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Adesão voluntária e comportamento ambiental de empresas transnacionais do setor químico no Brasil

Self commitment and environmental behavior of transnational enterprises within the chemical sector in Brazil

Resumos

Empresas transnacionais estão cada vez mais aderindo a padrões ambientais de conduta. Este artigo aborda as diversas facetas da auto-regulação empresarial em países em desenvolvimento:Ela compensa lacunas na legislação da poluição industrial ou é propaganda enganosa? Um estudo de caso de empresas químicas alemãs no Brasil pesquisa os determinantes de seu comportamento ambiental e aponta para dilemas dos códigos de conduta.

adesão voluntária; códigos de conduta; comportamento ambiental corporativo; direito ambiental e soft law; regulamentação da poluição industrial


Transnational enterprises are increasingly committing theirselves to environmental standards. This article focuses on the multiple aspects of self-regulation in developing countries: Do they counterbalance a lack of legislation or are they greenwashing? A case study about German chemical industries in Brazil asks for the determinants of environmental behavior and point out dilemmas related to industrial codes of conduct.

self commitment; codes of conduct; corporate environmental behavior; environmental law and soft law; regulation of industrial pollution


ARTIGOS

Adesão voluntária e comportamento ambiental de empresas transnacionais do setor químico no Brasil* * Este estudo foi realizado como parte do projeto " Umweltrechtliche Regime bei Direktinvestitionen in Niedrigstandardländern" do Centro de Pesquisa do Direito Ambiental Europeu, Universidade de Bremen, Alemanha, financiado pela Deutsche Forschungsgemeinschaft - DFG. Agradeço a correção da tradução por João F. K. Lisboa.

Self commitment and environmental behavior of transnational enterprises within the chemical sector in Brazil

John Kleba * Este estudo foi realizado como parte do projeto " Umweltrechtliche Regime bei Direktinvestitionen in Niedrigstandardländern" do Centro de Pesquisa do Direito Ambiental Europeu, Universidade de Bremen, Alemanha, financiado pela Deutsche Forschungsgemeinschaft - DFG. Agradeço a correção da tradução por João F. K. Lisboa.

Membro do Centro de Pesquisa do Direito Ambiental Europeu, Universidade de Bremen, Alemanha

RESUMO

Empresas transnacionais estão cada vez mais aderindo a padrões ambientais de conduta. Este artigo aborda as diversas facetas da auto-regulação empresarial em países em desenvolvimento:Ela compensa lacunas na legislação da poluição industrial ou é propaganda enganosa? Um estudo de caso de empresas químicas alemãs no Brasil pesquisa os determinantes de seu comportamento ambiental e aponta para dilemas dos códigos de conduta.

Palavras-chave: adesão voluntária, códigos de conduta, comportamento ambiental corporativo, direito ambiental e soft law, regulamentação da poluição industrial.

ABSTRACT

Transnational enterprises are increasingly committing theirselves to environmental standards. This article focuses on the multiple aspects of self-regulation in developing countries: Do they counterbalance a lack of legislation or are they greenwashing? A case study about German chemical industries in Brazil asks for the determinants of environmental behavior and point out dilemmas related to industrial codes of conduct.

Keywords: self commitment, codes of conduct, corporate environmental behavior, environmental law and soft law, regulation of industrial pollution.

Nos anos 90, as iniciativas empresariais que se comprometem com a solução de problemas sociais e ambientais aumentaram de forma explosiva, lado a lado com a desregulamentação de investimentos diretos estrangeiros (JAKOBEIT, 1999). O presente artigo problematiza os efeitos da autoregulamentação no comportamento ambiental de empresas transnacionais (ETNs) com base num estudo de caso sobre as duas maiores empresas químicas alemãs atuantes no Brasil.

A pergunta central é se a adesão voluntária empresarial compensa o desnível dos padrões ambientais locais ou se trata-se de uma campanha enganosa para desmobilizar o controle estatal e público (greenwashing), bem como reter avanços na legislação ambiental. Abordaremos o papel das iniciativas empresariais numa relação de convergência/concorrência com o sistema jurídico e com a sociedade civil organizada. Percebemos estas três dimensões como constituintes de normas do comportamento societário (TEUBNER, 1997). Diretrizes corporativas, programas de gestão, códigos de conduta e compromissos ambientais têm algo em comum. Eles exprimem formas de aderir voluntariamente a um determinado conjunto de normas e se opõem como soft law à legislação, que é obrigatória e de escopo universal. Já o conceito de auto-regulação é mais amplo que a adesão voluntária, incluindo a praxis empresarial efetiva.

O Brasil é para a questão tematizada um objeto de pesquisa peculiar, pois ele está ao lado da China e do México entre os países em desenvolvimento que nos anos noventa mais atraíram investimentos diretos estrangeiros (WHEELER, 2001: 7). Este gigante sul-americano possui um direito ambiental avançado e ao mesmo tempo deficiências claras no controle ambiental de indústrias. Na pesquisa aqui relatada perguntamos se estas deficiências são compensadas pela auto-gestão das ETNs, no sentido de evitar padrões duplos entre a subsidiária no Brasil e a matriz no país de origem.

TESES SOBRE A FUNÇÃO DA AUTO-REGULAÇÃO INDUSTRIAL

O papel da adesão voluntária empresarial vem sendo discutido controversamente. Um enfoque enfatiza sua complementaridade com a regulamentação estatal. Esta é a perspectiva, por exemplo, da Organização Internacional para Padronização ISO.1 1 . ISO, TC 207, http://www.iso.ch/9000e/dontexis.htm. A cooperação da indústria é imprescindível, pois o saber especializado sobre as fontes de poluição e sobre soluções técnicas é, sobretudo, concentrado nas empresas. A adesão voluntária se torna promissora para aliviar as despesas estatais no controle ambiental e para conscientizar as empresas de sua responsabilidade social pelo que fazem ou deixam de fazer.

Uma perspectiva divergente sublinha a concorrência entre o controle estatal e as iniciativas reguladoras de atores econômicos, sugerindo que códigos de conduta e programas de gerenciamento ambiental poderiam tomar o lugar da legislação da poluição industrial. Por exemplo, de acordo com propostas neoliberais, a auto-regulação torna a função do Estado de legislar e controlar supérflua, ou reduz esta função ao controle de empresas incorrigíveis (de free-riders) (WORLD BANK, 1998: 34).

O mesmo enfoque de concorrência pode ser interpretado de forma diversa, a exemplo de Garcia-Johnson, que percebe nas iniciativas de auto-regulação uma nova ideologia, o "ecologismo voluntário" (2000: 187). Para esta autora, as empresas objetivaram, através dos compromissos voluntários, evitar que os avanços da legislação ambiental nos EUA dos anos 80 desencadeados pelos movimentos sociais contra os danos de substâncias químicas se alastrassem no âmbito internacional. Esta tese supõe que as ETNs intencionam manter padrões ambientais inferiores nos países em desenvolvimento para expandir sem investimentos ambientais significativos (modelo race-to-the-bottom). É interessante notar que a relação inversa é defendida pela tese do eco-protecionismo: as ETNs pretenderiam forçar padrões ambientais superiores nos países em desenvolvimento, através das mesmas iniciativas, para manter sua vantagem comparativa como pioneiras em termos de tecnologia ambiental, bloqueando a importação de produtos baratos e não certificados nos países industrializados (CAVALCANTI, 1997: 207).

Ambas as teses especulam sobre motivos e são reducionistas. Pois, por um lado, ao assumirem códigos de conduta, as ETNs demonstram que a modernização de suas subsidiárias faz parte de seus interesses. Por outro lado, os custos de modernização ambiental para empresas nacionais são frequentemente superestimados, chegando-se a ignorar programas de financiamento.2 2 . J. Gutberlet, Produção Industrial e Política Ambiental - Experiências de São Paulo e Minas Gerais, (Pesquisas Nr.7), São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1996: S. 136. Afinal, a necessidade de uma economia sustentável é cada vez mais reconhecida em países em desenvolvimento, diferentemente da posição anacrônica da década de 70, quando a questão ambiental era entendida como coisa de países ricos.

