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Comparação dos resultados do tratamento de lesões agudas e tardias da articulação de Lisfranc

Resumos

OBJETIVO: Comparação retrospectiva das dificuldades do tratamento e de seus resultados em lesões na articulação de Lisfranc com diagnóstico tardio e precoce. MÉTODOS: O grupo de estudo consistiu em 10 pacientes diagnosticados e tratados adequadamente em seis meses a 20 anos do acidente que causou a lesão (média de seis anos). O grupo de controle foi composto por igual número de pacientes selecionados randomicamente, com o mesmo tipo de lesão tratada de imediato e após o acidente. A média de acompanhamento foi de 13 anos no grupo de estudo e oito anos no grupo de controle. A análise avaliou as causas do atraso e a função do pé no momento do acompanhamento, medidos pela escala AOFAS para o mediopé e pelo escore funcional do pé de Lublin. Os escores dos pacientes foram analisados utilizando o teste não-paramétrico de Mann-Whitney U e o teste não-paramétrico de Wilcoxon. RESULTADOS: O grupo de controle apresentou resultados melhores com significância estatística em ambas as escalas. CONCLUSÃO: A principal causa de atraso do tratamento foi diagnóstico errado pelo médico de atendimento primário. Nível de Evidência III, Estudo Comparativo Retrospectivo.

Luxações; Fixação interna de fraturas; Fraturas ósseas


OBJECTIVE: A retrospective comparison of treatment difficulties and treatment outcomes in Lisfranc joint injuries with late and early diagnosis. METHODS: The study group consisted of 10 patients diagnosed and treated properly within six months to 20 years of the accident causing the injury (mean six years). The control group consisted of the same number of randomly selected patients with a similar type of injury treated immediately after the accident. Mean follow-up was 13 years in the study group and eight years in the control group. The analysis evaluated the causes of the delay and the foot function at the time of follow up, measured using the AOFAS Midfoot Scale and the Lublin Foot Functional Score. The scores of the patients were analyzed using the non-parametric Mann-Whitney U test and the non-parametric Wilcoxon test. RESULTS: The control group had statistically significantly better scores on both scales. CONCLUSION: The main cause of treatment delay was misdiagnosis by the primary care physician. Level of Evidence III, Retrospective Comparative Study.

Dislocations; Fracture fixation, internal; Fractures, bone


ARTIGO ORIGINAL

Comparação dos resultados do tratamento de lesões agudas e tardias da articulação de Lisfranc

Marta TarczyńskaI,II; krzysztof GawędaI,II; Zbigniew DajewskiII; Elżbieta KowalskaII; Jacek GągałaI

IUniversidade de Medicina de Lublin, Departamento de Cirurgia Ortopédica e Traumatologia, Lublin, Polônia

IINZOZ Arthros, Departamento de Cirurgia Ortopédica, Nałęczów, Polônia

Correspondência Correspondência: Krzysztof Gawęda Klinika Ortopedii i Traumatologii 20-950, Lublin ul. Jaczewskiego 8, Poland krzylub@o2.pl

RESUMO

OBJETIVO: Comparação retrospectiva das dificuldades do tratamento e de seus resultados em lesões na articulação de Lisfranc com diagnóstico tardio e precoce.

MÉTODOS: O grupo de estudo consistiu em 10 pacientes diagnosticados e tratados adequadamente em seis meses a 20 anos do acidente que causou a lesão (média de seis anos). O grupo de controle foi composto por igual número de pacientes selecionados randomicamente, com o mesmo tipo de lesão tratada de imediato e após o acidente. A média de acompanhamento foi de 13 anos no grupo de estudo e oito anos no grupo de controle. A análise avaliou as causas do atraso e a função do pé no momento do acompanhamento, medidos pela escala AOFAS para o mediopé e pelo escore funcional do pé de Lublin. Os escores dos pacientes foram analisados utilizando o teste não-paramétrico de Mann-Whitney U e o teste não-paramétrico de Wilcoxon.

RESULTADOS: O grupo de controle apresentou resultados melhores com significância estatística em ambas as escalas.

CONCLUSÃO: A principal causa de atraso do tratamento foi diagnóstico errado pelo médico de atendimento primário. Nível de Evidência III, Estudo Comparativo Retrospectivo.

Descritores: Luxações/cirurgia. Fixação interna de fraturas/métodos. Fraturas ósseas/cirurgia.

