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Memória e Transtorno do Estresse Pós--Traumático (TEPT): narrar estórias e ressignificar a história autobiográfica

Memory and Post-Traumatic Stress Disorder (PTSD): Telling stories and refraiming one’s autobiographical history

La mémoire et trouble de stress post-traumatique (TSPT): Raconter des histoires et resignifier des histoires autobiographiques

Memoria y Trastorno de estrés postraumático (TEPT): Narrar historias y resignificar la historia autobiográfica

Resumos

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é caracteri- zado como um distúrbio psicopatológico que afeta a regulação emocional, a cognição e o comportamento. Além disso, desordem em diferentes processos de memória tem sido relacionada a um prognóstico persistente do TEPT. De certo modo, a memória traumática se apresenta de modo atemporal por funcionar como uma moldura rígida que mantém aprisionada a história pessoal fixada no passado, no tempo do acontecimento traumático. Assim, o objetivo deste ensaio é refletir sobre os processos de memória envolvidos no TEPT, bem como o lugar do testemunho no processo de ressignificação da experiência traumática, pois é através das estórias que contamos a nós mesmos e aos outros sobre quem somos que se faz possível construir a história autobiográfica e um senso de realidade pessoal.

Palavras-chave
TEPT; memória; testemunho


Post-traumatic stress disorder (PTSD) is a psychopathological disorder that affects emotional regulation, cognition, and behavior. Moreover, deregulation in different memory processes has been related to a persistent PTSD prognosis. In a way, the traumatic memory presents itself as timeless, since it functions as a rigid frame that keeps the personal history locked in the past, at the time of the traumatic event. Thus, this essay reflects on the memory processes involved in PTSD, and the place of testimony in the process of reframing the traumatic experience, for it is through the stories we tell ourselves and others about who we are that we can build an autobiographical history and a sense of personal reality.

Keywords
PTSD; memory; testimony


Le trouble de stress post-traumatique (TSPT) est un trouble psychopathologique qui affecte la régulation émotionnelle, la cognition et le comportement. De plus, la dérégulation de différents processus mnésiques a été reliées à un pronostic persistant du TSPT. D’une certaine manière, la mémoire traumatique se présente comme intemporelle, puisqu’elle fonctionne comme un cadre rigide qui maintient l’histoire personnelle enfermée dans le passé, au moment de l’événement traumatique. Ainsi, cet essai réfléchit aux processus de mémoire impliqués dans le TSPT, et à la place du témoignage dans le processus de recadrage de l’expérience traumatique, car c’est à travers les histoires que nous nous racontons et que nous racontons aux autres sur qui nous sommes que nous pouvons construire une histoire autobiographique et un sens de la réalité personnelle.

Mots-clés
TSPT; mémoire; témoignage


El trastorno de estrés postraumático (TEPT) se caracteriza por ser un trastorno psicopatológico que afecta la regulación emocional, la cognición y el comportamiento. Además, el trastorno en diferentes procesos de la memoria se ha relacionado con un pronóstico de TEPT persistente. En cierto modo, el recuerdo traumático se presenta de manera atemporal, pues funciona como un marco rígido que mantiene encerrada la historia personal en el pasado, en el momento del hecho traumático. Así, el objetivo de este ensayo es reflexionar sobre los procesos de memoria involucrados en el TEPT, así como el lugar del testimonio en el proceso de resignificación de la experiencia traumática, ya que es a través de las historias que contamos a nosotros mismos y a los demás sobre quiénes somos que se ha podido construir una historia autobiográfica y un sentido a la realidad personal.

Palabras clave
TEPT; memoria; testimonio


Introdução

O acontecimento traumático pode contribuir para um trauma psíquico quando acarreta um aumento de estimulação, num inter- valo de tempo que seja suficiente para ocasionar um escoamento dessa estimulação psíquica, e insuficiente para a capacidade de contenção e reparação por parte do indivíduo, causando, consequentemente, a instalação do quadro de perturbação traumática. Consecutivamente, a condição de fissura psíquica, colapso do ego e ruptura do self instauram-se devido ao fato de que o quantum de energia excessiva decorrente do evento traumático não pode ser psiquicamente barrado e invade, transborda o ego (eu), fraturando a barreira narcísica protetora, instaurando-se, assim, uma condição de impossibilidade de simbolização da experiência traumática. (Bohleber, 2007Bohleber, W. (2007). Remembrance, trauma and collective memory -The battle for memory in psychoanalysis. International Journal of Psychoanalysis, 88, 329-52.; Iannini et al., 2021Iannini, G., Rena, A. C. C., Britto, A. L. S., Cabral, A., Bossa, D., Siqueira, F., Soares, G., Moreira, I., Monteiro, J., & Brun, O. (2021). “Casa”: Sonhos infamiliares. In C. Dunker, C. Perrone, G. Iannini, M. Rosa, & R. Gurski (Orgs.), Sonhos confinados: o que sonham os brasileiros na pandemia (pp. 35-69). Autêntica.).

Por sua vez, de acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA, 2013American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.) DSM-5. American Psychiatric Press.), o indivíduo que desenvolve um quadro de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) pode apresentar sinais e sintomas de revivência emocional, humor disfórico, cognições negativas, alteração de estados de consciência (dissociação), hipersensibilidade a estímulos inesperados e sintomas comportamentais (físicos ou verbais) reativos e violentos, que podem ser autodestrutivos e automutilantes. Enfim, o acontecimento traumático pode ser reexperenciado de diferentes formas e, comumente, existem esforços intencionais dos indivíduos para evitar pensamentos, lembranças, sentimentos, diálogos ou qualquer outra situação que esteja relacionada ao acontecimento traumático (APA, 2013American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.) DSM-5. American Psychiatric Press.; DSM-5, 2014).

Contudo, na tentativa de aliviar o sentimento de angústia e de desamparo total, devido à condição de fissura psíquica, o quantum de energia psíquica livre e excessiva escoa para o corpo, e, assim, a manifestação do sofrimento que não pode ser expressa por vias verbais devido às falhas e lacunas no sistema representacional, manifesta-se por vias não verbais, como do- res corporais e outras experiências somáticas; disfunções cognitivas - flashbacks, pesadelos, imagens vívidas; disfunções afetivas - sentimentos avassaladores; comportamentos agressivos e de violência, os quais são difíceis de compreender e de serem colocados em palavras.

Em contrapartida, a condição de possibilidade de algum acontecimento vivido ser incorporado à história pessoal se dá a partir do testemunho, da construção da narrativa enquanto estratégia discursa de autorre(a)presentação de situações inomináveis e irrepresentáveis; em outras palavras, a experiência subjetiva da vivência é adquirida pelo indivíduo quando de sua transmissão ao outro. Desta forma, este ensaio tem como objetivo refletir sobre o lugar do testemunho como função de mediador simbólico no processo de construção de sentido e simbolização da vivência traumática, ao permitir que o indivíduo possa acessar os fragmentados e o eneagrama da memória traumática na tentativa de atualizar os acontecimentos, ressignificar a experiência traumática e a sua história autobiográfica.

Memória e trauma

O TEPT tem sido conceitualizado como uma desordem de memória (Elzinga e Bremner, 2002Elzinga, B., & Bremner, J. (2002). Are the neural substrates of memory the final common pathway in post traumatic stress disorder (PTSD)? Journal of Affective Disorders, 70(1), 1-17.), com base em investigações que destacam a relevância de sintomas relacionados à memória no desenvolvimento e manutenção do TEPT (Ehlers et al., 2004Ehlers A., Hackmann A., & Michael T. (2004). Intrusive re-experiencing in post-traumatic stress disorder: Phenomenology, theory, and therapy. Memory, 12, 403-415.), bem como de memórias perturbadoras e intrusivas como indicações prognósticas de um quadro de TEPT persistente (Michael et al., 2005bMichael, T., Ehlers, A., & Halligan, S. (2005b). Enhanced priming for trauma-related material in post traumatic stress disorder. Emotion, 5(1), 103-112., Michael & Ehlers, 2007Michael, T., & Ehlers, A. (2007). Enhanced perceptual priming for neutral stimuli occurring in a traumatic context: Two experimental investigations. Behaviour Research and Therapy, 45(2), 341-358.).

