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Prevalência de transtornos mentais e fatores associados em usuários da Atenção Primária

Mental disorders prevalence and associated factors among primary care users

Resumo

Introdução

Inúmeras pessoas são afetadas por transtornos mentais ao longo da vida, acarretando diminuição da expectativa de vida saudável e redução da saúde geral.

Objetivo

Descrever a prevalência de transtornos mentais e sua associação com variáveis demográficas, econômicas, comportamentais e de saúde de usuários da Atenção Primária à Saúde (APS).

Método

Estudo transversal realizado em 35 unidades básicas de saúde da zona urbana da cidade de Pelotas-RS. Foram entrevistados 525 pessoas com 18 anos ou mais. O desfecho do estudo foi os transtornos mentais, verificado pela seguinte questão: “Em alguma consulta, algum médico lhe disse que o Sr.(a) possui alguma doença? Se sim, quais?”. Considerou-se com transtorno mental os usuários que relataram as seguintes doenças: depressão, ansiedade, transtorno bipolar, problemas psicológicos e problemas emocionais.

Resultados

A prevalência de transtornos mentais foi de 12,1%. A depressão foi a doença mais relatada pelos usuários (74,6%). Indivíduos fumantes apresentaram prevalência de transtornos mentais duas vezes maior quando comparados a indivíduos que nunca fumaram. Pessoas que ingeriam três ou mais medicamentos de maneira contínua tinham probabilidade de possuir transtornos mentais sete vezes maior do que os indivíduos que não utilizavam medicamentos.

Conclusão

Apresentaram transtornos mentais 12,1% dos usuários das unidades básicas de saúde, sendo a depressão a doença mais prevalente. Uso de medicamentos de forma contínua e fumo foram associadas à maior prevalência de transtornos mentais.

Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde; transtornos mentais; Centros de Saúde

Abstract

Background

Many people are affected by mental disorders throughout their lives, resulting in a healthy life expectancy decrease and a reduction in general health.

Objective

To describe mental disorders and their association with demographic, economic, behavioral, and health variables among primary care users.

Method

A cross-sectional study was carried out in 35 health basic units in an urban area in Pelotas-RS, Brazil. 525 people aged 18 years or more were interviewed. The outcome was the mental disorders, verified by the question: “In some consultation, some doctor told you that the Mr./Mrs. have some disease? If yes, which ones?”. It was considered with mental disorders the users who said the following diseases: depression, anxiety, bipolar disorder, psychological problems, and emotional issues.

Results

The prevalence of mental disorders was 12.1%. Depression was the most commonly reported disease among the users (74.6%). Smokers had a prevalence of mental disorders twice as high when compared to those who never smoked. People who consumed three or more continuous medicines had seven times the probability of having mental disorders than people who did not use continuous medicines.

Conclusion

12.1% of users of basic health units had mental disorders, with depression being the most prevalent disease. Continuous use of medication and smoking were associated with a higher prevalence of mental disorders.

Keywords:
Primary Health Care; mental disorders; Health Centers

INTRODUÇÃO

No atual plano de ação de saúde mental da Organização Mundial da Saúde (OMS), são consideradas com transtornos mentais as pessoas que possuem depressão, transtornos de ansiedade, esquizofrenia, transtorno bipolar, demência, transtorno de uso de substâncias, deficiências intelectuais e transtornos de desenvolvimento e comportamento11 World Health Organization. Mental Health Action Plan 2013-2020. Geneva: WHO; 2013. 48 p.. Dentre esses problemas, a depressão e a ansiedade são os que atingem a maior parte da população, com prevalência mundial de aproximadamente 4,4% de depressão e 3,6% de ansiedade22 World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017. 22 p..

Os transtornos mentais atingem em algum momento da vida cerca de um quarto das pessoas33 World Health Organization. Relatório Mundial da Saúde - Saúde mental: nova concepção, nova esperança. Geneva: WHO; 2001. 206 p.. Eles são responsáveis pela diminuição da expectativa de vida saudável e redução da saúde geral22 World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017. 22 p., além de ser um fator de risco considerável para o suicídio44 World Health Organization. Preventing suicide: a global imperative. Geneva: WHO; 2014. 138 p.. Existem diversos determinantes para que os indivíduos desenvolvam transtornos mentais, sendo eles individuais, sociais, culturais, econômicos e ambientais11 World Health Organization. Mental Health Action Plan 2013-2020. Geneva: WHO; 2013. 48 p..

