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É correto pensar a sustentabilidade em níval local? Uma análise metodológica de um estudo de caso em uma Área de Proteção Ambiental no litoral sul do Brasil

Is it right to consider sustainability at local level? A methodological analysis of a case study in an Environmentally Protected Area in Brazil's southern littoral

Resumos

O artigo aqui apresentado discute a relação entre a sustentabilidade ecológica e a sustentabilidade social. Um extenso trabalho de campo na Área de Proteção Ambiental (APA), no município de Guaraqueçaba, litoral do Estado do Paraná, Brasil, durante os anos de 1999 a 2001 permitiu chegar às seguintes conclusões: a) Na inter-relação entre aspectos ecológicos e sociais, o social determina o ecológico. Dito de outra forma, a sustentabilidade ecológica é uma variável dependente da sustentabilidade social; b) As condições naturais impõem restrições mais ou menos importantes à viabilidade econômica e à sustentabilidade social; e c) A questão da sustentabilidade social não pode, nem deve, ser analisada desconsiderando os níveis dos subsistemas dentro do sistema maior

sustentabilidade social; sustentabilidade ecologica; Área de Proteção Ambiental (APA)


This article discusses the relationship between ecological and social sustainability. A large field work was done in the Environmentally Protected Area (Área de Proteção Ambiental -APA) of the municipality of Guaraqueçaba, on the littoral of the State of Paraná, in Brazil, during 1999 to 2001. The research allows us to reach the following conclusions: a) In the interrelation between ecological and social elements, the social aspect determines the ecological aspect. In other words, ecological sustainability is a variable dependent on social sustainability; b) Natural conditions impose relatively important restrictions to economic viability and social sustainability, and; c) Social sustainability cannot be analyzed disregarding the levels of the subsystems contained in the larger system.

social sustainability; ecological sustainability; Environmentally Protected Area (APA)


ARTIGO/ARTICLES

É correto pensar a sustentabilidade em níval local? Uma análise metodológica de um estudo de caso em uma Área de Proteção Ambiental no litoral sul do Brasil

Is it right to consider sustainability at local level? A methodological analysis of a case study in an Environmentally Protected Area in Brazil's southern littoral

Aníbal RodriguesI; Humberto TommasinoII; Guillermo FoladoriIII; Anderson GregorczukIV

IPesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR). Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná, Brasil

IIProfessor de Extensão da Faculdade de Veterinária, Universidad de la República, Uruguay. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná, Brasil

IIIProfessor Visitante do Curso de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná, Brasil

IVGeógrafo, Mestrando em Engenharia Florestal na Universidade Federal do Paraná

RESUMO

O artigo aqui apresentado discute a relação entre a sustentabilidade ecológica e a sustentabilidade social. Um extenso trabalho de campo na Área de Proteção Ambiental (APA), no município de Guaraqueçaba, litoral do Estado do Paraná, Brasil, durante os anos de 1999 a 2001 permitiu chegar às seguintes conclusões: a) Na inter-relação entre aspectos ecológicos e sociais, o social determina o ecológico. Dito de outra forma, a sustentabilidade ecológica é uma variável dependente da sustentabilidade social; b) As condições naturais impõem restrições mais ou menos importantes à viabilidade econômica e à sustentabilidade social; e c) A questão da sustentabilidade social não pode, nem deve, ser analisada desconsiderando os níveis dos subsistemas dentro do sistema maior

Palavras-chave: sustentabilidade social; sustentabilidade ecologica; Área de Proteção Ambiental (APA)

ABSTRACT

This article discusses the relationship between ecological and social sustainability. A large field work was done in the Environmentally Protected Area (Área de Proteção Ambiental —APA) of the municipality of Guaraqueçaba, on the littoral of the State of Paraná, in Brazil, during 1999 to 2001. The research allows us to reach the following conclusions: a) In the interrelation between ecological and social elements, the social aspect determines the ecological aspect. In other words, ecological sustainability is a variable dependent on social sustainability; b) Natural conditions impose relatively important restrictions to economic viability and social sustainability, and; c) Social sustainability cannot be analyzed disregarding the levels of the subsystems contained in the larger system.

Key words: social sustainability, ecological sustainability; Environmentally Protected Area (APA).

INTRODUÇÃO

Uma das dificuldades nas análises sobre sustentabilidade é a relação entre o que se conhece como sustentabilidade ecológica e a sustentabilidade social (LÉLÉ, 1991). No caso da produção agropecuária, as análises chegam a ser bastante precisas em determinar o que a sustentabilidade ecológica deve ser (ALTIERI, 1999), mas há dificuldades para estabelecer a integração com a sustentabilidade social. Em nível mais geral, há quem sustente que o conceito de sustentabilidade deva ser restringido à ecologia, deixando o social para termos como equidade ou justiça social (MARCUSE, 1998). Outros, sem menosprezar a questão social, partem do conceito de natureza prístina para estabelecer critérios de sustentabilidade, o qual, necessariamente, leva a questão social a um segundo nível na hierarquia (PIMENTEL et al., 2000).

