Acessibilidade / Reportar erro

Uma Teoria Psicológica Transfeminista: Sobrevivendo aos Escombros da Saúde Mental Brasileira

A Transfeminist Psychological Theory: Surviving the Debris of Brazilian Mental Health

Una Teoría Psicológica Transfeminista: Sobrevivir a los Escombros de la Salud Mental Brasileña

Resumo

Este artigo reflete sobre os modos como a cisnormatividade, conceito impulsionado pelos transfeminismos, tem auxiliado na composição da psicologia de maneira histórica. Ao elaborar uma crítica sobre como a violência de gênero está expressivamente presente no território brasileiro, discute-se como tem sido pensada a saúde mental, esfera que, uma vez inserida nesse contexto mais amplo, está sendo convocada a produzir saídas criativas em relação aos sujeitos que são alvo de discriminações transfóbicas. Na busca de deslocar o olhar do indivíduo para o social, foi realizado um estudo bibliográfico para investigar os diferentes impactos que a cisnormatividade opera em nossos currículos psicológicos, gerando efeitos na prática e na própria profissão. A aposta está em reconhecer outras epistemologias como projetos éticos e políticos a uma psicologia contemporânea, e a contribuição transfeminista a “outra” clínica. É nesse sentido que este trabalho se destina a pensar um modo de cuidado que esteja baseado na singularidade, mas que, ao mesmo tempo, seja capaz de dedicar alguma atenção ao paradigma normativo que nos guia como terapeutas.

Palavras-chave:
Psicologia; Transfeminismo; Clínica; Cisnormatividade

Abstract

This article reflects on the ways that cisnormativity, a concept boosted by transfeminisms, has played a historical role in the composition of psychology. Elaborating a criticism on how gender violence is expressively present in the Brazilian territory, we discuss how mental health is conceived, a sphere that, inserted in this wider context, is invited to create creative solutions related to the subjects who are the target of transphobic discrimination. Trying to shift the focus from the individual to the collective, a bibliographical study was conducted to recognize the different impacts that cisnormativity has in our psychological curriculums, having effects on the practice and on the profession itself. The goal is to recognize other epistemologies as ethical and political projects for contemporary psychology and the transfeminist contribution to “another” clinic. It is in this sense that this work aims to think about a form of care that is based on singularity, but that can also pay attention to the normative paradigm that guides us as therapists.

Keywords:
Psychology; Transfeminism; Clinic; Cisnormativity

Resumen

este artículo reflexiona sobre las formas en que la cisnormatividad, un concepto impulsado por los transfeminismos, ha tenido un papel en la composición de la psicología de manera histórica. Al elaborar una crítica sobre como la violencia de género está expresamente presente en el territorio brasileño, se discute cómo se ha pensado la salud mental, dominio que, una vez insertado en este contexto más amplio, es convocado a producir soluciones creativas con relación a los sujetos que son objeto de discriminación transfóbica. Al desviar el enfoque del individuo hacia lo social, se realizó un estudio bibliográfico para investigar los diferentes impactos que tiene la cisnormatividad en nuestros planes de estudios psicológicos, generando efectos en la práctica y en la propia profesión. El foco está en reconocer otras epistemologías como proyectos éticos y políticos para la psicología contemporánea y la contribución transfeminista a una “otra” clínica. En este sentido, este trabajo pretende pensar en una forma de cuidado que se basa en la singularidad, al mismo tiempo que sea capaz de dedicar cierta atención al paradigma normativo que a nosotras nos guía como terapeutas.

Palabras clave:
Psicología; Transfeminismo; Clínica; Cisnormatividad

Notas introdutórias

A psicologia, até hoje, não esgotou suas discussões sobre neutralidade. Embora atualmente tais debates não sejam mais a representação de um distanciamento absoluto, convém mencionar que estar “neutro” na clínica permanece sendo um tema emergente. Seria inadequado pressupor que há alguma esfera da psicologia interessada em uma neutralidade caricata, mas seria igualmente inadequado assumir que a neutralidade foi, para nós, de alguma forma, superada. Dessa maneira, não nos referimos a um arquétipo neutro que nem mesmo essa “psicologia” dá indícios de ter como aposta. Aqui, neutralidade significa o reconhecimento de uma tensão entre a ciência que temos e aquilo que fazemos com ela.

Entre nós, da psicologia, uma boa “ciência” pode significar muitas coisas, especialmente caso voltemos aos processos necessários à estabilização da profissão em termos históricos. O tema “ciência” nunca nos deixou de lado, mesmo com a legitimação da psicologia enquanto uma disciplina que produzia alguma expertise, algum tipo de saber. Evidentemente que os saberes produzidos por esse campo foram também modos de grafar a cultura, de ler o que acontecia em sociedade a partir de determinada ótica. Algo que fez com que outras áreas interessadas em perspectivas culturais, como o feminismo, fabricassem suas próprias avaliações críticas a respeito dessa ciência da “mente”.

Estudos queer, subalternos, pós-coloniais… não foram poucas as áreas que problematizaram o que os alcances dos discursos psicológicos eram capazes de fazer, em termos de estigmatização, segregação e patologização da diferença. Se for possível traçar alguma aproximação, esses âmbitos realizavam as subsequentes indagações: como a ciência é feita? O que fazemos com ela? Quem produz conhecimento? E quem pode produzi-lo? Gostamos de acreditar que sim, outras perguntas se somam a essas, mas que elas, pelo menos em um primeiro momento, são úteis para discutir o que seria isso que estamos chamando de “teoria psicológica transfeminista”. Para tanto, convidamos intelectuais dos estudos trans, da ciência e tecnologia, bem como do feminismo, no intuito de compor um mosaico reflexivo sobre a articulação entre clínica e cisnormatividade.

Diferentes perspectivas nos auxiliaram na construção de um ponto de vista transfeminista, especialmente a partir de produções acadêmicas que selecionamos por identificarem a cisgeneridade conforme um eixo analítico. Por meio desses olhares transfeministas é que buscamos refletir, através de um estudo bibliográfico, como a cisnormatividade teve um papel importante na composição da psicologia de maneira histórica. Tal mapeamento buscou dar ênfase a autores trans implicados eticamente com a despatologização de subjetividades dissidentes em relação à matriz heterossexual (Butler, 2009Butler, J. (2009). Desdiagnosticando o gênero. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 19(1), 95-126. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312009000100006
https://dx.doi.org/10.1590/S0103-7331200...
) e cisgênera. Espera-se, com essa metodologia, dialogar com algumas esferas da psicologia, sejam elas de inspiração positivista ou psicodinâmica, que impulsionaram um não-lugar às identidades trans e travestis na saúde. Assim, é com a ânsia de tentar dar algumas pistas ao dilema de quem está por trás dos processos científicos que passamos, portanto, a discutir uma alternativa que não mais categoriza o desvio, mas constrói “desviantemente” uma saúde mental brasileira menos hostil.

A cisnormatividade é uma conspiração invisível?

Ao longo da última década, a cisgeneridade passou a ser um conceito incorporado à literatura acadêmica, especialmente através das provocações feitas pelos movimentos sociais. Entretanto, as formas acionadas para explicar o conceito soavam, muitas vezes, reducionistas a respeito de sua complexidade. Não raramente, encontraremos discussões sobre cisgeneridade que irão situá-la como algo “do lado de cá” - em oposição ao prefixo trans, que, segundo o latim, significaria “do lado de lá”. Apesar de ser didática, essa apresentação do conceito não faz justiça à sua sofisticação, pois, da forma que costuma ser feita, considera o cis como apenas uma identidade, uma maneira de se ver perante o outro.

Caminho que algumas teóricas, como Viviane Vergueiro (2016Vergueiro, V. (2016). Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório da UFBA. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19...
), têm complexificado ao tomar essa questão e considerar a cisgeneridade a partir do seu caráter normativo. Não seria mais uma questão de “ser” cisgênero - ou não somente, pelo menos -, mas de estar inserido em um tecido social atravessado pela cisnorma. A autora define alguns eixos para a elaboração do conceito. Segundo afirma, haveria uma postura “pré-discursiva” capaz de atribuir à cisgeneridade a aparência de natural, ou seja, ela surgiria sempre enquanto algo de ordem biológica, inescapável e originária. Esse primeiro eixo faria com que aqueles que não fossem cisgêneros estivessem situados conforme antinaturais ou desviantes, leitura que muitas vezes é feita das travestis e pessoas trans.

