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Por que o trabalho na cana tem moído gente e espalhado bagaços?

Why has sugarcane work grind people and spread bagasse?

Resumo

O objetivo deste artigo é refletir sobre o processo de trabalho no corte da cana e o adoecimento e mortes de trabalhadores. A perspectiva teórica do trabalho é marxista e utiliza como instrumento metodológico de coleta de dados o estudo bibliográfico. Os resultados da investigação evidenciam que a compreensão do processo de trabalho no corte da cana é imprescindível na elucidação do adoecimento e mortes de trabalhadores. Ademais, na flexibilização canavieira, tanto se generalizam a redução dos postos de trabalho como o aumento da intensidade do trabalho; por uma variedade de estratégicas que se intensificam, como o pagamento por produção. O artigo conclui que o corpo do trabalhador, seja por adoecimento, mortes ou traumas físico-psíquicos, materializa a superexploração da força de trabalho no corte da cana, o que revela, por sua vez, o caráter destruidor que a acumulação do capital da agroindústria canavieira possui sobre seus trabalhadores.

Palavras-chave:
Processo de trabalho; Trabalho canavieiro; Adoecimento; Superexploração

Abstract

The purpose of this article is to ponder on the work process in cutting cane and the illness and deaths of workers. The theoretical perspective is based on Marxist and the bibliographic study is used as methodological instrument for data collection. The results of the investigation reveal that the understanding of the work process in cutting cane is essential in elucidating the illness and deaths of workers. Furthermore, in sugarcane flexibilization, both the reduction of jobs and the increase in labor intensity are widespread; by a variety of intensifying strategies, such as payment for production. The article concludes that the worker’s body, whether due to illness, death or physical-psychological traumas, materializes the overexploitation of the workforce in cutting cane, exposing the destructive character that the accumulation of capital of the sugarcane agroindustry has on its workers.

Keywords:
Work process; Sugarcane work; Illness; Overexploitation

Introdução

O presente artigo aborda sobre o processo de trabalho no corte da cana e sua relação com o adoecimento e mortes de trabalhadores. A perspectiva adotada por este trabalho é de inspiração marxista e tem como instrumento metodológico o estudo bibliográfico, feito através do levantamento e análise de informações e depoimentos em documentos de órgãos oficiais1 1 Relatórios do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). ; teses, dissertações e artigos de revistas que tiveram por objeto o tema do trabalho no setor sucroalcooleiro.

À semelhança do trabalho alienado que se realizava no tempo histórico das formulações de Marx, século XIX, o sofrimento do trabalhador no desenvolvimento da atividade produtiva ainda continua como uma característica fundamental do processo de trabalho, no século XXI. O trabalhador atual, a despeito de todas as conquistas e avanços em relação às condições impostas ao trabalhador no século XIX, persevera na mesma situação de esforço e desgaste para a satisfação das necessidades da reprodução ampliada do capital. O trabalhador ainda realiza um autossacrifício na ordem do capital, cuja expressão pode ser percebida pelos adoecimentos em plena idade ativa. Ou ainda, pela morte súbita de trabalhadores, karoshi no Japão, birôla2 2 O termo karoshi é utilizado no Japão para definir morte por excesso de trabalho; KARO significa excesso de trabalho e SHI, morte. O karoshi é descrito na literatura sociomédica como um quadro clínico extremo (ligado ao estresse ocupacional) com morte súbita por patologia coronária isquêmica ou cerebrovascular (CARREIRO, 2007). Birôla é uma espécie de cãibra, contrações espasmódicas e dolorosas dos músculos. Conhecida como doença ocupacional oriunda da atividade do corte da cana (PLANCHEREL; QUEIROZ; SANTOS, 2011). em São Paulo e canguru3 3 Denominação utilizada entre os trabalhadores do Nordeste para a doença birôla. em Alagoas, para citar algumas doenças.

Dessa maneira, sob a perspectiva marxista, pode-se dizer que as problemáticas atuais em torno de processos mais flexíveis de trabalho acentuam o adoecimento do trabalhador e que as doenças ocupacionais relacionam-se menos com as disposições biológicas e as anormalidades orgânicas4 4 Como evidenciado pelo trabalho de Plancherel, Queiroz e Santos (2011), intitulado de O canguru no universo canavieiro alagoano: saúde e precarização do trabalho na agroindústria açucareira. que acometem isoladamente os indivíduos, e mais, “senão fundamentalmente, com a organização e com a realização da atividade laboral em condições que, nas sociedades contemporâneas, assinalam-se pela flexibilização, precarização e intensificação do trabalho” (PLANCHEREL; QUEIROZ; SANTOS, 2011PLANCHEREL, A. A.; QUEIROZ, A. S; SANTOS, C. O “Canguru” no universo canavieiro alagoano: saúde e precarização do trabalho na indústria açucareira. In: PLANCHEREL, A. A. BERTOLDO, E. (org.). Trabalho e Capitalismo Contemporâneo. Maceió: Edufal, p. 59-80, 2011., p. 59).

No caso do setor sucroalcooleiro brasileiro, a intensificação do trabalho e as práticas flexíveis desse setor, entre os que desenvolvem o corte da cana, materializam-se no próprio corpo dos trabalhadores e são indicadores representativos da superexploração da força5 5 A superexploração é uma categoria teórica, entendida como uma particularidade da exploração no capitalismo dependente (MARINI, 2000). de trabalho, uma vez que implica, no presente, no seu esgotamento prematuro.

Processos de trabalho no corte da cana e desgaste da força de trabalho

Observa-se que desde a década de 1970 até os dias atuais, o processo de corte da cana permanece o mesmo na modalidade manual. Sendo considerado um bom desempenho no corte da cana quando essa é cortada ao rés do chão6 6 A parte inferior da cana é onde encontra-se a maior quantidade de sacarose. , exigindo dessa maneira total curvatura do corpo do trabalhador (SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. ), e grande dispêndio de energia do mesmo.

Nas Usinas, um trabalhador costuma cortar toda a cana de um retângulo, no qual possui cerca de 8,5 metros de largura, “contendo cinco ruas de cana (linhas em que é plantada a cana, com 1,5 metro de distância entre elas), por um comprimento que varia de trabalhador para trabalhador” (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 30). O pequeno retângulo, contido no retângulo maior, é o talhão, chamado entre os trabalhadores de eito7 7 Cf. “Trata-se de um retângulo de cana com área variável, porque o comprimento é verificado, ao final do dia, quando o trabalho é concluído. É o comprimento do eito que será o indicador do ganho diário de cada trabalhador. Portanto, o que receberá pelo dia de trabalho é o comprimento do eito, medido em metros lineares e multiplicado pelo valor do metro” (ALVES, 2007, p. 30). . O comprimento de um eito varia de região para região e depende tanto do ritmo do trabalho como da resistência física de cada trabalhador.

Em São Paulo, maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, o eito é composto geralmente por cinco ruas8 8 Esta foi uma das conquistas da greve de Guariba em 1984: o rebaixamento do eito paulista para cinco ruas. Ver mais a esse respeito em Francisco Alves (1991). ; já em Alagoas9 9 Ainda na primeira metade do século XX o estado alagoano se tornou o maior produtor de açúcar no Nordeste e o segundo no país (SILVA CRUZ, 2017). , varia entre sete e nove ruas. Apesar de estudos apontarem que a quantidade de cana cortada por trabalhador é maior na região de São Paulo em comparação ao Nordeste, é importante considerar que na realidade nordestina a área a ser percorrida pelo trabalhador para cortar cana é bem maior do que a área em São Paulo.

Além de eitos maiores no Nordeste (e em Alagoas) do que os encontrados em São Paulo10 10 Em São Paulo, a cana encontra-se em terreno plano, o que facilita o corte e a mecanização da lavoura. , há também terrenos íngremes, como as áreas serranas em que a plantação de cana se encontra como, na região Norte da mata alagoana. Terreno acidentado e eitos maiores contribuem para um maior desgaste do trabalhador, além interferirem na produtividade do trabalho (VERÇOZA, 2012VERÇOZA, L. V. de. Trabalhadores nos canaviais de Alagoas: um estudo sobre as condições de trabalho e resistência. 2012. Dissertação (Mestrado) “ Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012.). Essa realidade acontece, porque como se verá a seguir, a atividade do corte de cana envolve outras tarefas, como limpeza da cana e a organização desta para o carregamento. Com eitos maiores o trabalhador levará mais tempo para deslocamento e organização da cana no centro do eito, o que interfere na quantidade de cana cortada.

