coto pequeno, na criança se justifica, já que existe grande potencial de crescimento deste pela atividade da fise proximal da tíbia, que responde por 60% do crescimento total deste osso. (Figura 1). Além disso, a marcha realizada por crianças com desarticulação do joelho, apesar de aceitável em atividades moderadas, é pior para atividades que solicitam maior desempenho físico, como a corrida e a prática de esportes(5).


Acreditamos que nas amputações transfemurais o mesmo não ocorre, pois a fise proximal do fêmur responde por apenas 30% do comprimento final deste osso, sendo às vezes necessário outros procedimentos para o alongamento do coto.

Ao nível do pé as desarticulações dos artelhos e as amputações transmetatarsianas são procedimentos que oferecem bons resultados funcionais, enquanto que as amputações realizadas ao nível das articulações de Chopart e Lisfranc podem evoluir com eqüino-valgo, sendo, portanto, mais indicadas à amputação de Boyd ou à desarticulação de Syme. (Figura 3). Nesta casuística optou-se pela desarticulação de Syme, por estarmos mais familiarizados com a técnica e por considerarmos difícil a obtenção da fusão do calcâneo com a tíbia em crianças de baixa idade, que têm ossos com grande quantidade de tecido cartilaginoso. Teoricamente, a amputação de Boyd é mais vantajosa pois preserva o calcâneo, propiciando assim um coto com comprimento final mais próximo do lado normal. (7). No entanto, quando esta fusão não ocorre, o calcâneo tende a desviar-se em eqüino, dificultando assim a marcha sem a prótese e a adaptação protética.

Nos pacientes submetidos à desarticulação de Syme, não houve dificuldade para a adaptação da prótese porque em 4 o diagnóstico pré-operatório era de a agenesia de fíbula com atrofia do maléolo lateral e no caso 4, com diagnóstico de neurofibromatose, houve remodelação dos maléolos ao longo do tempo, que permitiram não só o apoio sem a prótese, mas também uma boa adaptação das mesmas. (Figura 2)


Em 1949, Ertl descreveu a técnica de ponte óssea nas amputações transtibiais(4). Esta técnica tem como vantagens permitir apoio terminal sobre o coto, pois a união dos ossos aumenta a área de carga e torna a extremidade distal do coto mais firme e rígida, semelhante aos cotos obtidos com a desarticulação, reduzindo assim as complicações do sobrecrescimento(7). Além disso, o fechamento do canal medular impede a queda da pressão intra-óssea e a osteopenia na região distal do coto, além de limitar o movimento de adução e abdução da fíbula durante o ciclo da marcha, que produz cotos flácidos. Em nosso meio esta técnica vem sendo difundida amplamente por Pinto e cols (8).

Nesta casuísta, apenas o caso 11 (Figura 1) foi submetido à ponte óssea e apesar do seguimento ser de apenas 01 ano, pode-se notar a possibilidade de apoio terminal total e indolor. Todos os pacientes acima dos 10 anos de idade relatam estar satisfeitos com os resultados funcionais e estéticos da amputação, e não se arrependem do procedimento.

Gostaríamos de ressaltar que alguns pacientes foram submetidos a vários procedimentos cirúrgicos prévios na tentativa de se salvar membros gravemente acometidos. Muitas vezes estes procedimentos demandam longo período de acompanhamento, fazendo com que estas crianças "percam" a infância ou adolescência, comprometendo assim a qualidade de vida das mesmas, com graves conseqüências de ordem emocional, psicológica e de formação escolar. Cabe ao médico ortopedista uma análise crítica e individualizada do caso, ponderando os riscos e benefícios que os procedimentos de salvação podem obter quando comparados com a amputação do membro e a reabilitação precoce do paciente.

  • 1. AITKEN, G. T., and Frantz, C.H.: The juvenile amputee, J. Bone Joint Surg. 35-A:659,1953.
  • 2. AITKEN, G.T.: Amputation as a treatment for certai lower extremity congenital abnormalities. J.Bone Joint Surg. 41-A:1267,1959.
  • 3. AITKEN, G.T.: The child Amputee. Orthop. Clin. North Am. 3:347,1972.
  • 4. ERTL, J.: Uber Amputationstumpfe. Chirurg 20:218, 1949
  • 5. LODER, R.T. & HENRY, J.A.: Desarticulation of the knee in children: a functional assessment. J.Bone Joint Surg. 69 A: 1155, 1987.
  • 6. MOWERY, C.A.; HENING, J.A. & JACKSON, D.: Dislocated pathella associated with below-knee amputation in adolescent patients. J. Pediatr. Orthop. 6: 299, 1986.
  • 7. MÜLLER, G.: Amputation in children. In: Treatment of fractures in children and adolescents. BG Weber; CH. Brummer & Frauler, F. Springer Verlag, Berlin, 1980. .
  • 8. PINTO, M.A.S; FILHO, N.A; GUEDES, J.P.B e YAMAHOKA, M.S.O: Ponte Óssea na amputação transtibial. Rev. Bras. Ortop. 33 (07): 525-531, 1998.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2001
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