Para alcançar maior profundidade na análise das interrelações entre ETNs, sociedade e meio ambiente recorremos à classificação dos determinantes de maior relevo, incluindo desde a lógica de sistemas funcionais até a análise de atores, normas e contextos, conforme o quadro que segue:


Assim, a economia tem um código próprio de funcionamento, baseado na díade pagar e não pagar (LUHMANN, 1988), enquanto a influência da matriz corporativa reside também em aspectos de sua organização, como controle e cultura empresarial (GUEDES, 1999). Além disso, os códigos de conduta elaborados por representações das ETNs reagem a valores hegemônicos, como a necessidade de proteger o meio ambiente. O comportamento ambiental concreto é resultado desta confluência complexa de fatores.

Ao mesmo tempo, é relevante verificar se o papel que a legislação desempenha é transformado pelas tendências de auto-regulação empresarial. Para esta questão, vale mencionar a tese de Günter Teubner sobre um crescente pluralismo legal (OP. CIT.: XIV): Este autor percebe nos efeitos da globalização a emergência de uma "lei global, que não comporta nem legislação, nem constituição política e nem hierarquia de normas politicamente ordenada". De forma libertária, defende uma formação descentralizada do direito por parte de diversos setores da sociedade e do mercado contra o monopólio do direito estatal. Mas interpretada de forma crítica, esta tese acaba por sustentar também argumentos neoliberais, pois padrões técnicos e códigos de conduta também são dados como exemplos de pluralismo legal. O problema da tese teubneriana é que ela aceita a auto-validação de "leis" de origem não-central, não problematizando adequadamente os conflitos sociais e os problemas de legitimação e aceitação social relacionados à sua produção heterogênea. As normas de ETNs não são, por exemplo, aceitas de forma acrítica pelo movimento ambientalista. Mesmo que o Estado de Direito também tenha problemas de legitimação (por exemplo as "leis-que-não-pegam"), há uma diferença fundamental entre o sistema legislativo e as iniciativas no âmbito das leis macias (soft law) que não pode ser ignorada: somente o primeiro dispõe de claras formas de sanção e impõe à indústria como um todo padrões mínimos para proteger o homem e o meio ambiente.

As teses acima apresentadas, apesar de demonstrarem algumas fragilidades, apontam para o fato de que a construção e o o enforcement de normas como privilégio de um sistema de direito, entendido como braço do Estado, é algo do passado: soft law e o direito positivo são certamente heterogêneos, mas num mundo globalizado ambos assumem um papel de extrema importância.

DO COMPORTAMENTO REATIVO PARA UMA POLÍTICA AMBIENTAL EMPRESARIAL

Para testar o problema acima mencionado, foi realizada pesquisa empírica sobre o comportamento das duas maiores empresas químicas alemãs sediadas no Brasil.3 3 . As fontes de informação empírica baseiam-se em documentos bem como em entrevistas realizadas no Brasil entre Julho e Setembro de 2000 com gerentes de meio ambiente, representantes da FEEMA, CETESB e IBAMA, de sindicatos e do Greenpeace bem como especialistas em direito ambiental. As cidades visitadas para pesquisa foram São Paulo, São Bernardo do Campo, Guaratinguetá, Rio de Janeiro, Belford Roxo e Brasília. Foram entrevistadas o total de 12 pessoas. As empresas pesquisadas estão entre as maiores mundialmente, ambas possuindo mais de 100 unidades industriais e mais de 100.000 empregados e dispondo de uma paleta de mais de 8.000 produtos. A BASF SA é, em 1999, a segunda maior empresa do ramo químico no Brasil, com vendas no valor de • 1,2 Bilhão (o total de suas vendas na América do Sul perfaz • 1,8 Bilhão), enquanto a Bayer SA, que é a sétima no ramo, alcançou • 749 Milhões4 4 . Revista Exame - As 500 Maiores Empresas no Brasil - Melhores e Maiores, Junho 2000, São Paulo: Editora Abril. em vendas no mesmo ano.

A sede da BASF SA é em São Bernardo do Campo, SP. Os segmentos mais representativos da empresa no Brasil são Tintas, Fármacos, Alimentos, Plásticos e Fibras, incluindo intermediários, pesticidas, dispersões, coatings, laques, polierutanos e vitaminas.5 5 . BASF do Brasil, 1999, Relatório Anual da América do Sul/Informe Anual América del Sur. A empresa possui quatro unidades industriais no Brasil. As duas maiores, com mais de mil empregados, estão localizadas respectivamente em Guaratinguetá, SP, sendo esta a empresa principal, e em São Bernardo do Campo, SP.

Por sua vez, a Bayer SA é sediada em São Paulo e possui quatro unidades de produção, sendo a principal em Belford Roxo, na periferia do Rio de Janeiro. As outras unidades estão em Porto Feliz, SP, São Paulo, SP e Porto Alegre, RS. Sua paleta de produtos inclui pesticidas, óxidos de ferro, polímeros, intermediários e produtos veterinários.

A formulação de uma política ambiental pelas duas empresas tem um desenvolvimento comum: as primeiras medidas ambientais significativas foram introduzidas nos anos 70 como reação à legislação nacional e são baseadas no enfoque do final-de-tubo (end-of-pipe), principalmente tratando efluentes e poluentes atmosféricos. Pode-se falar em uma política ambiental somente a partir de meados dos anos 80, quando nas matrizes alemãs são elaboradas diretrizes ambientais, realizadas auditorias, publicados relatórios ambientais bem como fundadas instâncias administrativas para a área. Na mesma época, surgem os primeiros inspetores ambientais nas subsidiárias brasileiras (GUEDES 1993: 195, 238).

Surpreende o fato de que estas políticas corporativas assumem um caráter global de forma extremamente lenta. Somente no final dos anos 90 as ETNs pesquisadas realizam auditorias em todas suas unidades industriais e incluem também os países em desenvolvimento em seus relatórios ambientais.6 6 . BASF, Umwelt, Sicherheit, Gesundheit 1999; Bayer, Responsible Care-Bericht 1999. Apesar desta morosidade, trata-se de um processo cumulativo que produz uma ruptura: a partir dos anos noventa, o comportamento ambiental das ETNs passa a ser regido predominantemente não mais de forma heterônoma, através da legislação e controle estatal, mas autonomamente pelo próprio empresariado.

São diversas as iniciativas de adesão voluntária que norteiam o comportamento corporativo das transnacionais. Entre estas destacam-se as Diretrizes da OECD para Empresas Multinacionais.7 7 . The OECD Guidelines for Multinacional Enterprises, www.oecd.org/daf/investment/guidelines/index.htm Entretanto, para a gerência ambiental das subsidiárias em questão são apenas duas as referências que exercem uma influência direta: o programa Atuação Responsável e a norma ISO 14001.

O Atuação Responsável foi iniciado em 1986 por empresas químicas no Canadá (responsible care) e está atualmente estabelecido em 42 países,8 8 . www.cefic.org/activities/hse/rc/ estando no Brasil desde 1992. O seu objetivo expresso é a otimização dos sistemas de gerenciamento incluindo sistemas de segurança, proteção do trabalho, meio ambiente, segurança de produtos e transportes, bem como o diálogo com as comunidades locais. Para participar do programa, uma empresa necessita somente assinar uma declaração de adesão ao programa, não havendo controle externo.

As normas da série ISO 14000 foram elaboradas por uma comissão mista com representantes dos governos, de organizações internacionais e especialistas e são postas em prática desde 1996. Esta série de normas dispõe sobre padrões ambientais, e seu elemento central para as empresas é a norma ISO 14001, que define padrões para a gestão ambiental. O requerente necessita apresentar um plano de gestão para obter o certificado. Este é fornecido por organismos de certificação credenciados pelo INMETRO. No Brasil, a aplicação da norma é controlada pelo ABNT, com participação do Ministério do Meio Ambiente, órgãos de controle ambiental, empresários e universidades.