Para a reorganização da etapa de corte, os trabalhadores utilizam como instrumento o facão ou o podão. Os pés de cana devem ser cortados rente ao chão, onde se encontra a maior concentração de sacarose. Porém, deve ser feito com muito cuidado e precisão, para que a raiz não seja atingida, não prejudicando assim as safras seguintes. A quantidade de cana cortada por trabalhador11 11 O trabalho no corte da cana, apesar de ser um trabalho individual, apresenta também uma natureza coletiva, como chamou atenção Iamamoto (2006), já que o trabalho social médio, individual, é parte contínua do trabalho coletivo agroindustrial, enquanto operação total. Segundo Santos (2013, p. 199), “este tipo de trabalho se desenvolve a partir da reunião de grande quantidade de trabalhadores ao mesmo tempo e no mesmo espaço de trabalho (canavial), que atuam de forma organizada, no mesmo processo de produção (agroindustrial), voltado para a produção do mesmo tipo de mercadoria (açúcar e álcool), sob o comando do mesmo capital”. dependerá tanto da habilidade como de sua resistência física deste.

De acordo com Alves (2008aALVES, F. Trabalho e trabalhadores no corte de cana: ainda a polêmica sobre o pagamento por produção e as mortes por excesso de trabalho. In: BISON, N.; PEREIRA, J.C.A. (org.). Agrocombustíveis, solução? A vida por um fio no eito dos canaviais. São Paulo: CCJ, 2008a. ):

[...] o trabalhador abraça um feixe de cana (contendo entre três e dez canas), curva-se e flexiona as pernas para cortar a base da cana. [...] O corte rente ao chão não pode atingir a raiz para não prejudicar a rebrota, na medida em que a cana permite, em média, cinco cortes consecutivos. Isso significa que o corte rente ao chão deve ser um corte preciso, que exige do trabalhador força e destreza, porque um erro pode ocasionar um corte da cana com toco alto, ou pode atingir as raízes, ou ainda, um acidente grave, pois o podão pode atingir o pé, as pernas do trabalhador (ALVES, 2008aALVES, F. Trabalho e trabalhadores no corte de cana: ainda a polêmica sobre o pagamento por produção e as mortes por excesso de trabalho. In: BISON, N.; PEREIRA, J.C.A. (org.). Agrocombustíveis, solução? A vida por um fio no eito dos canaviais. São Paulo: CCJ, 2008a. , p. 28, grifo nosso).

Depois do corte, o trabalhador ainda poda “a parte superior da cana, onde estão as folhas verdes”. “Em algumas usinas os trabalhadores têm de cortar o pendão no ar; em outras, é permitido que ele corte no chão”, ou ainda no chão na fileira do meio, segundo Alves (2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 31). Nesse último caso, em que se permite o corte das pontas no chão no meio do eito, muitas vezes o trabalhador utiliza um outro instrumento12 12 Segundo Novaes (2007b), esse instrumento chegou nos canaviais paulistas por meio de migrantes nordestinos. de trabalho, já que a separação da cana e do pendão no chão com os pés é um processo cansativo. O instrumento usado é semelhante a uma haste de madeira com uma ponta; o trabalhador utiliza-o com uma mão, “empunha a haste, afasta-as da cana” e, com a outra mão, empunha o facão, “corta as ponteiras” da cana (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 31).

A respeito do esforço físico nesse processo de trabalho, Silva (2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 375) afirma que “em dez minutos o trabalhador derruba 400 kg de cana, desfere 131 golpes de podão, faz 138 inflexões, num ciclo de 5,6 segundos para cada ação”. No final do dia, esse trabalhador terá desferido “3.792 golpes de podão e feito 3.994 flexões com rotação da coluna. A carga cardiovascular é alta, acima de 40%, e, em momentos de pico, os batimentos cardíacos chegam a 200 por minuto”. Isso tudo, em um ambiente no qual a temperatura chega “acima de 27 graus centígrados, com muita fuligem no ar (SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 375)”.

Segundo Alves (2006ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-98, set./dez. 2006., p. 95), o trabalhador nessa atividade

não apenas anda 4.400 metros por dia, mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de cana, com um peso equivalente a 15 kg, a uma distância que varia de 1,5 a 3 metros. Além de todo este dispêndio de energia, andando, golpeando, contorcendo-se, flexionando-se e carregando peso, o trabalhador sob o sol utiliza uma vestimenta composta de botina com biqueira de aço, perneiras de couro até o joelho, calças de brim, camisa de manga comprida com mangote, também de brim, luvas de raspa de couro, lenço no rosto e pescoço, e chapéu ou boné. Este dispêndio de energia sob o sol, com esta vestimenta, leva a que os trabalhadores suem abundantemente e percam muita água. Junto com o suor perdem sais minerais, e a perda de água e sais minerais leva à desidratação e à frequente ocorrência de câimbras.

O trabalhador canavieiro, além de limpar a cana, com eliminação do pendão, e transportá-la “até a linha central do eito (3ª linha)”, também deve arrumar a cana para o carregamento mecânico13 13 Em algumas regiões do Nordeste, o carregamento ainda é animal. (ENCONTRO DOS TRABALHADORES CANAVIEIROS DA REGIÃO NORDESTE, 2005). . Muitas usinas exigem que o trabalhador arrume a cana aos montes, distando um metro de um para o outro; “em outras usinas, é permitido ao trabalhador dispô-las esteiradas, sem a necessidade dos montes separados” (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 31-32). O corte da cana possui especificidades que variam de usina para usina e, apesar da quantidade de cana cortada por trabalhador depender tanto da habilidade/destreza, como da resistência física, a realização do trabalho, não. Isso porque as usinas possuem exigências próprias para a realização do trabalho. Ao contrário do que se pode pensar, o trabalho de cortar cana é prescrito e determinado previamente “pelos departamentos técnicos de cada uma das usinas, bem como pelo departamento agrícola e pela diretoria de recursos humanos”. Dessa forma, as exigências na forma de realização do trabalho “interferem na capacidade de produção do cortador de cana” (ALVES, 2007, p. 32).

Modificadas as exigências das usinas para que o trabalhador mantenha a produtividade sobre as novas condições, este deverá despender uma quantidade maior de energia. Esse esforço que resulta em adoecimentos diversos também fornece aos usineiros uma maior extração de mais-valia, nesse caso em específico, de maisvalia absoluta (MARX, 1974MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. Livro III. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1974.).

De acordo com Alves (2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 32):

Em algumas usinas a disposição da cana esteirada e a realização do corte da ponteira no chão permitem aos trabalhadores cortar 30% a mais do que outros que são obrigados a cortar a ponteira no ar e a dispor a cana em montes. [...]. Porém, do ponto de vista das usinas, a disposição em montes facilita a atividade de carregamento e reduz a quantidade de terra levada pela cana do campo para usina.

Descrevendo o esforço que os trabalhadores canavieiros realizam nos complexos agroindustriais, Alves (2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 32) os compara a um “atleta corredor fundista”, pois em geral são trabalhadores com pouca massa muscular, pouca gordura e muita resistência física, semelhante às características físicas desse tipo de atleta. Nem todo indivíduo aguenta o processo de trabalho canavieiro; alguns, de fato, ficam borrados, para usar a expressão de Silva (2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 359).

É diante desse desgaste físico que as usinas, para reduzir os casos de desidratação e as câimbras advindas do esforço, e consequente perda de água no corpo, fazem uso no campo de uma substância administrada como soro:

Algumas usinas afirmam tratar-se apenas de soro caseiro, uma mistura de sal e açúcar em água. Outras usinas dizem que além de sal e açúcar, o soro contém potássio e outros sais minerais, além de substâncias que dão cor e sabor, tornando o soro uma espécie de refresco. Outras usinas, ainda, admitem que os soros têm componentes energéticos. Porém, até este momento as autoridades sanitárias não sabem a composição de todos os soros e suplementos energéticos distribuídos pelas usinas aos trabalhadores, nem sabem quais os efeitos que esses suplementos podem causar a curto, médio e longo prazo sobre a saúde de trabalhadores submetidos a forte esforço físico e com carência nutricional e hídrica (ALVES, 2008bALVES, F. Processo de trabalho e danos à saúde dos cortadores de cana. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, São Paulo, v. 3, n. 2, abr./ago. 2008b. Disponível em: www.interfacehs.sp.senac.br. Acesso em: 20 set. 2016.
www.interfacehs.sp.senac.br...
, p. 10).