INTRODUÇÃO

As lesões das articulações tarsometatarsais, comumente chamadas de lesões de Lisfranc, podem ser causadas por traumas diretos ou indiretos. O mecanismo indireto envolve carga axial sobre o pé em flexão plantar e o mecanismo direto envolve grande carga de esmagamento na região dorsal do pé.1

As lesões de Lisfranc variam quanto ao tipo e podem envolver raios individuais, assim como toda a articulação de Lisfranc.1,2 Devido à baixa incidência e à grande complexidade, as lesões das articulações tarsometatarsais, em geral, não são percebidas na avaliação inicial. O atraso do tratamento ocasionado por diagnóstico incorreto representa 20% dos casos de lesão nessa região do corpo.3,4 As lesões da articulação de Lisfranc, em geral, são descritas de acordo com a classificação de Quénu e Küss, modificada por Hardcastle, em três tipos.1 O tipo A é caracterizado por um deslocamento das bases de todos os ossos do metatarso em um plano. O tipo B assemelha-se ao tipo A no sentido que as articulações são luxadas na mesma direção, envolvendo, porém, de um a quatro raios e nunca todos eles. No tipo mais grave e menos comum, tipo C, as luxações no interior da articulação de Lisfranc ocorrem em diferentes direções. A incongruência pode envolver todos os raios, sendo, então, chamada de luxação total. Se uma luxação divergente envolve de um a quatro metatarsos, então esse é um tipo C parcial.1 O objetivo deste trabalho foi comparar os resultados do tratamento de longo prazo para as lesões nas articulações tarsometatarsais diagnosticadas tardiamente com os resultados do tratamento de lesões idênticas que foram corretamente diagnosticadas e tratadas logo após o acidente.

Pacientes e Métodos

A análise retrospectiva foi baseada em material constituído por 41 pacientes tratados com lesões na articulação de Lisfranc. O grupo de estudo incluiu 10 pessoas (Seis homens e quatro mulheres), cujas lesões foram diagnosticadas corretamente mais de seis meses após o trauma. A idade dos pacientes variou de 18 a 55 anos (média de 34 anos). Havia quatro lesões do tipo A e as outras seis eram do tipo B. Em quatro pacientes, o dano estendida-se além das articulações tarsometatarsais.

Originalmente, três pacientes tinham sido diagnosticados com entorse tarsal, outros três com contusões, dois com pequenas fraturas da base de ossos do metatarso e outro com um ferimento no dorso do pé. Em um caso, apesar do diagnóstico correto, a redução da luxação sob anestesia não foi bem-sucedida, já que "imperfeições anatômicas aparentemente insignificantes" não foram reduzidas e imobilizadas com gesso.

O resfriamento da área lesada foi sugerido para dois pacientes e seis outros receberam talas de gesso.

O tempo transcorrido desde o trauma até o tratamento cirúrgico variou de 6 meses a 20 anos (média de seis anos). O atendimento médico foi procurado por causa de dor em seis casos e por causa de deformidades com dor nos quatro restantes.

Um grupo de controle incluiu 10 pessoas (oito homens e dois mulheres) que foram devidamente diagnosticadas e submetidas a tratamento cirúrgico adequado logo após o trauma. Quatro pessoas com lesões do tipo A e seis com danos do tipo B com patomorfismo idêntico ao do grupo de estudo foram escolhidos para análise comparativa.

Todas as intervenções cirúrgicas em pacientes do grupo de estudo começaram com a tentativa de redução das luxações a céu aberto. Isso, no entanto, sempre terminou com a ressecção das partes danificadas da articulação de Lisfranc e com artrodese. Em dois casos, a luxação das articulações tarsometatarsais de dois raios foi aceita e a artrodese foi realizada na subluxação fixada.

Os pacientes do grupo de controle foram tratados no dia do trauma ou, no máximo, após alguns dias. O procedimento começou com a tentativa de redução fechada das luxações ou fraturas. Depois de colocá-las na posição correta, a articulação de Lisfranc foi estabilizada por via percutânea com fios de Kirschner. Em seis casos, as tentativas não-cirúrgicas não tiveram sucesso e as luxações foram reduzidas a céu aberto e estabilizadas com fios de Kirschner.