As memórias intrusivas consistem de breves fragmentos sensoriais do evento traumático que invadem a consciência (Hackmann et al., 2004Hackmann, A., Ehlers, A., Speckens, A., & Clark, D. (2004). Characteristics and content of intrusive memories in PTSD and their changes with treatment. Journal of Traumatic Stress, 17(3), 231-240.) e podem desencadear sintomas de ansiedade (Pfaltz et al., 2010Pfaltz, M., Michael, T., Grossman, P., Margraf, J., & Wilhelm, F. (2010). Instability of physical anxiety symptoms in daily life of patients with panic disorder and patients with post traumatic stress disorder. Journal of Anxiety Disorders, 24(7), 792-798.). Em contraste com as memórias voluntárias, intrusões carecem de um estado de autonoesis de consciência, ou seja, consciência de que as experiências sensoriais atuais se originam de um evento passado (Tulving, 1985Tulving, E. (1985). Memory and consciousness. Canadian Psychology, 26(1), 1.). Assim, as memórias intrusivas, muitas vezes coincidem com uma sensação de nowness que perpetua percepções de ameaças vivenciadas no passado e desencadeiam altos níveis de angústia (Ehlers & Clark, 2000Ehlers, A., & Clark, D.M. (2000). A cognitive model of post traumatic stress disorder. Behaviour Research and Therapy, 38(4), 319-345.), principalmente, em indivíduos que desenvolvem TEPT persistente (Michael et al., 2005aMichael, T., Ehlers, A., Halligan, S., & Clark, D. (2005a). Unwanted memories of assault: What intrusion characteristics are associated with PTSD? Behaviour Research and Therapy, 43(5), 613-628.; Kleim et al., 2013Kleim, B., Graham, B., Bryant, R., & Ehlers, A. (2013). Capturing intrusive re-experiencing in trauma survivors’ daily lives using ecological momentary assessment. Journal of Abnormal Psychology, 122(4), 998.).

Desta forma, modelos cognitivos (Ehlers & Clark, 2000Ehlers, A., & Clark, D.M. (2000). A cognitive model of post traumatic stress disorder. Behaviour Research and Therapy, 38(4), 319-345.; Brewin, 2014Brewin, C. (2014). Episodic memory, perceptual memory and their interaction: Foundations for a theory of post traumatic stress disorder. Psychological Bulletin, 140, 69-97.), tanto quanto observações clínicas (Ehlers et al., 2004Ehlers A., Hackmann A., & Michael T. (2004). Intrusive re-experiencing in post-traumatic stress disorder: Phenomenology, theory, and therapy. Memory, 12, 403-415., 2006Ehlers, A., Michael, T., Chen, Y., Payne, E., & Shan, S. (2006). Enhanced perceptual priming for neutral stimuli in a traumatic context: A pathway to intrusive memories? Memory, 14(3), 316-328.), salientam que a codificação de registros mnêmicos e os processos intrusivos surgem do aumento do conhecimento implícito e/ou ampliação da codificação sensorial durante a vivência do trauma, bem como que intrusões são frequentemente desencadeadas por estímulos que são perceptivamente semelhantes aos relacionados ao trauma (Michael & Ehlers, 2007Michael, T., & Ehlers, A. (2007). Enhanced perceptual priming for neutral stimuli occurring in a traumatic context: Two experimental investigations. Behaviour Research and Therapy, 45(2), 341-358.; Sündermann et al., 2013Sündermann, O., Hauschildt, M., & Ehlers, A. (2013). Perceptual processing during trauma, priming and the development of intrusive memories. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 44(2), 213-220.).

Assim, o processo de codificação da informação implícita pode produzir uma ampla gama de gatilhos em potencial para memórias intrusivas, o que é referenciado por estudos que demonstram que os processos de memória implícita de priming (Ehlers et al., 2006Ehlers, A., Michael, T., Chen, Y., Payne, E., & Shan, S. (2006). Enhanced perceptual priming for neutral stimuli in a traumatic context: A pathway to intrusive memories? Memory, 14(3), 316-328.; Ehring & Ehlers, 2011Ehring, T., & Ehlers, A. (2011). Enhanced priming for trauma-related words predicts post traumatic stress disorder. Journal of Abnormal Psychology, 120(1), 234.), bem como as aprendizagens associativas (Ehlers & Clark, 2000Ehlers, A., & Clark, D.M. (2000). A cognitive model of post traumatic stress disorder. Behaviour Research and Therapy, 38(4), 319-345.; Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.), são amplificadas em indivíduos com TEPT devido ao forte condicionamento de respostas a estímulos associados ao trauma (Payne et al., 2004Payne, J., Nadel, L., Britton, W., & Jacobs, W. (2004). The biopsychology of trauma and memory. In D. Reisberg, & P. Hertel (Eds.), Memory and Emotion (pp. 76--128). Oxford University Press.), o que provavelmente podem desencadear memórias intrusivas e estados de ansiedade (Wegerer et al., 2013Wegerer, M., Blechert, J., Kerschbaum, H., & Wilhelm, F. (2013). Relationship between fear conditionability and aversive memories: Evidence from a novel conditioned-intrusion paradigm. PLoS ONE, 8(11), e79025.; Streb et al., 2017Streb, M., Conway, M., & Michael, T. (2017). Conditioned responses to trauma reminders: How durable are they over time and does memory integration reduce them? Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 57, 88-95.), contribuindo para a manutenção do quadro de TEPT.

Contudo, embora o TEPT pareça ampliar a percepção do conhecimento implícito, esse aprimoramento não generaliza para outros sistemas de memória (Brewin et al., 2010Brewin, C., Gregory, J., Lipton, M., & Burgess, N. (2010). Intrusive images in psychological disorders: Characteristics, neural mechanisms, and treatment implications. Psychological Review, 117, 210-232.; Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.). Pelo contrário, os indivíduos com TEPT, frequentemente apresentam déficits em atividades de recuperação voluntária (explícita) de memória (Barry et al., 2019Barry, T., Vinograd, M., Boddez, Y., Raes, F., Zinbarg, R., Mineka, S., & Crake, M. (2019). Reduced autobiographical memory specificity affects general distress through poor social support. Memory, 27, 916-923.), de modo que suas narrativas sobre a experiência do trauma revelam falta de organização e coerência temporal e espacial (Jelinek et al., 2009Jelinek, L., Randjbar, S., Seifert, D., Kellner, M., & Moritz, S. (2009). The organization of autobiographical and nonautobiographical memory in post traumatic stress disorder (PTSD). Journal of Abnormal Psychology, 118(2), 288.; Filkukova et al., 2016Filkukova, P., Jensen, T., Sofie Hafstad, G., Torvund Minde, H., & Dyb, G. (2016). The relationship between post traumatic stress symptoms and narrative structure among adolescent terrorist-attack survivors. European Journal of Psychotraumatology, 7(1), 29551.).

E ainda, o prejuízo da capacidade de elaboração da memória pode ser um fator propício ao desenvolvimento de intrusões (Ehlers & Clark, 2000Ehlers, A., & Clark, D.M. (2000). A cognitive model of post traumatic stress disorder. Behaviour Research and Therapy, 38(4), 319-345.; Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.), pois a pobre elaboração no processo de consolidação e codificação da memória é assumido como condicionante à probabilidade reduzida de recuperação explícita da memória durante o processo de revivência e reexperimentação dos episódios, o que repercute na dificuldade de inibição do processamento implícito de memória e diminuição do nível de angústia durante esses episódios (Brewin et al., 2010Brewin, C., Gregory, J., Lipton, M., & Burgess, N. (2010). Intrusive images in psychological disorders: Characteristics, neural mechanisms, and treatment implications. Psychological Review, 117, 210-232.; Brewin, 2011Brewin, C. (2011). The nature and significance of memory disturbance in post traumatic stress disorder. Annual Review of Clinical Psychology, 7, 203-227.).