Alguns trabalhadores recusam-se a tomar o soro da usina, por não saberem o que ele contém; por essa razão, muitos recorrem ao soro intravenoso em hospitais públicos:

Ministrar soro na veia de cortadores de cana é um procedimento médico comum em todos os hospitais da zona canavieira de São Paulo. No final da tarde e no início da noite, principalmente nos dias mais quentes e secos, comuns durante o pico da safra de cana, é normal que os ambulatórios desses hospitais fiquem repletos de cortadores de cana precisando desse tipo de atendimento. (ALVES, 2006ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-98, set./dez. 2006., p. 11).

Além de todo o desgaste físico e psíquico advindo do processo de trabalho, os trabalhadores ainda são mal alimentados e mal alojados. Sua saúde é desconsiderada pelas usinas; ademais, recebem pelo trabalho valores extremamente baixos, característicos de uma situação de superexploração. A situação encontrada em Alagoas, na usina Santa Clotilde, pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho, descrita por Calado (2008CALADO, J. CPT encontra irregularidade na Usina Santa Clotilde. Comissão Pastoral da Terra, Alagoas, 23 jul. 2008. Disponível em: http://cptalagoas.blogspot.com.br/2008/07/cpt-encontra-irregularidades-na-usina.html. Acesso em: 20 set. 2016.
http://cptalagoas.blogspot.com.br/2008/0...
, p. 1)14 14 Divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT/AL) (CALADO, 2008). , é emblemática:

O alimento é trazido de casa pelo trabalhador. Eles começam sua jornada às 5 horas e só termina às 17 horas. O trabalhador rural Adriano Silva denunciou que todo o material de proteção (luva, bota, óculo, garrafa, bota etc.) está sendo descontado no salário. Eles recebem em torno de R$ 220,00 por quinzena no corte da cana. Trabalham de segunda a sábado. O trabalhador rural José Robson fez mais uma grave denúncia. Disse que, se adoecer, tem que ir a junta médica da usina para ter direito à licença. Se a licença não for da usina, não tem valor, e o trabalhador levará falta. O seu colega José da Silva, que trabalha no corte da cana desde os 8 anos de idade, hoje com 58 anos, teve forte dor de cabeça, foi hospitalizado, e recebeu 15 dias de licença médica. Ele precisou fazer vários exames, foi internado, mas quando se apresentou no setor médico da usina, só recebeu dois dias de licença, e recebeu treze dias de falta. Eles também denunciaram que nos dias em que a Usina Santa Clotilde ficou parada, por conta da interdição do MPT, os trabalhadores receberam dois dias de faltas. O sistema de escravidão do corte da cana nas usinas, não dá espaço para as mulheres. Elas só trabalham no plantio, adubando ou colocando veneno, por conta da produção. A usina tabela a tonelada da cana da seguinte maneira: de uma a três toneladas: R$ 3,50; de quatro a cinco: R$ 4,00; de cinco toneladas por diante: R$ 5,00.

No processo extenuante de cortar cana, os trabalhadores ainda se acham expostos ao perigo no processo de queimada. Conforme matéria da Folha de São Paulo em 2009,

o trabalhador da Usina Bela Vista, de Pontal/SP, Sidnei dos Santos, 40 anos, morreu carbonizado na noite de 12 de julho de 2009, enquanto ateava fogo na cana. O trabalhador usava um botijão de gás e uma mangueira como lança-chamas. A prática é comum na região, embora extremamente irregular, segundo a NR31. (COISSI, 2009COISSI, J. Lavrador morre carbonizado em canavial. Folha de São Paulo, Ribeirão Preto, 13 jul. 2009. Disponível em: http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/ribeirao/ri1307200902.htm. Acesso em: 28 set. 2016.
http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/ribeir...
).

A queima da cana acarreta para os trabalhadores canavieiros outros riscos à saúde15 15 Além dos prejuízos à saúde dos indivíduos, a queima da cana é uma prática bastante danosa ao meio ambiente. Para saber mais a esse respeito, consultar Santos (2013). pelo número variado de substâncias tóxicas que essa prática contém, tais como monóxido de carbono, amônia e metano. A queima da cana tem como objetivo facilitar a colheita manual. Todavia, os efeitos dessa prática sobre o homem e a natureza são nefastos. Sobre os trabalhadores, as micropartículas (PM10)16 16 Um estudo francês revela que a elevação da concentração de micropartículas (PM10) em 10 microgramas por metro cúbico pode elevar a mortalidade em 0,51% nos próximos cinco dias, após a inalação dessas micropartículas. (CONTAMINACIÓN..., 2015). da fuligem da cana, como “material fino, [...] poluente que apresenta maior toxidade”, chegam “às porções mais profundas do sistema respiratório, transpõem a barreira epitelial, atingem o interstício pulmonar e são responsáveis pelo desencadeamento de doenças graves” (ARBEX et al., 2004 apud SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 376).

Um acordo entre o governo federal e os produtores canavieiros prevê o fim das queimadas17 17 “Um decreto federal de julho de 1998 determinou a eliminação total até 2021 do uso de queimadas nas colheitas de cana-de-açúcar em todo o território nacional. A proibição é gradativa e começou a ser colocada em prática em áreas passíveis de mecanização da colheita em terrenos onde a declividade não ultrapasse 12%. O decreto prevê para até 2031 que áreas de difícil mecanização também sejam incluídas na proibição” (PIATTO; COSTA JUNIOR, 2016). no território nacional nos próximos anos. A realidade atual, de transição, por um lado tem promovido o aumento no corte mecanizado e, por outro, a diminuição de postos de trabalho18 18 Segundo Silva (2013), a área plantada da cana no estado de São Paulo passou de 1987 para 2008 de 4,35 milhões de hectares para 8,92 milhões, ou seja, o dobro da área em um período de aproximadamente 20 anos. .

A intensificação do trabalho no corte da cana e os adoecimentos e mortes nos canaviais

O processo de trabalho de cortar cana, apesar de ser o mesmo desde os anos de 1970, tem tido seu ritmo modificado com o advento da reestruturação produtiva a partir dos anos de 1990. De acordo com Alves (2006ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-98, set./dez. 2006., p. 96), “a produtividade média cresceu 100%; passou de seis toneladas/homem/dia, na década de 1980, a 12 toneladas de cana por dia, na década de 1990”. Um conjunto de aspectos corroborou para essa nova realidade:

  • a) O aumento de trabalhadores disponíveis para o corte de cana, devido a três fatores: i. o aumento da mecanização do corte de cana. ii. o aumento do desemprego geral, provocado por duas décadas de baixo crescimento econômico. iii. a expansão da fronteira agrícola, destruindo as formas de reprodução da pequena propriedade agrícola familiar e disponibilizando força de trabalho19 19 Alves (2006) faz referência à expansão para o cerrado (sul do Piauí) e para região pré-amazônica maranhense. .

  • b) A seleção “mais apurada pelos departamentos de recursos humanos das usinas, que levou à escolha de trabalhadores mais jovens, à redução da contratação de mulheres e à possibilidade de contratação de trabalhadores oriundos de regiões mais distantes de São Paulo” (ALVES, 2006ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-98, set./dez. 2006., p. 7).

  • c) A utilização de período de experiência, “no qual os trabalhadores que não conseguissem atingir a nova média de produção, dez toneladas de cana por dia, eram demitidos antes de completar três meses de contrato” (ALVES, 2006ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-98, set./dez. 2006., p. 7).

Para Novaes (2007bNOVAES, J. R. P. Campeões de produtividade: dores e febres nos canaviais paulistas. Estudos Avançados, São Paulo, v. 21, n. 59, p. 167-177, abr. 2007b., p. 171-172), a seleção para o trabalho nas usinas, segundo o critério de produtividade por cana cortada, é uma prática nos Complexos Agroindustriais canavieiros:

Para serem selecionados pela usina, os candidatos terão que cortar no mínimo dez toneladas de cana/dia. Caso contrário eles serão demitidos. Geralmente essa “poda” se faz até sessenta dias após a admissão. O sistema de seleção funciona dessa maneira. Sem nomear a usina, relato um caso que observei. A Usina X contratou 5 mil trabalhadores no início da safra. No primeiro mês calculou-se o rendimento médio dessa turma. No caso analisado, foram descartados dois mil trabalhadores, que não conseguiram alcançar a média. No segundo mês, o mesmo procedimento se repete, agora com três mil trabalhadores. Nessa etapa, foram “podados” mais mil trabalhadores que tiveram uma produção inferior à média da turma. Assim, os dois mil trabalhadores, altamente produtivos, selecionados nesse processo, conseguiram realizar o quantum de produção dos cinco mil trabalhadores que iniciaram a safra. Esses trabalhadores selecionados chegam a cortar até vinte toneladas de cana/dia e manter uma média mensal entre 12 e 17 toneladas dia.

