Acessibilidade / Reportar erro

Características morfológicas do miocárdio ventricular de Tambaqui (Colossoma macropomun; Characidae, Cuvier, 1818)

Morphological characteristics of the ventricular myocardium of Tambaqui (Colossoma macropomun; Characidae, Cuvier, 1818)

Resumos

O Colossoma macropomun, peixe teleósteo com hábito natatório intenso, apresentou ventrículo cardíaco com forma piramidal e miocárdio com estrutura mista, sendo formada por uma camada compacta externa e outra esponjosa interna. Esta estrutura bilaminar diferenciada, atualmente, tem sido correlacionada com o hábito natatório e com a morfologia ventricular.

Morfologia; Miocárdio; Coração; Osteichthyes; Peixes


The neotropical teleost fish Colossoma macropomun an active swimming species showed cardiac ventricle with pyramidal shape and myocardium with mixed structure. The myocardium presented an outer compact layer and an inner spongy layer whose particular bilaminar structure hitherto has been correlated to swimmer habit as well as to ventricular shape.

Morphology; Myocardium; Heart; Osteichthyes; Fish


Características morfológicas do miocárdio ventricular de Tambaqui (Colossoma macropomun; Characidae, Cuvier, 1818)

Morphological characteristics of the ventricular myocardium of Tambaqui (Colossoma macropomun; Characidae, Cuvier, 1818)

Karina SimõesI; Carlos Alberto VicentiniII,III; Antonio Marcos OrsiI; Claudinei da CruzIII

IDepartamento de Anatomia da UNESP, Botucatu - SP

IIDepartamento de Ciências Biológicas da UNESP, Bauru - SP

IIICentro de Aqüicultura da UNESP, Jaboticabal - SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antônio Marcos Orsi Departamento de Anatomia da UNESP Distrito de Rubião Júnior, s/nº 18618-000 – Botucatu - SP E-mail: amorsi@ibb.unesp.br

RESUMO

O Colossoma macropomun, peixe teleósteo com hábito natatório intenso, apresentou ventrículo cardíaco com forma piramidal e miocárdio com estrutura mista, sendo formada por uma camada compacta externa e outra esponjosa interna. Esta estrutura bilaminar diferenciada, atualmente, tem sido correlacionada com o hábito natatório e com a morfologia ventricular.

Palavras-chave: Morfologia. Miocárdio. Coração. Osteichthyes. Peixes.

SUMMARY

The neotropical teleost fish Colossoma macropomun an active swimming species showed cardiac ventricle with pyramidal shape and myocardium with mixed structure. The myocardium presented an outer compact layer and an inner spongy layer whose particular bilaminar structure hitherto has been correlated to swimmer habit as well as to ventricular shape.

Keywords: Morphology. Myocardium. Heart. Osteichthyes. Fish.

INTRODUÇÃO

O ventrículo do coração de peixes teleósteos pode apresentar três formas distintas, denominadas de: sacular, tubular ou piramidal. Estas formas ventriculares se associam a dois tipos de miocárdio: miocárdio ventricular misto, caracterizado por uma camada cortical de espessura variável, denominada de camada compacta, e outra mais interna, denominada de esponjosa5,7 e, miocárdio ventricular trabeculado, formado inteiramente por músculo esponjoso, ou trabecular.

Estudos morfológicos indicam a existência de uma relação direta entre a atividade locomotora; a mioarquitetura e o modelo de suprimento sangüíneo do ventrículo de peixes teleósteos. Espécies sedentárias apresentam ventrículos saculares ou tubulares e miocárdio trabecular, suprido por meio de circuitos venosos lacunares, funcionando como bombas de baixa pressão. Em contrapartida, peixes com hábitos natatórios intensos possuem ventrículo piramidal largo, com mioarquitetura do tipo mista constituída por uma camada compacta mais externa e outra trabecular mais interna; apresentando suprimentos arteriais coronarianos bem desenvolvidos para suportarem a elevada demanda metabólica do miocárdio 6,7,9.

Em face ao exposto, o objetivo deste trabalho foi caracterizar e descrever a morfologia do miocárdio ventricular do peixe teleósteo neotropical Colossoma macropomun (Characidae, Cuvier, 1818), correlacionando-a com o hábito natatório e a forma ventricular cardíaca nesta espécie.