Assim, conforme é salientado em estudos empíricos que ressaltam uma associação entre memória traumática voluntária reduzida (ou seja, memórias desorganizadas e/ou fragmentadas) e sintomas de TEPT (Michael & Ehlers, 2007Michael, T., & Ehlers, A. (2007). Enhanced perceptual priming for neutral stimuli occurring in a traumatic context: Two experimental investigations. Behaviour Research and Therapy, 45(2), 341-358.; Sachschal et al., 2019Sachschal, J., Woodward, E., Wichelmann, J., Haag, K., & Ehlers, A. (2019). Differential effects of poor recall and memory disjointedness on trauma symptoms. Clinical Psychological Science, 7(5), 1032-1041.), as investigações concentraram-se na identificação de fatores que influenciam o processamento da memória peri- e pós-traumática (Parsons & Ressler, 2013Parsons, R., & Ressler, K. (2013). Implications of memory modulation for post-traumatic stress and fear disorders. Nature Neuroscience, 16, 146.) tais como níveis de hormônio do estresse e fatores de demandas de processamento visoespaciais (Holz et al., 2014Holz, E., Lass-Hennemann, J., Streb, M., Pfaltz, M., & Michael, T. (2014). Effects of acute cortisol administration on perceptual priming of trauma-related material. PLoS ONE, 9(9), e104864.; Iyadurai et al., 2018Iyadurai, L., Blackwell, S., Meiser-Stedman, R., Watson, P., Bonsall, M., Geddes, J., & Holmes, E. (2018). Preventing intrusive memories after trauma via a brief intervention involving Tetris computer game play in the emergency department: A proof-of-concept randomized controlled trial. Molecular Psychiatry, 23(3), 674.), com o intuito de analisar os processos de memória pós-codificação que influenciam o desenvolvimento e persistência de reexperimentação dos sintomas.

Nesse contexto, verificou-se o papel potencial do sono na consolidação da memória (Rasch & Born, 2013Rasch, B., & Born, J. (2013). About sleeps role in memory. Physiological Reviews, 93(2), 681-766.; Pace-Schott et al., 2015Pace-Schott, E., Germain, A., & Milad, M. (2015). Sleep and REM sleep disturbance in the pathophysiology of PTSD: The role of extinction memory. Biology of Mood & Anxiety Disorders, 5, 3.), presumindo que traços da memória recém-formada sejam transferidos do armazenamento intermediário no hipocampo para armazenamento a longo prazo em redes neocorticais (Yonelinas, 2002Yonelinas, A. (2002). The nature of recollection and familiarity: A review of 30 years of research. Journal of Memory and Language, 46(3), 441-517.; Diekelmann & Born, 2010Diekelmann, S., & Born, J. (2010). The memory function of sleep. Nature Reviews Neuroscience, 11(2), 114.). Esse processo está vinculado à neurofisiologia exclusiva do sono que permite, através de vários ciclos de reativação off-line (Kensinger, 2009Kensinger, E. (2009). Remembering the details: Effects of emotion. Emotion Review, 1, 99-113.; Payne et al., 2015Payne, J., Stickgold, R., Wamsley, E., Gibler, K., & Kensinger, E. (2015). A brief daytime nap selectively consolidates memory for emotional aspects of scenes. Emotion, 15(2), 176-186.) e redistribuição de traços de memória no hipocampo, que esses traços sejam integrados às redes de memória de longo prazo, os quais suportam a recuperação de memória remota (Gais et al., 2007Gais, S., Albouy, G., Boly, M., Dang-Vu, T., Darsaud, A., Desseilles, M., & Vandewalle, G. (2007). Sleep transforms the cerebral trace of declarative memories. Proceedings of the National Academy of Sciences, 104(47), 18778--18783.; Payne et al., 2008Payne, J., Swanberg, K., Stickgold, R., & Kensinger, E. (2008). Sleep preferentially enhances memory for emotional components of scenes. Psychological Science, 19, 781-788., 2010Payne, J., Ellenbogen J., Walker M., & Stickgold, R. (2010). The role of sleep in memory consolidation. In J. Byrne (Ed.), Learning and memory: a comprehensive reference (pp. 663-685). Elsevier.).

De acordo com esse modelo de consolidação de sistemas, o desempenho da memória no período de pós-codificação ao dormir (Payne et al., 2015Payne, J., Stickgold, R., Wamsley, E., Gibler, K., & Kensinger, E. (2015). A brief daytime nap selectively consolidates memory for emotional aspects of scenes. Emotion, 15(2), 176-186.), é aprimorado em comparação com a vigília sustentada (Diekelmann & Born, 2010Diekelmann, S., & Born, J. (2010). The memory function of sleep. Nature Reviews Neuroscience, 11(2), 114.; Rasch & Born, 2013Rasch, B., & Born, J. (2013). About sleeps role in memory. Physiological Reviews, 93(2), 681-766.). Esses efeitos são particularmente evidentes para memória episódica (Drosopoulos et al., 2005Drosopoulos, S., Wagner, U., & Born, J. (2005). Sleep enhances explicit recollection in recognition memory. Learning & Memory, 12(1), 44-51.; Daurat et al., 2007Daurat, A., Terrier, P., Foret, J., & Tiberge, M. (2007). Slow wave sleep and recollection in recognition memory. Consciousness and Cognition, 16(2), 445-455.; Kleim et al., 2016Kleim, B., Wysokowsky, J., Schmid, N., Seifritz, E., & Rasch, B. (2016). Effects of sleep after experimental trauma on intrusive emotional memories. Sleep, 39(12), 2125-2132.) e para a regulação da carga afetiva associada à memória (Payne et al., 2010Payne, J., Ellenbogen J., Walker M., & Stickgold, R. (2010). The role of sleep in memory consolidation. In J. Byrne (Ed.), Learning and memory: a comprehensive reference (pp. 663-685). Elsevier.; Pace-Schott et al., 2015Pace-Schott, E., Germain, A., & Milad, M. (2015). Sleep and REM sleep disturbance in the pathophysiology of PTSD: The role of extinction memory. Biology of Mood & Anxiety Disorders, 5, 3.; Sopp et al., 2017Sopp, M., Michael, T., Weess, H., & Mecklinger, A. (2017). Remembering specific features of emotional events across time: The role of REM sleep and prefrontal theta oscillations. Cognitive, Affective, & Behavioral Neuroscience, 17(6), 1186-1209.).

Por sua vez, Sopp et al., (2019)Sopp M., Brueckner, A., Schäfer, S., Lass-Hennemann, J., & Michael, T. (2019).Differential effects of sleep on explicit and implicit memory for potential trauma reminders: findings from an analogue study. European Journal of Psychotraumatology, 10(1), 1644128., com o intuito de verificar a correlação entre o sono e os tipos de memória (implícita e explícita) direcionaram sua investigação para analisar os efeitos do sono nos processos de memória e o potencial de evocação de recordação traumática (Payne et al, 2004Payne, J., Nadel, L., Britton, W., & Jacobs, W. (2004). The biopsychology of trauma and memory. In D. Reisberg, & P. Hertel (Eds.), Memory and Emotion (pp. 76--128). Oxford University Press.). Os resultados mostraram várias correspondências com outros achados da literatura, como por exemplo, Giganti et al. (2014)Giganti, F., Arzilli, C., Conte, F., Toselli, M., Viggiano, M., & Ficca, G. (2014). The effect of a daytime nap on priming and recognition tasks in preschool children. Sleep, 37(6), 1087-1093. e Casey et al. (2016)Casey, B., Galvan, A., & Somerville, L. (2016). Beyond simple models of adolescence to an integrated circuit-based account: A commentary. Developmental Cognitive Neuroscience, 17,128-130., que evidenciaram que a evocação de conteúdo da memória traumática explícita - mas não implícita - foi maior depois de um período de sono do que após a privação parcial dele. Além disso, Sopp et al. (2019)Sopp M., Brueckner, A., Schäfer, S., Lass-Hennemann, J., & Michael, T. (2019).Differential effects of sleep on explicit and implicit memory for potential trauma reminders: findings from an analogue study. European Journal of Psychotraumatology, 10(1), 1644128., ressaltaram que os resultados estão de acordo com a noção de que apresentar uma saúde de sono pode propiciar uma diminuição de intrusão imediata e a longo prazo de estímulos associados ao trauma (Kleim et al., 2016Kleim, B., Wysokowsky, J., Schmid, N., Seifritz, E., & Rasch, B. (2016). Effects of sleep after experimental trauma on intrusive emotional memories. Sleep, 39(12), 2125-2132.; Woud et al., 2018Woud, M., Cwik, J., Blackwell, S., Kleim, B., Holmes, E., Adolph, D., & Margraf, J. (2018). Does napping enhance the effects of cognitive bias modification-appraisal training? An experimental study. PLoS ONE, 13(2), e0192837.).