O artigo aqui apresentado foi elaborado a partir de um extenso trabalho de campo realizado em uma Área de Proteção Ambiental (APA), no município de Guaraqueçaba, litoral do Estado do Paraná (Brasil) durante os anos de 1999 a 2001. O nosso interesse aqui está em extrair algumas conclusões metodológicas deste trabalho, mais do que detalhar os seus aspectos empíricos. A análise do material de campo permitiu chegar às seguintes conclusões: a) Na inter-relação entre aspectos ecológicos e sociais, o social determina o ecológico. Dito de outra forma, a sustentabilidade ecológica é uma variável dependente da sustentabilidade social; b) As condições naturais impõem restrições mais ou menos importantes à viabilidade econômica e à sustentabilidade social; e c) A questão da sustentabilidade social não pode, nem deve, ser analisada desconsiderando os níveis dos subsistemas dentro do sistema maior (VOINOV, 1998).

AS RESTRIÇÕES NATURAIS

Qualquer análise da sustentabilidade, seja qual for a perspectiva teórica, requer estabelecer as inter-relações entre a sociedade humana e o mundo circundante. Um primeiro nível de análise deve ser, então, a relação entre o espaço em estudo – com as suas características físico-naturais – e a sociedade que atua sobre tal espaço, com as suas características econômicas, demográficas e sociais. No nosso estudo de caso, trata-se de uma área de 3.134 km2, que abarca a Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba (instituída em 1985), no litoral norte do Estado do Paraná (Brasil), cujo ecossistema é caracterizado por Floresta Atlântica.1 1 Do ponto de vista ecossistêmico a Floresta Atlântica se caracteriza por: alta umidade e pluviosidade, temperaturas elevadas a maior parte do ano, relevo montanhoso, grande diversidade biológica e ambiental (PARANÁ, 2000). Este ecossistema é de topografia variável, relevo montanhoso, planícies aluviais e bancos de areia. Predominam os solos com baixa aptidão agrícola, devido às limitações topográficas, à baixa fertilidade natural e ao hidromorfismo (encharcamento do solo) característicos do litoral (EMBRAPA/IAPAR, 1977). O clima predominante é o AF; tropical, super úmido, com verões quentes, temperaturas médias anuais de 22 ºC e precipitações elevadas – média de 2.365 mm anuais em 207 dias de chuva (GODOY & CORRÊA, 1978).

A vegetação é de Floresta Ombrófila (pluvial) Densa, composta por cerca de 250 espécies de árvores, arbustos, epífitas, lianas e palmáceas. Dentre as últimas, é significativa a palmeira juçara (Euterpe edulis) pela grande dispersão e importância econômica. Outras formações de importância econômica são os manguezais (PARANÁ, 2000).

Segundo os critérios de ''integridade ecológica'', tratar-se-ia de um ambiente prístino. A região, porém, representa só 5 % do que esse sistema era há um século atrás. Quanto à ocupação territorial (tabela 1), a APA de Guaraqueçaba tem a seguinte representatividade:

O mapa 1 (a seguir) apresenta a localização da região estudada, a qual permanece ainda relativamente isolada se comparada com as áreas lindeiras de Paranaguá-Pontal do Paraná-Guaratuba, ao sul, e Peruíbe-Itanhaem-Santos, ao norte. E isto por uma razão simples: trata-se de uma zona sem praias, onde o mangue cobre a costa, diferentemente das áreas lindeiras citadas, onde as praias condicionaram a ocupação de tipo turística. Portanto, o isolamento se dá porque: a) Não há estrada totalmente asfaltada; b) O transporte de mercadorias e pessoas predominou e ainda ocorre, em grande medida, por via fluvial; e c) A densidade demográfica não tem justificado maiores investimentos em infra-estrutura. Apesar disso, a área está localizada a 174 km de Curitiba, a capital do Estado do Paraná, e em linha reta, por mar, a somente 20 km do porto de Paranaguá, o principal do Estado.


A perspectiva comparativa com outras regiões deve ser sempre o ponto de partida da análise da sustentabilidade, já que a ocupação de um ambiente é, por natureza, desigual e relativa. Ao mesmo tempo, permite destacar os elementos e restrições determinantes do tipo de ocupação de outros, geralmente acessórios. Neste caso, por exemplo, as restrições impostas pelas baías de mangue determinaram, historicamente, o tipo de ocupação. Esta distinção não poderia ser percebida ao se analisar a região em si mesma. Por certo, outros fatores naturais como a topografia, ou de ordem histórico-político, como o atraso relativo do desenvolvimento do capitalismo no Estado do Paraná em comparação com os vizinhos – São Paulo e Santa Catarina –, também explicam seu isolamento relativo. Mas a especificidade de Guaraqueçaba frente ao resto do litoral paranaense só pode ser explicada pela negativa: a inexistência de praias. Em comparação, a baía de Guaratuba, semelhante à de Guaraqueçaba mas com praias, tem uma forte ocupação costeira, o que marca uma diferença substancial.

A SUSTENTABILIDADE SOCIAL COMO DETERMINANTE

Dadas essas condições naturais ou restrições (mangue e ausência de praias), todos os outros determinantes da viabilidade da região estão marcados pela sustentabilidade social. Aqui utilizamos o conceito de sustentabilidade social em sentido amplo, incluindo os aspectos econômicos (FOLADORI & TOMMASINO, 2000).2 2 Apesar do indicador principal usado para diferenciar os agricultores ser a renda, o fato de se distinguir a origem da renda segundo a forma de trabalho (trabalho agrícola direto, trabalho assalarido, aposentadoria, comércio, etc.) determina não só um patamar quantitativo, mas também um tipo de relação social de produçãao. Este último sentido justifica a abordagem de sustentabilidade social em sentido amplo, aqui proposta, a qual inclui a sustentabilidade econômica. O estudo dos sucessivos sistemas de produção agropecuários através da história, mostrou ciclos econômicos bastante curtos, como se nenhum produto tivesse êxito econômico (TOMMASINO et al., 2000).