MATERIAL E MÉTODO

As características morfológicas do miocárdio ventricular foram estudadas em 10 espécimens de tambaqui, Colossoma macropomun, com 1.600 ± 2g de peso corpóreo médio, provenientes do Centro de Aquicultura da UNESP (CAUNESP). Os peixes foram anestesiados com MS 222â (Sandoz), pesados e seus celomas abertos para a exposição do coração.

Para estudos anatômicos, os corações foram fixados em formalina neutra a 10% durante 24 horas; dissecados e analisados com o uso de uma câmara lúcida (Zeissâ, Alemanha).

Para os estudos histológicos, fragmentos das camadas compacta e esponjosa do miocárdio ventricular foram fixados em solução de Bouin por 24 horas; processados segundo rotina histológica habitual e incluídos em Paraplast Plusâ (Oxford, Labware). Secções de 7 mm foram coradas com Hematoxilina-Eosina e Heidenhain Schleicher. Na complementação dos estudos histológicos, fragmentos de miocárdio ventricular foram fixados em formol tamponado a 10%, processados e embebidos em metil-metacrilato, Historesinâ (Leica, Alemanha). Secções de 3 mm de espessura foram coradas com Hematoxilina-Floxina B. O material foi analisado e fotodocumentado em microscópio óptico Olympus BH-2.

RESULTADOS

O coração de tambaqui é formado por quatro câmaras distintas e consecutivas, denominadas de seio venoso, átrio, ventrículo e bulbo arterioso, situado logo atrás dos arcos branquiais, sendo anterior ao fígado. O ventrículo possui forma piramidal, sendo triangular e com ângulos bem definidos (Fig. 1). O miocárdio ventricular é do tipo misto, sendo formado de duas camadas distintas: uma compacta mais externa e outra esponjosa mais interna (Fig. 2).



Na camada miocardial compacta as fibras musculares estão arranjadas de forma mais densa, envolvem todo o ventrículo e possuem orientação longitudinal (Fig. 2, 3). Entre o epicárdio (Fig. 2, 3) e a camada compacta observam-se artérias coronárias subepicardiais (Fig. 3), além de artérias coronárias que se distribuem entre as fibras cardíacas da camada compacta (Fig. 3).


A camada esponjosa é bem desenvolvida e formada por um agrupamento de trabéculas (Fig. 4). Lacunas de tamanho e formas diferentes são observadas entre os feixes de fibras musculares cardíacas (Fig. 4). As fibras musculares desta camada não possuem organização bem definida, estando orientadas em direções longitudinal, transversal e oblíqua, possibilitando comunicações entre o lúmen ventricular e áreas mais periféricas da estrutura do ventrículo cardíaco (Fig. 4).


DISCUSSÃO

O ventrículo de peixes teleósteos apresenta três formas ventriculares distintas denominadas de sacular, tubular e piramidal, estando associadas a dois tipos de miocárdio caracterizados como misto e/ou esponjoso (Santer et al7), tese esta que provê suporte para as observações realizadas na estrutura do miocárdio ventricular do Colossoma macropomun (tambaqui).

Estudos realizados por Santer5; Greer Walker et al.2 e Sánchez-Quintana et al.3,4 descreveram, em peixes marinhos, os ventrículos cardíacos sacular e tubular como sendo formados exclusivamente por miocárdio esponjoso, encontrado em espécies com hábitos sedentários. Por outro lado, os ventrículos piramidais eram formados por miocárdio misto e ocorriam em espécies ativas. Nossas observações sobre a estrutura miocardial ventricular do tambaqui, um peixe de hábito natatório intenso, são concordantes com o padrão misto de histoarquitetura desta camada da parede cardíaca.

Ademais, o ventrículo cardíaco do tambaqui apresentou forma piramidal, acrescida da estrutura miocardial mista, já discutida, o que o torna similar, quanto à forma e estrutura, ao ventrículo cardíaco de espécies marinhas de teleósteos com hábitos natatórios intensos 2, 3, 4, 5, 8.