E ainda, conforme salienta Sidarta Ribeiro (2019)Ribeiro, S. (2019). O Oráculo da Noite: a história e a ciência do sonho. Companhia das Letras., o sono produz moléculas e ajuda o cérebro a se livrar de toxinas; e o sonho, por sua vez, produz memória, embaralha reminiscências e gera criatividade. Ao contrário das percepções do senso comum, o sono não é um soterrador de memórias, tampouco há um apagamento do cérebro durante o sono; pelo contrário, o sono e a função restauradora do sonhar (Ab’Saber, 2005Ab’Saber, T. (2005). O sonhar restaurado: formas do sonhar em Bion, Winnicott e Freud. Editora, 34.), da imaginação e da nossa capacidade criativa, potencializam as energias do indivíduo para o enfretamento às transformações necessárias em seus cotidianos (Crary, 2013Crary, J. (2013). 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono. Cosac Naify.).

Contudo, embora a readaptação da memória emocional (Payne et al., 2004Payne, J., Nadel, L., Britton, W., & Jacobs, W. (2004). The biopsychology of trauma and memory. In D. Reisberg, & P. Hertel (Eds.), Memory and Emotion (pp. 76--128). Oxford University Press.; LaBar & Cabeza, 2006LaBar, K., & Cabeza, R. (2006). Cognitive neuroscience of emotional memory. Nature Review. Neuroscience, 7, 54.; Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.) seja importante para a sobrevivência após vivências catastróficas, na maioria das vezes predomina-se comportamentos de evitação dos estímulos intrusivos e supostamente perigosos, bem como esquecer as informações carregadas de emoção é igualmente importante e adaptativo (Depue et al., 2006Depue, B., Banich, M., & Curran, T. (2006). Suppression of emotional and nonemotional content in memory: Effects of repetition on cognitive control. Psychological Science, 17, 441-447., 2007Depue, B., Curran, T., & Banich, M. (2007). Prefrontal regions orchestrate suppression of emotional memories via a two-phase process. Science, 317, 215-219.). No entanto, a incapacidade de esquecer ou suprimir pensamentos são característicos no TEPT (Hayes et al., 2012Hayes, J., Van Elzakker, M., & Shin, L. (2012). Emotion and cognition interactions in PTSD: A review of neurocognitive and neuroimaging studies. Frontiers in Integrative. Neuroscience, 6, 89.; Vincken et al., 2012Vincken, M., Meesters, C., Engelhard, I., & Schouten, E. (2012). Psychometric qualities of the white bear suppression inventory in a dutch sample of children and adolescents. Personality and individual. Difference, 52, 301-305.; Nickerson et al., 2016Nickerson, A., Garber, B., Ahmed, O., Asnaani, A., Cheung, J., Hofmann, S., Huynh, L., Liddell, D., Litz, B., Pajak, R., & Bryant, R. (2016). Emotional suppression in torture survivors: Relationship to post traumatic stress symptoms and trauma-related negative affect. Psychiatry Research, 242, 233-239.). Investigações vêm salientando a correlação entre prejuízos de processos de memória - os aspectos referentes à forma como o evento é percebido, codificado, armazenado e recuperado -, o comprometimento da memória autobiográfica (MA) e o desenvolvimento do TEPT (Berntsen e Rubin, 2007Berntsen, D., & Rubin, D. (2007). When a trauma becomes a key to identity: Enhanced integration of trauma memories predicts post traumatic stress disorder symptoms. Applied Cognitive Psychology, 24(4), 417-431.; Bekinschtein et al., 2007Bekinschtein, P., Cammarota, M., Igaz, L., Bevilaqua, L., & Izquierdo, I. (2007). Persistence of Long-Term Memory Storage Requires a Late Protein Synthesis - and BDNF Dependent Phase in the Hippocampus. Neuron, 53, 261-277.; Rubin, 2011Rubin, C. (2011). The coherence of memories for trauma: Evidence from post traumatic stress disorder. Consciousness and Cognition, 20, 857-865.; Barry et al., 2018Barry, T., Lenaert, B., Hermans, D., Raes, F., & Griffith, J. (2018). Meta-analysis of the association between autobiographical memory specificity and exposure to trauma. Journal of Traumatic Stress, 31(1), 35-46.), pois mudanças no conteúdo das memórias autobiográficas têm se mostrado como um fator importante para o TEPT (Thome et al., 2019Thome, J., Terpou, B., McKinnon, M., & Lanius, R. (2019). The neural correlates of trauma-related autobiographical memory in post traumatic stress disorder: A meta-analysis. Depression & Anxiety, 37(4), 321-345.).

Cabe ressaltar que os principais fenômenos relacionados à memória autobiográfica em casos de TEPT incluem descontextualização da memória traumática, flashbacks e atribuição emocional de magnitude intensiva, bem como focalização no conteúdo do evento traumático como o eixo-central na organização do conhecimento autobiográfico (Berntsen et al., 2003Berntsen, D., Willert, M., & Rubin, D. C. (2003). Splintered memories or vivid landmarks? Qualities and organization of traumatic memories with and without PTSD. Cognitive Psychology, 17(6). https://doi.org/10.1002/acp.894.
https://doi.org/10.1002/acp.894...
; Megías et al., 2007Megías, J., Ryan, E., Vaquero, J., & Frese, B. (2007). Comparisons of Traumatic and Positive Memories in People with and without PTSD Profile. Applied Cognitive Psychology, 21, 117-130.; Brewin, 2011Brewin, C. (2011). The nature and significance of memory disturbance in post traumatic stress disorder. Annual Review of Clinical Psychology, 7, 203-227.), o que repercute no prejuízo da constituição do enredo da memória por falhas e lacunas na conexão e coerência de traços e fragmentos de memória (Kleim et al., 2008Kleim, B., Wallott, F., & Ehlers, A. (2008). Are trauma memories disjointed from other autobiographical memories in post traumatic stress disorder? An experimental investigation. Behavioural and Cognitive Psychotherapy, 36, 221-234.; Rubin, 2011Rubin, C. (2011). The coherence of memories for trauma: Evidence from post traumatic stress disorder. Consciousness and Cognition, 20, 857-865.; Rubin et al., 2011Rubin, D., Dennis, M., & Beckham, J. (2011). Autobiographical memory for stressful events: The role of autobiographical memory in post traumatic stress disorder. Consciousness and Cognition, 20(3), 840-856.), tanto quanto supergeneralização da memória traumática (Raes et al., 2003Raes, F., Hermans, D., Decker, A., Eelen, P., & Williams, J. (2003). Autobiographical memory specificity and affect regulation: An experimental approach. Emotion, 3(2), 201-206.; Berntsen et al., 2003Berntsen, D., Willert, M., & Rubin, D. C. (2003). Splintered memories or vivid landmarks? Qualities and organization of traumatic memories with and without PTSD. Cognitive Psychology, 17(6). https://doi.org/10.1002/acp.894.
https://doi.org/10.1002/acp.894...
; Brewin, 2011Brewin, C. (2011). The nature and significance of memory disturbance in post traumatic stress disorder. Annual Review of Clinical Psychology, 7, 203-227.), como mecanismo de evitação cognitiva (Williams et al., 2007Williams, J., Barnhofer, T., Crane, C., Hermans, D., Raes, F., & Watkins, E. (2007). Autobiographical memory specificity and emotional disorder. Psychological Bulletin, 133, 122-148.; Sumner, 2012), dissociação e supressão de pensamento (Schönfeld & Ehlers, 2006Schönfeld, S., & Ehlers, A. (2006). Overgeneral memory extends to pictorial retrieval cues and correlates with cognitive features in post traumatic stress disorder. Emotion, 6, 611-621.).

