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Saúde sexual, reprodutiva e estado de saúde de mulheres trabalhadoras do sexo em 12 cidades brasileiras, 2016

RESUMO:

Objetivo:

Investigar diferenças nos indicadores de saúde sexual, reprodutiva e de estado de saúde de mulheres trabalhadoras do sexo em 12 cidades brasileiras.

Métodos:

Estudo de corte transversal comportamental e biológico, com amostra mínima de 350 mulheres trabalhadoras do sexo por cidade, recrutadas por Respondent-Driven Samplig, em 2016. Na análise de dados, foi considerado o desenho complexo de amostragem. Foram apresentados indicadores e respectivos intervalos de 95% de confiança relacionados à saúde sexual, reprodutiva e ao estado de saúde separadamente por cidade e para a amostra total.

Resultados:

A amostra total foi de 4.328 mulheres trabalhadoras do sexo. A cobertura de exame de Papanicolau e teste para vírus da imunodeficiência humana e sífilis, e os indicadores de pré-natal apresentaram variação igual ou superior a 20 pontos percentuais. A cobertura de exame de Papanicolau variou de 53,4%, em Recife, a 73%, em Porto Alegre. O maior percentual de mulheres trabalhadoras do sexo que nunca realizaram o teste para vírus da imunodeficiência humana e sífilis foi registrado em Fortaleza (36,8 e 63,8%, respectivamente). A cobertura de pré-natal variou de 61,1%, em Salvador, a 99%, em Curitiba. Em cinco cidades, o percentual de participantes que afirmou já ter sentido discriminação no serviço de saúde por ser trabalhadora do sexo foi superior a 20%.

Conclusões:

As diferenças entre os indicadores nas 12 cidades acompanharam o perfil da população brasileira, com mulheres trabalhadoras do sexo mais vulneráveis nas regiões Norte e Nordeste. Os resultados mostram que é fundamental considerar as barreiras de acesso à saúde, como o estigma e a discriminação, que impedem a contemplação das necessidades específicas dessas mulheres.

Palavras-chave:
saúde sexual e reprodutiva; desigualdades em saúde; profissionais do sexo; discriminação social; populações vulneráveis; inquéritos de saúde

ABSTRACT:

Objective:

To investigate differences in sexual, reproductive health and health status indicators of female sex workers in 12 Brazilian cities.

Methods:

Cross-sectional study of biological and behavioral surveillance survey with a minimum sample of 350 female sex workers per city, recruited by respondent driven sampling, in 2016. Complex sample design was considered in the data analysis. Indicators and 95% confidence intervals related to sexual and reproductive health, and health status were described separately by city and for the total sample.

Results:

The total sample consisted of 4,328 female sex workers. The coverage of Pap smear exam, human immunodeficiency virus and syphilis tests and antenatal care indicators varied by 20 percentages points or more. Pap smear exam coverage ranged from 53.4% in Recife to 73.0% in Porto Alegre. The highest percentage of female sex workers who had never been tested for human immunodeficiency virus and syphilis was in Fortaleza (36.8 and 63.8%, respectively). Antenatal coverage ranged from 61.1% in Salvador to 99.0% in Curitiba. In five cities, the proportion of female sex workers who disclosed their sex work status in health services was over 20.0%.

Conclusion:

The differences between the indicators in the 12 cities followed the Brazilian population profile, with more vulnerable sex workers in the North and Northeast regions. The results show that it is essential to consider the barriers to accessing health, such as stigma and discrimination, which restrict the addressing of female sex workers specific needs.

Keywords:
sexual and reproductive health; health status disparities; sex workers; social discrimination; vulnerable populations; health surveys