Qualquer sistema de produção implica em uma combinação de uma forma de organização social da produção, com um nível de desenvolvimento tecnológico determinado, junto a uma base natural dada. Neste caso, o primeiro elemento a se destacar é que, na região o ecossistema de floresta atlântica nunca foi arrasado, não se implantou um sistema de produção que, ao estilo da indústria urbana ou agrícola mecanizada, transformasse na raiz as condições naturais. Ao contrário, os diferentes sistemas de produção se incorporaram marginalmente em termos de espaço ocupado e de impacto ocasionado, à exceção da criação de búfalos, que ocupou espaços e causou impactos significativos. No Anexo 1 Anexo 1 apresenta-se um diagrama da história da ocupação, em Guaraqueçaba.

Toda aplicação de trabalho sobre o ecossistema tem como conseqüência a modificação do grau de fertilidade do solo. Mas é necessário distinguir a fertilidade natural, resultado dos nutrientes do solo, sua topografia, clima etc., da ''fertilidade'' econômica. Nesta, além dos fatores naturais, intervêm a tecnologia, a organização, a infra-estrutura e a localização frente aos mercados.

Na medida em que os investimentos de capital são cada vez mais significativos, a fertilidade natural dá vez a que os investimentos de capital sejam determinantes do resultado econômico. O atraso relativo dos investimentos em capital fez com que os sucessivos ciclos de produtos como a cana-de-açúcar, o arroz, o café, a banana e a mandioca não tivessem êxito, porque não podem competir com outras regiões onde a fertilidade econômica – e não só a natural – é maior.

Uma vez contemplado o nível relativo de desenvolvimento da produtividade do trabalho, é necessário determinar a forma de produção à qual a sustentabilidade se refere. Esta distinção é da maior importância. Uma fábrica, por exemplo, pode dar lucro a seu dono e manter um sistema de produção relativamente limpo, com pouca degradação do meio ambiente. Nesse sentido pode ser considerada sustentável tanto para – como por – seu dono, e também pela sociedade em seu conjunto. Porém, é possível que os trabalhadores de dita fábrica não achem que sua relação salarial seja sustentável, Dessamaneira, a análise da sustentabilidade deve ser explícita com relação ao sujeito do qual está tratando. Em nosso caso, a tipologia de agricultores realizada permitiu chegar a uma forma de agrupamento em que se consegue identificar, para cada tipo, a sustentabilidade econômica.

O objetivo da tipologia é identificar a sustentabilidade ou viabilidade econômica dos agricultores em Guaraqueçaba. Neste trabalho, considerou-se que a sustentabilidade, ou viabilidade econômica, corresponde com o nível de reprodução simples. O nível de reprodução simples é a renda mínima necessária para a reprodução do agricultor e sua família, no tempo. Essa renda deve permitir um nível mínimo de alimentação, de habitação, saúde e educação.

No caso da agricultura familiar, o indicador normalmente utilizado é o custo de oportunidade do trabalho, medido através do salário mínimo regional por unidade de trabalho. Geralmente, os agricultores não conseguem continuar por muito tempo produzindo na agricultura com uma remuneração inferior a este valor (LIMA et al., 1995:53).3 3 DUFUMIER (1996), entende que o ''...nível de reprodução é o nível de renda abaixo do qual não é mais possível, para uma exploração agrícola, assegurar ao mesmo tempo a renovação do capital da exploração e a subsistência da sua família'' (346:1996).

O conceito de reprodução simples deve ser considerado de forma dinâmica. O fato de existir agricultores (considerando suas famílias e o sistema produtivo) que se encontram acima do limite de reprodução simples, não implica que continuem reproduzindo-se. Existem numerosas situações (variação de preços, perda de mercados, doenças na família, etc.), que podem modificar essa condição e por conseguinte, sua capacidade para manter-se com o transcorrer do tempo.

Complementarmente, pode haver situações em que se esteja abaixo do nível de reprodução simples, mantendo-se, porém, o funcionamento, embora em condições de indigência ou de degradação das condições de vida da família e/ou das condições do sistema produtivo.

Neste estudo, considerou-se que o umbral, a partir do qual os agricultores alcançam a reprodução simples, é de três salários mínimos de renda mensal por família, o que equivale a R$ 453, 00.4 4 Na época do levantamento (julho/2000) o salário mínimo era de R$ 151,00, equivalente a US$ 85,30 (1 US$ = 1,77 R$). Este valor foi estabelecido considerando o tamanho médio das famílias no meio rural em Guaraqueçaba – 4,14 pessoas (IBGE, 1996) – e a partir de um levantamento realizado com diversos agricultores dos tipos identificados para checar a perinência do valor atribuído. Houve concordância generalizada de que esse valor garantiria a reprodução simples.Os dados do DIEESE, que é uma referência importante, avalizam a decisão deconsiderar 3 salários mínimos como o nível de renda necessária para a reprodução simples.5 5 Segundo o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, ''... o custo da ração alimentar essencial mínima para uma família curitibana (1 casal e 2 crianças) foi de R$ 362,37 (trezentos e sessenta e dois reais e trinta e sete centavos), sendo necessários 2 salários mínimos somente para satisfazer as necessidades do trabalhador e sua família com alimentação no mês de agosto/01'' (DIEESE, Cesta básica, agosto 2001).