Em outro trabalho, Novaes (2007aNOVAES, J. R. P. Idas e Vindas: Disparidades e Conexões Regionais: Um estudo sobre o trabalho temporário de nordes2007tinos na safra da cana paulista. In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes: Trabalho e Trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os Heróis do agronegócio brasileiro), 2007a., p. 97, grifo do autor) revela que as “usinas vão formando grupos de trabalhadores seletos, os super-homens da produção, os campeões de produtividade. Quando identificados, são muito valorizados pelas usinas e pelos empreiteiros”. A esses homens seletos são oferecidos contratos por tempo indeterminado ou “emprego garantido nos próximos anos como trabalhadores safristas” (NOVAES, 2007aNOVAES, J. R. P. Idas e Vindas: Disparidades e Conexões Regionais: Um estudo sobre o trabalho temporário de nordes2007tinos na safra da cana paulista. In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes: Trabalho e Trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os Heróis do agronegócio brasileiro), 2007a., p. 97).

O momento atual para os trabalhadores canavieiros é de grande concorrência, tanto dos trabalhadores entre si como entre trabalhadores e máquinas20 20 Os acordos para o fim da queima da cana têm sido apontados por estudiosos do setor como um dos fatores responsáveis para a intensificação da mecanização na colheita da cana-de-açúcar. Tal mecanização, além de acelerar o trabalho manual, combinado nesse processo com a própria mecanização, tem reduzido postos de trabalho. . Já analisado por Marx na Inglaterra no século XIX, “o momento de transição do trabalho manual para o mecanizado gera o aumento da exploração por meio de métodos os mais variados” (SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 372), mediante a combinação da mecanização com o corte manual de alta produtividade (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. ). É nesse cenário que se intensificam as diversas formas de pagamento, sendo uma delas o pagamento por produção.

Apesar de o pagamento por produção advir da reestruturação produtiva dos anos de 1990, nos anos 2000 essa prática se generalizou nas usinas brasileiras e constitui hoje um dos principais mecanismos para o aumento da produtividade, concomitantemente à redução dos custos de produção.

O pagamento por produção torna o ritmo do trabalho nos canaviais mais acelerado, o que se deve a um fator externo ao trabalhador. Apesar de o ritmo e da destreza no corte dependerem da habilidade individual de cada sujeito, é a forma de pagamento, por produção, o elemento acelerador desse processo. De acordo com Alves (2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 35), “o pagamento por produção significa que, se trabalhar mais, o trabalhador canavieiro ganhará mais”. Como se trata de trabalhadores cujos limites estão na linha de pobreza, a motivação destes se dará pelo “ganho monetário, na forma de salário, obtido durante os oito meses de safra de cana, de forma que seja suficiente para mantê-lo e toda a sua família durante todo o ano (12 meses)”. Em virtude disso, é de interesse do trabalhador esforçar-se para obter um maior rendimento, já que o trabalho dura apenas oito meses, mas a necessidade de alimentação sua e de sua família ocorre em um período maior, os 12 meses do ano21 21 O trabalho na entressafra da cana nem sempre ocorre, uma vez que a quantidade de trabalhadores requeridos para o trabalho nos complexos agroindustriais é bem inferior à do período de safra. Já se o trabalhador se deslocar para uma região não produtora de cana, a agricultura de subsistência torna-se, muitas vezes, sua única possibilidade de remuneração monetária. Sabe-se que esta atividade, demanda uma série de outros fatores, como o clima e o próprio acesso à terra. . Dessa forma, “é um salário que reforça as diferenças de habilidade, força, energia, perseverança dos trabalhadores individualmente, provocando diferenças nos seus rendimentos e o estabelecimento de concorrência entre eles” (SILVA, 1999SILVA, M. A. M. Errantes do Fim do Século. 1. ed. São Paulo: EdUNESP, 1999., p. 86).

Foi nessa mesma direção que Marx (1985MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Vol. I, Livro I, Tomo I e II São Paulo: Nova Cultural, 1985., p. 141) apontou que no trabalho por peça, “é naturalmente do interesse pessoal do trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível”. Esse tipo de trabalho “facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois, com isso, sobe seu salário diário ou semanal”.

Todavia, diferentemente do trabalho por peça, descrito por Marx, o trabalho por produção na cana não possui, a priori, o controle do trabalhador sobre o quanto foi produzido por ele, diversamente das demais formas de trabalho por peça. Isso porque o trabalhador corta cana e sua produção é auferida em metros lineares, embora o valor atribuído ao metro cortado por esse mesmo trabalhador seja dado em toneladas22 22 O peso da tonelada da cana é dado por uma série de fatores: variedade da cana, fertilidade do solo, sombreamento etc. (ALVES, 2006). . Dessa forma, para saber o valor do metro cortado, é preciso que haja uma conversão de valor da tonelada para valor do metro. Somente nas usinas ocorre a conversão da tonelada para metros, já que “apenas elas dispõem de balança calibradas para fazer um cálculo exato” (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 35).

Como o valor da cana cortada é medido em metro, e este depende de seu peso, variando de acordo com o tipo e a variedade da cana cortada, cortar mais metros de cana não necessariamente indica uma maior remuneração no final do dia. Quem trabalha mais, não necessariamente ganha mais.

Segundo Alves (2008aALVES, F. Trabalho e trabalhadores no corte de cana: ainda a polêmica sobre o pagamento por produção e as mortes por excesso de trabalho. In: BISON, N.; PEREIRA, J.C.A. (org.). Agrocombustíveis, solução? A vida por um fio no eito dos canaviais. São Paulo: CCJ, 2008a. , p. 14):

Na maior parte dos pagamentos por produção, os trabalhadores trabalham por ‘peça’ produzida, e estas têm o seu valor fixado antes da realização do trabalho. O valor da cana cortada só é conhecido pelos trabalhadores depois que o trabalho é realizado, e ainda depende de uma conversão de valores que é realizada à revelia dos trabalhadores. Na cana, os trabalhadores são remunerados por metro de cana cortada, mas só está previamente fixado o valor da tonelada de cana cortada.

Apesar da reinvindicação dos trabalhadores23 23 Nas greves deflagradas em 1986, em Araras, no estado de São Paulo, e posteriormente em todo o país (ALVES, 2007). pelo pagamento de cana cortada em metros lineares e não por toneladas, esta não tem sido atendida pelos usineiros; segundo estes, “é impossível adotar o pagamento por metro, porque a unidade de medida em todas as etapas do processo produtivo é a tonelada de cana” (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 36). Entretanto, o que se tem de fato é que estes perderiam o controle no processo de produção. Caso um trabalhador ganhasse por metros lineares, ele poderia estabelecer “metas de produção a partir de suas necessidades”. Um trabalhador poderia assim interromper o seu trabalho antes do fim do mês, caso atingisse um quantum de rendimento e produção suficiente para suas necessidades de reprodução, segundo o seu julgamento. Se assim fosse, “as usinas subordinariam a sua lógica de produção à lógica de reprodução dos trabalhadores” (ALVES, 2007, p. 36).

Sem dúvidas, o atendimento das reivindicações dos trabalhadores tornaria o cálculo24 24 Cf. “[...] o cálculo econômico, antes mesmo de ser reconhecido pela teoria econômica, é fundamento das decisões dos agentes econômicos do capitalismo, a burguesia, no caso” (OLIVEIRA, 2007, p. 23). da produção do trabalho mais simplificado, “na medida em que exigiria do trabalhador o domínio apenas de duas operações matemáticas (multiplicação e soma)25 25 Ib. Ibid. ”. Assim, “a fixação do valor do metro, no lugar do valor da tonelada, acabaria com o roubo no pagamento dos cortadores de cana” (ALVES, 2008bALVES, F. Processo de trabalho e danos à saúde dos cortadores de cana. Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, São Paulo, v. 3, n. 2, abr./ago. 2008b. Disponível em: www.interfacehs.sp.senac.br. Acesso em: 20 set. 2016.
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, p. 16).

A cana cortada por cada indivíduo é reservada e pesada em local separado, sem a presença do trabalhador. A produtividade do trabalho é medida pelo peso da cana cortada, o qual é aferido pelas usinas. É comum a queixa por parte dos trabalhadores sobre medições imprecisas de sua produtividade. Segundo o DIEESE, “os erros ou fraudes na medição rebaixam 21% da remuneração dos cortadores de cana”26 26 Palestra realizada pelo professor Paulo José Adissi, pesquisador da UFPB, no Encontro dos Trabalhadores Canavieiros da Região Sudeste, em São Carlos, SP, de 26 a 28 de outubro de 2005. (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2007). . (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2007, p. 19).