A maneira como as pessoas organizam as memórias autobiográficas (Barry et al., 2018Barry, T., Lenaert, B., Hermans, D., Raes, F., & Griffith, J. (2018). Meta-analysis of the association between autobiographical memory specificity and exposure to trauma. Journal of Traumatic Stress, 31(1), 35-46., 2019Barry, T., Vinograd, M., Boddez, Y., Raes, F., Zinbarg, R., Mineka, S., & Crake, M. (2019). Reduced autobiographical memory specificity affects general distress through poor social support. Memory, 27, 916-923.; Thome et al., 2019Thome, J., Terpou, B., McKinnon, M., & Lanius, R. (2019). The neural correlates of trauma-related autobiographical memory in post traumatic stress disorder: A meta-analysis. Depression & Anxiety, 37(4), 321-345.) e a estrutura das narrativas (Pennebaker & Chung, 2007Pennebaker, J., & Chung, C. (2007). Expressive writing, emotional upheavals, and health. In H. Friedman, & R. Silver (Eds.), Foundations of Health Psychology (pp. 263-284). Oxford University Press.; Barry et al., 2018Barry, T., Lenaert, B., Hermans, D., Raes, F., & Griffith, J. (2018). Meta-analysis of the association between autobiographical memory specificity and exposure to trauma. Journal of Traumatic Stress, 31(1), 35-46., 2019Barry, T., Vinograd, M., Boddez, Y., Raes, F., Zinbarg, R., Mineka, S., & Crake, M. (2019). Reduced autobiographical memory specificity affects general distress through poor social support. Memory, 27, 916-923.) têm implicações para a saúde mental (McLean et al., 2017McLean K., Pasupathi M., Greenhoot A., & Fivush R. (2017). Does intra-individual variability in narration matter and for what? Journal of Research Personality, 69, 55-66.; Vanaken et al., 2021Vanaken, L., Bijttebier, P., & Hermans, D. (2021). An investigation of the coherence of oral narratives: associations with mental health, social support and the coherence of written narratives. Frontiers in Psychology, 13(11), 1-10.), e refletem a forma como o indivíduo estrutura uma visão clara e consistente de si mesmo (Waters & Fivush, 2015Waters, T., & Fivush, R. (2015). Relations between narrative coherence, identity, and psychological well-being in emerging adulthood: Coherence, identity, and well-being. Journal of Personality, 83, 441-451.; McLean et al., 2017McLean K., Pasupathi M., Greenhoot A., & Fivush R. (2017). Does intra-individual variability in narration matter and for what? Journal of Research Personality, 69, 55-66.; Graci et al., 2018Graci, M. E., Watts, A. L., & Fivush, R. (2018). Examining the factor structure of narrative meaning-making for stressful events and relations with psychological distress. Memory, 26, 1220-1232.), como constrói sua experiência subjetiva (Fivush et al., 2017Fivush, R., Booker, J., & Graci, M. (2017). Ongoing narrative meaningmaking within events and across the life Span. Imagination, Cognition & Personality, 37, 127--152.; Alford, 2018Alford, C. (2018). Trauma and psychoanalysis: Freud, Bion, and Mitchell. Psychoanalysis, Culture, and Society, 23(1), 43-53.), e podem evidenciar sintomas de natureza pós-traumática (Adler, 2012Adler, J. (2012). Living into the story: agency and coherence in a longitudinal study of narrative identity development and mental health over the course of psychotherapy. J. Pers. Soc. Psychol. 102, 367-389.; Rubin et al., 2016Rubin, D. C., Berntsen, D., Ogle, C. M., Deffler, S. A., & Beckham, J. C. (2016). Scientific evidence versus outdated beliefs: A response to Brewin. J. Abnorm. Psychol. 125, 1018-1021.; Booker et al., 2020Booker, J., Fivush, R., Graci, M., Heitz, H., Hudak, L., Jovanovic, T., Barbara, O., Rothbaum, B., & Stevens, J. (2020). Longitudinal changes in trauma narratives over the first year and associations with coping and mental health. Journal of Affective Disorders, 272, 116-124.). A estrutura narrativa de uma boa história para contar (Nelson, 2003Nelson, K. (2003). Narrative and the emergence of a consciousness of self. In R. Gingold (Ed.), Narrative and Consciousness: Literature, Psychology, and the Brain (pp. 17-36). Oxford University Press.; Fivush, 2011Fivush, R. (2011). The development of autobiographical memory. Annual. Review of Psychology, 62, 559-582.) reflete três aspectos fundamentais assim denominados: a) coerência (Reese et al., 2011Reese, E., Haden, C. A., Baker-Ward, L., Bauer, P., Fivush, R., & Ornstein, P. (2011). Coherence of personal narratives across the lifespan: A multidimensional model and coding method. Journal of Cognition and Development, 12, 424-462.); b) elaboração factual (Bruner, 1990Bruner, J. (1990). Acts of Meaning. Harvard University Press.); e, c) elaboração interpretativa (Stein, 1982Stein, N., (1982). The definition of a story. J. Pragmat., 6, 487-507.).

Assim, narrativas bem estruturadas fornecem insights sobre o que o indivíduo estava pensando e sentindo durante um evento, quais objetivos motivaram suas ações e como o evento continua a evocar certos sentimentos, e, ainda, permite que o eneagrama fragmentado e as peças soltas desse enredo que são importantes para a recuperação de experiências de vida perturbadoras sejam reorganizados (Waters & Fivush, 2015Waters, T., & Fivush, R. (2015). Relations between narrative coherence, identity, and psychological well-being in emerging adulthood: Coherence, identity, and well-being. Journal of Personality, 83, 441-451.; Habermas & Kober, 2015Habermas, T., & Kober, C. (2015). Autobiographical reasoning in life narratives buffers the effect of biographical disruptions on the sense of self-continuity. Memory, 23, 664-674.; Graci et al., 2018Graci, M. E., Watts, A. L., & Fivush, R. (2018). Examining the factor structure of narrative meaning-making for stressful events and relations with psychological distress. Memory, 26, 1220-1232.). Por outro lado, o indivíduo que luta contra a possibilidade de construção de um enredo e de uma estrutura coerente de uma experiência importante, ou seja, coloca detalhes no lugar errado, interrompe o fluxo de percepção das sensações, sentimentos e pensamentos de um evento, tende a relatar uma saúde mental precária (O’Kearney & Perrot, 2006O’Kearney, R., & Perrott, K. (2006). Trauma narratives in post traumatic stress disorder: a review. Journal of Trauma & Stress, 19, 81-93.; Barry et al., 2019Barry, T., Vinograd, M., Boddez, Y., Raes, F., Zinbarg, R., Mineka, S., & Crake, M. (2019). Reduced autobiographical memory specificity affects general distress through poor social support. Memory, 27, 916-923.). No contexto do trauma, evitar pensar sobre o evento traumático é um fator que contribui significativamente para o desenvolvimento do TEPT e também pode estar associado a narrativas mal estruturadas de eventos traumáticos (Rothbaum & Davis, 2003Rothbaum, B., & Davis, M. (2003). Applying learning principles to the treatment of post trauma reactions. Annals of New York Academy of Sciences, 1008, 112-121.; Thome et al., 2019Thome, J., Terpou, B., McKinnon, M., & Lanius, R. (2019). The neural correlates of trauma-related autobiographical memory in post traumatic stress disorder: A meta-analysis. Depression & Anxiety, 37(4), 321-345.).

Na verdade, é o impacto emocional associado a uma memória (Payne et al., 2004Payne, J., Nadel, L., Britton, W., & Jacobs, W. (2004). The biopsychology of trauma and memory. In D. Reisberg, & P. Hertel (Eds.), Memory and Emotion (pp. 76--128). Oxford University Press.; Reisberg & Hertel, 2004Reisberg, D., & Hertel, P. (Eds.). (2004). Memory and emotion. Oxford University Press.) que é amplamente responsável por iniciar e fortalecer o aprendizado. De fato, o que chamamos de aprendizado é, na verdade, um processo de importação de padrões e registros de afetos, comportamentos, percepções e construções de experiências anteriores, isto é, eneagramas de memória, para atender às demandas das experiências atuais. Em resumo, as impressões do passado influenciam o planejamento do presente e do futuro, muitas vezes sob o radar da consciência, pois as nossas memórias são mutáveis e (re)moldadas em um processo contínuo de formação e reformulação ao longo da nossa vida (Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.).

Em contrapartida, as memórias traumáticas são fixas e estáticas. São impressões (eneagramas) de experiências avassaladoras do passado, impressões profundas esculpidas no cérebro, no corpo e na psique do indivíduo que vivenciou o trauma (van der Kolk, 2020Van der Kolk, B. (2020). O corpo guarda as marcas. (recurso eletrônico / tradução de Donaldson M. Garschagen). Sextante Editora.). Essas impressões congeladas não resultam em alterações, nem são atualizadas prontamente com as informações atuais. A fixidez das impressões as impedem de formar novas estratégias e extrair novos significados. Dessa maneira, o passado vive no presente; ao contrário, vive como uma panóplia de vários medos, fobias e sintomas físicos (Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.).