Quanto à tipologia, o primeiro critério para realizá-la foi separar as fazendas dos demais estabelecimentos agropecuários. As fazendas são estabelecimentos, em geral, com grandes extensões de terra, que se dedicam à criação de búfalos ou que, em alguns casos, não têm atividade produtiva.

O outro grupo de estabelecimentos ou de agricultores identificados pode ser desmembrado em quatro tipos distintos, considerando a contribuição econômica da renda agrícola e extra-agrícola do grupo familiar para a sua reprodução. Dentre eles distingue-se os seguintes tipos:6 6 Em todos os tipos, a renda agrícola inclui a produção vendida e o autoconsumo.

Tipo 1 – Agricultores: a renda agrícola sustenta a reprodução simples;

Tipo 2 – Semi-proletários: a renda agrícola não sustenta a reprodução simples. As outras rendas são maiores que a renda agrícola. Neste caso, a família obtém a maior parte da renda fora do trabalho agrícola (embora produzam bens agrícolas, extraiam produtos florestais), vindo daí o termo semi-proletário;

Tipo 3 – Agricultores que vendem força de trabalho: a renda agrícola não sustenta a reprodução simples. As outras rendas são menores que a renda agrícola. Neste caso, a família recebe a maior parte da renda familiar da agricultura, porém, eventualmente, vendem força de trabalho para subsistir, por isso são caracterizados como agricultores que vendem força de trabalho;

Tipo 4 – Agricultores indigentes: a renda agrícola não sustenta a reprodução simples; não possuem outras rendas.

O gráfico 1 mostra a distribuição percentual dos 5 tipos (incluindo as fazendas queé o Tipo 5).


Considerando os 278 agricultores que conformam os Tipos 1, 2, 3 e 4, existem 178 (64%) que recebem renda não agrícola (tabela 2).

A renda não agrícola é obtida de diferentes fontes, embora em todos os casos a mão-de-obra utilizada fosse basicamente familiar, pois somente para o Tipo 1 a contratação de força de trabalho assalariada foi importante. O montante das diárias contratadas pode ser visto na tabela 3.

Considerando os produtos explorados comercialmente, apenas três conformam a base dos sistemas de produção: banana, mandioca e gado. Em síntese, os dados da pesquisa permitem afirmar que a maioria dos agricultores do município de Guaraqueçaba vive em situação inviável ou insustentável economicamente, ao considerar a renda que essa maioria obtém da agricultura. Complementarmente, constata-se a elevada importância das outras rendas (outras ocupações e aposentadorias) para sustentar a reprodução das famílias. Esta constatação permite afirmar que os agricultores são, na maioria dos casos, assalariados com atividade agrícola ou semi-proletários, mais que agricultores propriamente ditos.

Existem 68 (23%) agricultores do Tipo 4 que não obtêm renda agrícola suficiente para sustentar a reprodução simples e não têm renda extra-agrícola. Esta situação pode estar encoberta por uma condição peculiar gerada pela legislação da Área de Proteção Ambiental. Com efeito, a legislação ambiental vigente não permite e penaliza a extração de palmito. Esta é uma atividade realizada de modo clandestino por grande parte da população nativa da Região. De toda forma, o detalhado e profundo trabalho de campo, realizado durante mais de 2 anos na região, permite afirmar que os recursos derivados do palmito, ainda que contribuam para melhorar o nível econômico da população rural, não têm, em geral, importância decisiva para o conjunto dos habitantes rurais do município, a ponto de proporcionar condições de vida ''sustentáveis''. Ainda que seja um considerado pelas comunidades rurais um recurso apropriado, atualmente sua exploração é difícil devido a: 1) Escassez de palmeiras; e 2) Condições de comercialização.

No primeiro caso, a significativa escassez do recurso é confirmada em muitas entrevistas realizadas com a população. Afirma-se que a busca do palmito nativo implica, atualmente, em significativo aumento do percurso dentro da mata para sua extração.

Quanto ao segundo, as dificuldades relacionadas com a preparação e a distribuição do produto envasado aumentaram muito. A fiscalização mais intensiva do IBAMA, da Polícia Florestal, o controle sanitário sobre a extração e o processamento do palmito impõem condições de comercialização que exigem registros e controles mais severos, o que resulta na concentração da atividade em mãos de empresas autorizadas e de maior porte que os envasadores clandestinos. Assim, a população que explora o palmito deve, indefectivelmente, ceder ao intermediário/processador/comerciante a maioria dos ganhos que obtém com a venda do produto.

A crise, evidenciada em nível de região, faz parte de um processo global de perda de inserção da agricultura nos processos econômicos regionais e globais.

A INSUSTENTABILIDADE DA AGRICULTURA EM GUARAQUEÇABA: UM PROCESSO MULTICAUSAL7 7 Este item está baseado nos artigos de Foladori e Tommasino (1998), Foladori (2001) e Tommasino; Rodrigues; Sampaio (2000).