Alves (2006ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 90-98, set./dez. 2006., p. 93) esclarece:

Adam Smith e Karl Marx criticavam essa forma de pagamento, chamando-a de perversa e desumana, analisando apenas as formas de pagamento por produção em situações em que os trabalhadores controlavam seu processo de trabalho e tinham, ao final do dia, pleno conhecimento do quanto tinham auferido em salário, pois multiplicavam a quantidade produzida pelo valor da unidade. [...] Os cortadores de cana sabem apenas quantos metros de cana cortaram em um dia, mas não sabem o valor do metro de cana cortado. Esse desconhecimento é decorrente do metro linear de cana não ter um valor fixado previamente. O valor do metro só é fixado depois que a cana foi pesada; portanto, embora um metro seja igual a um metro, o valor do metro de cana é diferente do valor de outro metro de cana, na medida em que seus pesos são diferentes. O valor do metro de cana para cada talhão é atribuído pela usina depois que a cana é pesada em suas balanças, localizadas distantes do eito. [...] O peso da cana varia em função da qualidade da cana naquele espaço, e a qualidade da cana naquele espaço depende, por sua vez, de uma série de variáveis (variedade da cana, fertilidade do solo, sombreamento etc.). Nas usinas, onde estão localizadas as balanças, é feita a conversão do valor da tonelada para o valor do metro. Como é feito nas usinas, pelo seu departamento técnico, esse cálculo não tem o controle do trabalhador; portanto, entre aquelas situações de trabalho analisadas pelos dois pensadores, nos séculos XVIII e XIX, e as praticadas no corte de cana, no século XXI, há uma enorme distância. [...] Hoje, os trabalhadores não controlam nem a medida do seu trabalho, nem o valor do seu trabalho. [...] Desta forma, fica claro que o pagamento por produção é uma forma de pagamento arcaica, perversa e desgastante. No caso da cana é mais perverso ainda, pois o ganho não depende apenas dos trabalhadores, mas de uma conversão feita pelo departamento técnico das usinas.

A conversão do valor do trabalho de tonelada de cana em metros funciona, na verdade, como uma isca para o trabalhador, uma vez que este, por não saber o valor diário do quanto cortou de cana, lança-se a cortar mais nos dias seguintes. Apesar de os acordos coletivos definirem o valor do metro de cana cortado, segundo os vários tipos de cana - de primeiro corte, segundo e demais, cana de 18 meses, cana queimada, cana caída e enrolada -, este só é definido mediante a conversão em toneladas.

Esta conversão é definida pelas usinas segundo uma operação descrita a seguir por Alves (2008aALVES, F. Trabalho e trabalhadores no corte de cana: ainda a polêmica sobre o pagamento por produção e as mortes por excesso de trabalho. In: BISON, N.; PEREIRA, J.C.A. (org.). Agrocombustíveis, solução? A vida por um fio no eito dos canaviais. São Paulo: CCJ, 2008a. , p. 17-18):

  • a) o campeão (caminhão) deveria chegar ao talhão a ser pesado bem cedo, logo no início do corte;

  • b) uma comissão formada por trabalhadores e representantes das usinas deveria escolher três pontos do talhão a serem amostrados, isto é, a cana desses três pontos representaria todas as canas do talhão;

  • c) o campeão seria carregado com quantidades iguais de cana dos três pontos e seria observada a quantidade de metros necessária para encher o caminhão;

  • d) a comissão acompanharia o caminhão até a balança e verificaria a pesagem do caminhão;

  • e) a comissão faria os cálculos para a conversão: (a) divisão do peso do caminhão, medido em toneladas, pelos metros de cana apurados no enchimento do caminhão, obtendo-se desta divisão a quantidade de quilos de cana existentes em cada metro; (b) divisão do valor da tonelada por mil, obtendose o valor do quilo; (c) multiplicação do valor do quilo pela quantidade de quilos de cada metro, obtendo-se assim o valor do metro de cana;

  • f) os membros da comissão voltariam ao talhão e comunicariam ao encarregado da turma (feitor) o valor do metro daquele talhão, e este o comunicaria a todos os trabalhadores do talhão;

  • g) Ao final do dia seria medida em metros a produção de todos os trabalhadores, e cada um deles receberia um recibo contendo a quantidade de metros cortada, o valor do metro e o ganho obtido no dia.

As condições sociais e políticas para um sistema de acompanhamento do trabalhador nas pesagens dentro das usinas não se tornou viável até então, mesmo existindo esse sistema desde 1986. O acompanhamento do trabalhador nas várias etapas - amostragem da cana, pesagem, entre outras - leva o trabalhador fiscal a perder meio dia de trabalho. Como este trabalha por produção, a “fiscalização” da pesagem dificilmente se efetiva. Além do mais, “aqueles que se dispõem a participar se sentem marcados pelos gatos, fiscais e encarregados, e temem perder seus empregos” (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 38). Desse modo, a conversão de toneladas em metros torna-se um processo realizado exclusivamente pelas usinas.

Sobre essa realidade no estado de Alagoas

A Comissão da Pastoral da Terra (CPT) encontrou várias irregularidades na usina Santa Clotilde, localizada na cidade de Rio Largo, após a deflagração da força-tarefa pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho. Os trabalhadores denunciaram que não houve tantas mudanças depois do trabalho da força-tarefa. Muitos estão sem luva e sem o amolador de foice. A pesagem da cana-de-açúcar continua sendo feita sem a presença dos trabalhadores. O cortador de cana Cícero Silva aponta que cada trabalhador retira 30 braços de cana. Para eles, de cinco a seis braços corresponde a uma tonelada. Os fiscais apenas olham para a quantidade de cana amontoada, e não fazem a medição; registram o suposto número. José da Silva e os colegas confirmaram que não conferem o que o fiscal marcou. A maioria dos cortadores de cana só possui o primeiro grau incompleto. Muitos nem sabem ler. Eles confessaram que só trabalham no corte da cana porque precisam. “Isso não é vida para ninguém” (CALADO, 2008CALADO, J. CPT encontra irregularidade na Usina Santa Clotilde. Comissão Pastoral da Terra, Alagoas, 23 jul. 2008. Disponível em: http://cptalagoas.blogspot.com.br/2008/07/cpt-encontra-irregularidades-na-usina.html. Acesso em: 20 set. 2016.
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, p. 1, grifo nosso).

Apesar de a situação acima descrita ser extremamente favorecedora à fraude, já que a medição da cana cortada é medida no olho e sem utilização de qualquer instrumento, mesmo nas situações em que a mensuração do metro cortado em campo é realizada por instrumentos há queixas de fraude e roubo por parte das usinas. Isso porque, antes da transformação da tonelada em metros, é preciso medir o metro cortado por cada trabalhador, ou seja, mesurar a área cortada em campo. Enquanto no Sudeste essa medição dos metros cortados no campo é dada pelo uso do compasso27 27 O compasso é considerado um instrumento mais preciso do que a vara porque ele deixa uma marca no chão. , no Nordeste usa-se a vara.

Segundo Verçoza (2012VERÇOZA, L. V. de. Trabalhadores nos canaviais de Alagoas: um estudo sobre as condições de trabalho e resistência. 2012. Dissertação (Mestrado) “ Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012., p. 66), “a vara é o instrumento utilizado por usinas de alguns estados do Nordeste para medir a metragem das canas cortadas”, principalmente em Alagoas, hoje o principal produtor nordestino de cana. A vara amplia a possibilidade de fraudes; “no pulo da vara o usineiro dá mais um pulo do gato, pois pode subtrair metros que foram efetivamente cortados” (Ib. Ibid.). O Encontro dos Trabalhadores Canavieiros da Região Nordeste (2005, p. 10) apresentou essa questão no seu relatório final:

Os sistemas oficiais de unidades de medidas não são utilizados nas lavouras canavieiras nordestinas, e, como ocorre nas demais regiões canavieiras do país, os instrumentos de medidas também não são oficiais, não podendo, portanto, estar sujeitos a aferições dos órgãos oficiais. A unidade de comprimento utilizada é a braça, equivalente a 2,20 m, e o instrumento é a vara. [...] Os roubos ocorrem pela imprecisão do protocolo de medida praticado com a vara, que prevê um salto que exige experiência e precisão do trabalhador responsável, chamado de cabo de turma. No entanto, como as variações ocorridas são, na grande maioria das vezes, contrárias aos trabalhadores, pode-se afirmar que as medições são fraudulentas.