Indivíduos com problemas de saúde mental encontram na Atenção Primária à Saúde (APS) profissionais que podem atuar tanto na prevenção quanto no tratamento desses problemas55 Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica: Saúde Mental. Brasília: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde; 2013. 176 p.. A Atenção Primária é fundamental para o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, sendo considerada a porta de entrada para o SUS. Possui o objetivo de ofertar acesso universal e integral aos usuários, além de ações de promoção da saúde e prevenção de doenças66 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60054-8. PMid:21561655.
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.

Contudo, a constatação da existência de transtornos mentais na população adstrita da Atenção Primária é um fator essencial para o bom desenvolvimento das ações necessárias, como planejamento, construção e execução das medidas para o enfrentamento desses problemas77 Souza LPS, Barbosa BB, Silva CSO, Souza AG, Ferreira TN, Siqueira LG. Prevalência de transtornos mentais comuns em adultos no contexto da Atenção Primária à Saúde. Rev Port Enferm Saude Mental. 2017;18:59-66. http://dx.doi.org/10.19131/rpesm.0193.
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. Quando ocorre a identificação de um indivíduo, ou grupo de usuários da Atenção Primária, que possui transtornos mentais, surge a possibilidade da execução de dois eixos norteadores da Atenção Primária, o acolhimento e o vínculo, os quais possibilitam por parte dos profissionais de saúde o cuidado, a escuta, a confiança e a aproximação com o usuário88 Correia VR, Barros S, Colvero LA. Mental health in primary health care: practices of the family health team. Rev da Esc Enferm. 2011;45(6):1501-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000600032. PMid:22241213.
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.

Nesse contexto, o objetivo do estudo é descrever a prevalência de transtornos mentais e verificar sua associação com variáveis demográficas, econômicas, comportamentais e de saúde de usuários da Atenção Primária da cidade de Pelotas/RS.

MÉTODO

Estudo transversal com adultos e idosos usuários de 35 unidades básicas de saúde (UBS) da zona urbana da cidade de Pelotas/RS. No momento da pesquisa, estavam em funcionamento 37 UBS na cidade. No entanto, duas UBS não atendiam a população em geral, sendo voltadas para públicos específicos, e com isso foram excluídas do estudo. Fizeram parte da amostra 15 usuários de cada UBS, atingindo o número total de 525 entrevistas. Esse número foi obtido por um cálculo de tamanho de amostra para os dados primários do projeto, o qual se referia ao aconselhamento para a prática de atividade física em UBS e está descrito em artigo prévio99 Häfele V, Siqueira FV. Aconselhamento para atividade física e mudança de comportamento em Unidades Básicas de Saúde. Rev Bras Atividade Física Saúde. 2016;21(6):581-92. http://dx.doi.org/10.12820/rbafs.v.21n6p581-592.
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.

Os indivíduos foram entrevistados, individualmente, enquanto se encontravam na sala de espera das UBS. Para participar do estudo, o sujeito deveria ter utilizado a UBS durante o ano anterior à entrevista, não importando o motivo da ida até a unidade. A logística de coleta de dados dos 15 usuários seguiu o mesmo padrão em todas as UBS, começando as entrevistas pelo primeiro sujeito que estava na direita da sala de espera e continuando pelo seguinte a sua esquerda, e assim sucessivamente até atingir a cota definida.

A pesquisa foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Pelotas e pelo responsável das UBS. A coleta de dados foi realizada de novembro de 2015 até fevereiro de 2016 por seis entrevistadores previamente treinados por um período de quatro horas, voltado para a logística e técnica de pesquisa.

A prevalência do desfecho transtornos mentais foi verificada através da seguinte questão: “Em alguma consulta, algum médico lhe disse que o Sr.(a) possui alguma doença? Se sim, quais?”. Foram considerados com transtornos mentais as seguintes morbidades autorreferidas: depressão, ansiedade, transtorno bipolar, problemas psicológicos e problemas emocionais.