INTRODUÇÃO

Desde o início da epidemia da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), as mulheres trabalhadoras do sexo (MTS) constituem uma população-chave em virtude do risco elevado de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)11 Zalla LC, Herce ME, Edwards JK, Michel J, Weir SS. The burden of HIV among female sex workers, men who have sex with men and transgender women in Haiti: results from the 2016 Priorities for Local AIDS Control Efforts (PLACE) study. J Int AIDS Soc 2019; 22 (7): e25281. https://doi.org/10.1002/jia2.25281
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. Além da multiplicidade de parcerias e práticas sexuais desprotegidas, características estruturais que incluem a precariedade das condições socioeconômicas, a baixa escolaridade e a violência são fatores reconhecidamente associados a desfechos adversos em saúde22 Lima FSS, Merchán-Hamann E, Urdaneta M, Damacena GN, Szwarcwald CL. Fatores associados à violência contra mulheres profissionais do sexo de dez cidades brasileiras. Cad Saúde Pública 2017; 33 (2): e00157815. https://doi.org/10.1590/0102-311x00157815
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e refletem na maior vulnerabilidade das MTS à infecção pelo HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)33 Shannon K, Strathdee SA, Goldenberg SM, Duff P, Mwangi P, Rusakova M, et al. Global epidemiology of HIV among female sex workers: influence of structural determinants. Lancet 2015; 385 (9962): 55-71. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60931-4
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,44 Âdo RA, Young PW, Horth RZ, Inguane C, Sathane I, Ngale K, et al. High Burden of HIV Infection and Risk Behaviors Among Female Sex Workers in Three Main Urban Areas of Mozambique. AIDS Behav 2016; 20 (4): 799-810. https://doi.org/10.1007/s10461-015-1140-9
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.

Estima-se que no Brasil as MTS representem 1,2% da população feminina de 15 a 49 anos, o que corresponde a aproximadamente meio milhão de mulheres55 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de DST/ AIDS e Hepatites Virais. Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. Estudos anteriores realizados no Brasil, nesse grupo populacional, mostram uma prevalência de HIV de 10–15 vezes maior do que a encontrada na população geral de mulheres66 Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Junior PR, Dourado I. Risk factors associated with HIV prevalence among female sex workers in 10 Brazilian cities. J Acquir Immune Defic Syndr 2011; 57 (3): S144-52. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9bf6
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.

O conceito de saúde sexual e reprodutiva tem como componentes a saúde materna e perinatal, o planejamento familiar e a contracepção, a fertilidade, a prevenção de ISTs e do câncer cervical, o acesso ao aborto seguro e a eliminação da violência contra mulheres77 World Health Organization, UNDP/UNFPA/UNICEF/WHO/World Bank. Sexual health and its linkages to reproductive health: an operational approach. Genebra: World Health Organization; 2017.,88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.. Muitos avanços têm ocorrido no âmbito da saúde da mulher com a inclusão das perspectivas de gênero, raça e classe99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde sexual e saúde reprodutiva. Cadernos de Atenção Básica 2013. Brasília: Ministério da Saúde; 2013., porém pouco enfoque é dado à saúde das MTS diante do estigma e da discriminação relacionados à profissão, barreiras importantes no acesso a serviços de saúde1010 Dourado I, Guimaraes MDC, Damacena GN, Magno L, Souza Junior PRB, Szwarcwald CL. Sex work stigma and non-disclosure to health care providers: data from a large RDS study among FSW in Brazil. BMC Int Health Hum Rights 2019; 19 (1): 8. https://doi.org/10.1186/s12914-019-0193-7
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.

Sob a hipótese de que os indicadores de saúde sexual, reprodutiva e de estado de saúde nas MTS são diferentes dos indicadores das mulheres na população brasileira, o objetivo do presente estudo foi investigar as diferenças nos indicadores de saúde sexual, reprodutiva e de estado de saúde em MTS de 12 cidades brasileiras.

MÉTODOS

Os dados analisados neste artigo foram coletados no “Estudo de abrangência nacional de comportamentos, atitudes, práticas e prevalência de HIV, sífilis e hepatites B e C entre mulheres trabalhadoras do sexo – Projeto Corrente da Saúde II”. Trata-se de estudo de corte transversal biológico e comportamental realizado entre julho e novembro de 2016, com 4.328 MTS recrutadas por Respondent-Driven Sampling (RDS) em 12 cidades brasileiras. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação Oswaldo Cruz (Protocolo n°. 1.338.989). Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o termo de sigilo de dados.

As cidades participantes foram selecionadas pelo Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde (DCCI/MS), de acordo com a localização geográfica e a relevância epidemiológica do HIV/aids no Brasil, distribuídas nas cinco regiões:

  1. Norte: Manaus e Belém;

  2. Nordeste: Fortaleza, Recife e Salvador;

  3. Sudeste: Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo;

  4. Sul: Curitiba e Porto Alegre;

  5. Centro-Oeste: Campo Grande e Brasília.

A amostra foi pré-estabelecida pelo DCCI em no mínimo 350 participantes em cada cidade.