Todos os pacientes foram submetidos à avaliação no acompanhamento com exame físico no ambulatório. O estado funcional dos pés foi avaliado usando-se a escala AOFAS para o mediopé. (Tabela 1) Essa escala considera a intensidade da dor, a limitação das atividades, as exigências de calçados, a distância caminhada, dependendo da qualidade da superfície de marcha e o eixo do pé. Os escores dessa escala variam de zero a 100 pontos. Um sistema de avaliação da função personalizado (chamado escore funcional do pé de Lublin, "Lublin Foot Functional Score") também foi desenvolvido, que incluiu a avaliação de andar na ponta dos pés, correr, subir e descer as escadas, apoio de peso no pé em supinação, presença de alterações na pele (por exemplo, calosidades), ocorrência de inchaço, bem como outras queixas dos pacientes. (Tabela 2) Foram realizadas radiografias de controle em projeções padronizadas em todos os pacientes examinados de ambos os grupos. A média de acompanhamento foi de 13 anos no grupo de estudo e oito anos no grupo de controle.

RESULTADOS

A avaliação estatística utilizando o teste não-paramétrico de Mann-Whitney U e o teste não-paramétrico de Wilcoxon mostrou diferenças estatísticas significantes entre os escores dos dois grupos na escala AOFAS e no escore de Lublin, com p < 0,05. (Tabela 3) No grupo de estudo, a dor ao esforço e as limitações de distância de marcha foram comuns. Nenhum dos pacientes conseguia ficar facilmente em posição ortostática ou andar na ponta dos pés e nas margens laterais dos pés. As queixas de inchaço no pé afetado e em ambas as canelas do membro afetado eram crônicas. As imagens radiográficas do grupo analisado mostraram alterações degenerativas secundárias nas partes restantes não afetadas da articulação de Lisfranc, bem como nas articulações do tarso em todos os casos. No grupo de controle, apenas um paciente relatou ligeira limitação no desempenho da marcha. Um paciente, com os menores escores, apresentou características de alterações degenerativas na articulação de Chopart na radiografia.

DISCUSSÃO

A comparação dos resultados de lesões agudas e tratadas tardiamente da articulação de Lisfranc demonstra a regularidade óbvia de que o diagnóstico precoce e o tratamento imediato levam a um bom resultado. Toda omissão e protelação de tratamento adequado levam inevitavelmente a futuras limitações da capacidade funcional. Todos os autores destacam a importância do diagnóstico correto durante a primeira consulta do paciente.3-5 No material discutido, todos os atrasos foram, infelizmente, causados por erros dos médicos que examinaram os pacientes feridos logo após o acidente. Não foram observadas atrasos devido a adiamentos de consultas pelos pacientes. A predominância de lesões do tipo B sugere que a análise aprofundada dos mecanismos de lesão, a avaliação crítica dos sintomas clínicos e a verificação comparativa minuciosa de imagens radiográficas devem ser realizadas.6 A subestimação das queixas aparentemente sem importância dos pacientes, a superficialidade do exame médico e a omissão de irregularidades anatômicas diminutas nas radiografias levam a atrasos na administração do tratamento adequado.7 A consequência é sempre o desfecho ruim e a disfunção irreversível do pé e de todo o membro.8 O tratamento dos casos tardios é difícil e o desfecho esperado é pior do que o das lesões agudas.9,10 Como este material analisado evidencia, os procedimentos cirúrgicos em pacientes com lesões antigas são mais extensos. Normalmente, a artrodese do metatarso é necessária, às vezes, precisando deixar as luxações existentes sem redução. As luxações existentes, desse modo, passam a ser a causa direta da progressão da artrite em outras articulações do pé, previamente saudáveis.

CONCLUSÕES

Os atrasos do tratamento da articulação de Lisfranc são decorrentes de erros de diagnóstico. O tratamento das lesões antigas da articulação tarsometatarsal, independentemente do tipo, é difícil e o prognóstico é ruim. O tratamento adequado e em tempo hábil das lesões da articulação de Lisfranc cria a oportunidade de recuperação do bom funcionamento permanente do pé lesionado.

Artigo recebido em 23/01/2013, aprovado em 06/02/2013

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

Trabalho realizado na Universidade de Lublin, Departamento de Cirurgia Ortopédica e Traumatologia, Lublin, Polônia.

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  • Correspondência:

    Krzysztof Gawęda
    Klinika Ortopedii i Traumatologii
    20-950, Lublin ul. Jaczewskiego 8, Poland
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      23 Jan 2013
    • Aceito
      06 Fev 2013
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