Assim, as memórias traumáticas tendem a surgir como lascas fragmentadas de sensações incômodas e indigestas, emoções, imagens, cheiros, gostos, pensamentos e assim por diante. Esses fragmentos de confusão não podem ser lembrados no sentido narrativo per se, mas estão sendo perpetuamente reexperimentados, como intrusões espontâneas e incoerentes, e podem escoar para o corpo, sendo revividas por manifestações fisiológicas (Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.; van der Kolk, 2020Van der Kolk, B. (2020). O corpo guarda as marcas. (recurso eletrônico / tradução de Donaldson M. Garschagen). Sextante Editora.). Quanto mais o sobrevivente tenta se livrar desses flashbacks, mais essas lembranças assombram, atormentam e estrangulam a força vital desses indivíduos, restringindo seriamente a sua capacidade de viver aqui-e-agora (Alford, 2018Alford, C. (2018). Trauma and psychoanalysis: Freud, Bion, and Mitchell. Psychoanalysis, Culture, and Society, 23(1), 43-53.). Ou ainda, pode-se dizer que o relógio de sua vida parou no momento exato da traumatização (Bohleber, 2007Bohleber, W. (2007). Remembrance, trauma and collective memory -The battle for memory in psychoanalysis. International Journal of Psychoanalysis, 88, 329-52.).

Como sugere Ricoeur (2007)Ricoeur, P. (2007). A Memória, a História, o Esquecimento. (Alain François et al., Trad.). Editora da Unicamp., o esquecimento pode estar tão estreitamente confundido com a memória, que pode ser considerado uma de suas condições, e, ainda, o que atesta de modo inequívoco essa intrincação é a experiência do reconhecimento como experiência da memória fundadora, que reconhece e faz existir, em oposição à memória destruidora, que apaga os rastros e se interpõe entre o reconhecimento e seus traços. E assim o reconhecimento emerge, como o indicador de que algo permaneceu vivo em nós e, como vivo, retorna, ajusta o reaparecer ao aparecer por meio do desaparecer, ou seja, um ser esteve presente uma vez; ausentou-se; voltou, pois o passado se atualiza em sua conexão com o presente no ato de lembrar, esquecer e narrar.

Portanto, a condição de possibilidade do indivíduo de narrar e de expressar seus horrores a partir do trabalho de recordação será percorrido pela reconstrução do traçado que pode lhe permitir preservar sua integridade diante do desastre. Assim, ele pode se lembrar, não para esquecer, mas para se livrar de ter que carregar sozinho dentro de si os vestígios do irrepresentável do acontecimento traumático. Narrar o trauma, então, tem em primeiro lugar esse sentido de desejo de renascer e de pertencer, a partir do momento que o compartilhar da experiência pode ser acolhido pelo outro que testemunha, e a verdade ocupa um lugar frente ao silenciamento e, assim, nos permite sustentar o ato de lembrar, recordar e elaborar individual e coletivamente a vivência do acontecimento.

O analista como testemunha na Clínica do Trauma e do Testemunho

Refletir sobre a clínica do trauma e do testemunho, implica analisar os aspectos das consequências sofridas pelo indivíduo com o choque, com o encontro com o horror, e as devidas repercussões do desequilíbrio da economia do psiquismo, no colapso do aparelho ou sideração de si, o que inviabiliza a condição de introjeção e inscrição da experiência e, consequentemente, o que repercute em impossibilidade de construção de uma cadeia narrativa a ser simbolizada (Passoni & Tosta, 2021Passoni, M., & Tosta, R. (2021). Clínicas do Testemunho na elaboração do traumático: violência de Estado na ditadura civil-militar brasileira. Psic. Rev. São Paulo, 30(2), 412-432.). Por sua vez, essa energia que escoou para o corpo, que marca a experiência no corpo (Santana, 2020Santana, J. (2020). Corpo, discurso e trauma em um testemunho analítico. Deslocamentos/Déplacements - revista franco-brasileira interdisciplinar de psicanálise, 1(2), 261-267.; van der Kolk, 2020Van der Kolk, B. (2020). O corpo guarda as marcas. (recurso eletrônico / tradução de Donaldson M. Garschagen). Sextante Editora.), será a via de expressão da vivência. Dessa forma, será na relação transferencial pautada na ressonância dos afetos e dos gestos compartilhados, e da capacidade de “sonhar a dois” (Ogden, 2010Ogden, T. (2010). Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos. Artmed.) que o analista vai auxiliar o indivíduo a nomear, colocar em palavras, juntar as peças desse eneagrama da memória encapsulada e congelada no tempo do acontecimento e possibilitar o processo de mentalização do acontecimento traumático (Indursky & Szuchman, 2014Indursky, A., & Szuchman, K. (2014). Grupos do testemunho: função e ética do processo testemunhal. In Clínicas do testemunho: reparação psíquica e construção de memórias (pp. 49-66). Criação Humana.).

Contudo, faz-se pertinente ressaltar que muitas das peças desse quebra-cabeça poderão ser conectadas, narradas e ressignificadas, entretanto, muitas coisas podem permanecer em silêncio, por anos ou para sempre, mas o atravessamento do trauma também implica essa circunstância da impossibilidade da completude de que tudo é dito, de que tudo é sabido (Antonello, 2015Antonello, D. (2015). Trauma, corpo e sobrevivência: um diálogo entre Sándor Ferenczi e a literatura de testemunho. Cadernos de Psicanálise, 31(34), 243-264.; Baracat et al., 2020Baracat, J., Abrão, J., & Martínez, V. (2020). Trauma e testemunho em Ferenczi: uma análise de Vozes de Tchernóbil de Svetlana Aleksiévith. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 23(4), 841-856.). Como ressalta Seligmann-Silva (2010)Seligmann-Silva, M. (2010). O local do testemunho. Tempo e argumento, 2(1), 3-20.: “Na cena do trabalho do trauma, nunca podemos contar com uma introjeção absoluta [...]. Para o sobrevivente, sempre restará o estranhamento do mundo, que lhe vem do fato de ele ter morado como que ‘do outro lado’ do campo simbólico” (p. 11).

Dada a impossibilidade de narrar integralmente o horror do trauma, seja esse decorrente de violência concentracionário ou ditatorial, a emergência do testemunho irá colocar em xeque a própria capacidade da linguagem de dar conta do horror vivido (Indursky & Conte, 2017Indursky, A., & Conte, B. (2017). Reparação psíquica e testemunho. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(núm. esp.), 149-160.). O testemunho opera, assim, uma inflexão nos campos jurídicos e historiográficos (Ocariz, 2015Ocariz, M. C. (Org.) (2015). Violência de Estado na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985): efeitos psíquicos e testemunhos clínicos. Escuta.; Rodrigues & Verás Neto, 2016Rodrigues, N., & Véras Neto, F. (2016). Os ecos do passado e os testemunhos das mulheres que militaram frente à ditadura militar brasileira: exemplos de luta, resistencia e de afirmação dos direitos das mulheres. In R. Machado, & A. Castro (Orgs.), Direitos das mulheres no Brasil: experiências de norte a sul (pp. 135--154). UEA Edições.). No lugar da objetividade e neutralidade do depoimento imutável, a ser repetido à exaustão - em nome da verdade e nada mais que a verdade - impõem-se novas formas de aproximar-se da cena, costeando o irrepresentável Pdo vivido (Ruiz, 2014Ruiz, C. (2014). Estatuto epistêmico do testemunho das vítimas: o desaparecido, paradigma do testemunho indizível. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, 9, p. 50-72.; Silva Júnior & Mercadante, 2015Silva Junior, M., & Mercadante, I. (Coords.) (2015). Travessia do silêncio, testemunho e reparação. Instituto Projetos Terapêuticos.; Silveira, 2017Silveira, M. (2017). Clínicas do testemunho: reparação psíquica e construção de memórias. Revista Memorare, 4(3) esp., 94-109. Dossiê Marcas da Memória: direitos humanos, justiça de transição e anistia. ISSN: 2358-0593.). A narrativa testemunhal trará consigo, portanto, a marca de uma insuficiência de tudo representar, ou seja, será sempre através de um resto que o testemunho irá se constituir.