Foram elegíveis para participar do estudo mulheres com 18 anos ou mais de idade, que atuassem como trabalhadoras do sexo em uma das cidades selecionadas e que tiveram pelo menos uma relação sexual em troca de dinheiro nos quatro meses que antecederam à pesquisa. As participantes precisavam apresentar um cupom válido e não poderiam ter participado da edição desta pesquisa.

Em cada cidade, antes do início da coleta de dados, foi realizada uma pesquisa formativa com o objetivo de estabelecer a melhor forma de implementação do estudo e recrutar de cinco a dez trabalhadoras do sexo, de forma não aleatória, denominadas “sementes”. Foram escolhidas sementes com características variadas (idade, raça/cor, escolaridade, local de trabalho), com a finalidade de se obter mais diversidade na amostra. Cada semente recebeu três cupons para convidar outras MTS da sua rede social para participar do estudo. As participantes recrutadas pela semente receberam, por sua vez, três convites para recrutar MTS da sua rede social, e assim sucessivamente, até que fosse alcançada a amostra de 350 participantes em cada cidade.

Cada participante recebeu incentivo primário pela participação no estudo: brinde (bolsa contendo produtos de cuidados pessoais, preservativos e lubrificante), lanche e ressarcimento pelo transporte. O incentivo secundário consistiu em pagar R$ 30 para cada pessoa recrutada pela participante e que efetivasse sua participação no estudo.

As participantes responderam a um questionário sociocomportamental que envolvia os aspectos:

  1. características sociodemográficas;

  2. conhecimento sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e aids;

  3. apoio social e acesso a material educativo e preventivo;

  4. realização de testes de HIV, sífilis e hepatites B e C;

  5. estado de saúde, assistência à saúde e DSTs;

  6. violência;

  7. comportamento sexual com parceiros fixos e clientes; e

  8. uso de álcool e drogas.

Foram realizados testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites B e C, de acordo com orientações preconizadas pelo Ministério da Saúde1111 Ferreira Júnior OC, Franchini M, Bazzo ML, Motta LR, Veras NMC, Werson ESS. Manual Técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. Detalhes sobre a implementação do Projeto Corrente da Saúde II foram descritos por Damacena et al.1212 Damacena GN, Szwarcwald CL, de Souza Júnior PR, Ferreira Júnior OC, Almeida WS, Pascom ARP, et al. Application of the respondent-driven sampling methodology in a biological and behavioral surveillance survey among female sex workers, Brazil, 2016. Rev Bras Epidemiol 2019; 22 (Suppl 1): e190002. http://doi.org/10.1590/1980-549720190002.supl.1
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.

VARIÁVEIS

As variáveis analisadas neste artigo se referem aos indicadores de saúde sexual, reprodutiva e relacionados ao estado de saúde. Para contextualização, foram descritas as variáveis escolaridade (categorizada em não estudou/elementar incompleto, elementar completo/fundamental incompleto, fundamental completo/médio incompleto e médio completo ou mais); trabalho em pontos de rua, por meio da pergunta “Qual o local do seu trabalho principal como trabalhadora do sexo?”; e idade de início do trabalho sexual (categorizada em <18 e ≥18 anos de idade). Mais detalhes dessas variáveis foram descritos em publicação prévia1313 Braga, LP, Szwarcwald, CL, Damacena, GN. Caracterização de mulheres trabalhadoras do sexo em capitais brasileiras, 2016. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29 (4): e2020111. http://doi.org/10.5123/s1679-49742020000400002
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.

Os indicadores de saúde sexual e reprodutiva foram:

  • a)

    exame de Papanicolau nos três anos que antecederam à pesquisa, elaborado com base na Diretriz Brasileira para rastreamento do câncer de colo do útero1414 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2ᵃ edição revista, ampliada e atualizada [internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2016.;

  • b)

    testes para HIV e sífilis: proporção de MTS que realizaram o teste para HIV e sífilis nos 12 meses que antecederam à pesquisa e entre 12 e mais meses; e proporção das que nunca fizeram o teste para HIV e sífilis. Dentre as MTS que nunca fizeram o teste para HIV, foram analisados seus principais motivos. Das que fizeram o teste para HIV alguma vez na vida, foi calculada a proporção daquelas que o realizaram em serviço público de saúde;

  • c)

    uso de preservativo todas as vezes no sexo vaginal e no sexo anal com parceiros fixos e clientes nos seis meses que antecederam à pesquisa.