Ambas as empresas pesquisadas seguem a mesma tendência de implementar um sistema centralizado de gerenciamento. No final dos anos 90, todas as suas indústrias da América do Sul serão controladas a partir de suas unidades centrais, respectivamente para a BASF em Guaratinguetá e para a Bayer em Belford Roxo. Da mesma forma, as recomendações da ISO 14001 e do Atuação Responsável foram integradas ao sistema de gestão já existente para as normas de qualidade de produto (ISO 9002).

DIRETRIZES E AUDITORIAS AMBIENTAIS

A política ambiental de ETNs é estruturada pela formulação de diretrizes corporativas, bem como por sistemas de gestão e controle. As diretrizes corporativas publicadas são uma forma de "lei macia", desde que norteiam o comportamento de gerentes e empregados, além de gerar uma expectativa na sociedade de que as empresas façam o que prometem. Formuladas pelas matrizes, as diretrizes valem para a corporação como um todo. À primeira vista, estas diretrizes parecem promissoras. Por exemplo, a BASF AG (a matriz) objetiva "a minimização de impactos para o homem e o ambiente, que podem resultar de plantas industriais, instalações, substâncias e atividades da empresa" (BASF AG, Diretrizes Empresariais sobre a Gestão da Segurança, Saúde e do Meio-Ambiente). De forma mais detalhada, expressa a Bayer AG (a matriz) a intenção de que seus processos de produção devam:

...minimizar o consumo de matérias-primas e energia bem como a quantia de emissões e detritos, produzir resíduos recicláveis ou elimináveis de forma a não agredir ao meio ambiente, forçar medidas de produção integrada frente às medidas aditivas e remediadoras (Bayer AG, Diretrizes para uma Atuação Responsável na Proteção Ambiental e na Segurança).

Estas declarações demonstram que as empresas incorporaram em suas diretrizes algumas prerrogativas ambientalistas. A pergunta é em que medida estes preceitos são postos em prática. Em geral, pode-se dizer que as diretrizes são formuladas de forma demasiado genérica, permitindo omissões importantes, uma questão que trataremos mais abaixo. Ao mesmo tempo, é possível perceber que a incorporação de um sistema de gestão e de diretrizes ambientais nas ETNs vem produzindo inovações favoráveis ao meio ambiente e à segurança de acidentes. Por exemplo, em 1990, a BASF SA não dispunha nem de auditorias ambientais, nem de um levantamento sistemático de impactos, assim como não controlava os requerimentos legais para os transportes de substâncias perigosas de seus parceiros comerciais. Hoje tudo isto é realizado.

Um elemento central no controle das diretrizes são as auditorias internas. Ambas as empresas pesquisadas combinam dois métodos: uma equipe internacional de auditores da matriz visita as instalações industriais das subsidiárias, o que inclui uma "prova através da direção da empresa" e uma inspeção às fábricas. Além disto, as subsidiárias devem responder questionários detalhados, onde os impactos ambientais estão incluídos. Por razões de custos operacionais, entretanto, as inspeções têm uma duração extremamente curta se restringindo às questões de segurança de acidentes (HERBERG, 2001: 25). Isto significa que, apesar das auditorias, as matrizes continuam dependendo fortemente do engajamento da direção das subsidiárias para alcançarem padrões de qualidade almejados.

Um aspecto positivo do Atuação Responsável é que as empresas associadas passaram a dar mais atenção a aspectos de proteção ambiental de seus fornecedores e das transportadoras, em especial daquelas que trabalham com produtos perigosos ou de maior valor. Destes parceiros, as ETNs passam a exigir licenças de operação e um programa de gestão de riscos. Aqui se mostra, entretanto, um problema fundamental de padrões éticos de gerenciamento que não dispõem de controle externo. Todos os associados da ABIQUIM participam do Atuação Responsável, já que, desde 1998, ele se tornou obrigatório nesta associação. Entretanto, nem todas as empresas parecem seguir suas recomendações. Para um gerente de meio ambiente isto demarca uma diferença crucial entre o Atuação Responsável e a norma ISO 14001: "Sim, mas ele não tem uma verificação externa e não tem tanta força. Aqui no Brasil as práticas gerenciais não estão colocadas num modelo sistêmico de gestão. Por estes dois fatores, uma ou outra fábrica se preocupava com isto mas não era obrigação de fazer e agora [com a ISO 14001] é" (Y2).

Seria a norma ISO 14001, com sua verificação externa, uma forma de suprir as deficiências de sistemas de controle de órgãos ambientais e das auditorias da matriz? Infelizmente, a confiança na efetividade desta norma já está colocada em xeque, pois as empresas, para adquirirem uma certificação com a ISO 14001, decidem de forma autônoma que objetivos devem ser alcançados, sem nenhuma participação de órgãos ambientais estatais ou públicos (PRINGLE & LEUTERITZ, 1998: 11). Ou seja, os objetivos de qualidade escolhidos podem deixar lacunas de peso. O certificado é adquirido através da apresentação de um programa de longo prazo condizente à norma da ISO. Já antes de implementar os objetivos, as empresas podem desfrutar de sua certificação.

Não é por acaso que recentemente no Brasil dois escândalos ambientais vieram à tona envolvendo empresas que dispõem de um certificado da ISO 14001: em junho de 2000, o depósito e a queima de resíduos perigosos (entre outros, dioxinas e furanos) da fábrica de montagem da Fiat em Formiga, MG9 9 . Folha Online, Justiça determina que Fiat e fornecedoras retirem lixo de Formiga, 07/06/2000, http://www.uol.com.br/fol/geral/ult07062000320.htm e GREENPEACE, 07/ 2000, Liminar obriga Fiat a descontaminar Formiga (MG), http://www.greenpeace.org.br/news/news.html e, em julho do mesmo ano, a vazão de quatro milhões de litros de óleo da refinaria da REPAR nos rios Iguaçu e Barigui.10 10 . Gazeta Mercantil, Multa de Petrobrás sobe a R$ 168 milhões, 2. Aug. 2000: A-8; Folha de São Paulo, Refinaria é "bomba-relógio", revela estudo, 12 Aug. 2000: C1. Estes casos mostram que a adesão voluntária também pode resultar em custos políticos: no caso do escândalo da Fiat de Formiga, a decisão judicial, considerando sua certificação com a norma ISO 14001, obrigou a empresa a cumprir uma destinação adequada dos resíduos perigosos espalhados na região.

INVESTIMENTOS NO MEIO AMBIENTE

Ainda na década de 70, a questão ambiental era para as empresas um incômodo, contradizendo a lógica liberal do mercado livre. As empresas passaram a ser responsabilizadas por questões até então consideradas como externalidades, desde a exploração de matérias-primas até o destino final dos produtos após seu consumo. A legislação ambiental emergente implicou em novos custos, e novos riscos surgiram com os boicotes de consumidores. Entretanto, na década de 90, as preocupações ambientalistas tornaram-se um valor hegemônico. As empresas passam a incorporar um discurso ambientalista não só como auto-defesa diante das exigências crescentes dos movimentos sociais e do desenvolvimento legislativo. As ETNs descobrem que certas medidas de gestão ambiental, assim como um mercado ambiental emergente, são lucrativas.

Por esta razão, é surpreendente que as empresas pesquisadas tenham necessitado de mais de uma década para implementar medidas ambientais sugeridas por suas diretrizes e programas já desde meados da década de 80. As chances de economias ambientais não foram percebidas anteriormente, provavelmente em função do que Luhmann (op. cit.) chama de código peculiar do sistema econômico, para o qual a questão ambiental é uma mensagem estranha, que necessita ser traduzida e reduzida para poder ser incorporada. Ou seja, as diretrizes promissoras e o Atuação Responsável pouco surtiram efeito. Somente no final da década de 90 esta implementação mostrou avanços significativos, explicada em parte pela peculiaridade da certificação com a norma ISO 14001, que compromete a gerência das empresas candidatas, exige planos detalhados de otimização de padrões ambientais e institui o controle por uma agência externa independente.