Em segundo lugar, Vergueiro (2016Vergueiro, V. (2016). Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório da UFBA. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19...
) traz a cisnorma como uma crença de que o sistema sexo/gênero é opositivo, ou seja, dimórfico. O homem e a mulher, desde tal perspectiva, seriam antagonistas constantes. Não há um intercâmbio. Assim, masculinidades e feminilidades precisariam ser vistas como forças contrárias que se completam, mas não se integram, sendo algo que reverbera na cultura através dos enunciados do temperamento, da personalidade, do desejo. Em outras palavras, uma suposta divergência que faria com que aqueles que perfurassem o sistema sexo/gênero, contrabandeando o masculino e o feminino, vissem-se diante de uma arriscada negociação com valores tanto religiosos quanto científicos. Haveria, por consequência, uma moral binária que regula os papéis sociais para o funcionamento da cisnorma. Por fim, ainda com a autora, esse binarismo (ou binariedade) necessitaria de alguma constância, isto é, de uma esperança em seu caráter imutável e estável. Homens nascem homens e morrem homens. Mulheres nascem mulheres e morrem mulheres.

Retomando brevemente os três eixos, a cisnormatividade seria, portanto, uma ordem pré-discursiva, binária e constante (Vergueiro, 2016Vergueiro, V. (2016). Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório da UFBA. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19...
). Arriscamos afirmar que não existiria, então, uma mera “identidade” cisgênera, mas uma posição identitária cisgênera em dado contexto. Junto à Viviane, outra autora que tem produzido sobre essa questão é Beatriz Bagagli (2019Bagagli, B. (2019). Discursos transfeministas e feministas radicais: Disputas pela significação da mulher no feminismo. [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Unicamp. https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1090697
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
), que afirma a cisgeneridade enquanto uma produção de expectativas. Explicando melhor, a autora fala sobre “expectativas” quando pensa que há um assujeitamento imposto às pessoas trans e travestis, que teriam suas “reivindicações” entendidas sempre como falhas ou equívocos, desde uma compreensão que situa a cisgeneridade como um destino saudável ao “eu”.

A autora afirma que para contrapor essas expectativas, que não seriam expectativas tal como entendemos, mas conforme um ponto de vista que passa como universal, seria preciso elaborar uma maneira de expor a opacidade do gênero, deixando de vê-lo como previamente determinado (Bagagli, 2019Bagagli, B. (2019). Discursos transfeministas e feministas radicais: Disputas pela significação da mulher no feminismo. [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Unicamp. https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1090697
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
). Ainda, segundo defende, caso desejássemos dissimular uma ideologia designada como cisnormativa, necessitaríamos conduzir críticas a essa episteme - o que nos situa em uma tarefa rebelde frente à “verdade do sexo” que foi estabilizada pela norma em questão. A nós, pessoas interessadas em outros percursos dentro da psicologia, uma tarefa tautológica: desestabilizar a verdade que produz a clínica e a clínica que produz essa mesma ideia de verdade. Teríamos quais recursos para realizar isso?

Uma das apostas do feminismo, quando se envolve com o tema da ciência, reside na compreensão do lugar daqueles que se apresentam, mas não são vistos, em oposição à nossa pesquisa que teria um lugar encarnado, ou seja, seria corporificada. Donna Haraway (2009Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. ), ironizando esses ressentimentos acadêmicos, propõe que reconheçamos como o mundo é textualizado. De acordo com a autora, os estudos feministas eram vistos usualmente como parte de uma agenda enviesada ou à parte da ciência, fazendo com que as próprias pesquisadoras fossem entendidas como um grupo de “interesse” especial. Assim, raça, gênero e sexualidade, bem como outros marcadores, seriam vistos como defeitos a uma investigação.

Mas, nesse mundo textualizado a que se referia, Haraway (2009Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. ) tinha em mente que o feminismo deveria dar outras respostas às acusações que recebia. Se o que era cobrado dessas pesquisas estava envolto no véu de “mais” objetividade, de qual “objetividade” estaria sendo falada? O que fazemos com a objetividade, afinal? Defendendo uma terapia de eletrochoque epistemológica, a autora situa que, embora as pesquisas (des)corporificadas se apresentassem como legítimas, somente a perspectiva parcial poderia de fato ser objetiva, tendo em vista que não haveria ciência que não estivesse mediada; se houvesse, seria esse o caso de um possível distanciamento alienante.

Dessa forma, a autora afirma que são os conhecimentos não-localizáveis que seriam irresponsáveis - logo, pouco objetivos -, pois buscariam a todo tempo escapar da representação, ou seja, tornarem-se incapazes de uma prestação de contas. O que se empreende aqui é um esforço em entender as visões periféricas e marginalizadas como úteis à produção de um saber psicológico, sabendo, evidentemente, que tais visões - tão caras à autora (Haraway, 2009Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. ) - não são facilmente aprendidas, pois derivam de processos geralmente violentos de socialização. Por ser textualizado, o mundo também reconhece a ciência como parte de si, exigindo de nós, intelectuais, que tenhamos posições engajadas, uma vez que o conhecimento é um jogo entre intérpretes e decodificadores.

Em postura similar, Evelyn Fox Keller (1987Keller, E. (1987). The gender/science system: Or, is sex to gender as nature is to science? Hypatia, 2(3), 37-49. ) aborda alguns paralelos entre os estudos da ciência e os estudos feministas. Desde esta perspectiva, o momento histórico que acompanha o questionamento da noção de ciência enquanto uma mera descrição da natureza, assim como a desnaturalização do sexo, marca também uma desestabilização epistêmica nos dois campos do saber. A nível epistêmico, então, Keller (1987Keller, E. (1987). The gender/science system: Or, is sex to gender as nature is to science? Hypatia, 2(3), 37-49. ) aborda a seguinte tensão: caso realmente entendamos que o gênero não se define pelo sexo biológico e que a ciência tampouco é espelho da natureza, o que poderia sustentar alguma definição?

Desnaturalizar, assim, não seria algo feito sem esforço, pois criaria uma instabilidade em relação aos nossos objetos de estudo. O paralelo político se refere às relações de poder que envolvem a legitimação do saber produzido a partir das categorias teóricas do “gênero” e da “ciência”. Seria gênero uma categoria equiparável a outras categorias teóricas/marcadores da diferença, como classe e raça? De que forma a “Ciência” ortodoxa é diferente de outras formas de produção do conhecimento? Então, a autora, levando em conta o tom polarizado das discussões, propõe um esforço rumo a um “meio-termo”.

O que Keller (1987Keller, E. (1987). The gender/science system: Or, is sex to gender as nature is to science? Hypatia, 2(3), 37-49. ) está propondo é que tais polos sejam compreendidos em suas complexidades, para que não sejamos levados a uma concepção supostamente pré-moderna em que o gênero estaria colado ao sexo biológico, e a ciência observaria sua volta à natureza. De modo igual, a autora critica a ideia de que corpo e natureza deixariam de ter quaisquer relações com o gênero e a ciência. Ou seja, em suas palavras, uma epistemologia feminista precisaria reconhecer e chamar a atenção para a instabilidade e para as contradições das tentativas de definição tanto do que seria gênero quanto ciência.

Entretanto, a estratégia adotada pelas mulheres que foram vanguarda na produção científica foi justamente a negação da diferença. Para serem aceitas como produtoras legítimas do conhecimento, precisariam demonstrar que a diferença foi erradicada. O resultado de tal estratégia, no contexto americano, foi o apagamento literal dessas mulheres. Seus primeiros nomes, generificados, eram suprimidos de publicações, e suas existências, enquanto mulheres e cientistas, não eram contabilizadas nos números oficiais. A autora, ao comentar casos posteriores em que a diferença foi reconhecida e celebrada, fala como houve uma tentativa de rotulação dessas produções como “outra ciência”, ou uma ciência mais “feminina” e, por isso, compreendida como mais “sensível”.

O argumento de Keller (1987Keller, E. (1987). The gender/science system: Or, is sex to gender as nature is to science? Hypatia, 2(3), 37-49. ) é que não se trataria de outra ciência, à parte, mas tampouco da mesma ciência, igual. Trata-se, portanto, de uma forma de produzir conhecimento que não tem os mesmos compromissos que a ciência estereotípica. A preocupação dessa ciência com o apartamento de atributos que seriam femininos, como a “sensibilidade”, é o que deveria ser posto em xeque. Uma ciência feminista teria como potência, justamente, não se preocupar em provar que é “masculina”, podendo assim se abrir para formas implicadas de entender o mundo, sem compromisso com verdades totalizantes.