Diante de tais circunstâncias, o espaço ficcional do testemunho (Seligman-Silva, 2008Seligmann-Silva, M. (2008). Narrar o trauma - A questão dos testemunhos de catástrofes históricas. Psicologia Clínica, 20(1), 65-82., 2010Seligmann-Silva, M. (2010). O local do testemunho. Tempo e argumento, 2(1), 3-20., 2016Seligmann-Silva, M. (2016). História, memória, literatura: o testemunho na era das catástrofes. Edunicamp.) revela-se como uma dimensão imprescindível para a elaboração e a transformação psíquica e política do traumático ao abrir as imagens (Didi-Huberman, 2012Didi-Huberman, G. (2012). Imagens apesar de tudo. KKYM.) da violência totalitária. Imagens fragmentárias, lacunares, mas imagens que, apesar de tudo, sobrevivem à violência que procura desmentir a existência do inimaginável para fazer falar aqueles que sucumbiram, para constituírem-se como resistência ao apagamento (Levi, 1986/2018Levi, P. (2018). Os que sucumbem e os que se salvam. Dom Quixote (Trabalho original publicado em 1986).). Daí a importância do outro que esteja disponível para escutar e acolher na posição de reverie (Bion, 1962Bion, W. R. (1962). Learning from the Experience. Jason Aronson.) o testemunho (Indursky & Conte, 2017Indursky, A., & Conte, B. (2017). Reparação psíquica e testemunho. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(núm. esp.), 149-160.; Figueiredo, 2018Figueiredo, L. C. (2018). Psicanálise. Elementos para a clínica contemporânea. Escuta.).

Então, o testemunho refere-se à construção da narrativa a partir do ato testemunhal, o que funciona como meio, instrumento de elaboração (luto), ato de busca de compreensão e reconhecimento do outro (Seligman-Silva, 2010, 2016), como uma via para resgatar o sujeito do tempo congelado da vivência traumática para a condição de existência atualizada, com todas as condições de possibilidade de metabolização da dor e do sofrimento e desdobramento do Eu. Conforme salienta Cyrulnik & Janoitzer (2013)Cyrulnik, B., & Janoitzer, R. (2013). Corra, a vida te chama - Autobiografia. Rocco.: “O sentimento que vivenciamos depois de um relato de si depende das reações do outro: O que ele vai fazer com o que eu disse? Vai me matar, me ridicularizar, me ajudar ou admirar? Aquele que se cala participa do relato daquele que fala” (p. 46).

É importante também ressaltar que o tempo do testemunho se dá sempre no presente; na situação testemunhal o tempo passado é o tempo presente (Levine, 2015Levine, P. (2015). Trauma and Memory: Brain and Body in a Search for the Living Past - A Practical Guide for Understanding and Working with Traumatic Memory. North Atlantic Books.). E, ainda, como o eneagrama da memória traumática não vira lembrança, porque não está na consciência, o testemunho versa como estratégia discursiva de autorre(a)presentação (Levine, 2019Levine, H. (2019). A Tela Incolor: representação, ação terapêutica e criação da mente. In H. Levine, G. Reed, & D. Scarfone (2019), Estados não representados e a construção de significado: contribuições clínicas e teóricas (pp. 73 -111). Blucher.) de situações inomináveis e irrepresentáveis. Assim, a simbolização deve gerar uma (re)temporalização do fato antes embalsamado, e, ao invés da imagem calcada e decalcada (Gondar & Antonello, 2016Gondar, J., & Antonello, D. (2016). O analista como testemunha. Psicologia USP, 27(1), 16-23.) da literalidade da situação traumática (Seligman-Silva, 2008Seligmann-Silva, M. (2008). Narrar o trauma - A questão dos testemunhos de catástrofes históricas. Psicologia Clínica, 20(1), 65-82.; Antunes, 2015Antunes, P. (2015). Testemunho em grupo: gerações juntas na elaboração do trauma. In M. R. Silva Junior, & I. F. S. Mercadante (Coords.), Travessia do silêncio, testemunho e reparação (pp. 47-57). Instituto Projetos Terapêuticos.) advinda do choque traumático, a cena simbolizada adquire tridimensionalidade, tudo trabalha no sentido de dar essa nova dimensão aos fatos antes enterrados. Conquistar essa nova dimensão significa ir da sobre-vida à vida (Piralian, 2000Piralian, H. (2000). Genocidio y transmisión. Fondo de Cultura.).

Diante de tais circunstâncias, o analista ocupa o lugar de continente na posição de reverie (Bion, 1962Bion, W. R. (1962). Learning from the Experience. Jason Aronson.) e ajuda a criar uma memória, assume a função de mediador simbólico e de mediador de transposição do tempo e auxilia o indivíduo a identificar o acontecimento do tempo passado e a se atualizar no tempo presente, oferecendo uma presença, em posição de testemunha (superstes), ajudando o indivíduo a reconhecer o que aconteceu, o absurdo que ele viveu e sobreviveu e que agora pode haver recursos de narrar, experimentar, sentir, ressignificar e se apropriar de um sentido de existência com senso de realidade, a partir da possibilidade do “sonhar a dois” (Ogden, 2010Ogden, T. (2010). Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos. Artmed.).

E mais, os testemunhos realizam a passagem de uma memória que era individual para o coletivo (Passoni & Tosta, 2021Passoni, M., & Tosta, R. (2021). Clínicas do Testemunho na elaboração do traumático: violência de Estado na ditadura civil-militar brasileira. Psic. Rev. São Paulo, 30(2), 412-432.) e o ato de testemunhar evita o esquecimento histórico e se constitui como elemento de suma importância para aqueles que vivenciaram as experiências traumáticas (Rodrigues & Verás Neto, 2016Rodrigues, N., & Véras Neto, F. (2016). Os ecos do passado e os testemunhos das mulheres que militaram frente à ditadura militar brasileira: exemplos de luta, resistencia e de afirmação dos direitos das mulheres. In R. Machado, & A. Castro (Orgs.), Direitos das mulheres no Brasil: experiências de norte a sul (pp. 135--154). UEA Edições.). Não só os indivíduos necessitam desse testemunho, mas sim o tecido social carece de tais narrativas porque as narrativas testemunhais possibilitam a construção de uma memória pública (Blum, 2015Blum, R. (2015). A clínica como testemunha: Silêncio e representação. In M. R. Silva Junior, & I. F. S. Mercadante (Coords.), Travessia do silêncio, testemunho e reparação (pp. 65-72). Instituto Projetos Terapêuticos.), assentada em valores democráticos e antiautoritários, na medida em que elas abrem fissuras na política de silenciamento (Rodrigues et al., 2017Rodrigues, N., Verás Neto, F., & Teixeira, R. (2017). Reminiscências da violência estatal: A reparação psíquica através de uma clínica política. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(núm. esp.), 133-148.).

Em suma, o laço social permite um apoio diante do desamparo e um campo para tratar o sofrimento. Contudo, tal experiência poderá ser vivida de formas distintas a depender de como o sofrimento encontra ressonância em um campo de reconhecimento no corpo social. Uma característica do sofrimento, salienta Dunker (2015Dunker, C. (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. Boitempo., p. 219) é que ele se “transforma a depender de como é reconhecido e da forma como a sua escrita é lida no corpo social” (p. 219). É em um espaço coletivo que se decide, politicamente, quais dessa experiência de sofrimento merecem ou não ser reconhecidas, quais podem ser partilhadas, quais devem ser vividas em silêncio.

No Brasil, a Comissão de Anistia, em parceria com o Ministério da Justiça, com o propósito de criar grupos de apoio e atenção psicológica para as vítimas da violência de Estado na ditadura civil-militar brasileira, lançou em 2012 o Projeto Clínicas do Testemunho, um espaço coletivo e social com o objetivo de promover falas livres e escutas compartilhadas (Conte, 2014Conte, B. (2014). Clínicas do testemunho: desafios na reconstrução da história. SIG Revista de Psicanálise, 2(1), 107-115.; Indursky & Szuchman, 2014Indursky, A., & Szuchman, K. (2014). Grupos do testemunho: função e ética do processo testemunhal. In Clínicas do testemunho: reparação psíquica e construção de memórias (pp. 49-66). Criação Humana.; Blum, 2015Blum, R. (2015). A clínica como testemunha: Silêncio e representação. In M. R. Silva Junior, & I. F. S. Mercadante (Coords.), Travessia do silêncio, testemunho e reparação (pp. 65-72). Instituto Projetos Terapêuticos.; Ocariz, 2015Ocariz, M. C. (Org.) (2015). Violência de Estado na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985): efeitos psíquicos e testemunhos clínicos. Escuta.; Rodrigues & Verás Neto, 2016Rodrigues, N., & Véras Neto, F. (2016). Os ecos do passado e os testemunhos das mulheres que militaram frente à ditadura militar brasileira: exemplos de luta, resistencia e de afirmação dos direitos das mulheres. In R. Machado, & A. Castro (Orgs.), Direitos das mulheres no Brasil: experiências de norte a sul (pp. 135--154). UEA Edições.; Rodrigues et al., 2017Rodrigues, N., Verás Neto, F., & Teixeira, R. (2017). Reminiscências da violência estatal: A reparação psíquica através de uma clínica política. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(núm. esp.), 133-148.; Indursky & Conte, 2017Indursky, A., & Conte, B. (2017). Reparação psíquica e testemunho. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(núm. esp.), 149-160.; Silveira, 2017Silveira, M. (2017). Clínicas do testemunho: reparação psíquica e construção de memórias. Revista Memorare, 4(3) esp., 94-109. Dossiê Marcas da Memória: direitos humanos, justiça de transição e anistia. ISSN: 2358-0593.; Instituto APPOA: Clínicas do Testemunho, 2018Instituto APPOA: Clínicas do Testemunho RS e SC (2018). Por que uma clínica do testemunho? Clínicas do Testemunho RS e SC. Instituto APPOA - Clínica, intervenção e pesquisa em psicanálise.; Passoni e & Tosta, 2021).