A impermeabilidade do código sistêmico da economia explica também a incongruência entre um discurso originado em apelos ambientalistas e hoje utilizado pelas ETNs que ultrapassa claramente a forma típica do ideário técnico e economicista neoliberal. Por exemplo, o ideal de poluição zero e a análise de eco-eficiência, expressos em relatórios ambientais das matrizes11 11 . Bayer, Responsible Care-Bericht 1999. mostram a maleabilidade de discursos quando estes não envolvem compromissos concretos. Já os gerentes ambientais, em seus relatos sobre a práxis da gestão ambiental, expressam o pensamento básico que sustenta as políticas ambientais das ETNs, que pode ser sintetizado na fórmula: "environmental protection makes money". Investimentos no meio ambiente, que não derivam de fortes pressões externas, são realizados pelas ETNs somente pela economia de custos ou para a abertura de novos mercados como os serviços ambientais.

Segundo Voigt (2000: 10), imperativos éticos e custos de reputação induziriam as gerências de empresas aaplicar as diretrizes dos compromissos empresariais assumidos. A pesquisa aqui relatada chegou a uma conclusão divergente sobre o comportamento gerencial: diretrizes e objetivos de qualidade ambientais são percebidos pela gerência como orientações bastante flexíveis. Se elas complementarem as metas comerciais e o crescimento econômico da empresa, serão aplicadas. Ultrapassando este critério limitador, estas orientações não vão muito além de, tão bem quanto possível, cumprir a legislação e causar uma boa imagem pública.

Desta forma, um gerente de meio ambiente de uma das ETNs destaca que a proteção ambiental é efetuada por iniciativa própria quando apresenta vantagens econômicas:

A soma de economia através da ISO 14001 (para todas as fábricas no Brasil) até agora é em torno de US$ 1,8 Mi.. E a gente não teve praticamente investimento nisto. Aqui em Belford Roxo já conseguimos US$ 340 mil por ano com economia de água e US$ 60 mil por ano de gás natural. Então proteção ambiental é legal, economia ambiental, mas tem sempre uma economia de custos associada (Y2).

A outra empresa química pesquisada apresenta o mesmo quadro. Sobretudo a substituição de óleo por gás na fábrica de Guaratinguetá, a partir de 1998, contribuiu para uma redução de material particulado e óxidos de enxofre em torno de 95%, gerando ao mesmo tempo uma economia de US$ 320 mil ao ano.12 12 . www.basf.com.br/releas3.htm

Quanto ao mercado de serviços ambientais, ambas ETNs racionalizaram seus custos com o tratamento do lixo industrial construindo incineradores de grande porte para resíduos perigosos. A Bayer SA, em Belford Roxo, está autorizada pela FEEMA a oferecer seus serviços de análises de laboratório, de depósito e incineração de resíduos, incluindo um dos poucos incineradores do país autorizados a queimar PCBs. A empresa utiliza somente 30% de sua capacidade de incinerar três mil toneladas por ano. Como conseqüência, este serviço é negociado com demais empresas. Desde 1994, em torno de 160 firmas deixam incinerar seus resíduos na Bayer SA. Segundo as entrevistas, esta área de serviços rendeu até o momento um total de US$ 6 Mi.. A mesma política é seguida pela BASF Guaratinguetá, que dispõe seu incinerador de resíduos da classe I (os mais perigosos) para 70 clientes, além da incineração gratuita para os hospitais da região, uma estratégia que aumenta a influência da empresa na política regional.

Todos estes exemplos apontam para o fato de que os investimentos no meio ambiente, gerados por auto-iniciativa, contribuíram para uma racionalização econômica considerável do consumo de matérias primas, como energia e água, da geração de resíduos e emissões e da oferta de serviços. Isto significa que a suspeita de que as políticas ambientais de ETNs não passem de greenwashing não condiz com a realidade, mesmo que estas transformações se movam dentro de um enfoque reducionista típico do código sistêmico da economia. Por outro lado, um dos pontos fracos fundamentais da auto-regulação é a dificuldade de gerar investimentos em áreas não rentáveis.

PADRÕES DE EMISSÃO

A análise de padrões de emissão das empresas pesquisadas reafirma nossa tese do auto-compromisso como um instrumento de efeitos ambientais positivos mas estruturalmente limitado, necessitando ser complementado pela aplicação da legislação ambiental e pela pressão pública. Tomemos por exemplo o complexo industrial da Bayer SA em Berford Roxo. De acordo com um relatório da FEEMA em conjunto com a Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ), esta empresa, depois de emitir durante anos substâncias altamente tóxicas, teria reduzido consideravelmente suas emissões (COSTA, 1998: 88-89). O Presidente da FEEMA também destaca, com algumas ressalvas, as mudanças realizadas:13 13 . Entrevista pessoal. "Hoje consideramos esta empresa como tendo um bom padrão ambiental. Mas ela ainda tem coisas que devem ser corrigidas" (FEEMA).

Entre estas coisas a serem corrigidas, a FEEMA acabou por confirmar resultados de uma pesquisa efetuada pelo Greenpeace, que detectou um nível de mercúrio (22 mg/kg) claramente acima dos padrões legais na vazante da fábrica no rio Sarapuí.14 14 . A FEEMA com base nestes dados impôs um termo de ajustamento de conduta à empresa. I. Labunska, R. Stringer, K. Brigden, "Poluição por metais e compostos orgânicos associada à unidade da Bayer em Belford Roxo", Nota Técnica: 23/00, Rio de Janeiro, Greenpeace (Departamento de Ciências Biológicas, Universidade de Exeter, Reino Unido), 12/2000. Esta denúncia não é tão abrangente a ponto de colocar todas as iniciativas ambientais da empresa por água abaixo, mas ela revela a fragilidade do perfil de empresas que desejam se apresentar como pioneiras na ecologia e acima da média do comportamento industrial.

O mesmo problema é observável nos relatórios ambientais das ETNs, que apresentam estatísticas surpreendentes sobre redução de emissões omitindo causas e contextos. Os relatórios sugerem grandes esforços feitos em inovações tecnológicas e investimentos ambientais. Mas, por exemplo, a Bayer SA alcançou nos últimos anos uma redução considerável de emissões simplesmente a partir da venda ou do fechamento de fábricas poluentes. Entre 1993 e 1998 foram fechadas treze linhas de produção no complexo de Berford Roxo.15 15 . Bayer, Relatório de auditoria ambiental - complexo Belford Roxo, referente ao ano 1997: 30.

PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO FUNÇÃO DA DEMANDA

Um argumento típico para explicar porque as ETNs poluem mais no Brasil que em seus países de origem recorre à necessidade de adaptação aos padrões nacionais de mercado. As exigências da demanda e não a responsabilidade empresarial imporia os padrões ambientais dos produtos.

A maior parte dos clientes das ETNs pesquisadas são indústrias automobilísticas, de papel, couro, têxteis ou eletrodomésticos. Por esta razão muitas das inovações tecnológicas impactam diversos setores industriais simultaneamente. Por exemplo, as tintas com base de água, que apresentam diversas vantagens ambientais sobre as tintas convencionais, sendo que estas últimas produzem efluentes com alta Demanda Química de Oxigênio (DBO) e metais pesados, além de consumirem muita água. Numa iniciativa recente, as montadoras brasileiras Volkswagen e Daimler Chrysler estão utilizando pigmentos solúveis em água produzidos pelas duas ETNs químicas em foco. Assim, a demanda de um produto mais ecológico das montadoras reduz automaticamente a produção de poluição pelas indústrias químicas. Com a expansão das possibilidades de consumo no Brasil, a imagem ambiental ganha em relevância.

As pressões da demanda por produtos de baixo investimento ambiental agregado destacam-se sobretudo em setores onde os custos de proteção ambiental são expressivos. Um exemplo nomeado por diversos gerentes ambientais entrevistados é o mercado de pigmentos e tintas têxteis, que sofre uma acirrada concorrência com produtos asiáticos mais baratos que, entre outras razões, poupam no tratamento de resíduos: "A linha de corantes têxteis, não só no Brasil mas também na Europa, sofreu muito com a concorrência dos países do leste da Ásia como Índia e China. A fabricação de corantes tem um custo de tratamento razoável das águas poluídas, se gasta muita água. Estamos por isso nos números vermelhos"(S1). Apesar disto, a BASF e a Bayer do Brasil criaram recentemente uma joint-venture para a produção de pigmentos têxteis no Brasil, a DyStar.16 16 . Ao mesmo tempo que a Bayer AG fechou uma linha de produção similar - sua fábrica de Naftóis - na Alemanha. Não está claro se economias ambientais foram decisivas para esta realocação da produção. Bayer SA, Relatório Ambiental 1999: 26.