Da década de 1980 para cá, esse cenário passou por uma série de transformações. Não estamos mais falando da mesma ciência que estava em jogo quando observávamos a produção feminina “localizando” seus próprios passos teóricos. Porém, no momento em que trazemos essas discussões aos dias atuais, como podemos vê-las se atualizando? Na própria psicologia, existem lugares que surgem enquanto universais e que se consideram incapazes de responder e prestar contas? Como é que a categoria “cisgeneridade” se vincula e estrutura as concepções de saúde mental tal como conhecemos?

O feminismo é o que nos resta

As reflexões sobre como o machismo permeia a clínica de psicologia têm sido cada vez mais intensas. Seja através de uma análise dos protocolos que regem a profissão ou a partir de uma crítica sobre a prática, tornou-se comum reconhecer como a violência de gênero está para nós da mesma forma que ela está para a sociedade, ainda mais caso entendamos a psicologia como uma disciplina que grafa a cultura, não existindo à parte dela - embora pareça existir um esforço para se situar enquanto uma disciplina apartada do mundo. Por esse ângulo, se o contexto (ou o meio) em que a psicologia ganha materialidade está atravessado pela subordinação estrutural de mulheres aos homens, como, então, ignorar os possíveis efeitos disso na própria disciplina?

No Brasil, a violência de gênero está distribuída de diversas maneiras, a partir de marcadores raciais, religiosos, geopolíticos, dentre outros, que extrapolam análises focadas em “homens e mulheres”, fazendo com que observemos também as dinâmicas específicas entre pessoas cis e pessoas trans. Vivenciamos, então, um contexto latino indisciplinado aos grandes manuais de saúde, que não conseguem tecer contribuições assertivas, uma vez que estão viciados na incorporação de uma narrativa única, global, generalizante sobre o “eu”. As identidades trans e travestis, quando vistas sob a ótica desse problema, revelam uma nação intolerante com a diferença. Alguns dos poucos dados estatísticos que existem ainda são incipientes. A única coisa que teríamos, com maior expressividade, seria a produção de números (Silva, 2019Silva, D.. (2019). O dispositivo da colonialidade de gênero no discurso transfóbico online. Raído, 13(33), 28-54. ) sobre os assassinatos no país - comumente expondo nossa liderança em relação às mortes de mulheres trans e travestis: o Brasil é onde mais se mata LGBTs.

Apesar de estarmos vivendo em um lugar em que a transfobia dá indícios de ser mais mortífera do que em qualquer outra parte do mundo, não temos ainda observado um movimento quimioterápico, direcionado à aposta em outras perspectivas epistêmicas, na própria disciplina psicológica. Parece-nos que é, de alguma forma, inapropriado adjetivar a nossa prática, dizer que somos terapeutas e mais alguma coisa. Talvez aqui seja interessante resgatar a neutralidade discutida nos momentos iniciais do texto, pois ela, embora não seja mesmo um afastamento holístico, permanece sendo uma forma de proteger a psicologia, de evitar fazer com que ela se suje de mundo (Merleau-Ponty, 2006Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção (3a ed.). Martins Fontes.). Mas acerca do que estamos falando quando pensamos em maneiras de adjetivar a saúde mental?

De modo algum desejamos que pense a adjetivação como um processo restrito a estratégias voltadas ao vocabulário. Não queremos aqui esvaziar a potência de uma psicologia transfeminista ou de um transfeminismo psicológico. Todavia, antes de chegarmos nesse ponto, torna-se imprescindível resgatar algumas das provocações inauguradas por um feminismo mais tradicional - se é que podemos chamá-lo assim, tendo em vista seu caráter de desobediência com as tradições. Além do mais, não é preciso começar do zero, como Haraway (2009Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. ) gosta de nos lembrar. Existe uma psicologia marcada, adjetivada, parcial, que está inconformada com as convocações por “mais” objetividade ou por “mais” neutralidade. Consideramos nostálgica a pretensão de que seria possível voltar ao mundo como ele era quando as discussões de gênero, raça, sexualidade, mobilidade e corpo não tinham espaço no debate público.

Somos psicólogas trans, negras, bissexuais, lésbicas e muitas outras. A partir disso é que trazemos o trabalho de Marília Saldanha (2018Saldanha, M. (2018). Sobre psicologias e psicoterapias feministas no Brasil e em Portugal. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/181361
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/18136...
), pesquisadora responsável por produzir reflexões estimulantes sobre o que seria uma “psicologia feminista” brasileira. Seria uma profissão protagonizada por mulheres? Uma clínica que teria como “foco” o gênero? Seu objeto estaria circunscrito pelo machismo? Saldanha (2018Saldanha, M. (2018). Sobre psicologias e psicoterapias feministas no Brasil e em Portugal. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/181361
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/18136...
) indaga, sobretudo, de qual psicologia estaríamos falando e qual seria a sua vertente. Ora, se existem diversos feminismos e existem diversas psicologias, seria imprudente situar o debate sem levar em conta a sua pluralidade.

De modo geral, a autora situa que o termo “feminismo” pode tanto emergir o preconceito da própria comunidade profissional como da parte de quem busca na escuta um meio de ampliar as possibilidades existenciais. Traz, então, que não teríamos um aparato institucional, mas que, ainda assim, seria possível traçar alguns eixos que mais ou menos definiriam o que uma “psicologia feminista” estaria propondo fazer. Os eixos pensados pela autora não estão necessariamente em ordem. Eles aparecem aqui a partir de dada organização, mas devem ser compreendidos por meio de uma ação conjunta. Sua separação cabe apenas a fins pedagógicos, sabendo que, na psicologia, tais ajustes fazem pouca justiça à complexidade de um fenômeno.

Em primeiro lugar, é necessário ter uma crítica constante a postulados hegemônicos que reproduzem hierarquias (Saldanha, 2018Saldanha, M. (2018). Sobre psicologias e psicoterapias feministas no Brasil e em Portugal. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/181361
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/18136...
), posicionando o olhar para o social. O compromisso estaria firmado em transformar o mundo tal como o conhecemos, tendo em vista as textualizações generificadas e, muitas vezes, desiguais. Posteriormente, Saldanha (2018Saldanha, M. (2018). Sobre psicologias e psicoterapias feministas no Brasil e em Portugal. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/181361
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/18136...
) coloca que há um componente-chave, o engajamento. Ele representa a orientação profissional às mulheres na busca de recursos comunitários e jurídicos, com a intenção de proporcionar alguma psicoeducação em termos legais. Essa seria a esfera ligada a uma psicologia que não se considera apolítica, afastada da história, isenta. Por último, em uma dimensão mais subjetiva, sua ideia é que a escuta do gênero e da sexualidade precisaria estar articulada de modo crítico e atento aos lugares comuns, com o objetivo de recuperar uma saúde subordinada a uma autoridade masculina.

Três aspectos principais - social, legal e subjetivo - que estão tentando possibilitar a superação de um conservadorismo acadêmico, em que falar sobre “adjetivos” à psicologia poderia ser uma atitude entendida como pré-disposição. Entretanto, não seria igualmente perigosa a crença de uma saúde mental1 1 Referimo-nos a concepções de “saúde mental” como noções que desconsideram a pluralidade subjetiva presente em outros territórios e contextos que não aqueles dos quais os manuais diagnósticos são originários, entendendo saúde e doença como categorias históricas que intercalam o campo de atuação da clínica e o estado da interioridade individual, conforme tentam ampliar as proposições das autoras Schiavon, Favero e Machado (2020). que pensa estar situada fora do gênero, fora da raça, fora da classe? Estamos falando também de um contexto espinhoso para a discussão que queremos propor. Ora, observamos investidas conservadoras sobre “Escola sem Partido”, “kit-gay” e “ideologia de gênero” (Junqueira, 2018Junqueira, R. (2018). A invenção da “ideologia de gênero”: A emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista Psicologia Política, 18(43), 449-502. ) - campanhas empreendidas por setores intolerantes e neoliberais no Brasil, que consideram a diversidade sexual e de gênero como um perigo à boa sociedade. Como pensar que a psicologia poderia estar envolvida com a política, se a política, ela mesma, passou a ser entendida como uma sujeira para a escuta? Vemos, todavia, algum interesse dessa mesma psicologia em incorporar as identidades trans e travestis como demandas clínicas, ou seja, como potenciais pacientes, usuárias, assistidas de algum protocolo institucional. Não seria o caso de nos perguntarmos a razão de não existir o mesmo esforço em trazê-las aos currículos, grades e ementas dos percursos formativos? Nesse sentido, a psicologia que nos interessa e mobiliza precisa amar outra ciência (Haraway, 2009Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. ), uma que dê conta de restituir um diálogo com as margens.