O salário por produção “tem permitido às empresas do setor aumentar a produtividade sem aumentar a remuneração dos trabalhadores” (PORTELLA, 2013PORTELLA, C. Salário vinculado ao volume de cana cortada eleva exploração do cortador. Carta Maior, 10 out. 2013. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Salario-vinculado-ao-volume-de-cana-cortada-eleva-exploracao-do-cortador/7/29385. Acesso em: 20 set. 2016.
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/...
, p. 1). Como a produtividade do trabalho é no momento atual, para esses grupos de trabalhadores, mais do que nunca um fator de suma importância para se manterem no emprego, mortes e adoecimentos para o cumprimento de metas com a cana cortada não são situações tão incomuns nesse universo de trabalhadores.

Segundo matéria do jornal Primeira Página, de São Carlos (SP), divulgada em 5 de setembro de 2009:

Um trabalhador da usina Zanin de Araraquara/SP morreu enquanto cortava cana, supostamente por excesso de esforço, no dia 29 de junho de 2009. Segundo denúncias encaminhadas à Pastoral dos Migrantes, sediada em Guariba, desde 2004 ocorreram 23 mortes, supostamente por excesso de esforço nos canaviais paulistas (JORNAL PRIMEIRA PÁGINA, 2009 apud SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 372).

Alves (2008aALVES, F. Trabalho e trabalhadores no corte de cana: ainda a polêmica sobre o pagamento por produção e as mortes por excesso de trabalho. In: BISON, N.; PEREIRA, J.C.A. (org.). Agrocombustíveis, solução? A vida por um fio no eito dos canaviais. São Paulo: CCJ, 2008a. , p. 12) chama atenção para o difícil estabelecimento do nexo causal exigido pelas usinas na atribuição das mortes por excesso de trabalho entre os cortadores de cana, isso porque “os atestados de óbito desses trabalhadores são vagos, e também porque o excesso de trabalho não deixa marcas visíveis externamente (como um trauma), nem internamente, como uma causa química (envenenamento, por exemplo)”.

Conforme Aparecida Moraes Silva (2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 377), o trabalho por produção foi “responsável pelas 23 mortes nas usinas do Estado de São Paulo, supostamente por exaustão, ocorridas no período de 2004 a 2009”. Segundo essa autora, além das mortes, tem-se também mais de 400 trabalhadores registrados pelo INSS “com ‘incapacidade permanente’, no período de 1999 a 2006, no Estado de São Paulo” (SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 377). E ainda:

no período de 2002 a 2006, foram concedidos 32.208 auxílios-doença previdenciários, 216 aposentadorias por invalidez, 7.028 auxílios-doença acidentários, sete aposentadorias por invalidez acidentária, 38 pensões por mortes acidentárias e 15 auxílios-acidente. Os casos notificados foram: dorsalgia (12%); fratura no nível do punho e da mão (4%); sinovite e tenossinovite (4%); outros transtornos de discos intervertebrais (3%); ferimento do punho e da mão (3%); hérnia inguinal (2%); luxação, entorse e distensão das articulações e dos ligamentos do joelho (2%); fratura da perna, incluindo tornozelo (2%); hipertensão essencial (primária) (2%); fratura do antebraço (2%); outras categorias (64%). (SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. , p. 377).

Essa realidade de adoecimento e mortes reflete a realidade de superexploração vivida nesse ramo de atividade, já que este setor num país dependente como o Brasil, possui as condições de trabalho como garantidoras de altos níveis de produtividade (SILVA, 2013SILVA, M. A. M. “Sabe o que é ficar borrado no eito da cana?” Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 359-391, 2013. ), o que corrobora para a manutenção do país como competitivo no mercado de açúcar e etanol28 28 O Brasil possui a produção mais barata de açúcar e álcool do mundo. . As usinas, entretanto, não admitem explicitamente que sua maior produtividade e a fonte de lucro hoje advenham da superexploração da força de trabalho, e não do investimento em capital.

É comum nos complexos agroindustriais o estímulo de prêmios para os campeões de produtividade, como cestas básicas, celulares, entre outros, “como o caso de uma delas, onde o trabalhador que atingir 27 ton./ semana ganha uma gratificação de 3%” (ENCONTRO DOS TRABALHADORES CANAVIEIROS DA REGIÃO NORDESTE, 2005, p. 10). Tem-se o depoimento de um trabalhador nordestino transcrito do Encontro dos Trabalhadores Canavieiros da Região Nordeste (2005, p. 11): “após cortar 22 toneladas de cana por dia, desmaiei e fui para o hospital, onde passei o dia tomando soro para me recuperar”.

Diante da realidade do processo de trabalho canavieiro hoje, e das condições de trabalho assinaladas, é possível dizer que o “avanço tecnológico stricto sensu”, nos complexos agroindustriais, não se apresenta como o maior responsável pelas novas exigências para o trabalho nessa atividade, mas a “necessidade de maior produtividade do trabalho, que, por sua vez, requer maior dispêndio de energia física, com salários historicamente rebaixados” (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 44).

A intensidade do trabalho no eito da cana revela que o processo de valorização do capital por meio de novos arranjos no trabalho, como a mecanização da colheita da cana, apresenta-se como prejuízo para o trabalhador, pois significa tanto a “perda do emprego [como] até a precarização das condições de trabalho, já que a cana que sobra para os cortadores no talhão é a pior cana para se cortar, o que, além de exigir maior esforço e desgaste físico de seu corpo, diminui consideravelmente a sua produção” (SANTOS, 2013SANTOS, A. P. O Moinho satânico do agronegócio canavieiro no Brasil: Dependência e Superexploração do trabalho na região de Ribeirão Preto - SP. 2013. Tese (Doutorado) “Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2013., p. 206).

Sobre a seleção para o trabalho do corte da cana, como bem indica Alves (2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. ), essa é cada vez mais apurada, “a depender da disponibilidade de material humano existente. O processo de seleção dos trabalhadores é feito de acordo com a sua ficha de trabalho na própria usina, onde consta a sua produtividade”. A preferência das usinas é por trabalhadores “mais jovens (fortes, pacatos, educados, cordatos e mais necessitados) (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 40)”. É entre os migrantes que as usinas têm encontrado trabalhadores mais adequados para o trabalho.

A grande disponibilidade de indivíduos para o quadro de vagas ofertadas nos complexos agroindustriais tem proporcionado cada vez mais trabalhadores acostumados a realizar tarefas repetitivas, cansativas e de grande dispêndio de energia. “Trabalhadores com tais características não são encontrados nas cidades do interior paulista”, chama atenção Alves (2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 44). Isso porque a pequena produção familiar em muitas regiões de São Paulo é reduzida, não sendo comum a introdução de jovens ou crianças nos tratos agrícolas ou em outra atividade de cunho mais penoso.

No Nordeste, ao contrário, crianças e jovens encontram-se engajadas nas atividades agrícolas familiares desde cedo, na chamada agricultura de toco; trata-se de crianças e jovens “criados segundo as tradições da pequena produção familiar”; estão, “desde muito jovens aptos ao duro trabalho agrícola, ao passo que os jovens das regiões canavieiras apenas se defrontam com o trabalho duro sob o sol quando completam 18 anos” (ALVES, 2007ALVES, F. Migração de Trabalhadores Rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: Será esse um fenômeno casual ou recorrente da estratégica empresarial do Complexo Agroindustrial Canavieiro? In: NOVAES, J. R.; ALVES, F. (org.). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p. 87-117. , p. 45). Por isso, esses trabalhadores do Nordeste, migrantes, encontram-se mais “adaptados às novas exigências de corte de cana, em termos de produtividade, dispêndio de energia e baixa remuneração” (Ib. Ibid.).