Os indicadores de testagem para HIV e sífilis relacionados ao uso de preservativo foram desenvolvidos com base no guia da Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV em populações-chave1515 World Health Organization. Consolidated guidelines on HIV prevention, diagnosis, treatment and care for key populations – 2016 update. Genebra: World Health Organization; 2016.;

  • d)

    contracepção: proporção de mulheres que fazem uso de algum método contraceptivo (dentre as que não fizeram laqueadura de trompas) e tipo de método contraceptivo utilizado; e

  • e)

    pré-natal: cobertura de pré-natal, proporção de mulheres que iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre da gestação e das que fizeram sete ou mais consultas de pré-natal entre as mulheres que tiveram algum parto até dois anos antes da pesquisa.

Esses indicadores foram definidos com base nas recomendações de atenção ao pré-natal de baixo risco do Ministério da Saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Cadernos de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde; 2013.. Os indicadores relacionados ao estado de saúde foram:

  • f)

    autoavaliação da saúde, obtida por meio da pergunta: “Em geral, como você avalia sua saúde?”, categorizada em “muito boa/boa”, “regular” e “ruim/muito ruim”;

  • g)

    proporção de MTS com escore positivo para episódio de transtorno depressivo maior.

Esse indicador foi construído considerando-se a escala Patient Health Questionnaire-2 (PHQ-2), que tem o objetivo de rastrear o transtorno depressivo por meio de duas perguntas referentes às duas últimas semanas: “Quantos dias você teve pouco interesse ou pouco prazer em realizar atividades habituais?” e “Com que frequência você se sentiu deprimida, para baixo ou sem perspectiva?” A cada resposta, é atribuída uma pontuação (0: nenhum dia, +1: vários dias, +2: mais da metade dos dias, +3: quase todos os dias). As respostas às duas perguntas são somadas e pontuação maior ou igual a 3 significa que transtorno depressivo maior é provável e é necessária avaliação posterior por profissional habilitado para diagnóstico de transtorno depressivo1717 Kroenke K, Spitzer RL, Williams JB. The Patient Health Questionnaire-2: validity of a two-item depression screener. Med Care 2003; 41 (11): 1284-92. http://doi.org/10.1097/01.MLR.0000093487.78664.3C
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;

  • h)

    proporção de MTS que utilizam o SUS como fonte usual de cuidado, tomando-se por base a pergunta: “Que local você costuma procurar quando precisa de atendimento em saúde?”; e

  • i)

    discriminação nos serviços de saúde: proporção de MTS que sentiram discriminação no serviço de saúde por ser trabalhadora do sexo, para aquelas que responderam “por ser trabalhadora do sexo” à seguinte pergunta: “Você já se sentiu discriminada ou tratada pior do que as outras pessoas no serviço de saúde, por algum médico ou outro profissional de saúde por um desses motivos?”; e proporção de MTS que sempre se declaram trabalhadoras do sexo quando comparecem ao serviço de saúde.

ANÁLISE DE DADOS

Todos os indicadores foram apresentados com os respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), separadamente por cidade e para o total da amostra. Teste do χ2 de homogeneidade das distribuições das variáveis, com nível de significância de 5%, foi utilizado para analisar diferenças nos indicadores de saúde entre as MTS das cidades participantes.

A análise estatística dos dados levou em consideração o desenho complexo de amostragem do recrutamento por RDS, considerando-se a dependência das observações e as diferentes probabilidades de seleção1818 Szwarcwald CL, Souza Junior PRB, Damacena GN, Barbosa Junior AB, Kendall C. Analysis of data collected by RDS among sex workers in 10 Brazilian cities, 2009: estimation of the prevalence of HIV, variance, and design effect. J Acquir Immune Defic Syndr 2011; 57 (3): S129-35. https://doi.org/10.1097/QAI.0b013e31821e9a36
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.