Os temas “centro” e “margem” são bastante discutidos nos estudos subalternos, interessados em produzir leituras críticas sobre os diferentes sistemas de regulação coloniais. Ao refletir a emergência de descolonizarmos a psicologia, Lucas Veiga (2019Veiga, L. (2019). Descolonizando a psicologia: notas para uma Psicologia Preta. Fractal: Revista de Psicologia, 31(spe), 244-248. https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29000
https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v3...
) incita que, ao compreender o aspecto constitutivo que a branquitude estabelece com essas teorias da mente (psicologia, psiquiatria e psicanálise), seria necessário entendermos que, em suas construções teóricas, foram criados conceitos para o manejo clínico com subjetividades brancas. E que a importação de uma saúde mental irrefletida ao contexto em que vivemos faria com que fossem desconsideradas as marcas do sujeito negro, tendo em vista que estariam baseadas nas conceituações, sobretudo europeias, acerca de uma ideia de sujeito e de meio.

Para Veiga (2019Veiga, L. (2019). Descolonizando a psicologia: notas para uma Psicologia Preta. Fractal: Revista de Psicologia, 31(spe), 244-248. https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29000
https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v3...
), a insistência em reproduzir uma prática desconectada da realidade brasileira faria com que a nosologia funcionasse à imagem e semelhança da subjetividade colonizadora. Em outros termos, uma saúde mental embranquecida, que se pretende transparente, voltada à elaboração psíquica de indivíduos brancos. De modo similar, poderíamos pensar que uma psicologia fundada na ideia de que a divisão sexual é natural, não social, faria com que nos deparássemos hoje com uma disciplina contrária às transgressões de tal binarismo (homem versus mulher)? Queremos trabalhar com o reconhecimento de que uma ciência guiada pelo dimorfismo cria efeitos na prática clínica por, principalmente, vincular a sexuação ao aparelho genital, conforme procura criticar Thamy Ayouch (2015Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32. ), quando se refere aos protocolos psicológicos que, ao invés de produzirem aberturas a pessoas trans, apresentam-se como defensores de uma suposta ordem social, na qual homens deveriam ser masculinos e mulheres deveriam ser femininas.

Um breve intervalo com Ayouch (2015Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32. ). Em suas pesquisas, afirma-se uma prática que, para alcançar seus objetivos despatologizantes, precisaria deixar de ser solidária à psiquiatrização das identidades de gênero diversas. Apesar de estar discutindo especificamente a partir da psicanálise, pensamos ser igualmente útil sua proposição quando nos deparamos com uma psicologia alienada acerca da realidade brasileira. Ora, os estudos psicológicos sobre transexualidade (geralmente há o apagamento das travestilidades e transgeneridades) apontam que é impossível a realização de um exame clínico objetivo. Dito de um modo simples, não se avalia o gênero de alguém por meio de exame sanguíneo, laboratorial, mas através do seu próprio discurso, algo que, segundo Ayouch (2015Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32. ), leva-nos às convenções sociais hegemônicas sobre o gênero.

Quando a psicologia investe no “discurso” para conduzir suas práticas avaliativas a respeito das identidades trans e travestis, não estaria, simultaneamente, recorrendo a um regime sexual cisgênero? Se reconhecemos que esse é um campo de saber que se funda no binarismo e que trabalha incansavelmente a partir dele, como perder de vista as entranhas ontológicas de uma escuta tributária à naturalização do sexo? Os efeitos disso foram amplamente abordados por Elizabeth Zambrano (2003Zambrano, E. (2003). Trocando os documentos: Um estudo antropológico sobre a cirurgia de troca de sexo. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório da UFRGS. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3693
https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3...
), que entende seus aparecimentos quando as pessoas trans e travestis passam a responder como desviantes morais ou enquanto acidentes da natureza. Ou seja, uma disciplina psicológica interessada na reiteração da transexualidade enquanto um transtorno de personalidade, não como uma abertura existencial às condições da vida.

Por que a transexualidade precisa ser examinada através da fala quando a própria cisgeneridade tenta sair ilesa da linguagem? Aliás, talvez fosse o bastante perguntar somente: por que a transexualidade precisa passar pelo crivo de alguém? Acreditamos que isso posiciona o sexo “biológico” de uma maneira sofisticada na psicologia, que, embora diga recorrer à cultura para a formulação de seus “diagnósticos pela fala”, tampouco desconsidera a tradição médica interessada na classificação do gênero pelo viés “macho” e “fêmea” - isso é, de uma ideia de natureza que estaria guiando a escuta. Haveria uma pré-disposição sobre a narrativa da transexualidade que não estaria presumida meramente na rigidez da identidade transexual, mas na própria crença de que a “intervenção” de um especialista seria benéfica a essas pessoas.

Quais são as compreensões de tempo e verdade que temos na clínica? Por que, para nós, terapeutas, o corpo é um artefato sagrado, que sofreria com as “intervenções” desejadas por pessoas trans e travestis, entendidas, muitas vezes, como mutiladoras? Diversos trabalhos em nossos campos se engajam a pensar uma visão de transexualidade e travestilidade ligada a estruturas psicopatológicas. Rafael Cavalheiro (2019Cavalheiro, R. (2019). Caos, norma e possibilidades de subversão: Psicanálise nas encruzilhadas do gênero. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. http://hdl.handle.net/10183/200814
http://hdl.handle.net/10183/200814...
) aponta como, principalmente na psicanálise, tais posições subjetivas foram sendo registradas ou como psicóticas ou enquanto doenças do narcisismo. Dentro do campo lacaniano, evoca-se, com frequência, a discussão sobre o “real do corpo”, ideia que colapsa com a própria materialidade corpórea, induzindo uma crença de que as modificações no real desse corpo implicam respostas pouco elaboradas. O sentimento de medo também aparece subjacentemente nessas produções (Cavalheiro, 2019Cavalheiro, R. (2019). Caos, norma e possibilidades de subversão: Psicanálise nas encruzilhadas do gênero. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. http://hdl.handle.net/10183/200814
http://hdl.handle.net/10183/200814...
).

As identidades “não-normativas” seriam, em certo momento, um tratado contra a lei simbólica, noutro momento, uma ausência de elaboração que evacuaria no corpo, dada sua negatividade. Os saudáveis seriam os que integram o estatuto simbólico da diferença, enquanto os adoecidos, vítimas dos efeitos iatrogênicos do dispositivo médico, precisariam de auxílio de especialistas. Nessa via, tais posições nos levaram a observar que o papel da clínica passou a ser o de dissuadir o sujeito de sua demanda pela transição (Ayouch, 2015Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32. ; Cavalheiro, 2019Cavalheiro, R. (2019). Caos, norma e possibilidades de subversão: Psicanálise nas encruzilhadas do gênero. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. http://hdl.handle.net/10183/200814
http://hdl.handle.net/10183/200814...
). Isso porque suas demandas estão sendo analisadas por um princípio cisgênero ligado a três fatores: corpo, tempo e ficção. Não estão organizados necessariamente nesse esquema, mas, sim, informando uns aos outros reiteradamente.

Na busca de atualizar a tríade lançada por Vergueiro (2016Vergueiro, V. (2016). Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório da UFBA. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19...
), gostaríamos de pensar que a ordem biológica, binária e constante está sendo observada em um funcionamento complexo dentro da psicologia. Algumas pistas já foram descritas por Ayouch (2015Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32. ), quando situa que uma saúde mental da pós-transexualidade está inscrita na renúncia a toda etiologia que persegue o gênero. Ainda, ao colocar a hipocrisia profissional - referida como contratransferência - enquanto uma peça fundamental para que possamos elaborar críticas a uma teoria feita a mãos humanas (Ayouch, 2015Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32. ), tendo em vista que a contratransferência, quando não abordada, poderia provocar efeitos mortíferos. Entretanto, nossa questão principal é: se o gênero permanece sendo um suposto “reflexo” do sexo biológico, desde uma afirmação nosológica, as identidades trans e travestis seriam um reflexo da(s) cisgeneridade(s)?