A situação de crise e insustentabilidade da agricultura e dos agricultores no município de Guaraqueçaba se circunscreve em uma crise generalizada da agricultura de pequena escala, no nível mundial. É decorrente de um forte processo de concentração da base agrária e conseqüentes mudanças na distribuição espacial da população rural/urbana. No Estado do Paraná, este processo tem se manifestado em ritmo acelerado nas últimas décadas (tabela 4).

Ainda que o agrupamento seja por estratos de área, é evidente a tendência à proletarização, marcada pela diminuição de um terço dos estabelecimentos de menos de 10 hectares na década 1985-1995, bem como a tendência ao aburguesamento, que pode ser constatado no crescimento de quase 8% dos estabelecimentos de mais de 100 hectares.

Na tabela 5 pode-se observar a evolução do número de estabelecimentos no município de Guaraqueçaba. Embora haja diferenças quanto às fontes consultadas, tudo indica que existiu um forte processo de diferenciação social que implicou no desaparecimento de um grande número de agricultores. Este fato confirma que, no município verificou-se a tendência geral de diferenciação que ocorreu no Estado do Paraná.

O processo de competitividade que se estabelece no mercado é um dos fatores essenciais para se compreender o desaparecimento dos agricultores na região. Verifica-se que a insustentabilidade econômica e a ocasional competitividade têm ocorrido em torno de alguns produtos-chave, como banana e mandioca que, junto com o gado – em forma combinada ou individualmente –, são os três produtos que conformam a base de comercialização dos agricultores na região.

Analisando a série histórica de dados de produção e produtividade da mandioca e da banana, detectou-se o estancamento desses indicadores entre o período 1983–1999 (PARANÁ, 1999). Com o intuito de confirmar esses dados, foram feitas avaliações de produtividade durante o trabalho de campo que não evidenciaram descenso da produtividade para mandioca, mas sim para a banana. Com efeito, era previsível supor que, fruto da legislação ambiental vigente – que impede o uso livre das áreas por parte dos agricultores –, predominassem as terras com baixa fertilidade e, conseqüentemente, com baixa produtividade das lavouras. Isso porque a legislação impede especificamente o uso da prática tradicional do pousio (sistema de corte/queima da vegetação) em áreas com vegetação arbórea desenvolvida. A utilização de terras com esse tipo de vegetação implica o cultivo de solos com tempo de descanso prolongado (mais de 6 anos) e, conseqüentemente, com boa fertilidade e bom potencial de produtividade. Assim, pensou-se que a produtividade estaria influenciada negativamente por esses condicionantes. Os resultados das avaliações de produtividade de mandioca não confirmaram essa hipótese, mas, no caso da banana, a menor produtividade, em relação a outras regiões produtoras tradicionais foi confirmada.8 8 Nos estabelecimentos em que se fez pesagem de mandioca, a produtividade mínima foi de 12 ton/ha e a máxima, de 47 ton/ha. Esta situação indica que, do ponto de vista da produtividade, a maioria das lavouras de mandioca é competitiva. No caso da banana, os dados oficiais subestimam, também, a produtividade, que variou de 5,5 a 30 ton/ha. De toda forma, a produtividade desta lavoura é menor que em outras regiões com maior desenvolvimento tecnológico. Inclusive para agricultores com produtividade média de 20 ton/ha, há outras restrições que afetam a qualidade do produto e, conseqüentemente, sua comercialização. Em Santa Catarina a produtividade em lavouras tecnificadas é de 40 ton/ha, com qualidade de produto para exportação.

As condições do mercado de farinha de mandioca e de banana são, em geral, desfavoráveis. Há uma tendência (irreversível) de diminuição do consumo desses produtos, principalmente pela população urbana.9 9 MACHADO & RODRIGUES (1991), assinalam o fato a partir de um estudo de padrão de consumo para orientar o desenvolvimento rural, elaborado pelo Prof. Fernando Homem de Melo, da USP e publicado pela Revista Globo Rural em abril de 1989.

As maiores dificuldades de competitividade para os produtos da região centram-se na comercialização. Existe, um processo de queda de preços, de elevação dos custos de produção, além das dificuldades de transporte e da baixa qualidade da banana. Todos esses elementos combinados configuram um quadro de inviabilidade econômica crescente para os produtos mais importantes explorados pelos agricultores da região. Estas considerações coincidem com estudos recentes efetuados por MARCHIORO (1999), no município de Morretes, localizado na mesma região. O autor entende que:

Durante a década de 80, novas dinâmicas de mercado dificultariam, ainda mais, a situação dos tradicionais produtores de mandioca e banana de Morretes, que passaram a enfrentar forte concorrência do Litoral Sul do Paraná, de Santa Catarina e de São Paulo. A banana produzida nos municípios de Guaratuba (PR) e Garuva (SC), cultivada em solos mais férteis e com nível tecnológico mais alto, atinge maior produtividade e constância de oferta do produto, o que assegura sua comercialização. O mesmo ocorre com a banana produzida no vale da Ribeira (SP), que passou a dividir espaço com o produto de Morretes nas demais praças paranaenses. O crescente desenvolvimento da cultura da mandioca, em Santa Catarina, tratada como prioridade pelos órgãos oficiais de pesquisa e extensão agrícola do Estado, permitiu ganhos significativos em produtividade e qualidade da farinha. Esses ganhos possibilitaram a colocação do produto catarinense no Paraná com menores preços que a farinha de Morretes (p:168).