O tamanho da rede de cada participante foi obtido pela pergunta: “Quantas trabalhadoras do sexo que trabalham aqui na cidade você conhece pessoalmente, isto é, que você as conhece e elas conhecem você?”

A amostra foi ponderada pelo inverso do tamanho da rede de cada participante1212 Damacena GN, Szwarcwald CL, de Souza Júnior PR, Ferreira Júnior OC, Almeida WS, Pascom ARP, et al. Application of the respondent-driven sampling methodology in a biological and behavioral surveillance survey among female sex workers, Brazil, 2016. Rev Bras Epidemiol 2019; 22 (Suppl 1): e190002. http://doi.org/10.1590/1980-549720190002.supl.1
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, e as sementes foram excluídas da análise, conforme preconizado por Salganik, 20041919 Salganik MJ, Heckathorn DD. Sampling and estimation in hidden populations using respondent-driven sampling. Sociological Methodology 2004; 34 (1): 193-240. https://doi.org/10.1111/j.0081-1750.2004.00152.x
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. Para as análises, utilizou-se o software SPSS 21.0.

RESULTADOS

A amostra total foi de 4.328 MTS. Foi encontrado um padrão de mulheres mais vulneráveis nas regiões Norte (Manaus e Belém) e Nordeste (Fortaleza, Recife e Salvador), com escolaridade muito baixa, chegando a 32,7% com ensino elementar incompleto, em Salvador; predominância de trabalho em pontos de rua (maior em Recife, 84,4%; menor em Belo Horizonte, 7,4%); e maiores proporções de início do trabalho sexual antes dos 18 anos (maior em Recife, 62,6%; menor em Belo Horizonte, 11,3%).

Diferenças significativas foram encontradas na distribuição de todos os indicadores de saúde calculados por cidade. A variação na cobertura de exame de Papanicolau nos últimos três anos foi de quase 20 pontos percentuais, sendo menor em Recife (53,4%) e maior em Porto Alegre (73%). A proporção de MTS que realizaram teste para HIV no ano que antecedeu à pesquisa variou de 24,9%, em Salvador, a 61%, em Porto Alegre. No caso do teste para sífilis no último ano, a variação entre cidades foi maior, de 9,6%, em Fortaleza, a 43,5%, em Porto Alegre e Campo Grande. Com relação às MTS que nunca haviam realizado o teste para HIV e sífilis, os menores percentuais foram encontrados em Belo Horizonte, de 10% para HIV e 28,4% para sífilis, e os maiores em Fortaleza, de 36,8% para HIV e 63,8% para sífilis (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição proporcional e intervalos de confiança dos indicadores de exame de Papanicolau, teste para HIV e teste para sífilis de trabalhadoras do sexo, segundo cidade de estudo. Brasil, 2016.

Os principais motivos alegados para nunca ter realizado o teste para HIV foram “não se sentir em risco” (variando de 23,4 a 62,8% entre os municípios) e “ter medo ou vergonha” (variando de 13,7 a 53,5% entre os municípios). A cidade de Campo Grande apresentou o menor percentual de testes para HIV realizados no serviço público (55,5%), enquanto Fortaleza apresentou o maior percentual (87,3%) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição proporcional e intervalos de confiança (IC95%) dos motivos de nunca ter feito teste para HIV e último teste para HIV no serviço público de saúde para mulheres trabalhadoras do sexo, segundo cidade do estudo. Brasil, 2016.

O percentual de uso de preservativo com parceiro fixo todas as vezes no sexo vaginal foi acima de 40% em cinco cidades: Manaus, Fortaleza, Recife, Porto Alegre e Brasília. No caso dos clientes, esse indicador variou de 67,3%, em Fortaleza, a 96%, em Campo Grande. Quanto ao uso de preservativo com parceiro fixo no sexo anal, o percentual variou de 24%, em São Paulo, a 53,4%, em Recife. Para os clientes, essa variação foi de 67,5%, em Salvador, a 95,9%, em Campo Grande (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição proporcional e intervalos de confiança (IC95%) dos indicadores de uso de preservativo no sexo vaginal e anal em mulheres trabalhadoras do sexo, segundo cidade de estudo. Brasil, 2016.