A carne, o relógio e a mentira

Os ponteiros da clínica apontam para temporalidades diferentes. Ora impondo determinadas etapas da vida como ideais para uma transição dita efetiva, ora estabelecendo o tempo necessário para “reflexão” sobre a demanda: isto é, dois anos mínimos de acompanhamento2 2 Os dois anos de acompanhamento fazem referência a uma diretriz clássica do Processo Transexualizador, política de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS) que regula o cuidado à população trans brasileira, a partir da Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. . Com um especial interesse na querela do “tempo”, a antropóloga Lila Abu-Lughod (2018Abu-Lughod, L. (2018). A Escrita contra a cultura. Equatorial, 5(8), 193-226. ) aborda os efeitos de atemporalidade e coerência que perpassam os processos de generalização, comumente úteis para embasar noções essencializadas sobre o outro. De que forma observamos um valor ao “tempo” na psicologia? Como é que a ideia de “discernimento” se relaciona com o que estamos discutindo?

No contexto hospitalar, a partir de discussões apontadas por Daniela Murta (2007Murta, D. (2007). A psiquiatrização da transexualidade: Análise dos efeitos do diagnóstico de identidade de gênero nas práticas de saúde [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro].), esse processo tem início na triagem, quando a equipe de saúde é estabelecida para fazer a análise da demanda pela transgenitalização. Usuários interessados precisariam ter sua identidade investigada por uma série de agentes sociais, dentre os quais poderíamos destacar os psicólogos, psiquiatras e endocrinologistas, que avaliariam a “substância” de um gênero. Com o papel de apreciar a demanda daquela identidade que se apresenta, tal equipe parte de um diagnóstico pensado à diferenciação entre travestis e transexuais. Nesse sentido, a transexualidade se definiria por aquilo que ela não era; ou seja, não poderia ser uma homossexualidade, tampouco uma travestilidade. Murta (2007Murta, D. (2007). A psiquiatrização da transexualidade: Análise dos efeitos do diagnóstico de identidade de gênero nas práticas de saúde [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro].) aponta que essa tensão contorna um dilema moral em torno da cirurgia. Alguns setores médicos entenderiam a transgenitalização como uma castração de pacientes saudáveis, sendo algo que explicitaria a resistência por parte de profissionais de saúde na condução de terapêuticas com pessoas trans e travestis. Outros setores, mais ligados à psicanálise, pensariam que a cirurgia por si só não seria uma mutilação, isso, caso a perspectiva do prazer fosse mantida em vista, como aponta Flávia Teixeira (2009Teixeira, F. (2009). Vidas que desafiam corpos e sonhos: Uma etnografia do construir-se outro no gênero e na sexualidade [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. ).

Murta (2007Murta, D. (2007). A psiquiatrização da transexualidade: Análise dos efeitos do diagnóstico de identidade de gênero nas práticas de saúde [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro].) considera que esse conflito, entre equipe e paciente, ganha terreno a partir dos pressupostos avaliativos: quão feminina você é? Ou, então, quão masculino você é? Há determinado resgate do “transexualismo” primário, de Robert Stoller (1982Stoller, R. (1982). A experiência transexual. Imago.), como condição diagnóstica - psiquiatra responsável por escrever sobre atributos femininos ou masculinos como temas aparentemente ininterruptos. Esse personagem stolleriano estaria fadado à transexualidade, como se dela não fosse possível escapar, pois seriam aqueles que almejam, sem o fantasma da dúvida, sem hesitação ou interrupção, pertencer ao dito sexo oposto. Dessa forma, parece-nos que a psicologia, quando se envolve com essa população, não busca encontrar um “sujeito”, mas, sim, seu “repúdio” ao próprio sexo.

Outras autoras registraram essa persecução pelo repúdio, como foi o caso de Teixeira (2009Teixeira, F. (2009). Vidas que desafiam corpos e sonhos: Uma etnografia do construir-se outro no gênero e na sexualidade [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. ), quando abordou a relação médico-legal que esteve articulada a tais protocolos. Segundo aponta, haveria uma crença de que “o” transexual, por demandar novas roupas, novos nomes, prenomes e relações, seria um sujeito investido de identidade. A equipe, partindo dessa compreensão, entenderia saúde como sinônimo de cirurgia, e a cirurgia, por fim, como sinônimo de ressocialização. Mas essa relação médico-legal foi bastante ampliada pelos debates de Teixeira (2009Teixeira, F. (2009). Vidas que desafiam corpos e sonhos: Uma etnografia do construir-se outro no gênero e na sexualidade [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. ), a partir da compreensão de que existiria uma relação estreita entre o direito e a nosologia, na qual pessoas trans e travestis veriam suas demandas circunscritas em uma complexa rede.

Setores do campo do direito, interessados em refletir sobre a conversão cirúrgica, abordam que o sensório não deveria ser priorizado durante os processos de transgenitalização, ao mesmo tempo que setores da medicina, mais próximos talvez à psicanálise, afirmariam que, caso não houvesse mais orgasmo, então, sim, haveria um caráter mutilador na cirurgia. Essas tensões fomentaram um terreno para que os próprios médicos, que haviam definido a transgenitalização enquanto tratamento, tivessem de advogar a seu favor. Teixeira (2009Teixeira, F. (2009). Vidas que desafiam corpos e sonhos: Uma etnografia do construir-se outro no gênero e na sexualidade [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. ) aponta, portanto, que a cirurgia começou a ser chamada de “reaproveitamento de tecidos”, da “retirada de partes inúteis” do corpo, tendo em vista que o “corpo”, como era entendido, não poderia ser profanado de tal modo sem que uma justificativa o permitisse. Surge, assim, a ideia de que a transgenitalização não faria “mal” à constituição física, desde que supervisionada por uma equipe, fazendo com que deixasse de ser uma prática proibida no país, a partir do final dos anos 1990 (Resolução nº 1.482, 1997Resolução nº 1.482, de 10 de setembro de 1997. (1997, 10 de setembro). Dispõe sobre o procedimento de transgenitalização e demais intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários. Diário Oficial da União . http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1482_1997.htm
http://www.portalmedico.org.br/resolucoe...
).

Contudo, quais seriam as moralidades que estamos observando quando o corpo de pessoas trans e travestis precisa ser tutelado por um aparato médico-legal? O que faz com que uma série de procedimentos feitos por pessoas cis - discutidos por Judith Butler em Desdiagnosticando o gênero (2009Butler, J. (2009). Desdiagnosticando o gênero. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 19(1), 95-126. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312009000100006
https://dx.doi.org/10.1590/S0103-7331200...
) - não sejam alvo da mesma preocupação? Ora, não há um mecanismo voltado a burocratizar a feminização de “mulheres” nem a masculinização de “homens”, mas, quando esse suposto “nexo” é quebrado, surge simultaneamente uma engenharia moral sobre o que seria uma figura de “risco” e o que seria uma figura “adequada”. Assim, poderíamos considerar que o “corpo” e as preocupações que estão atribuídas a ele partem de um pressuposto de coerência?

Foi nesse contexto que Tatiana Lionço (2009Lionço, T. (2009). Um olhar sobre a transexualidade a partir da perspectiva da tensionalidade somato-psíquica [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/3297
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
) se inseriu, analisando a oferta médica a usuários trans e travestis de acordo com sua ambivalência. Para a autora, essa oferta aparecia justamente como uma possibilidade de solução, de adequação, uma vez que a medicina inscrevia a transexualidade na literatura enquanto algo de sua competência. Dessa maneira, por ser de sua alçada, a construção de um “verdadeiro transexual” só poderia ser bem-sucedida caso tivesse participação médica. É assim que a transexualidade passa a ser entendida como algo feito em ambientes esterilizados, privados, institucionais. Tal assepsia considerava que, se o erro está no corpo, a reparação é uma tarefa dos profissionais de saúde. Em outras palavras, o reconhecimento da impotência psicoterápica (Lionço, 2009Lionço, T. (2009). Um olhar sobre a transexualidade a partir da perspectiva da tensionalidade somato-psíquica [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/3297
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
).