Conhece-se que a camada compacta do ventrículo cardíaco de teleósteos constitui-se de fascículos de músculo cardíaco com um arranjo predominantemente longitudinal, enquanto que em elasmobrânquios as miofibras estão arranjadas transversalmente. Estes arranjos musculares representariam diferentes padrões de disposição das fibras cardíacas, visando à redução do diâmetro cardíaco longitudinal em teleósteos, e a redução do diâmetro transversal do coração em elasmobrânquios. Desta forma favorece, em ambas as disposições de miofibras cardíacas, a sístole ventricular4. Em Colossoma macropomum, a orientação das fibras cardíacas foi aqui observada predominantemente em direção longitudinal, e, concordantemente com a tese dos autores citados deve favorecer a sístole ventricular, e o crono-inotropismo cardíaco, em termos de prover uma hemodinâmica adequada ao hábito natatório ativo do tambaqui.

Por outro lado, notou-se que o miocárdio do tambaqui é predominantemente esponjoso, tendo fibras musculares sem organização bem definida. Esta ocorrência de um ventrículo cardíaco essencialmente esponjoso, formado por arranjos não ordenados de fibras musculares cardíacas, favoreceria a difusão de oxigênio do lúmen ventricular em direção à camada compacta, permitindo uma eficiente oxigenação tissular do próprio coração, com base em relato anterior1.

CONCLUSÕES

O Colossoma macropomun, peixe teleósteo com hábito natatório intenso, apresentou ventrículo cardíaco piramidal, com miocárdio do tipo misto e suprimento arterial coronariano. A correlação da forma ventricular, histoarquitetura e hábito natatório foi similar a encontrada para peixes teleósteos marinhos, descrita em literatura especializada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; Proc. nº 97/05.222-7) pelo financiamento do projeto de pesquisa.

Recebido para publicação: 05/09/2001

Aprovado para publicação: 27/02/2002

  • 1
    DAVIE, P. S.; FARRELL, A. P. The coronary and luminal circulations of the myocardium of fishes. Cannadian Journal of Zoology, v. 2, n. 4, p. 158-164, 1991.
  • 2
    GREER WALKER, M. G.; SANTER, R. M.; BENJAMIN, M.; NORMAM, D. Heart structure of the some deep-sea fish (Teleostei: Macrouridae). Journal of Zoology, v.205, n. 1, p. 75-89, 1985.
  • 3
    SÁNCHEZ-QUINTANA, D.; GARCIA-MARTINEZ, V.; CLIMENT, V.; HURLE, J. M. Morphological analysis of the fish heart ventricle: myocardial and connective tissue architecture in teleost species. Annals of Anatomy, v. 177, n. 3, p. 267-274, 1995.
  • 4
    SÁNCHEZ-QUINTANA, D.; GARCIA-MARTINEZ, V.; CLIMENT, V.; HURLE, J. M. Myocardial fiber and connective tissue architecture in the fish heart ventricle. The Journal of Experimental Zoology, v. 275, n. 2, p. 112-24, 1996.
  • 5
    SANTER, R. M. Morphology and innervation of the fish heart. Advances in Anatomy, Embryology and Cell Biology, v. 89, n. 1, p. 1-102, 1985.
  • 6
    SANTER, R. M.; GREER WALKER, M. Morphological studies on the ventricle of teleost and elasmobranch heart. Journal of Zoology, v. 190, n. 3, p. 259-272, 1980.
  • 7
    SANTER, R. M.; GREER WALKER, M.; EMERSON, L.; WITTHAMES, P. R. On the morphology of the heart ventricle in marine teleost fish (Teleostei). Company Biochemistry and Physiology, v.76A, n. 3, p. 453-457, 1983.
  • 8
    SIMÕES, K.; VICENTINI, C. A.; CRUZ, C.; BENETTI, E. J. Structure and vascularization of the ventricular myocardium of Piaractus mesopotamicus and Clarias gariepinus (Teleostei). Anatomia Histologia Embryologia, v. 28, n. 4, p. 243-246, 1999.
  • 9
    TOTA, B.; CIMINI, V.; SALVATORE, G.; ZUMMO, G. Comparative study of the arterial and lacunary systems of the ventricular myocardium of elasmobranchs and teleosts fishes. American. Journal of Anatomy, v. 167, n. 3, p. 15-32, 1983.
  • Endereço para correspondência
    Antônio Marcos Orsi
    Departamento de Anatomia da UNESP Distrito de Rubião Júnior, s/nº
    18618-000 – Botucatu - SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      2002

    Histórico

    • Aceito
      27 Fev 2002
    • Recebido
      05 Set 2001
    Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia / Universidade de São Paulo Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-270 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3091-7636, Fax: +55 11 3031-3074 / 3091-7672 / 3091-7678 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: brazvet@edu.usp.br