As variáveis independentes foram coletadas por meio de questionário padronizado e incluíram as seguintes questões: sexo (masculino e feminino), idade (18-39, 40-59 e 60 ou mais), situação conjugal (com e sem companheiro), renda mensal do entrevistado em salários mínimos (sem renda, até um salário e mais de um salário; sendo o valor do salário mínimo vigente na época de R$ 788,00), tabagismo (fumante, ex-fumante e nunca fumou), atividade física (verificado pelo Questionário Internacional de Atividade Física, versão longa, domínios de lazer e deslocamento, sendo considerados ativos os sujeitos que praticavam 150 minutos ou mais de atividade física por semana), autopercepção de saúde (excelente, muito boa, boa, regular e ruim), diagnóstico médico referido de hipertensão arterial (não e sim), diagnóstico médico referido de diabetes mellitus (não e sim), índice de massa corporal – IMC, coletado através do peso e altura autorreferidos (normal – até 24,9 kg/m2, sobrepeso – 25,0 até 29,9 kg/m2 e obeso 30 ou mais kg/m2), número de medicamentos referidos para uso contínuo (nenhum, um ou dois e três ou mais).

Foram utilizados o programa Epidata 3.1 para a construção do banco de dados e o programa Stata 13.1 para a análise estatística. Foi realizada descrição da amostra através da frequência absoluta e relativa. Utilizou-se o teste qui-quadrado para verificar a associação entre a prevalência de transtornos mentais e as variáveis de exposição. Para a análise ajustada, foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta, sendo estimados os valores de razão de prevalência e intervalo de confiança de 95%, considerando para a associação o valor de p < 0,05. Na análise ajustada, todas as variáveis foram acrescentadas ao mesmo tempo na linha de comando, e foram retiradas uma a uma (sempre a de maior valor “p”), até que restassem apenas as variáveis com p ≤ 0,20 (modelo de seleção para trás).

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas com o número do parecer 1.207.987, de 31 de agosto de 2015. Todos os indivíduos entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo informado aos sujeitos a garantia do sigilo das informações.

RESULTADOS

Com a amostra final de 525 usuários de 35 UBS, foi possível estimar valores de prevalência de 10% ou maiores, com nível de confiança de 95% e poder de 80%. Com o tamanho de amostra estudado, houve possibilidade de detectar como estatisticamente significativas razões de prevalência próximas de 1,20 ou superiores na análise da amostra total. Na amostra, verificou-se que a maior parte eram mulheres (80,6%), que possuíam companheiro (61,7%), que praticavam menos de 150 minutos de atividade física por semana (57,6%), que não fumavam atualmente (77,2%), com sobrepeso ou obesidade (62,6%) e que faziam uso de, no mínimo, um medicamento de maneira contínua (59,8%). Quanto à autopercepção de saúde, metade dos indivíduos a relataram como excelente, muito boa ou boa. Em relação ao diagnóstico médico referido de doenças, a hipertensão arterial foi constatada em 58,2% dos usuários, e a diabetes mellitus em 15,7%. A média de idade dos usuários foi de 46,1±17,2 anos, e a média de renda mensal individual do entrevistado foi de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais) (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição da amostra de usuários das unidades básicas de saúde da zona urbana de Pelotas/RS, 2015-2016 (n=525)

A prevalência de transtornos mentais encontrada no estudo foi de 12,1% (IC 95% 9,5 – 15,1%). Dos usuários que relataram transtornos mentais, 74,6% referiram possuir depressão, 12,7% algum problema psicológico, 7,9% ansiedade, 7,9% transtorno bipolar e 1,6% problemas emocionais.

A Tabela 2 apresenta os resultados das associações das análises bruta e ajustada entre os transtornos mentais e as variáveis de exposição. Na análise bruta, estiveram associadas ao desfecho: a idade avançada, o tabagismo, o diagnóstico médico de hipertensão, a obesidade, o consumo de medicamentos de maneira contínua e a autopercepção de saúde negativa. Na análise ajustada, os transtornos mentais permaneceram associados ao tabagismo (sujeitos fumantes apresentaram prevalência de transtornos mentais duas vezes maior quando comparados a indivíduos que nunca fumaram) e ao número de medicamentos utilizados (ingerir três ou mais medicamentos de maneira contínua aumentou em sete vezes a prevalência para transtornos mentais).