A proposta da autora é refletir como o uso etiológico - dessa busca pela substância originária - fez com que o gênero passasse a ser dicotomizado. Haveria um corpo somático apartado do psiquismo, maneira pela qual seria alimentada a ideia de que a identidade “divergente” estaria indicando um erro corporal. Por esse ângulo, Lionço (2009Lionço, T. (2009). Um olhar sobre a transexualidade a partir da perspectiva da tensionalidade somato-psíquica [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/3297
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
) argumenta que tal ideia de correção foi útil à medicina no momento em que a transexualidade se tornou uma lógica passível de adequação. Adequa-se uma alma a um corpo. Ou um corpo a uma alma. Todavia, o contraponto apresentado pela autora está justamente em entender que a constituição psicossexual, na perspectiva clínica que trabalha, implicaria em uma tensão somato-psíquica impassível de correção (Lionço, 2009Lionço, T. (2009). Um olhar sobre a transexualidade a partir da perspectiva da tensionalidade somato-psíquica [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/3297
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
). Pensava-se, assim, não mais em termos de razões ou de porquês, mas como a cirurgia, ou quaisquer outras intervenções, poderia trazer benefício. “Como isso lhe beneficia?” em vez de “como isso lhe torna real?”.

Existem questões que não são corrigidas, diria Lionço (2009Lionço, T. (2009). Um olhar sobre a transexualidade a partir da perspectiva da tensionalidade somato-psíquica [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/3297
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
). Bom, a esperança que temos é que esse breve panorama tenha sido capaz de ilustrar como uma “psicologia” aliada à cisnormatividade cria conexões bastante sofisticadas sobre corpo, tempo e ficção. Seus arranjos são responsáveis por fazer com que a transexualidade, geralmente ela, que detém poder de se sobrepor às travestilidades e transgeneridades, “precise” ser estável, verdadeira e coerente. Quais seriam os riscos de assumirmos identidades que não se alinham? Que não produzem acoplamentos inteligíveis? Que não estão enquadradas naquilo que a clínica psicológica resguardou em termos de tempo e espaço?

As maneiras totalizantes de apreender os fenômenos da ciência tampouco escaparam das críticas feministas. Lourdes Bandeira (2008Bandeira, L. (2008). A contribuição da crítica feminista à ciência. Revista Estudos Femiistas, 16(1), 207-228.) coloca em debate que uma leitura feminista sobre a ciência deveria estar, ela própria, atenta ao modo com que o conhecimento se apresenta. Em seu trabalho, a proposição de saberes e conceitos precisaria ser sempre provisória, sem assumir abordagens definitivas sobre o cotidiano (Bandeira, 2008Bandeira, L. (2008). A contribuição da crítica feminista à ciência. Revista Estudos Femiistas, 16(1), 207-228.). Dito de outro modo, o que a autora objetivava era compreender como algumas categorias científicas surgiam de forma autoevidente, sendo o nosso trabalho, conforme pessoas interessadas em outras saídas ao problema da hegemonia epistêmica, situar a historicidade de suas técnicas e práticas. Como é que as epistemologias transfeministas poderiam ser úteis a nós, enquanto terapeutas? Quais ensinamentos éticos e políticos do transfeminismo a saúde mental consegue absorver para repensar seus próprios paradigmas? Em razão disso, pretendemos explorar as forças epistêmicas de uma psicologia adjetivada.

Dos escombros aos fragmentos

Discutimos como a construção da figura do intelectual esteve bastante associada a uma imagem masculina, racional e apartada. Nesse sentido, colocar-se textualmente é correr o risco de desenvolver uma mancha nos escritos, como se a única possibilidade de fazer “ciência” fosse em terceira pessoa. Questão refletida por Bandeira (2008Bandeira, L. (2008). A contribuição da crítica feminista à ciência. Revista Estudos Femiistas, 16(1), 207-228.), quando critica o modo como a produção de conhecimento na modernidade impulsionou um movimento de exclusão às mulheres, a partir da divisão entre natureza e ciência. Dicotomia que estabeleceria uma prerrogativa de “evolução científica” relacionada a evitar emoções com o objeto de estudo.

A mulher, nesse contexto, seria associada a uma dita selvageria, instabilidade e suscetibilidade; pouco apta à produção de conhecimento. Afetadas por Haraway (2009Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. ), que nos acompanhou nos momentos iniciais do artigo, pensamos o seguinte problema: esse projeto científico que pretende ser único e imparcial, justamente por causa do seu caráter totalizante, é incapaz de produzir alianças. Em sua perspectiva, a forma de criarmos vínculos entre nossos conhecimentos precisa estar atravessada pelo reconhecimento de que ele, o conhecimento, é sempre um fragmento.

Por ser fragmentado, ou por assumir a própria fragmentação, não estaria impedido de se conectar a outras investigações, tendo em vista seu descompromisso com uma designação de “ciência” universal. Mas de que ciência estaríamos falando? Como é que o gênero se apresenta como um lugar de saber? Se reconhecemos o caráter normativo dos protocolos de saúde trans, seria preciso assumir: a cisgeneridade produz efeitos de homogeneidade. Quem aborda esses efeitos é Jota Mombaça (2015Mombaça, J. (2015). Como cartografar o desterro? Revista Arte Contexto, 2(6). http://artcontexto.com.br/textocurto_06_jota_mombaca.html
http://artcontexto.com.br/textocurto_06_...
), situando-se nas ruínas e nos escombros de um projeto desenvolvimentista. Algo que, para nós, diz respeito a uma escuta que esgotifica e patologiza a “diferença” como um quadro pertinente à saúde cis. Só haveria uma escuta esterilizada porque outros seriam ouvidos a partir da “própria” insalubridade. A geografia sentimental particular (Mombaça, 2015Mombaça, J. (2015). Como cartografar o desterro? Revista Arte Contexto, 2(6). http://artcontexto.com.br/textocurto_06_jota_mombaca.html
http://artcontexto.com.br/textocurto_06_...
) diz respeito ao modo de produção de abrigos a uma multiplicidade de formas de vida. Assim, mesmo sem esperanças exageradas na psicologia, o que poderíamos fazer para habitá-la de outra forma?

Mombaça (2015Mombaça, J. (2015). Como cartografar o desterro? Revista Arte Contexto, 2(6). http://artcontexto.com.br/textocurto_06_jota_mombaca.html
http://artcontexto.com.br/textocurto_06_...
) afirma uma escrita com sangue. Escrevemos com sangue um conjunto de trajetórias. E chegamos até aqui sangrando, pois fomos violentadas por essas estruturas arquitetônicas normativas, que estão nos monumentos bíblicos da psicologia, em seus grandes manuais de saúde e em suas proposições nosológicas. Em tais páginas, queremos riscar outras memórias. Queremos fertilizar emergências (Mombaça, 2015Mombaça, J. (2015). Como cartografar o desterro? Revista Arte Contexto, 2(6). http://artcontexto.com.br/textocurto_06_jota_mombaca.html
http://artcontexto.com.br/textocurto_06_...
), povoar e invadir os saberes de uma tradição médica cisgênera para dizê-los que não seremos soterradas. Em contrapartida, pretendemos, sim, soterrar essa mesma racionalidade que impõe um vocabulário psicopatológico, a designação compulsória dos sexos e a lógica manicomial classificatória.

Ou, como Ayouch (2015Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32. ) nos lembra, é preciso não ser doente, ou não ter uma comorbidade, para receber esse rótulo de doença. Queremos, de alguma forma, com alguma ambição, talvez ingênua, ver a capacidade de conexão que há entre os escombros. Se uma ciência feminista, como abordava Haraway (2009Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41. ), mencionada anteriormente, está orientada pela provisoriedade, por sua postura crítica às totalizações; logo, torna-se fragmentada, capaz de estar junto a outras proposições teóricas em direção a um mundo situado, o que objetivamos é refletir como o “transfeminismo” na clínica é, também, ele mesmo, uma aposta para tempos difíceis. Difícil ignorar que a psicologia brasileira foi parceira, durante muito tempo, de intensas cruzadas epistemológicas contra pessoas trans e travestis.