Em recente estudo sobre a realidade de Alagoas, Verçoza (2016VERÇOZA, L. V. de. Os saltos do “canguru” nos canaviais alagoanos: Um estudo sobre trabalho e saúde. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de São Carlos, 2016.)29 29 O autor desenvolveu pesquisa em parceria com áreas do conhecimento ligadas a saúde: médicos cardiologistas, Fisioterapeutas e Educadores físicos, entre outros profissionais, fizeram parte da pesquisa. trouxe evidências significativas de que o trabalho do corte da cana pode gerar mortes. Segundo o autor, no corte da cana em Alagoas alguns trabalhadores ultrapassaram o limite de carga cardiovascular em níveis

extremos, atingindo “elevadíssimos índices de frequência cardíaca máxima” (VERÇOZA, 2016VERÇOZA, L. V. de. Os saltos do “canguru” nos canaviais alagoanos: Um estudo sobre trabalho e saúde. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de São Carlos, 2016., p. 150). Trabalhadores considerados de excelente saúde cardíaca chegaram a ultrapassar o limite da frequência cardíaca máxima teórica, “chegando, respectivamente, a picos críticos de 187 e 200 batimentos por minutos30 30 Segundo avaliação da pesquisa de Verçoza, o limite máximo teórico de batimentos do trabalhador que atingiu 200 bpm deveria ser de 194 bpm, já o trabalhador que atingiu o pico máximo de 187 bpm ultrapassou o seu máximo teórico, que é de 184 bpm. A medição da carga cardiovascular do trabalho foi realizada pelo acompanhamento da frequência cardíaca ao longo da jornada laboral. “Os dados foram levantados mediante o uso do monitor de frequência cardíaca, modelo Polar RC3 GPS, que foi ativado minutos antes de os trabalhadores entrarem no ônibus que os leva ao eito; no fim da jornada laboral, o monitor era desligado”. (VERÇOZA, 2016, p. 150). ” no momento em que cortavam cana. A ultrapassagem do limite cardíaco máximo teórico coloca em risco de morte os indivíduos, pois “nenhuma atividade física deverá ultrapassar esse limite crítico, com risco imediato de sérias complicações à saúde” (DOMINGUES FILHO, 1993 apud LAAT, 2008LAAT, E. F. de. Trabalho e risco no corte manual de cana-de-açúcar: a maratona perigosa nos canaviais. In: SEMINÁRIO CONDIÇÕES DE TRABALHO NO PLANTIO E CORTE DE CANA, 2008, Campinas, Anais [...]. Campinas, SP: Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, 2008., p. 155).

E ainda:

O monitoramento da frequência cardíaca dos cortadores de cana ao longo da jornada de trabalho (que dura em média 11 horas!), revelou a superação do limite de risco de carga cardiovascular estabelecido pela literatura (RODEGERS, 1986 e LAMBERS, et al., 1994), indicando que esse dispêndio de energia extremo (atingindo média de 36,68% de CCV!) acarreta desgaste prematuro das energias “físicas e espirituais” do trabalhador. Esse altíssimo nível de esforço, realizado em calor inimaginável e com movimentos repetitivos em posições flexionadas, resulta em gasto calórico médio diário de 3.517,95 kcal, ingestão de 8,9 litros de água e fortes dores no corpo e na alma (mais de 80% dos trabalhadores avaliados convivem com dores na coluna e nos punhos!) (LAAT, 2008LAAT, E. F. de. Trabalho e risco no corte manual de cana-de-açúcar: a maratona perigosa nos canaviais. In: SEMINÁRIO CONDIÇÕES DE TRABALHO NO PLANTIO E CORTE DE CANA, 2008, Campinas, Anais [...]. Campinas, SP: Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, 2008., p. 167).

O estudo apresentado acima evidencia o alto grau de superexploração vivido pelos indivíduos que se lançam a cortar cana, seja no Nordeste ou em qualquer outra região brasileira. Ademais, atesta o nexo causal entre o trabalho de cortar cana e as mortes e adoecimentos nos canaviais brasileiros31 31 Isso porque o nexo causal exigido pelas usinas na atribuição das mortes por excesso de trabalho entre os cortadores de cana é de difícil definição. .

Além dos aspectos cardíacos que o trabalho no corte da cana provoca, essa atividade também pode contribuir para a morte súbita, provocada por um quadro de câimbras por todo o corpo, no qual a vítima apresenta braços encolhidos junto ao tronco, em uma posição semelhante à de um animal. Em Alagoas, esse quadro de câimbras é conhecido entre os trabalhadores como canguru; no Sudeste, esses mesmos sintomas recebem o nome de birôla. Para a medicina, as câimbras por todo o corpo decorrem de um distúrbio hidroeletrolítico, o qual se relaciona ao quadro de desidratação que a atividade de cortar cana provoca. A “perda de eletrólitos e de sais minerais provocada pela alta intensidade do trabalho e pela longa jornada laboral sob o sol escaldante”, se não tratada de imediato, “em alguns casos, pode levar à morte súbita” (CUNHA, 2016CUNHA, T. Pesquisa da UFSCar traça perfil dos cortadores de cana-de-açúcar. G1 Globo, São Carlos, 21 out. 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2016/10/pesquisa-da-ufscar-traca-perfil-dos-cortadores-de-cana-de-acucar.html. Acesso em: 20 set. 2019.
http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao...
, p. 1). Apesar de tais doenças serem parte da vivência dos trabalhadores nos canaviais brasileiros, essa é uma realidade “praticamente desconhecida fora dos eitos, e esse ocultamento contribui para que continue existindo” (CUNHA, 2016, p. 1).

Verçoza (2016VERÇOZA, L. V. de. Os saltos do “canguru” nos canaviais alagoanos: Um estudo sobre trabalho e saúde. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de São Carlos, 2016.) discorre sobre o canguru em Alagoas:

Entrevistamos um trabalhador que estava há dois anos afastado do serviço. Na infância ele foi morador de usina, e com 14 anos de idade assumiu pela primeira vez o eito sozinho. Já adulto, chegava a cortar até 15 toneladas de cana em um dia. Desmaiou duas vezes em decorrência “do canguru”. “É a mesma coisa de você estar morrendo. Você revira os olhos e não consegue falar”. Nos últimos anos da sua vida laboral, sentia dores insuportáveis na coluna e no ombro. Recorria à automedicação para prosseguir no trabalho. Atualmente ele se encontra com 48 anos de ida; tem dias que não consegue levantar nem sequer uma colher. A cada cinco meses, vai ao INSS de São Miguel dos Campos levando novos exames (pagos por ele na rede particular) para renovar o benefício junto à Perícia Médica. No fim da entrevista, perguntei-lhe: Qual o sonho que o senhor gostaria de realizar? “Rapaz, eu não tenho mais nenhum. Não tenho mais nada para realizar; é só esperar a hora de morrer mesmo”. (VERÇOZA, 2016VERÇOZA, L. V. de. Os saltos do “canguru” nos canaviais alagoanos: Um estudo sobre trabalho e saúde. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de São Carlos, 2016., p. 146, grifo do autor).

O relato acima explicita a superexploração vivida no corte da cana; indivíduos estão se tornando inválidos para o trabalho na agricultura em plena idade ativa, devido ao alto grau de esforço despendido com a atividade de cortar cana. Seja através do aniquilamento da própria vida, seja pelo aniquilamento dos sonhos, a cana tem moído gente e espalhado os bagaços. No caso de Alagoas, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2013), no ano de 2012, cinco mortes por acidente de trabalho no território das usinas de Alagoas foram registradas pelo órgão. Além disso, no que concerne apenas “aos acidentes de trabalho”, 59% dos registros em Alagoas correspondiam à agroindústria canavieira; em números absolutos, 3.334 acidentes de trabalho em 2012. Desses casos, 2.190 (65%) se deram com trabalhadores que desenvolviam tarefas do cultivo ou colheita da cana. Há, ainda, nesse cenário, a subnotificação de acidentes de trabalho, a indicar que a realidade de acidentes no corte da cana certamente é maior.

Considerações Finais

Ao desvelar o processo de trabalho do corte da cana percebe-se que o mesmo é eivado por aspectos de superexploração, os quais se evidenciam pelo desgaste da força físico-psíquica dos trabalhadores nessa atividade.

No setor sucroalcooleiro brasileiro, percebe-se que o adoecimento e as mortes nos canaviais possuem estreita relação com as práticas flexíveis de trabalho, via terceirização da mão de obra e salário por produção. Na verdade, os trabalhadores desse setor, na sua maioria, são migrantes que se autoexploram, já que o salário por produção atua sobre eles como requisito tanto para remuneração como para que se mantenham no trabalho. A concorrência entre os próprios trabalhadores para atingir a média diária de cana cortada - de 10 a 12 toneladas - tem desgastado a vida de homens e mulheres e os colocado em situações de adoecimento e morte prematura.

As condições de precarização do trabalho no setor canavieiro, portanto, aliam-se diretamente à degradação da saúde do trabalhador. O que evidencia que não apenas estamos diante da precarização do trabalho, no sentido de precarização da força de trabalho enquanto mercadoria, mas também a própria precarização do homem que trabalha32 32 “Ao usar a expressão ‘homem que trabalha’, Lukács salienta a cisão histórico-ontológica que constitui as individualidades pessoais de classe. No capitalismo, o trabalhador assalariado é, por um lado, força de trabalho como mercadoria; e, por outro lado, ser humano genérico (na perspectiva ontológica, é um animal que se fez homem através do trabalho)” (ALVES, 2011, p. 58). , no sentido de corrosão do ser humano como ser genérico. Além do que, as diversas formas de trabalho precário e o uso de mecanismos de recrutamento da força de trabalho como a terceirização, por meio dos gatos, atuam para a própria expansão e acumulação do capital na agroindústria canavieira.