Quanto à contracepção, Salvador apresentou o maior percentual de mulheres que utilizam algum método contraceptivo (83,8%), com 45,6% das MTS optando pelo preservativo masculino, enquanto Manaus registrou o menor percentual (55,1%), sendo também o preservativo masculino o método mais utilizado (53,4%). A pílula oral foi o método contraceptivo mais utilizado em Curitiba (31,2%), Porto Alegre (35,9%), Belo Horizonte (42,7%) e Campo Grande (52,8%). Belém foi a única cidade em que o contraceptivo injetável foi o método mais utilizado (48,8%).

A cobertura de pré-natal foi superior a 90% em um terço das cidades (São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Campo Grande), variando entre 61,1%, em Salvador, e 99%, em Curitiba. Porto Alegre foi a única cidade que apresentou percentual maior que 80% de início de pré-natal no primeiro trimestre da gestação. Belo Horizonte teve maior proporção de MTS que fizeram sete ou mais consultas de pré-natal (83,9%), enquanto Salvador, a menor proporção (28%) (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição proporcional e intervalos de confiança (IC95%) dos indicadores de contracepção e cobertura de pré−natal em mulheres trabalhadoras do sexo, segundo cidade do estudo. Brasil, 2016.

Quanto aos indicadores de estado de saúde, Porto Alegre apresentou o maior percentual de mulheres que autoavaliou sua saúde como muito boa/boa (77,7%), enquanto Salvador apresentou o menor percentual (50,6%) e o maior percentual de autoavaliação da saúde como ruim/muito ruim (8,7%). Nas cidades de Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Campo Grande e Brasília, mais de 30% das participantes apresentaram escore positivo para episódio depressivo maior na escala PHQ-2. Esse percentual variou de 11%, em Manaus, a 46,6%, em Campo Grande.

Ao todo, 90,2% das MTS utilizam o SUS como fonte usual de cuidado. Esse percentual foi superior a 90% em Manaus, Belém, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. O menor índice foi registrado em Belo Horizonte (76,2%) e o maior, em Recife (97,8%). Aproximadamente um quinto das participantes afirmou já ter se sentido discriminada no serviço de saúde por ser trabalhadora do sexo. Os municípios de Fortaleza, Belo Horizonte e Porto Alegre apresentaram os maiores percentuais (29,6, 28,3 e 27%, respectivamente). Recife apresentou o maior percentual de MTS que revelam ser trabalhadoras do sexo quando atendidas no serviço de saúde (42,5%), enquanto o menor ocorreu em Brasília (11,9%) (Tabela 5).

Tabela 5
Distribuição proporcional e intervalos de confiança (IC95%) para estado de saúde, escore para episódio de transtorno depressivo maior, fonte usual de cuidado e discriminação em mulheres trabalhadoras do sexo, segundo cidade do estudo. Brasil, 2016.

DISCUSSÃO

Neste artigo, apresentamos indicadores referentes à saúde sexual, reprodutiva e estado de saúde em mulheres trabalhadoras do sexo em 12 cidades brasileiras. Esses indicadores apresentaram variações importantes entre as cidades, com destaque para cobertura de exame de Papanicolau, teste para HIV e sífilis, e indicadores de pré-natal, que apresentaram variação igual ou maior a 20 pontos percentuais.