Em suma, excluindo o extrativismo,10 10 De difícil quantificação; porém, informantes qualificados confirmam que pode significar entre 40% e 60% da economia do município. Alguns entrevistados afirmaram que em certos períodos chegou a representar 80% da renda (''do dinheiro que circulava''). a renda agrícola está centrada em apenas três produtos, dos quais só o gado encontra condições favoráveis de mercado. Esta situação configura uma base agrícola de elevado risco, pela sujeição a um mercado fortemente competitivo e adverso e às eventualidades naturais próprias de sistemas agrícolas pouco diversificados.

Todo este quadro de dificuldades se vê intensificado ao somar-se as restrições relacionadas com a infra-estrutura viária (grande parte da PR 405 – a ligação com Antonina – não está asfaltada e seu estado de conservação é precário). Também não tem havido políticas permanentes e bem planificadas de pesquisa agrícola, de assistência técnica, de apoio à produção.

As políticas públicas de gestão ambiental também exercem influência na perda de competitividade da agricultura regional, como já assinalado. Estas políticas começaram a ser implantadas depois da criação do Código Florestal, em 1965. A legislação prevê a criação de unidades de Conservação (Reservas Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental). A APA é uma unidade de conservação destinada a proteger e conservar os sistemas naturais existentes e a preservar a sua qualidade. A legislação tem como objetivo principal preservar o ambiente natural, e por isso procura-se impedir que se utilize/explore esse ambiente. Além disso, teoricamente, objetiva-se a melhoria da qualidade de vida da população local e a proteção dos ecossistemas naturais.No entanto, a APA também interfere diretamente, e sem as devidas considerações, no modo de vida e no uso dos recursos, estabelecidos historicamente pelas populações nativas.

Com relação ao extrativismo, é a partir do Código Florestal que se regulamentam as atividades de coleta e transformação do palmito. Inicialmente, a legislação impõe às fábricas (envasadoras) de palmito realizar o reflorestamento ou reposição florestal para compensar a exploração. O Código também impõe aos produtores de palmito obtenção de autorização para coleta e comercialização do produto e obriga o registro das atividades no IBAMA.

Com relação à APA, o Estado estabeleceu normas limitando ou proibindo: i) a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente contaminantes, capazes de afetar mananciais de água; ii) obras de terraplanagem e a abertura de canais quando essas iniciativas alterem as condições ecológicas locais; iii) atividades capazes de provocar erosão das terras e/ou obstrução de cursos de água; e iv) atividades que ameacem extinguir as espécies raras da biota regional.

Apesar de todas essas restrições, a legislação tem interferido parcialmente nas atividades da população nativa. As interferências estão mais relacionadas à extração de palmito e madeira (além da caça e a retirada de arbustos e cipós, estes de menor importância). Um dos efeitos foi a marginalização das práticas e, conseqüentemente, a clandestinização da exploração dos recursos naturais. Segundo informantes qualificados, entrevistados durante o trabalho de campo (1999/00/01), no município são extraídas entre 50 e 80 mil plantas de palmito/mês, sendo que a maioria circula no âmbito clandestino.

Com relação à produção agrícola, a legislação interfere no uso das terras às margens dos cursos d'água e das terras em encostas acentuadas, fazendo com que os agricultores de menos recursos econômicos, que ocupam as terras marginais, sejam mais prejudicados. Esta situação determina a impossibilidade de utilizar terras de melhores condições nas várzeas dos rios, nos baixios aproveitáveis e nas encostas. Todo desmate deve ter autorização do IBAMA (a instituição de controle oficial). É um processo lento, que muitas vezes é terminado fora dos prazos para cumprir os itinerários técnicos correspondentes às diversas culturas, situação que configura um desestímulo à realização das atividades agrícolas. A legislação vigente também impede o uso de agrotóxicos e biocidas na APA. Contraditoriamente, de forma geral, o uso de agrotóxicos não era uma prática intensa. Em Guaraqueçaba, o uso de agrotóxicos começou a se intensificar justamente quando as restrições às práticas correntes dos agricultores foram impostas pela legislação. A visão preservacionista da legislação desconhece as evidências científicas sobre o relacionamento da população nativa com o ambiente. Há evidências de que a agricultura de corte e queima, antes de provocar danos à biodiversidade, estimula o seu desenvolvimento (DIEGUES, 1996). A prática de corte e queima é uma forma de manejar as plantas daninhas. Desde que se restringe o método, o problema é resolvido mediante o controle mecânico ou químico. A tendência atual na região é o incremento do uso de herbicidas (entrevistas e observações de campo, em 1999/00/01).

Em síntese, pode-se afirmar que a crise econômica da agricultura e dos agricultores em nossa região de estudo é um processo multi-causal, onde intervêm fatores relacionados à competitividade dos principais produtos: mandioca, banana e gado. Identificaram-se fatores negativos relacionados à produtividade à comercialização dos produtos (qualidade, demanda, volume), à infra-estrutura geral da região (estradas, transportes, armazenamento), ao financiamento, à assistência técnica e extensão e às restrições legais derivadas das políticas públicas de gestão ambiental.

A SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA

A insustentabilidade da região não se dá, de nenhuma maneira, por um problema ecológico, ou de baixa fertibilidade natural, nem por dificuldades de acesso à terra. Ocorre que, apesar de tratar-se de propriedade privada, os pequenos agricultores têm áreas que, dado o nível de fertilidade natural e as técnicas utilizadas, são suficientes para a atividade econômica. Tampouco a causa pode atribuir-se exclusiva ou majoritariamente à legislação ambiental e seu impacto nas práticas dos agricultores (este fato ficou demontrado pelos níveis de produtividade que é possível alcançar com ciclos de exploração de aproximadamente 5 anos). Isso não significa negar o papel da legislação, a qual tem importância maior no caso do palmito. A causa da insustentabilidade está no mercado, na competitividade frente a outras regiões: banana, de Santa Catarina, de São Paulo; café (em seu momento), do Norte do Paraná; arroz do Rio Grande do Sul, etc., para não falar da competitividade dos mercados internacionais, que também se fizeram (e fazem) sentir. E se o palmito tem sobrevivido, é pelo caráter de sua exploração, ainda em condições naturais e de aceitação comercial do produto de forma competitiva frente ao palmito amazônico e outros, mas que tem conduzido à deterioração crescente das reservas da espécie nativa, a juçara. O fato de que a causa da insustentabilidade esteja no mercado, leva-nos a responder negativamente à pergunta do título do artigo. É impossível pensar a sustentabilidade no nível local ante agricultores integrados a um mercado que os torna sujeitos a dinâmicas de preços regulados em nível regional e até mundial.

Ao pensarmos, no entanto, em termos exclusivamente naturais, vemos que a competitividade mercantil, cujos elementos afetam diretamente a sustentabilidade social, é a causa dos impactos ambientais que dificultam a sustentabilidade do ecossistema. Isto é claro no caso do palmito, que resultou ser praticamente o único produto com preço competitivo, razão pela qual os habitantes da região eliminam sistematicamente as palmeiras que o produzem, o que também acontece claramente no caso da banana, do gengibre, ou de sistemas emergentes como as palmáceas exóticas (palmeira real, pupunha). A competitividade mercantil obriga à introdução de tecnologias que podem afetar a sustentabilidade ecológica,como por exemplo, os herbicidas, que têm e poderão ter – na medida de seu incremento – mais efeitos secundários, com impactos potenciais nos ecossistemas aquáticos. O mesmo ocorre com os sistemas especulativos, como a criação de búfalos, que causa comprovados impactos ao ecossistema (desflorestação) e ao solo (compactação/erosão).

De toda forma, no que se refere à sustentabilidade ambiental, cabem duas pontualizações importantes.

A primeira é com relação ao palmito. Ainda que saibamos que o recurso está afetado, não sabemos qual é o efeito sobre o sistema global (ecossistema de Floresta Atlântica, na APA). Este é, claramente, um caso de perda específica de biodiversidade. Mas, é esta perda de biodiversidade suficientemente importante para afetar o ecossistema como um todo? Isto é difícil de se estabelecer. Ademais, a perda de biodiversidade, seu nível (umbral) e seu impacto nos ecossistemas, é ainda uma incerteza (TOMMASINO & FOLADORI, 2000). A juçara pode ser considerada uma ''espécie-chave'' que condiciona e determina a sobrevivência do ecossistema de Floresta Atlântica? Até onde se sabe, não há trabalhos científicos que respondam adequadamente a esta questão.

A segunda pontualização se refere à área ocupada. Quando se analisa o impacto ambiental da agricultura sobre a vegetação, observa-se que em 1999 essa atividade ocupava 7,9 % do território do município. Claro que existem outras formas (várzeas, brejos, areia, comunidades, aqüicultura, mineração), mas todas são insignificantes em termos de área ocupada (apenas 0,7 %). Ou seja, 91,4 % da área de Guaraqueçaba estão sob cobertura florestal (mapa 2). Esta é a maior porcentagem entre os municípios do Estado.11 11 O município de Guaratuba (também no Litoral do Paraná) tem 98,7 % da sua área emersa contida na APA do mesmo nome. Porém, ainda não há dados disponíveis quanto à área do município efetivamente coberta pela floresta (PARANÁ, 2002).


Além dessa constatação, vale relembrar ser discutível que o desmate/queima em áreas agrícolas afete a biodiversidade e, por conseguinte, o funcionamento dos ecossistemas (DIEGUES, 1996). Ao contrário, há indícios de que essa atividade, se adequadamente praticada, pode incrementar a biodiversidade e contribuir para um maior grau de sustentabilidade dos sistemas agrícolas (HARWOOD, 1996).