Agradecimentos

O presente trabalho foi desenvolvido no processo de doutoramento e, nesse sentido, reconhece inúmeras contribuições na sua realização. Assim, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro pelo acolhimento. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida durante o período de 6 (seis) meses de doutoramento no estado do Rio de Janeiro. À Comissão Pastoral da Terra, na pessoa de seu coordenador em Alagoas Carlos Lima, pelas informações valiosas disponibilizadas. E ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) do estado de Pernambuco por possibilitar o acesso a relatórios e dados de natureza secundária sobre o estado de Alagoas.

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Notas

  • 1
    Relatórios do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
  • 2
    O termo karoshi é utilizado no Japão para definir morte por excesso de trabalho; KARO significa excesso de trabalho e SHI, morte. O karoshi é descrito na literatura sociomédica como um quadro clínico extremo (ligado ao estresse ocupacional) com morte súbita por patologia coronária isquêmica ou cerebrovascular (CARREIRO, 2007). Birôla é uma espécie de cãibra, contrações espasmódicas e dolorosas dos músculos. Conhecida como doença ocupacional oriunda da atividade do corte da cana (PLANCHEREL; QUEIROZ; SANTOS, 2011).
  • 3
    Denominação utilizada entre os trabalhadores do Nordeste para a doença birôla.
  • 4
    Como evidenciado pelo trabalho de Plancherel, Queiroz e Santos (2011), intitulado de O canguru no universo canavieiro alagoano: saúde e precarização do trabalho na agroindústria açucareira.
  • 5
    A superexploração é uma categoria teórica, entendida como uma particularidade da exploração no capitalismo dependente (MARINI, 2000).
  • 6
    A parte inferior da cana é onde encontra-se a maior quantidade de sacarose.
  • 7
    Cf. “Trata-se de um retângulo de cana com área variável, porque o comprimento é verificado, ao final do dia, quando o trabalho é concluído. É o comprimento do eito que será o indicador do ganho diário de cada trabalhador. Portanto, o que receberá pelo dia de trabalho é o comprimento do eito, medido em metros lineares e multiplicado pelo valor do metro” (ALVES, 2007, p. 30).
  • 8
    Esta foi uma das conquistas da greve de Guariba em 1984: o rebaixamento do eito paulista para cinco ruas. Ver mais a esse respeito em Francisco Alves (1991).
  • 9
    Ainda na primeira metade do século XX o estado alagoano se tornou o maior produtor de açúcar no Nordeste e o segundo no país (SILVA CRUZ, 2017).
  • 10
    Em São Paulo, a cana encontra-se em terreno plano, o que facilita o corte e a mecanização da lavoura.
  • 11
    O trabalho no corte da cana, apesar de ser um trabalho individual, apresenta também uma natureza coletiva, como chamou atenção Iamamoto (2006), já que o trabalho social médio, individual, é parte contínua do trabalho coletivo agroindustrial, enquanto operação total. Segundo Santos (2013, p. 199), “este tipo de trabalho se desenvolve a partir da reunião de grande quantidade de trabalhadores ao mesmo tempo e no mesmo espaço de trabalho (canavial), que atuam de forma organizada, no mesmo processo de produção (agroindustrial), voltado para a produção do mesmo tipo de mercadoria (açúcar e álcool), sob o comando do mesmo capital”.
  • 12
    Segundo Novaes (2007b), esse instrumento chegou nos canaviais paulistas por meio de migrantes nordestinos.
  • 13
    Em algumas regiões do Nordeste, o carregamento ainda é animal. (ENCONTRO DOS TRABALHADORES CANAVIEIROS DA REGIÃO NORDESTE, 2005).
  • 14
    Divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT/AL) (CALADO, 2008).
  • 15
    Além dos prejuízos à saúde dos indivíduos, a queima da cana é uma prática bastante danosa ao meio ambiente. Para saber mais a esse respeito, consultar Santos (2013).
  • 16
    Um estudo francês revela que a elevação da concentração de micropartículas (PM10) em 10 microgramas por metro cúbico pode elevar a mortalidade em 0,51% nos próximos cinco dias, após a inalação dessas micropartículas. (CONTAMINACIÓN..., 2015).
  • 17
    “Um decreto federal de julho de 1998 determinou a eliminação total até 2021 do uso de queimadas nas colheitas de cana-de-açúcar em todo o território nacional. A proibição é gradativa e começou a ser colocada em prática em áreas passíveis de mecanização da colheita em terrenos onde a declividade não ultrapasse 12%. O decreto prevê para até 2031 que áreas de difícil mecanização também sejam incluídas na proibição” (PIATTO; COSTA JUNIOR, 2016).
  • 18
    Segundo Silva (2013), a área plantada da cana no estado de São Paulo passou de 1987 para 2008 de 4,35 milhões de hectares para 8,92 milhões, ou seja, o dobro da área em um período de aproximadamente 20 anos.
  • 19
    Alves (2006) faz referência à expansão para o cerrado (sul do Piauí) e para região pré-amazônica maranhense.
  • 20
    Os acordos para o fim da queima da cana têm sido apontados por estudiosos do setor como um dos fatores responsáveis para a intensificação da mecanização na colheita da cana-de-açúcar. Tal mecanização, além de acelerar o trabalho manual, combinado nesse processo com a própria mecanização, tem reduzido postos de trabalho.
  • 21
    O trabalho na entressafra da cana nem sempre ocorre, uma vez que a quantidade de trabalhadores requeridos para o trabalho nos complexos agroindustriais é bem inferior à do período de safra. Já se o trabalhador se deslocar para uma região não produtora de cana, a agricultura de subsistência torna-se, muitas vezes, sua única possibilidade de remuneração monetária. Sabe-se que esta atividade, demanda uma série de outros fatores, como o clima e o próprio acesso à terra.
  • 22
    O peso da tonelada da cana é dado por uma série de fatores: variedade da cana, fertilidade do solo, sombreamento etc. (ALVES, 2006).
  • 23
    Nas greves deflagradas em 1986, em Araras, no estado de São Paulo, e posteriormente em todo o país (ALVES, 2007).
  • 24
    Cf. “[...] o cálculo econômico, antes mesmo de ser reconhecido pela teoria econômica, é fundamento das decisões dos agentes econômicos do capitalismo, a burguesia, no caso” (OLIVEIRA, 2007, p. 23).
  • 25
    Ib. Ibid.
  • 26
    Palestra realizada pelo professor Paulo José Adissi, pesquisador da UFPB, no Encontro dos Trabalhadores Canavieiros da Região Sudeste, em São Carlos, SP, de 26 a 28 de outubro de 2005. (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2007).
  • 27
    O compasso é considerado um instrumento mais preciso do que a vara porque ele deixa uma marca no chão.
  • 28
    O Brasil possui a produção mais barata de açúcar e álcool do mundo.
  • 29
    O autor desenvolveu pesquisa em parceria com áreas do conhecimento ligadas a saúde: médicos cardiologistas, Fisioterapeutas e Educadores físicos, entre outros profissionais, fizeram parte da pesquisa.
  • 30
    Segundo avaliação da pesquisa de Verçoza, o limite máximo teórico de batimentos do trabalhador que atingiu 200 bpm deveria ser de 194 bpm, já o trabalhador que atingiu o pico máximo de 187 bpm ultrapassou o seu máximo teórico, que é de 184 bpm. A medição da carga cardiovascular do trabalho foi realizada pelo acompanhamento da frequência cardíaca ao longo da jornada laboral. “Os dados foram levantados mediante o uso do monitor de frequência cardíaca, modelo Polar RC3 GPS, que foi ativado minutos antes de os trabalhadores entrarem no ônibus que os leva ao eito; no fim da jornada laboral, o monitor era desligado”. (VERÇOZA, 2016, p. 150).
  • 31
    Isso porque o nexo causal exigido pelas usinas na atribuição das mortes por excesso de trabalho entre os cortadores de cana é de difícil definição.
  • 32
    “Ao usar a expressão ‘homem que trabalha’, Lukács salienta a cisão histórico-ontológica que constitui as individualidades pessoais de classe. No capitalismo, o trabalhador assalariado é, por um lado, força de trabalho como mercadoria; e, por outro lado, ser humano genérico (na perspectiva ontológica, é um animal que se fez homem através do trabalho)” (ALVES, 2011, p. 58).
  • Agência financiadora

    Não se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação

    Não se aplica.
  • Consentimento para publicação

    Consentimento da autora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2020
  • Aceito
    10 Jun 2020
  • Revisado
    26 Jul 2020
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