Mesmo que, em geral, fatores de mercado limitem os espaços para inovações ambientais, estes condicionantes não devem ser utilizados como álibi para um comportamento contrário à precaução, em especial tratando-se de ETNs que estão entre as maiores empresas mundiais em capital de giro.

ADESÃO VOLUNTÁRIA, DIREITO E CONTROLE AMBIENTAL

Uma crítica comum à adesão voluntária empresarial supõe que sua legitimação enfraqueceria a função estatal de legislar sobre a poluição industrial. Nossa pesquisa tematiza diversos aspectos das relações entre direito ambiental e a autoregulamentação chegando à conclusão de que ela é heterogênea e contém contradições intrínsecas.

O lobby da indústria química no Brasil representado pela ABIQUIM propõe que a adesão voluntária substitua exigências legais "irrealistas". Ao invés de se criarem novas leis no nível local e regional, deveria haver negociações entre as indústrias, prefeituras e governos.17 17 . Jornal Enfoque ABIQUIM, 2000. A indústria busca padrões flexíveis para se adaptar às mudanças de mercado. A legislação, pelo contrário, visa proteger ao homem e ao meio ambiente através de padrões fixos e detalhados. Há casos, porém, em que, contradizendo seu discurso anti-legislativo, o grande empresariado procura estabelecer normas técnicas industriais avançadas, adaptando o mercado nacional às exigências de um mercado globalizado e às normas já correntes em países industrializados. Desta forma, a ABIQUIM organizou uma participação mais intensiva do empresariado em órgãos estatais de normatização para a agilização de processos e a defesa de seus interesses específicos.

Com relação ao controle estatal da poluição, iniciativas de adesão voluntária estão associadas a ganhos de autonomia das empresas. Participantes do Atuação Responsável teriam, por exemplo, obtido licenças de expansão para suas instalações mais facilmente do que as demais empresas (Garcia-Johnson, op. cit.: 27-30). Esta forma de "cooperação" traz vantagens para ambos os lados: as empresas têm mais liberdades e os órgãos de controle ambiental menos trabalho. Em que medida este comportamento pode ser generalizado dependerá de fatores como a integridade dos órgãos ambientais e o grau de pressão da sociedade civil em cada caso.

Decisiva para o comportamento da Bayer S.A. de Belford Roxo é sua localização geográfica na Baía de Guanabara, já que esta se tornou um símbolo das lutas ambientalistas.18 18 . A baía comporta o segundo maior conglomerado industrial do Brasil. Para conter o alto nível de poluição a Baía de Guanabara foi declarada 1989 na Constituição do Estado do Rio de Janeiro (Art. 265) uma área de proteção ambiental (APP). Situado na periferia de Rio de Janeiro, o complexo industrial não deixa de estar na mira das organizações não governamentais. Além disto a FEEMA, a partir de 1998 sob a direção de Axel Grael, vinculado ao Partido Verde, saiu de sua crise profunda demonstrando um engajamento forte na coisa pública, a exemplo do termo de compromisso negociado com a CSN, a indústria que mais poluía no Estado do Rio de Janeiro.19 19 . www.csn.com.Brasilien/portugues/institucional/pdfs/termo de ajuste de conduta_relatorio.pdf.

Em contraste, a sede industrial da BASF em Guaratinguetá demonstra que sua localização numa cidade pequena traz decisivamente mais soberania para a empresa. Nesta cidade não há organizações ambientalistas e o sindicato tem pouca influência. O órgão de controle ambiental local, que poderia cobrir esta lacuna, mantém relações estreitas com a empresa.20 20 . Este órgão público dificulta, por exemplo, o acesso à informações públicas sobre a poluição industrial. Apesar de requisitar oficialmente dados sobre as emissões da empresa, anexando cópia de regulamento da CETESB sobre a informação obrigatória ao público, o pesquisador teve acesso vedado sob alegação de sigilo. Ora a poluição do espaço público é coisa pública e não pode usufruir de sigilo. Uma grande empresa situada numa pequena cidade constitui um problema peculiar de desnível do poder local, como formula um de seus sindicalistas: "A empresa tem uma influência muito grande aqui. Diversas obras foram doadas para a cidade. O chamado segundo prefeito é o diretor da fábrica"(G1).

Ambas as ETNs realizam um automonitoramento de suas emissões, periodicamente fiscalizado pelos órgãos de controle. Para o complexo industrial de Guaratinguetá não foi possível obter informações seguras sobre irregularidades, além do depoimento do sindicato local sobre um freqüente mau cheiro que infestaria os bairros nas imediações da fábrica bem como de acidentes ocasionais sem cobertura da imprensa.

Lacunas no controle estatal não levam, entretanto, necessariamente a um relaxamento do comportamento das empresas. Por exemplo, a Bayer em Belford Roxo reduziu consideravelmente seu impacto ambiental apesar da crise da FEEMA nos anos 90 (COSTA, op.cit.). A análise da auditoria ambiental desta empresa, auditoria esta que no Estado do Rio de Janeiro é obrigatória para a grande indústria, mostra um número de irregularidades pequeno, que pode ser interpretado como usual para as indústrias em geral.

Uma pergunta de especial interesse é se as ETNs usam de deficiências no direito ambiental brasileiro para poluir mais do que suas matrizes na Alemanha. O direito ambiental brasileiro está em geral à altura dos padrões de países industrializados.21 21 . Nossos dados sobre o direito ambiental brasileiro se baseiam em entrevistas pessoais com dois dos mais renomados especialistas nesta área no país: o Prof. Dr. Paulo Afonso Lemes Machado e o Dr. Édis Milaré, além da bibliografia especializada. Sobretudo a nova Lei de Crimes Ambientais de 1998 (Lei Nr. 9.605) tem um efeito preventivo de extrema relevância, já que pessoas jurídicas como as próprias ETNs podem ser processadas e, ao mesmo tempo, as multas tenham sido aumentadas vigorosamente, perfazendo até 50 Millhões de Reais para um primeiro delito. Entre as principais lacunas da legislação brasileira está a falta de determinações genéricas para o descarte de substâncias e resíduos perigosos. Outra lacuna evidente é a falta na legislação federal, bem como na maioria dos Estados, de níveis máximos de emissão de poluentes para diversas classes de substâncias que, por exemplo na Alemanha, são contempladas numa lista detalhada, a TA-Luft.22 22 . Incluindo substâncias inorgânicas particuladas, em forma de vapor ou gás, substâncias orgânicas e substâncias cancerígenas: Technische Anleitung Luft zum deutschen Bundesimmissionsschutzgesetz.

Focando a pergunta sobre as ETNs pesquisadas, a hipótese de tirar vantagem das lacunas legislativas com relação ao descarte de substâncias perigosas é pouco provável, já que ambas as empresas investiram em sistemas de tratamento de resíduos modernos como os incineradores já mencionados, com o objetivo de auferir ganhos nesta área de serviços.

Com relação às emissões, imperam duas tendências opostas. As novas instalações são baseadas na importação de padrões técnicos alemães, que em geral são mais exigentes do que os nacionais. Isto significa que com a transferência de tecnologia as emissões de poluentes seguem freqüentemente padrões acima das exigências legais brasileiras, baseados no TA-Luft, como por exemplo na Bayer SA para xileno, benzeno, tolueno e partículas de cromo e, na BASF SA, para os gases butano e pentano.

Esta prática, infelizmente, nem contempla todas as lacunas da legislação nacional nem persegue sempre os padrões mais exigentes. Por exemplo, uma das empresas utiliza para seus incineradores padrões de emissão para material particulado entre os valores brasileiros de 50 m/m3 e os alemães de 30 m/m3.