Tabela 2
Prevalência, análises bruta e ajustada do desfecho transtornos mentais em relação às variáveis de exposição de usuários de unidades básicas de saúde da cidade de Pelotas/RS, 2015-2016 (n=525)

DISCUSSÃO

A prevalência de usuários de UBS que relataram possuir algum tipo de transtorno mental foi de 12,1%. Esse resultado é inferior ao relatado na literatura quando analisados usuários de UBS. Pesquisa realizada com 2.337 pessoas atendidas pelo Programa de Saúde da Família (PSF), em São Paulo, apontou que 25% dos indivíduos apresentavam problemas psiquiátricos menores1010 Maragno L, Goldbaum M, Gianini RJ, Novaes HMD, César CLG. Prevalência de transtornos mentais comuns em populações atendidas pelo Programa Saúde da Família (QUALIS) no Município de São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1639-48. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006000800012. PMid:16832535.
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. Outros dois estudos, um realizado em cinco UBS de Ribeirão Preto, São Paulo, e o outro em quinze UBS de Barbacena, Minas Gerais, encontraram prevalências de 44,1% e 41,7%, respectivamente, de sujeitos com transtornos psiquiátricos menores1111 Borges TL, Hegadoren KM, Miasso AI. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos em mulheres atendidas em unidades básicas de saúde em um centro urbano brasileiro. Rev Panam Salud Publica. 2015;38(3):195-201. PMid:26757997.,1212 Vidal CEL, Yañez BFP, Chaves CVS, Yañez CFP, Michalaros IA, Almeida LAS. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos em mulheres. Cad Saude Colet. 2013;21(4):457-64. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-462X2013000400015.
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. O fato de o resultado do presente estudo ter sido inferior às demais pesquisas pode estar relacionado à forma como os transtornos mentais foram analisados. Enquanto as pesquisas citadas anteriormente utilizaram o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20), questionário usado para detectar suspeita de distúrbios psicóticos e neuróticos, esta pesquisa aplicou uma questão referente ao diagnóstico médico referido de doenças em geral. Reforçando essa hipótese, o estudo citado anteriormente, que verificou 44,1% de pessoas com transtornos psiquiátricos menores, apontou que apenas 5,6% tinham diagnóstico psiquiátrico registrado no prontuário1111 Borges TL, Hegadoren KM, Miasso AI. Transtornos mentais comuns e uso de psicofármacos em mulheres atendidas em unidades básicas de saúde em um centro urbano brasileiro. Rev Panam Salud Publica. 2015;38(3):195-201. PMid:26757997..

A doença mental com a maior prevalência entre os usuários foi a depressão. Mundialmente, estima-se que 4,4% da população possui depressão22 World Health Organization. Depression and other common mental disorders: global health estimates. Geneva: WHO; 2017. 22 p.. Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 apontou que 7,6% dos brasileiros tinham recebido, em algum momento da vida, diagnóstico médico de depressão1313 Stopa SR, Malta DC, Oliveira MM, Lopes CS, Menezes PR, Kinoshita RT. Prevalência do autorrelato de depressão no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(Suppl 2):170-80. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060015. PMid:27008612.
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. Pessoas com transtornos mentais mais complexos, como a esquizofrenia, acabam utilizando outros serviços oferecidos pelo SUS, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). No entanto, esses indivíduos continuam utilizando a Atenção Primária, mesmo que sem tanta frequência, pois além dos cuidados psiquiátricos, existe o acompanhamento das necessidades clínicas55 Brasil. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica: Saúde Mental. Brasília: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde; 2013. 176 p..

Na presente pesquisa, foi observada uma associação positiva entre ser fumante e possuir transtornos mentais. Esse resultado vai ao encontro de outras pesquisas1414 Senicato C, Azevedo RCS, Barros MBA. Transtorno mental comum em mulheres adultas: identificando os segmentos mais vulneráveis. Cien Saude Colet. 2018;23(8):2543-54. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018238.13652016. PMid:30137124.
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,1515 Costa CO, Branco JC, Vieira IS, Souza LDM, Silva RA. Prevalência de ansiedade e fatores associados em adultos. J Bras Psiquiatr. 2019;68(2):92-100. http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000232.
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. Existem evidências de que pessoas com depressão tenham menor probabilidade de abandonar o tabagismo. Além disso, fumantes com depressão correm mais risco de recaídas durante o período de abstinência, quando comparados aos fumantes sem depressão1616 Rondina RC, Gorayeb R, Botelho C. Características psicológicas associadas ao comportamento de fumar tabaco. J Bras Pneumol. 2007;33(5):592-601. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132007000500016. PMid:18026659.
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.