Assim, no âmbito das políticas públicas, o projeto Clínicas do Teste-munho, a partir da possibilidade do testemunho, sustenta o propósito de um processo de reparação psíquica e, paralelamente, coaduna-se uma postura antipredicativa de reconhecimento do sujeito, na qual não é a comprovação do dano ou da prova jurídico/histórica que garante exclusivamente o reconhecimento, mas é o exercício testemunhal que possibilita um processo de transição e indeterminação em que o sujeito pode não somente operar a transmissão das experiências limites de horror e resistência, como também ressignificar seu sofrimento no seio de uma coletividade, na qual efeitos de reconhecimento e legitimação da violência são operados vertical (Estado) e horizontalmente (social).

Vale ressaltar ainda, que na clínica do traumático o acesso ao irrepresentável no ato da narrativa pode ser bordejada pela transferência das ressonâncias afetivas, da expressão facial, corporal e gestual. É importante aceitar o mistério, questões que parecem enigmáticas, não comunicáveis. Assim, o analista como testemunha, ao colocar os afetos do acontecimento em cena, dizendo do horror, viabiliza condições necessárias para haver simbolização desse excesso pulsional que desencadeou a cisão, pois o reconhecimento (Antonello, 2015Antonello, D. (2015). Trauma, corpo e sobrevivência: um diálogo entre Sándor Ferenczi e a literatura de testemunho. Cadernos de Psicanálise, 31(34), 243-264.) e a “autorização para se transformar em experiência em um campo subjetivo relativamente unificado e ramificado, aberto a metabolizações, metaforizações e disseminações” (Figueiredo, 2018Figueiredo, L. C. (2018). Psicanálise. Elementos para a clínica contemporânea. Escuta., p. 20) configuram-se como o oposto do desmentido que conduz o indivíduo ao desamparo e à cisão.

Para refletir sobre a clínica do trauma e do testemunho torna-se pertinente, então, pensar sobre a condição de possibilidade de uma clínica do manejo sobrepondo à interpretação, pois com os indivíduos em situações de traumatização, os estados emocionais podem ser esmagadores ou vagos, amorfos e mal definidos. A fala pode refletir as pressões que surgem de sentimentos incipientes que ainda não estão organizados, vinculados, ou especificados pela conexão com as palavras. Consequentemente, a fala, em vez de refletir o uso de palavras como símbolos e significantes com os quais se comunica significados, pode tender para a ação, evacuação e descarga, ou pode, paradoxalmente, ser destituída de afeto e significado.

É por essa razão, que o analista pode ter que agir de forma a ajudar o indivíduo a criar palavras para formar associações, imbuir essas palavras com significado simbólico consistente e ligar essas associações a outros fragmentos narrativos. É um processo que deve ser reconhecível pelo analista como uma ação análoga ao de tecer um remendo para reparar a unidade de um tecido rasgado (Levine, 2019Levine, H. (2019). A Tela Incolor: representação, ação terapêutica e criação da mente. In H. Levine, G. Reed, & D. Scarfone (2019), Estados não representados e a construção de significado: contribuições clínicas e teóricas (pp. 73 -111). Blucher.).

Quanto maior o número de fragmentos não integrados, mais construção - mentalização vai ser exigida da dupla analítica. Esses fragmentos não integrados, soltos na fronteira do somático e do psíquico tornam o corpo sem história e sem memória, no sentido da memória recordável e simbolizável, sem possibilidade de alguma elaboração rumo ao psíquico simbólico (Nazareth, 2020Nazareth, E. R. (2020). Trauma - Memória - Somatização. In E. R. Nazareth, & V. R. Béjar (Orgs.), Imunidade, memória, trauma: contribuições da neuropsicanálise, aportes da psicossomática psicanalítica (pp. 199-218). Blucher.). Assim, recursos como construção, criação de figurabilidade e o “sonhar a dois” (Ogden, 2010Ogden, T. (2010). Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos. Artmed.) e da utilização da função alpha e da posição de reverie (Bion, 1962Bion, W. R. (1962). Learning from the Experience. Jason Aronson.) pode recuperar uma rede simbólica defeituosa ou inexistente (Reuben, 2020Reuben, I. G. (2020). Simbolização e imunidade. In E. R. Nazareth, & V. R. Béjar (Orgs.), Imunidade, memória, trauma: contribuições da neuropsicanálise, aportes da psicossomática psicanalítica (pp. 219-230). Blucher.).

Considerações finais

Conforme exposto ao longo do texto, um trauma é, pois, um acontecimento capaz de congelar o funcionamento psíquico ao inundá-lo com um excesso de estímulos para os quais não dispomos de redes de proteção, de esquemas narrativos ou de representações imagéticas capazes de absorver o impacto do evento, excedendo ainda nossos esforços de dar nome a isso que subsiste como buraco (Iannini et al., 2021Iannini, G., Rena, A. C. C., Britto, A. L. S., Cabral, A., Bossa, D., Siqueira, F., Soares, G., Moreira, I., Monteiro, J., & Brun, O. (2021). “Casa”: Sonhos infamiliares. In C. Dunker, C. Perrone, G. Iannini, M. Rosa, & R. Gurski (Orgs.), Sonhos confinados: o que sonham os brasileiros na pandemia (pp. 35-69). Autêntica.).

Assim, diante então de um acontecimento traumático individual e coletivo a ser absorvido e simbolizado, vimos a importância do papel do sono e do sonho no processo de mentalização e reordenação do eneagrama de memória do indivíduo do acontecimento traumático, pois os sonhos possuem um papel de amparo e proteção, elaborando e processando o real do primeiro tempo do trauma até onde possa ser possível com os seus próprios meios. Contudo, quando o sonho não opera em sua função de guardião do sono, como acontece nos sonhos traumáticos, que em vez de guardarem o sono interrompem-no e podem até impedir o indivíduo de dormir, será na clínica, no encontro entre analista e paciente, que o “sonhar a dois” (Ogden, 2010Ogden, T. (2010). Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos. Artmed.) convocará a mente do analista para acolher, conter os conteúdos não mentalizados (cisões e evacuações) (Figueiredo, 2021Figueiredo, L. C. (2021). A mente do analista. (2ª ed.). Escuta.), na posição de reverie (Bion).

Dessa forma, ao se oferecer a escuta em posição de reverie propicia-se ao sobrevivente do acontecimento traumático a chance de iniciar a construção e elaboração de um saber sobre si e adquirir uma “fala autoral que se elabora em seu próprio processo e apropriação coletiva de uma experiência” (Dunker et al., 2016Dunker, C., Paulon, C., & Millan-Ramos, J. (2016). Análise psicanalítica de discursos: perspectivas lacanianas (2ª ed.). Estação das Letras e Cores., p. 156), pois a palavra facilita certa organização simbólica, e a escuta, a partir do ato testemunhal, sobretudo, pode trazer suporte, amparo em períodos marcados pelo desamparo, e de mediador simbólico no processo de construção de sentido e metabolização do acontecimento traumático, ao permitir que o indivíduo possa acessar os fragmentados e o “eneagrama da memória traumática em sentido de transformação criativa entre memória e história pessoal” (Dunker et al., 2016Dunker, C., Paulon, C., & Millan-Ramos, J. (2016). Análise psicanalítica de discursos: perspectivas lacanianas (2ª ed.). Estação das Letras e Cores., p. 156).

  • Financiamento/Funding: Este trabalho não recebeu apoio. / This work received no funding.

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Editora/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2022
  • Revisado
    02 Ago 2022
  • Aceito
    30 Set 2022
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