A homogeneização através de transferência tecnológica corresponde às novas plantas industriais, não incluindo instalações industriais antigas ou adquiridas de outras empresas. Vale a pena lembrar que a capacidade de absorção da poluição pelo ambiente depende da densidade industrial, critério controverso mas utilizado para diferenciar as exigências legais de Estados brasileiros altamente industrializados de outros, que desejam atrair a indústria com padrões mais permissivos. De qualquer forma, este critério não é válido para o eixo Rio de Janeiro - São Paulo, onde mais de 70 mil indústrias formam a região industrial mais densa da América Latina (World Bank, 1996: 06), região onde se localizam ambos os complexos industriais aqui em foco.

RELAÇÕES COM A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA

Um dos objetivos do Responsible Care é, através de um "diálogo", melhorar a relação das empresas com a sociedade. Este impulso no Brasil ainda não surtiu efeito. Uma forte polarização entre empresas, ONGs e sindicatos permanece. Por exemplo, com relação ao requerimento de participação do sindicato químico da CUT no programa Atuação Responsável, os depoimentos de ambos os lados são incompatíveis. Enquanto as empresas dizem estarem abertas à participação, o sindicato afirma o contrário.23 23 . Entrevistas pessoais. Para a CUT isto demonstraria a exígua credibilidade do Atuação Responsável: "Não é por acaso que as empresas participam do Atuação Responsável. Mas isto é uma máscara. Ela não permite que nós do sindicato acompanhemos a empresa neste programa"(G1).

A relação entre sindicato e empresa, a exemplo da BASF Guaratinguetá, é marcada por uma desconfiança mútua extrema. Para exemplificar, segundo o dirigente do sindicato, o seu acesso à empresa está atualmente coibido: "Apesar de eu ser um funcionário da empresa, eu preciso para entrar nela de uma permissão do departamento pessoal. Como no momento não temos uma boa relação, eles proibiram a minha entrada. Quando exigimos nossos direitos somos chamados de agitadores"(G1).

Na Alemanha, entre a mesma empresa e seu sindicato predomina uma interação totalmente diversa, de forte cooperação, o que é típico para as relações entre capital e trabalho neste país. No Brasil, estas relações são geralmente conflitivas. Entretnato, isto não pode ser explicado simplesmente por uma imagem negativa da indústria química junto à opinião pública, pois esta imagem não diverge consideravelmente entre o Brasil, os EUA ou a Alemanha.24 24 . Sobre o Brasil: Relatório ABIQUIM - Comitê de Meio Ambiente, 1991, sobre os EUA: Guedes, 1993: 71, e sobre a Alemanha (entretanto dados não atuais): Hummels, H., Anreize zur Standardisierung umweltverträglichen Verhaltens multinationaler Unternehmer, Frankfurt a.M.: Peter Lang ( Europäische Hochschulschriften - Reihe V, Bd. 2237): p. 156, 1997. Além disto, diversamente de muitos países industrializados, o Brasil não dispõe do Community-right-of-information. Informações de órgãos do Estado e de ETNs não são negligenciadas somente para a sociedade civil, mas ocasionalmente até para o próprio Ministério Público.25 25 . Rosseto, L. F., Funcionamento de estabelecimento potencial poluidor sem licença ou autorização do órgão ambiental competente, in: Revista de Direito Ambiental, Jan.-März 2000, Ano 5, Nr.17, 236ff e ainda: Ministério Público do Trabalho, Procuradoria Regional do Trabalho da 1° Regiao, Rio de Janeiro, Inquérito Civil Nr. 166/94, 27.10.94. 26. K. Munn, "Responsible Care and Related Voluntary Iniciatives to Improve Enterprise Performance on Health, Safety and Environment in the Chemical Industrie", Genf: International Labor Organisation, 1999, www.ilo.ch/public/english/dialogue/sector/papers/respcare/rscare9.ht27.Marcelo Firpo Souza Porto, Relatório sobre acidentes da Bayer - Fábrica - P.U.M. Rio de Janeiro: CESTEH/ENSP/FIOCRUZ, 1994.

Outra especificidade nacional é a forma como as iniciativas de adesão voluntária são incorporadas. Teoricamente, elas objetivam uma adaptação às necessidades locais. Isto não significa, entretanto, que nos países onde os problemas são mais prementes o engajamento empresarial seja mais intenso. Por exemplo, a implementação do Responsible Care no Canadá e nos EUA contam com um conselho nacional autônomo (National Advisory Panel - NAP), que segundo um estudo da Organização Internacional do Trabalho parece ser decisivo para o sucesso substantivo do programa nestes países.27 Este conselho é formado por representantes de organizações ambientalistas, advogados de defesa ao consumidor e especialistas. No Brasil, onde, diferentemente dos países mencionados, não existe um direito amplo de informação, a ABIQUIM recusou a formação desta forma de conselho, argumentando não haver necessidade (GARCIA-JOHNSON, op.cit.: 179).

As subsidiárias de ETNs no Brasil parecem reduzir seu diálogo com a sociedade a programas assistencialistas para os moradores das imediações de suas instalações industriais. Por exemplo, a Bayer S. A. em Belford Roxo, que está rodeada por favelas, organizou um pequeno grupo de representação da comunidade para discutir problemas sociais, como prevenção da AIDs, além de distribuir alimentos e manter uma escola de futebol para os jovens. Entretanto, medidas de muito maior premência são negligenciadas. Por exemplo, casos de acidentes na fábrica envolvendo a comunidade, mostraram um despreparo tanto por parte de órgãos públicos (postos de saúde, bombeiros, etc.) quanto por parte dos moradores em reagir adequadamente ao perigo e aos danos associados.27 Uma "atuação responsável" da empresa não pode se limitar, neste caso, a "abafar" os riscos envolvidos. Ela deveria atuar no esclarecimento e na capacitação da comunidade local para lidar com os riscos de acidentes industriais.

Wheeler (2001: 11) supõe que deficiências de órgãos de controle ambiental em países em desenvolvimento sejam automaticamente corrigidas por stakeholders e grupos de moradores, que exerceriam uma espécie de regulamentação informal sobre empresas poluidoras. Nossos resultados de pesquisa apontam para exemplos contrários à tese deste autor do Banco Mundial: Muitas vezes há ausência de stakeholders, como no caso da BASF Guaratinguetá. Além disto, as associações de moradores carecem de informações, como é o caso de Belford Roxo, onde os moradores enfrentam um forte desnível na sua capacidade de barganha para negociarem com as ETNs.

Seria um erro, entretanto, interpretar a adesão voluntária como se esta implicasse somente em ganhos para as ETNs e perdas para a pressão pública contra a poluição química. Pois os compromissos assumidos pelas empresas envolvem o risco da cobrança de setores críticos da sociedade e do descrédito empresarial. As obrigações que surgiram para a Fiat em MG com relação à destinação de resíduos perigosos, mencionadas acima, comprovam esta hipótese. O vazamento de óleo em julho de 2000 na REPAR, certificada com a norma ISO 14001, também originou fortes pressões políticas, unindo reivindicações ambientalistas e sindicalistas por maiores investimentos em sistemas de segurança e contratação de recursos pessoais.28 28 . O Estado de São Paulo, Gabeira quer cassação de certificado ambiental, 20 Julho 2000: A-15. Outro exemplo é a crítica da ONG alemã "Deutscher Chemiekreis", em cooperação com sindicatos brasileiros, à Bayer SA: Contrariando suas obrigações assumidas pelo Atuação Responsável, a empresa estaria fechando os olhos para os efeitos danosos de seu pesticida Baysiston na cultura de café em Minas Gerais, onde este teria causado envenenamentos e até mortes.29 29 . Wo Responsible Care endgültig zur Farce wird - Kaffeeanbau in Brasilien, in: Chemiekreis, http://home.wtal.de/bl/ck.

HOMOGENEIZAÇÃO OU MANUTENÇÃO DE PADRÕES DUPLOS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL?