Verificou-se que os sujeitos que utilizavam algum medicamento de maneira contínua apresentavam maior prevalência quanto aos transtornos mentais. Essa associação também foi encontrada em estudos prévios1717 Gomes VF, Miguel TLB, Miasso AI. Transtornos Mentais Comuns: perfil sociodemográfico e farmacoterapêutico. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(6):1203-11. http://dx.doi.org/10.1590/0104-1169.2990.2355. PMid:24271319.
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,1818 Lima MTR, Silva RS, Ramos LR. Fatores associados à sintomatologia depressiva numa coorte urbana de idosos. J Bras Psiquiatr. 2009;58(1):1-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852009000100001.
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. Esse resultado não remete apenas aos medicamentos para o tratamento dos transtornos mentais, ele engloba os medicamentos usados de maneira contínua para qualquer problema de saúde. Esse fato pode auxiliar na explicação do resultado encontrado, tendo em vista que estudos apontam que indivíduos com problemas mentais normalmente acabam apresentando outras doenças crônicas associadas1919 Rocha SV, Almeida MMG, Araújo TM, Virtuoso JS Jr. Prevalence of common mental disorders among the residents of urban areas in Feira de Santana, Bahia. Rev Bras Epidemiol. 2010;13(4):630-40. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2010000400008. PMid:21180852.
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,2020 Silva AR, Sgnaolin V, Nogueira EL, Loureiro F, Engroff P, Gomes I. Doenças crônicas não transmissíveis e fatores sociodemográficos associados a sintomas de depressão em idosos. J Bras Psiquiatr. 2017;66(1):45-51. http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000149.
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e, consequentemente, utilizam mais medicamentos de maneira regular.

Como limitação do estudo, podemos citar a questão utilizada para a definição do desfecho, visto que foi aplicada uma única pergunta sobre doenças em geral em vez de uma questão específica sobre transtornos mentais. No entanto, a utilização da questão referiu-se ao diagnóstico médico prévio de alguma doença, fator que reforça a importância dos achados, tendo em vista que o diagnóstico médico referido tem sido amplamente usado em pesquisas nacionais sobre doenças crônicas2121 Malta DC, Stopa SR, Iser BPM, Bernal RTI, Claro RM, Nardi ACF, et al. Risk and protective factors for chronic diseases by telephone survey in capitals of Brazil, Vigitel 2014. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(Suppl 2):238-55. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500060021. PMid:27008618.
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,2222 Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Suely SCA, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Noncommunicable diseases and the use of health services: analysis of the National Health Survey in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):1-10. http://dx.doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090. PMid:28591353.
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. Ainda existem limitações referentes ao delineamento utilizado (transversal), como a dificuldade para detectar a relação cronológica entre os eventos, sendo a associação entre o desfecho e as exposições referentes à época do estudo. Também se destaca a possibilidade de viés de memória dos entrevistados, tendo em vista que foram os únicos responsáveis pelo fornecimento da informação sobre a prevalência dos transtornos mentais. Contudo, cabe destacar o potencial da pesquisa no sentido de ser um inquérito amplo com usuários da Atenção Primária à Saúde (APS).

Conclui-se que 12,1% dos usuários apresentaram transtornos mentais, sendo a depressão a doença mais prevalente. Indivíduos que utilizavam medicamentos de maneira contínua e fumantes foram mais propensos a possuir transtornos mentais.

Agradecimentos

Agradecemos a Secretaria Municipal de Saúde e aos coordenadores das unidades básicas de saúde pela viabilidade da pesquisa. Agradecemos também a todos os usuários das unidades básicas de saúde que aceitaram participar do estudo e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul pelo apoio financeiro (bolsa de doutorado).

  • Como citar: Häfele V, Nobre ML, Siqueira FV. Prevalência de transtornos mentais e fatores associados em usuários da Atenção Primária. Cad Saúde Colet, 2023; 31 (3):e31030473. https://doi.org/10.1590/1414-462X202331030473
  • Trabalho realizado em Unidades Básicas de Saúde da zona urbana da cidade de Pelotas (RS), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2020
  • Aceito
    29 Jun 2021
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