Essa “Psicologia” com “P” maiúsculo não detém a única verdade sobre aquilo que pode ser sabido a respeito de nós. É por essa via que Céu Cavalcanti (2016Cavalcanti, C. (2016). Sobre Nós (des)organizados: Pesquisa-intervenção em psicologia e o processo de implementação de políticas para pessoas trans* na UFPE [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Pernambuco]. Repositório da UFPE. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/26609
https://repositorio.ufpe.br/handle/12345...
) elabora uma crítica às inscrições que colonizam e impossibilitam as existências trans, processo que denominou de tarefa política, uma vez que estaríamos, assim, subvertendo um percurso de leitura acerca da transexualidade que se dava apenas pela via da cisgeneridade. A autora questiona: caso nas discussões raciais nos valêssemos apenas dos argumentos de pessoas brancas, qual perspectiva teórica estaria sendo produzida sobre a negritude? Sua ambição é reconhecer como a ausência de nomeação do lugar “cis” fez com que esse lugar permanecesse fabricando terapêuticas descoladas das realidades de pessoas trans e travestis (Cavalcanti, 2016Cavalcanti, C. (2016). Sobre Nós (des)organizados: Pesquisa-intervenção em psicologia e o processo de implementação de políticas para pessoas trans* na UFPE [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Pernambuco]. Repositório da UFPE. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/26609
https://repositorio.ufpe.br/handle/12345...
).

Ainda com Cavalcanti, novas leituras sobre gênero estariam dentro de uma agenda transfeminista que, ao lado do feminismo interseccional, teria especial interesse na decomposição da identidade. Quem nos marca? De que forma marcamos o outro? Como nossas posições nos situam desigualmente no tecido social? Todavia, a definição de um transfeminismo paralelo ao feminismo interseccional parece não bastar para a autora, que busca, então, sem cair em uma falácia identitária simplista, defini-lo como uma defesa radical à despatologização do gênero e o uso da cisgeneridade enquanto conceito analítico. De certo modo, estabelece um diálogo com as produções de Vergueiro (2016Vergueiro, V. (2016). Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório da UFBA. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685
https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19...
) e Bagagli (2019Bagagli, B. (2019). Discursos transfeministas e feministas radicais: Disputas pela significação da mulher no feminismo. [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Unicamp. https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1090697
https://repositorio.unicamp.br/acervo/de...
), mas traz, para além delas, um anseio por se pensar durante aquele percurso. Mais que uma filosofia, o transfeminismo seria uma posicionalidade.

As reflexões sobre o feminismo trans, transfeminismo ou feminismo transgênero, tampouco pararam por aí. Emilly Fernandes (2019Fernandes, E. (2019). (Trans)passando os muros do preconceito e adentrando a universidade: Uma análise das políticas para pessoas trans* dentro das instituições públicas de ensino superior do Rio Grande do Norte [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte]. Repositório da UFRN. https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/29145
https://repositorio.ufrn.br/handle/12345...
) o classifica como abertura. Assim como a escuta, ele não seria fechado. Buscaria estar atento aos modos que a cisgeneridade compulsória estaria como norma para as questões de gênero. Uma psicologia transfeminista, portanto, está localizada na contramão dessa escuta fossilizada, que entende homens e mulheres trans como homens e mulheres cis, que não reconhece a legitimidade daqueles que escapam do binário de gênero, que situa as transições como desejos reguláveis, pois uma transição deveria sempre informar a “escolha cuidadosa” sobre o futuro. Mas, pensemos por um momento, desde quando ficou estabelecido entre nós que nossas decisões deveriam ser sempre boas? Que deveríamos sempre mirar um paradigma decisional cisgênero, do qual não nos arrependeríamos, não nos frustraríamos, não nos reavaliaríamos?

Não há “escolha” boa nem ruim quando a moral que regula essa escolha é tributária a armadilhas nosológicas, que buscam atestar uma veracidade à transexualidade. Se a pessoa persiste na transição, é porque realmente se seduziu pela norma. Se desiste, é porque nunca foi de fato trans. Saídas não parecem existir. Talvez, justamente por isso, Fernandes (2019Fernandes, E. (2019). (Trans)passando os muros do preconceito e adentrando a universidade: Uma análise das políticas para pessoas trans* dentro das instituições públicas de ensino superior do Rio Grande do Norte [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte]. Repositório da UFRN. https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/29145
https://repositorio.ufrn.br/handle/12345...
) invista na necessidade de um projeto psicoterapêutico fora dos moldes patologizantes, biologizantes e cisnormativos. Aliadas à Emilly Fernandes, nossa proposta é refletir que a demanda “trans” não deveria ser sinônimo para a demanda psicoterapêutica. Como saber mais sobre o tema? Para onde encaminhar? O laudo é uma necessidade? Perguntas que colam o gênero ao aparato constitutivo do consultório. Contudo, uma lente transfeminista destinada à psicologia é útil para que a profissão seja capaz de lidar com esses debates também no cenário público, ou seja, permitindo que diferentes terapeutas se engajem no ofício de repensar os estereótipos culturais em torno das categorias sexualidade e gênero, como ressalta João Maracci (2019Maracci, J. (2019). Reflexões sobre verdade e política: mapeando controvérsias do Kit Gay [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório da UFRGS. http://hdl.handle.net/10183/201276
http://hdl.handle.net/10183/201276...
).

O abandono de pautas que discutem diversidade (Maracci, 2019Maracci, J. (2019). Reflexões sobre verdade e política: mapeando controvérsias do Kit Gay [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório da UFRGS. http://hdl.handle.net/10183/201276
http://hdl.handle.net/10183/201276...
), por representarem “perigos” a instituições “estáveis” como a família, não é um fenômeno isolado no Brasil. A partir da designação compulsória dos sexos e da lógica classificatória, a própria psicologia, aliada ao vocabulário nosológico, indica também enxergar o “transgênero” como uma ameaça a partir de suas ofensivas psicopatologizantes. Dessa forma, o paradigma normativo faz com que a saúde mental advogue por um ideal totalizador, no qual a ciência passa a se responsabilizar pela avaliação de níveis de feminilidade e masculinidade. Dizer de uma clínica que enxerga as fraturas cisnormativas é dizer da psicologia enquanto profissão. Afinal, é possível um fazer psicológico engajado com a diferença?

Decodificando um fim: caminhos para uma psicologia mediada

São tempos difíceis. No Brasil de hoje, falar em psicologia adjetivada é um risco que não se corre facilmente. Estamos discutindo “tempo” durante o artigo, mas não poderíamos deixar de falar sobre as ameaças dessa nação de agora, ainda constituída pelo ódio às diferenças raciais, sexuais, corporais e de gênero. Expoente no campo do feminismo trans, Jaqueline de Jesus (2014Jesus, J. (2014). Transfeminismo: Teorias e práticas. Metanóia.) pondera que, caso a psicologia desconsidere que a fisiologia não restringe, apenas particulariza, correrá o sério risco de não questionar: quem produz o nosso conhecimento? De que forma o conhecimento produzido beneficia quem o produziu? Resumidamente, como é que a saúde mental pode disputar cidadania de outra forma, que não seja a diagnóstica?

Falar sobre psicologia transfeminista - ou ciência transfeminista, mais especificamente - não é falar sobre um processo marcado por um exaurido identitarismo. O que está em discussão é justamente a possibilidade de marcar o ideal totalizador de uma representação científica cisgênera. Em outros termos, significa pensar como nossas proposições são fragmentadas, provisórias, mas, exatamente por isso, capazes de pensar um cuidado singular posicionado. O transfeminismo surge em resposta a um “feminismo” de base biológica (Jesus, 2014Jesus, J. (2014). Transfeminismo: Teorias e práticas. Metanóia.), que, embora buscasse desnaturalizar os papéis entre homens e mulheres, declarava essas duas identidades enquanto os únicos esquemas inteligíveis.

Em contrapartida, nosso papel cartográfico em saúde reside no reconhecimento das histórias múltiplas das travestis e pessoas trans brasileiras, inseridas em lutas marcadas pela raça, religião e classe - mas especialmente marcadas por uma concepção de “humanidade“ bastante restrita. O que se discute nessas páginas é a promessa de expansão de uma psicologia transfeminista. Talvez, para fazermos isso, seja preciso que mais psicoterapeutas se somem a nós, com o objetivo de (des)soterrar vivências e soterrar os saberes nosológicos. Como Amana Mattos e Maria Cidade (2016Mattos, A., & Cidade, M. (2016). Para pensar a cisheteronormatividade na psicologia: Lições tomadas do transfeminismo. Periódicus, 1(5), 23-31. ) denominam, desestabilizar práticas, tanto científicas quanto políticas, que são responsáveis por produzir assujeitamentos.