Por se tratarem de movimentos internacionais, as iniciativas de autoregulamentação poderiam causar um nivelamento de padrões de proteção ambiental mais exigentes para países em desenvolvimento. Entre as diversas iniciativas que têm disseminado padrões éticos de comportamento para atores econômicos, estão, por exemplo, a ISO 14001, que está implementada atualmente em 112 países, e o Responsible Care, em 42 países. Estes instrumentos prevêem no mínimo a montagem de uma estrutura de gestão ambiental, assim como a identificação e minimização de impactos negativos. Sobretudo para empresas que ainda não se confrontaram com um screening ambiental, estas medidas são relevantes. A deficiência fundamental destas iniciativas reside, entretanto, no fato de que algumas medidas pontuais pouco dizem sobre a totalidade de impactos de uma fábrica. Esta pode, por exemplo, reduzir drasticamente suas emissões de poluentes do ar mas não informar adequadamente os agricultores que aplicam seus pesticidas sobre os riscos ligados ao seu uso excessivo ou sem precaução com a saúde.

Sob a perspectiva de uma comparação internacional, a adesão voluntária reforça a homogeneização de padrões provocada pela globalização econômica, acelerando a transferência de tecnologias. Este processo entretanto é seletivo, vinculado às regiões e aos setores de economia dinâmica (DAHRENDORF, 1997). No caso das ETNs químicas alemãs, é possível perceber esta dualidade na importação de tecnologias modernas para o Brasil por um lado, e por outro na concentração da pesquisa e desenvolvimento no país de origem das empresas, onde a maior parte das inovações de ponta são inicialmente implementadas.

De qualquer forma as ETNs poderiam estar fazendo mais do que o fazem para combater padrões duplos. O exemplo mais óbvio são as defasagens na política de informações ao público e na relação com a sociedade civil organizada. Os relatórios ambientais da Bayer SA apresentam somente dados imprecisos em comparação com os relatórios detalhados da matriz.30 30 . Bayer SA, Relatório Ambiental 1999. No caso da BASF, esta relação é ainda mais surpreendente: Os relatórios brasileiros, ao contrário dos alemães, não contêm nenhuma informação sobre a evolução das emissões.31 31 . BASF do Brasil, 1999, Relatório Anual da América do Sul/Informe Anual América del Sur. Sem dúvida esta atitude de não transparência reforça a falta de confiança da opinião pública e dificulta o diálogo com a sociedade.

Na busca de padrões sociais, ambientais e de emprego de validade global há, entretanto, outros atores que, ao lado das ETNs, também desempenham um papel essencial. Por exemplo, dentro das negociações da Organização Mundial de Comércio, um grande número de países em desenvolvimento tem recusado categoricamente o reconhecimento de padrões socioambientais mínimos, permanecendo na posição anacrônica da Conferência Ambiental de Estocolmo de 1972 de que é preciso primeiramente "desenvolver" para depois tentar remediar os males de um modelo de desenvolvimento social e ambientalmente perverso. Entretanto, às ETNs, por seu caráter global, cabe a responsabilidade maior, fazendo valer suas condições vantajosas de amortizar custos de pesquisa e desenvolvimento através da transferência de inovações tecnológicas, para assumir um pioneirismo no combate a padrões duplos.

PERFIL AMBIENTAL DAS EMPRESAS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

As diferenças do perfil das duas empresas pesquisadas podem ser explicadas por alguns fatores básicos, dos quais destacamos os seguintes: desníveis na legislação e na atuação dos órgãos ambientais entre Estados da Federação, grau de pressão de grupos ambientalistas e sindicatos e grau de engajamento da gerência das empresas (veja quadro II abaixo).


No caso da BASF SA de Guaratinguetá, a pressão heterônima é fraca, seja por parte de stakeholders ou do órgão de controle ambiental. A empresa apresenta algumas iniciativas pioneiras de proteção ambiental, que derivam entretanto ou de economias ambientais ou de medidas preventivas frente a uma legislação que continuamente avança. A falta de transparência, a exemplo dos relatórios ambientais, assim como a relação extremamente conflitiva com o sindicato é eclatante. Considerando, ao mesmo tempo, a influência política assimétrica da empresa no município, torna-se possível a esta indústria ferir a legislação sem que isto venha à tona, ou seja, quase que constituir um terreno autônomo do direito.

Em contraste está o contexto em que se inserem as instalações da Bayer SA em Belford Roxo. Aqui, a política "verde" da FEEMA, a atuação de organizações ambientalistas e do Ministério Público, assim como a sensível localização da fábrica junto à Baía de Guanabara exercem sinergicamente uma clara influência no perfil ambiental da empresa. Este perfil se caracteriza, por exemplo, pelo fechamento de fábricas poluidoras, reduções drásticas de emissões e pela ágil aquisição de certificações como a norma ISO 14001.

Estes condicionantes estruturais explicam a complexidade do comportamento industrial. Há, por exemplo, determinantes econômicos que explicam (não legitimando) a manutenção de padrões duplos. Nestes casos, estratégias indiretas da política econômica, a exemplo dos países industrializados, poderiam impulsionar avanços consideráveis no Brasil.32 32 . Por exemplo, instrumentos como vantagens fiscais para o fomento de veículos de baixa emissão, para economias de energia ou para a reutilização do óleo industrial bem como taxas ambientais são instrumentos regulativos com efeitos ambientais positivos na Alemanha. Veja também Fátima Bucker, "A Questão Ambiental e o Direito Econômico", Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, Feb. 1991. Ao mesmo tempo, há uma série de defasagens entre as diretrizes assumidas e a práxis das ETNs que não derivam da economia: a escassa transparência de seu comportamento ambiental, a carência de estratégias de gestão de acidentes junto às comunidades de moradores no entorno das fábricas e os exíguos esforços de diálogo com a sociedade civil organizada.

CONCLUSÕES

Neste estudo, problematizamos a adesão voluntária empresarial testando teses sobre seus efeitos no perfil ambiental de instalações industriais e sobre o grau de autonomia das ETNs frente à regulamentação estatal e às demandas sociais.

Uma primeira conclusão é de que as iniciativas de autoregulamentação não se reduzem a greenwashing, pois produzem avanços efetivos na proteção ambiental. Entre outros exemplos, as ETNs introduziram um screening ambiental para todas as novas instalações, a auditoria de parceiros comerciais, uma minimização considerável do consumo de recursos naturais bem como da emissão de poluentes. Todavia, o diálogo com a sociedade e a transparência não são implementados da forma propagada.

O potencial da autoregulamentação reside, sobretudo, no fato de que tanto o engajamento como certas inovações dentro das empresas não podem ser alcançados de forma heterônima, ou seja, nem pela legislação, nem por pressões sociais, nem mesmo pelas auditorias da matriz. Pois há uma imensa "zona nebulosa" que permanece oculta para atores externos às fábricas (GLECKMAN, 1995: 98) e quem melhor conhece os problemas das fábricas são seus próprios empregados. Por essa razão, empresas e suas representações têm um papel insubstituível para estratégias eficientes de global governance, para complementar a legislação e o acompanhamento crítico da sociedade civil. Somente uma atuação conjunta desta tríade de atores parece alcançar um balanço apropriado para sustentar exigências econômicas e ambientais simultaneamente.

Por outro lado, há limites estruturais no potencial da autoregulamentação empresarial. Ela não é capaz de substituir a função de controle do Estado, já que não dispõe dos exclusivos instrumentos da legislação: a mediação independente entre interesses econômicos e ambientalistas, a imposição de padrões mínimos para todas as empresas, a autonomia do controle dos órgãos estatais bem como mecanismos de sanção com força legal. A tese teubneriana, que percebe uma autovalidação da adesão voluntária dentro das relações empresa e sociedade precisa ser reformulada, apontando para a falta de efetividade dos códigos de conduta e os problemas de legitimação. Além disto, as empresas estão presas à racionalidade econômica, filtrando automaticamente exigências ambientais não econômicas através de seu código sistêmico de operação, o que só pode ser quebrado por uma forte influência externa.