CONCLUSÃO

a) A metodologia empregada neste trabalho consistiu em realizar uma análise comparativa da região do estudo em relação às áreas vizinhas e semelhantes. A partir daí, as restrições naturais foram determinadas e, em seguida, analisados os investimentos de capital e suas conseqüências na sustentabilidade relativa, em comparação com outras regiões. Por último, foi analisado como os tipos de atividades econômicas impactaram a natureza e provocaram, em alguns casos, a insustentabilidade ecológica.

b) Demonstrou-se a insustentabilidade sócio-econômica da agricultura na região mediante uma tipologia de agricultores baseada em níveis de reprodução. As características essenciais dos tipos podem ser observadas no quadro seguinte.

c) Diferentemente da maioria das pesquisas realizadas na região, conclui-se que as determinantes da insustentabilidade econômica dos sistemas não estão nas restrições da legislação ambiental. Ainda que identificadas com as restrições aos processos produtivos e, portanto, com a sua eficiência econômica, não são determinantes da inviabilidade da maioria dos sistemas de produção. Os níveis de fertilidade dos solos, a produtividade da mandioca e da banana, por exemplo, não inviabilizam a competitividade da produção física em relação a outras regiões.

O que torna inviável economicamente os sistemas de produção atuais são as condições de mercado, o baixo preço de venda dos produtos, as condições de transporte, além da qualidade, da escala de produção, da escassa diversificação da oferta de produtos mercantis.

d) O impacto ambiental da agricultura é baixo e está relacionado basicamente com a exploração do palmito, com o impacto dos búfalos e com o incremento (real e potencial) da contaminação por pesticidas nos sistemas emergentes (basicamente, palmáceas).

e) A sustentabilidade local deve ser sempre pensada em sua relação com o global. Neste caso, os processos regionais/globais condicionam a sustentabilidade local.

f) Os processos sociais são condicionantes dos processos ambientais. Este estudo demonstra claramente que as relações técnicas com o meio ambiente são condicionadas pelas relações sociais que se estabelecem no processo de produção. O que explica a degradação ambiental não é a falta de conhecimento sobre o impacto de determinadas tecnologias, mas as relações sociais subjacentes, que obrigam ou condicionam a utilização de determinadas tecnologias.

BIBLIOGRAFIA

Recebido em 10/04/2002

Aceito em 03/09/2002

NOTAS

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Anexo 1

  • 1
    Do ponto de vista ecossistêmico a Floresta Atlântica se caracteriza por: alta umidade e pluviosidade, temperaturas elevadas a maior parte do ano, relevo montanhoso, grande diversidade biológica e ambiental (PARANÁ, 2000).
  • 2
    Apesar do indicador principal usado para diferenciar os agricultores ser a renda, o fato de se distinguir a origem da renda segundo a forma de trabalho (trabalho agrícola direto, trabalho assalarido, aposentadoria, comércio, etc.) determina não só um patamar quantitativo, mas também um tipo de relação social de produçãao. Este último sentido justifica a abordagem de sustentabilidade social em sentido amplo, aqui proposta, a qual inclui a sustentabilidade econômica.
  • 3
    DUFUMIER (1996), entende que o ''...nível de reprodução é o nível de renda abaixo do qual não é mais possível, para uma exploração agrícola, assegurar ao mesmo tempo a renovação do capital da exploração e a subsistência da sua família'' (346:1996).
  • 4
    Na época do levantamento (julho/2000) o salário mínimo era de R$ 151,00, equivalente a US$ 85,30 (1 US$ = 1,77 R$).
  • 5
    Segundo o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos, ''... o custo da ração alimentar essencial mínima para uma família curitibana (1 casal e 2 crianças) foi de R$ 362,37 (trezentos e sessenta e dois reais e trinta e sete centavos), sendo necessários 2 salários mínimos somente para satisfazer as necessidades do trabalhador e sua família com alimentação no mês de agosto/01'' (DIEESE, Cesta básica, agosto 2001).
  • 6
    Em todos os tipos, a renda agrícola inclui a produção vendida e o autoconsumo.
  • 7
    Este item está baseado nos artigos de Foladori e Tommasino (1998), Foladori (2001) e Tommasino; Rodrigues; Sampaio (2000).
  • 8
    Nos estabelecimentos em que se fez pesagem de mandioca, a produtividade mínima foi de 12 ton/ha e a máxima, de 47 ton/ha. Esta situação indica que, do ponto de vista da produtividade, a maioria das lavouras de mandioca é competitiva. No caso da banana, os dados oficiais subestimam, também, a produtividade, que variou de 5,5 a 30 ton/ha. De toda forma, a produtividade desta lavoura é menor que em outras regiões com maior desenvolvimento tecnológico. Inclusive para agricultores com produtividade média de 20 ton/ha, há outras restrições que afetam a qualidade do produto e, conseqüentemente, sua comercialização. Em Santa Catarina a produtividade em lavouras tecnificadas é de 40 ton/ha, com qualidade de produto para exportação.
  • 9
    MACHADO & RODRIGUES (1991), assinalam o fato a partir de um estudo de padrão de consumo para orientar o desenvolvimento rural, elaborado pelo Prof. Fernando Homem de Melo, da USP e publicado pela Revista Globo Rural em abril de 1989.
  • 10
    De difícil quantificação; porém, informantes qualificados confirmam que pode significar entre 40% e 60% da economia do município. Alguns entrevistados afirmaram que em certos períodos chegou a representar 80% da renda (''do dinheiro que circulava'').
  • 11
    O município de Guaratuba (também no Litoral do Paraná) tem 98,7 % da sua área emersa contida na APA do mesmo nome. Porém, ainda não há dados disponíveis quanto à área do município efetivamente coberta pela floresta (PARANÁ, 2002).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2003
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2002
    • Aceito
      03 Set 2002
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