De maneira simplificada, a teoria psicológica transfeminista não seria necessariamente a criação de uma nova abordagem em psicologia, mas a incorporação de paradigmas éticos e políticos que questionam: 1) a lógica de classificação binária entre os sexos; 2) os efeitos de um vocabulário nosológico em nossas práticas; 3) o imperativo de uma escolha dita “saudável” sobre o corpo; 4) a concepção de que pessoas trans e travestis não deveriam passar por arrependimentos em suas transições; 5) e o juízo sobre a continuidade de uma “essência” feminina ou masculina. Dessa forma, estaríamos apostando em outros sentidos sobre envelhecimento, autoimagem e singularidade. Tais identidades sairiam, pouco a pouco, do domínio de um frio enquadramento psiquiátrico.

Por outro lado, talvez mais propositivo, aborda-se a necessidade de uma escuta crítica em relação à cisgeneridade, um reconhecimento do sofrimento ocasionado pela transfobia que esteja desligado das culpabilizações individualizantes, psicoeducação quanto a garantias legais e jurídicas, além de uma parceria dissimulada com quem trabalhamos, com o objetivo de criar respostas criativas às burocracias institucionais causadas por outros membros de equipes de saúde. Aqui, a psicologia poderia ter uma força mais expressiva caso constatasse que muitos prejuízos foram provocados pela rigidez herdada da tradição médica. As trocas entre transfeminismo e psicologia se dão na necessidade de quebrarmos a coerência, de introduzirmos outros tempos e nos atrelarmos aos fluxos e contradições (Abu-Lughod, 2018Abu-Lughod, L. (2018). A Escrita contra a cultura. Equatorial, 5(8), 193-226. ). Suas narrativas não cabem nas páginas nebulosas da Classificação Internacional de Doenças (CID), menos ainda nas amareladas folhas do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).

Podemos até não perceber, mas essa clínica “imparcial” está em ruínas. Desde que sua racionalidade estimula a marginalização de quem subverte o gênero e a sexualidade hegemônicos, ela não está povoada de gente. Sem apressadas romantizações, nós, as formas de vida insatisfeitas com a apatia do consultório, queremos cidadanias múltiplas, refrigeradas, que sejam menos esgotificadas e patologizantes. Em razão disso, este artigo não pretende ser um manual, mas um impulso em direção a outros territórios para nossos campos. Paradoxalmente, enquanto escrevemos, dançávamos em cima dos escombros desses referidos guias, (des)organizadas.

Referências

  • Abu-Lughod, L. (2018). A Escrita contra a cultura. Equatorial, 5(8), 193-226.
  • Ayouch, T. (2015). Da transexualidade às transidentidades: Psicanálise e gêneros plurais. Percurso, 54, 23-32.
  • Bandeira, L. (2008). A contribuição da crítica feminista à ciência. Revista Estudos Femiistas, 16(1), 207-228.
  • Bagagli, B. (2019). Discursos transfeministas e feministas radicais: Disputas pela significação da mulher no feminismo. [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório da Unicamp. https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1090697
    » https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1090697
  • Butler, J. (2009). Desdiagnosticando o gênero. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 19(1), 95-126. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312009000100006
    » https://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312009000100006
  • Cavalcanti, C. (2016). Sobre Nós (des)organizados: Pesquisa-intervenção em psicologia e o processo de implementação de políticas para pessoas trans* na UFPE [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Pernambuco]. Repositório da UFPE. https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/26609
    » https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/26609
  • Cavalheiro, R. (2019). Caos, norma e possibilidades de subversão: Psicanálise nas encruzilhadas do gênero. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. http://hdl.handle.net/10183/200814
    » http://hdl.handle.net/10183/200814
  • Fernandes, E. (2019). (Trans)passando os muros do preconceito e adentrando a universidade: Uma análise das políticas para pessoas trans* dentro das instituições públicas de ensino superior do Rio Grande do Norte [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte]. Repositório da UFRN. https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/29145
    » https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/29145
  • Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41.
  • Jesus, J. (2014). Transfeminismo: Teorias e práticas. Metanóia.
  • Junqueira, R. (2018). A invenção da “ideologia de gênero”: A emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista Psicologia Política, 18(43), 449-502.
  • Keller, E. (1987). The gender/science system: Or, is sex to gender as nature is to science? Hypatia, 2(3), 37-49.
  • Lionço, T. (2009). Um olhar sobre a transexualidade a partir da perspectiva da tensionalidade somato-psíquica [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/3297
    » https://repositorio.unb.br/handle/10482/3297
  • Maracci, J. (2019). Reflexões sobre verdade e política: mapeando controvérsias do Kit Gay [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório da UFRGS. http://hdl.handle.net/10183/201276
    » http://hdl.handle.net/10183/201276
  • Mattos, A., & Cidade, M. (2016). Para pensar a cisheteronormatividade na psicologia: Lições tomadas do transfeminismo. Periódicus, 1(5), 23-31.
  • Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção (3a ed.). Martins Fontes.
  • Mombaça, J. (2015). Como cartografar o desterro? Revista Arte Contexto, 2(6). http://artcontexto.com.br/textocurto_06_jota_mombaca.html
    » http://artcontexto.com.br/textocurto_06_jota_mombaca.html
  • Murta, D. (2007). A psiquiatrização da transexualidade: Análise dos efeitos do diagnóstico de identidade de gênero nas práticas de saúde [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro].
  • Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. (2013, 19 de novembro). Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html
  • Resolução nº 1.482, de 10 de setembro de 1997. (1997, 10 de setembro). Dispõe sobre o procedimento de transgenitalização e demais intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários. Diário Oficial da União . http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1482_1997.htm
    » http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1997/1482_1997.htm
  • Saldanha, M. (2018). Sobre psicologias e psicoterapias feministas no Brasil e em Portugal. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório UFRGS. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/181361
    » https://lume.ufrgs.br/handle/10183/181361
  • Schiavon, A., Favero, S., & Machado, P. (2020). A ciência que vigia o berço: diferentes leituras de “saúde” frente a crianças trans e crianças intersexo. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, 3(9), 96-120. https://doi.org/10.31560/2595-3206.2020.9.10553
    » https://doi.org/10.31560/2595-3206.2020.9.10553
  • Silva, D.. (2019). O dispositivo da colonialidade de gênero no discurso transfóbico online. Raído, 13(33), 28-54.
  • Stoller, R. (1982). A experiência transexual. Imago.
  • Teixeira, F. (2009). Vidas que desafiam corpos e sonhos: Uma etnografia do construir-se outro no gênero e na sexualidade [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas].
  • Veiga, L. (2019). Descolonizando a psicologia: notas para uma Psicologia Preta. Fractal: Revista de Psicologia, 31(spe), 244-248. https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29000
    » https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29000
  • Vergueiro, V. (2016). Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: Uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia]. Repositório da UFBA. https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685
    » https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685
  • Zambrano, E. (2003). Trocando os documentos: Um estudo antropológico sobre a cirurgia de troca de sexo. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório da UFRGS. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3693
    » https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/3693
  • 1
    Referimo-nos a concepções de “saúde mental” como noções que desconsideram a pluralidade subjetiva presente em outros territórios e contextos que não aqueles dos quais os manuais diagnósticos são originários, entendendo saúde e doença como categorias históricas que intercalam o campo de atuação da clínica e o estado da interioridade individual, conforme tentam ampliar as proposições das autoras Schiavon, Favero e Machado (2020Schiavon, A., Favero, S., & Machado, P. (2020). A ciência que vigia o berço: diferentes leituras de “saúde” frente a crianças trans e crianças intersexo. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, 3(9), 96-120. https://doi.org/10.31560/2595-3206.2020.9.10553
    https://doi.org/10.31560/2595-3206.2020....
    ).
  • 2
    Os dois anos de acompanhamento fazem referência a uma diretriz clássica do Processo Transexualizador, política de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS) que regula o cuidado à população trans brasileira, a partir da Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. (2013, 19 de novembro). Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html
    http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
    .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2020
  • Aceito
    04 Ago 2021
Conselho Federal de Psicologia SAF/SUL, Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo sala 105, 70070-600 Brasília - DF - Brasil, Tel.: (55 61) 2109-0100 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revista@cfp.org.br