Outra questão levantada é a hipótese de a adesão voluntária fortalecer a soberania das empresas frente às pressões heterônomas. Os resultados de pesquisa apontam para uma antinomia com relação à esta hipótese. As estratégias ambientalistas das ETNs têm reforçado o lobby empresarial na definição de normas técnicas e aumentado o seu poder de barganha frente aos órgãos de controle através de exemplos positivos de gestão ambiental. Estes últimos incluem o uso de padrões de emissão mais exigentes que os nacionais e a manutenção de incineradores ultramodernos oferecendo um serviço para as regiões onde as fábricas se situam. A auto-iniciativa das empresas é, além disto, vista com bons olhos pelos órgãos ambientais, já que reduz a sobrecarga de trabalho destes. Ao mesmo tempo, ao se compromissar com normas de gestão e códigos de conduta, as ETNs passam a ser pressionadas para manterem sua palavra, sofrendo novos tipos de riscos bem como perdas, exemplificados acima pelo caso do escândalo da Fiat em Formiga e pelo caso do pesticida Baysistin da Bayer SA. Se as iniciativas empresariais surgiram para refrear o desenvolvimento legislativo e as demandas públicas, como sugere Garcia-Johnson (op. cit.), então elas não atingiram seu alvo.

Com relação ao papel da adesão voluntária empresarial, cabe colocar que correções fundamentais são prementes, sob a ameaça de corroer sua efetividade e sua credibilidade. A concepção da norma Iso-14001 e do Atuação Responsável, bem como as políticas ambientais internas das ETNs, são atrativas para as empresas em virtude de sua flexibilidade. Entretanto, enquanto fatores relevantes de proteção ambiental possam ser omitidos, enquanto faltar a consulta pública na formulação de objetivos de qualidade, e enquanto não for implementado um controle externo com regras claras de sanção, a confiabilidade da auto-regulação empresarial de ETNs permanecerá frágil.

BIBLIOGRAFIA

Recebido em 15/03/2003 e aceito em 10/05/2003

NOTAS

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  • *
    Este estudo foi realizado como parte do projeto "
    Umweltrechtliche Regime bei Direktinvestitionen in Niedrigstandardländern" do Centro de Pesquisa do Direito Ambiental Europeu, Universidade de Bremen, Alemanha, financiado pela Deutsche Forschungsgemeinschaft - DFG. Agradeço a correção da tradução por João F. K. Lisboa.
  • 1
    . ISO, TC 207,
  • 2
    . J. Gutberlet, Produção Industrial e Política Ambiental - Experiências de São Paulo e Minas Gerais, (Pesquisas Nr.7), São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1996: S. 136.
  • 3
    . As fontes de informação empírica baseiam-se em documentos bem como em entrevistas realizadas no Brasil entre Julho e Setembro de 2000 com gerentes de meio ambiente, representantes da FEEMA, CETESB e IBAMA, de sindicatos e do Greenpeace bem como especialistas em direito ambiental. As cidades visitadas para pesquisa foram São Paulo, São Bernardo do Campo, Guaratinguetá, Rio de Janeiro, Belford Roxo e Brasília. Foram entrevistadas o total de 12 pessoas.
  • 4
    .
    Revista Exame - As 500 Maiores Empresas no Brasil - Melhores e Maiores, Junho 2000, São Paulo: Editora Abril.
  • 5
    . BASF do Brasil, 1999,
    Relatório Anual da América do Sul/Informe Anual América del Sur.
  • 6
    . BASF,
    Umwelt, Sicherheit, Gesundheit 1999; Bayer,
    Responsible Care-Bericht 1999.
  • 7
    . The OECD Guidelines for Multinacional Enterprises,
  • 8
    .
  • 9
    .
    Folha Online, Justiça determina que Fiat e fornecedoras retirem lixo de Formiga, 07/06/2000,
    Liminar obriga Fiat a descontaminar Formiga (MG),
  • 10
    .
    Gazeta Mercantil, Multa de Petrobrás sobe a R$ 168 milhões, 2. Aug. 2000: A-8;
    Folha de São Paulo, Refinaria é "bomba-relógio", revela estudo, 12 Aug. 2000: C1.
  • 11
    . Bayer,
    Responsible Care-Bericht 1999.
  • 12
    .
  • 13
    . Entrevista pessoal.
  • 14
    . A FEEMA com base nestes dados impôs um termo de ajustamento de conduta à empresa. I. Labunska, R. Stringer, K. Brigden, "Poluição por metais e compostos orgânicos associada à unidade da Bayer em Belford Roxo",
    Nota Técnica: 23/00, Rio de Janeiro, Greenpeace (Departamento de Ciências Biológicas, Universidade de Exeter, Reino Unido), 12/2000.
  • 15
    . Bayer,
    Relatório de auditoria ambiental - complexo Belford Roxo, referente ao ano 1997: 30.
  • 16
    . Ao mesmo tempo que a Bayer AG fechou uma linha de produção similar - sua fábrica de Naftóis - na Alemanha. Não está claro se economias ambientais foram decisivas para esta realocação da produção. Bayer SA, Relatório Ambiental 1999: 26.
  • 17
    .
    Jornal Enfoque ABIQUIM, 2000.
  • 18
    . A baía comporta o segundo maior conglomerado industrial do Brasil. Para conter o alto nível de poluição a Baía de Guanabara foi declarada 1989 na Constituição do Estado do Rio de Janeiro (Art. 265) uma área de proteção ambiental (APP).
  • 19
    .
  • 20
    . Este órgão público dificulta, por exemplo, o acesso à informações públicas sobre a poluição industrial. Apesar de requisitar oficialmente dados sobre as emissões da empresa, anexando cópia de regulamento da CETESB sobre a informação obrigatória ao público, o pesquisador teve acesso vedado sob alegação de sigilo. Ora a poluição do espaço público é coisa pública e não pode usufruir de sigilo.
  • 21
    . Nossos dados sobre o direito ambiental brasileiro se baseiam em entrevistas pessoais com dois dos mais renomados especialistas nesta área no país: o Prof. Dr. Paulo Afonso Lemes Machado e o Dr. Édis Milaré, além da bibliografia especializada.
  • 22
    . Incluindo substâncias inorgânicas particuladas, em forma de vapor ou gás, substâncias orgânicas e substâncias cancerígenas: Technische Anleitung Luft zum deutschen Bundesimmissionsschutzgesetz.
  • 23
    . Entrevistas pessoais.
  • 24
    . Sobre o Brasil: Relatório ABIQUIM - Comitê de Meio Ambiente, 1991, sobre os EUA: Guedes, 1993: 71, e sobre a Alemanha (entretanto dados não atuais): Hummels, H., Anreize zur Standardisierung umweltverträglichen Verhaltens multinationaler Unternehmer, Frankfurt a.M.: Peter Lang (
    Europäische Hochschulschriften - Reihe V, Bd. 2237): p. 156, 1997.
  • 25
    . Rosseto, L. F., Funcionamento de estabelecimento potencial poluidor sem licença ou autorização do órgão ambiental competente, in:
    Revista de Direito Ambiental, Jan.-März 2000, Ano 5, Nr.17, 236ff e ainda: Ministério Público do Trabalho, Procuradoria Regional do Trabalho da 1° Regiao, Rio de Janeiro, Inquérito Civil Nr. 166/94, 27.10.94.
    26. K. Munn, "Responsible Care and Related Voluntary Iniciatives to Improve Enterprise Performance on Health, Safety and Environment in the Chemical Industrie", Genf: International Labor Organisation, 1999,
    Relatório sobre acidentes da Bayer - Fábrica - P.U.M. Rio de Janeiro: CESTEH/ENSP/FIOCRUZ, 1994.
  • 28
    .
    O Estado de São Paulo, Gabeira quer cassação de certificado ambiental, 20 Julho 2000: A-15.
  • 29
    . Wo Responsible Care endgültig zur Farce wird - Kaffeeanbau in Brasilien, in:
    Chemiekreis,
  • 30
    . Bayer SA,
    Relatório Ambiental 1999.
  • 31
    . BASF do Brasil, 1999,
    Relatório Anual da América do Sul/Informe Anual América del Sur.
  • 32
    . Por exemplo, instrumentos como vantagens fiscais para o fomento de veículos de baixa emissão, para economias de energia ou para a reutilização do óleo industrial bem como taxas ambientais são instrumentos regulativos com efeitos ambientais positivos na Alemanha. Veja também Fátima Bucker, "A Questão Ambiental e o Direito Econômico",
    Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, Feb. 1991.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Recebido
      15 Mar 2003
    • Aceito
      10 Maio 2003
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