As limitações desse estudo referem-se ao método RDS utilizado para recrutar as MTS. Reconhecidamente, um dos fatores que influenciam o desenvolvimento das redes é o efeito de homofilia, definido como a tendência do participante em recrutar pares com características similares às dele2020 Barbosa Júnior A, Pascom ARP, Szwarcwald CL, Kendall C, McFarland W. Transfer of sampling methods for studies on most-at-risk populations (MARPs) in Brazil. Cad Saude Publica 2011; 27(Suppl 1): s36-44. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001300005
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. O pagamento de incentivos influencia, igualmente, a formação da rede, estimulando a participação de pessoas de menor renda e mais marginalizadas socialmente2121 McCreesh N, Frost SD, Seeley J, Katongole J, Tarsh MN, Ndunguse R, et al. Evaluation of respondent-driven sampling. Epidemiology 2012; 23 (1): 138-47. https://doi.org/10.1097/EDE.0b013e31823ac17c
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. O local de realização do estudo também pode afetar a composição da rede, de acordo com as características das MTS que trabalham nas proximidades2222 Damacena GN, Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB. HIV risk practices by female sex workers according to workplace. Rev Saúde Pública 2014; 48: 428-37. https://doi.org/10.1590/s0034-8910.2014048004992
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. Assim, as amostras alcançadas em cada cidade, de tamanho pré-estabelecido, podem não alcançar a diversidade das características de todos os subgrupos de MTS da cidade. Isso pode ter influenciado os piores indicadores de saúde encontrados em cidades como Salvador, em que a amostra foi composta por trabalhadoras do sexo mais vulneráveis, usuárias de crack, de baixa escolaridade e renda mensal, e os melhores indicadores registrados em municípios como Belo Horizonte, em que as participantes tinham mais escolaridade e renda mensal, e baixo percentual de uso de drogas ilícitas1313 Braga, LP, Szwarcwald, CL, Damacena, GN. Caracterização de mulheres trabalhadoras do sexo em capitais brasileiras, 2016. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29 (4): e2020111. http://doi.org/10.5123/s1679-49742020000400002
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.

Na avaliação dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva, verificou-se que, em todas as cidades, a cobertura de exame de Papanicolau entre as MTS, nos últimos três anos, foi inferior à estimativa da população brasileira de mulheres2323 Oliveira MM, Andrade SSCA, Oliveira PPV, Silva GA, Silva MMA, Malta DC. Cobertura de exame Papanicolaou em mulheres de 25 a 64 anos, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde e o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, 2013. Rev Bras Epidemiol 2018; 21: e180014. https://doi.org/10.1590/1980-549720180014
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e acompanhou o perfil nacional, com menor cobertura nas regiões Norte e Nordeste e maiores no Sul e Sudeste2424 Magalhães RLB, Borges BVS, Oliveira VMC, Brito GMI, Resende AKA, Gir E. Fatores associados à realização do exame citopatológico em mulheres profissionais do sexo. Revista Baiana Enferm 2018; 32. http://doi.org/10.18471/rbe.v32.25931
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.

A proporção de MTS que fizeram o teste para HIV alguma vez na vida foi maior que a encontrada no inquérito biológico e comportamental, realizado em 2016 com homens que fazem sexo com homens (HSH)2525 Guimaraes MDC, Kendall C, Magno L, Rocha GM, Knauth DR, Leal AF, et al. Comparing HIV risk-related behaviors between 2 RDS national samples of MSM in Brazil, 2009 and 2016. Medicine (Baltimore) 2018; 97 (1S Suppl 1): S62-8. https://doi.org/10.1097/MD.0000000000009079
https://doi.org/10.1097/MD.0000000000009...
. A maior cobertura do teste para HIV entre elas é explicada, provavelmente, no atendimento pré-natal. Essa hipótese é reforçada ao observar que as cidades com maior cobertura de testes para HIV, Campo Grande e Porto Alegre, possuem altas coberturas de pré-natal, acima de 90%2626 Brito AM, Szwarcwald CL, Damacena GN, Dourado IC. HIV testing coverage among female sex workers, Brazil, 2016. Rev Bras Epidemiol 2019; 22 (Suppl 1): e190006. http://doi.org/10.1590/1980-549720190006.supl.1
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.

Em todos os municípios, a proporção de MTS que realizaram teste para sífilis no ano que antecedeu à pesquisa foi muito inferior à cobertura de teste para sífilis durante o pré-natal em mulheres da população brasileira, de 89,1%2727 Domingues RMSM, Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB, Leal MC. Prevalence of syphilis in pregnancy and prenatal syphilis testing in Brazil: birth in Brazil study. Rev Saude Publica 2014; 48 (5): 766-74. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005114
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. É importante destacar que, em todas as cidades, a frequência de teste para sífilis nas trabalhadoras do sexo foi menor do que a de testes para HIV. Isso representa importante lacuna na provisão de serviços integrados de prevenção de ISTs1515 World Health Organization. Consolidated guidelines on HIV prevention, diagnosis, treatment and care for key populations – 2016 update. Genebra: World Health Organization; 2016..

Um motivo importante para a não realização do teste para HIV foi “ter medo ou vergonha”, evidenciando o estigma e a discriminação como barreiras para o diagnóstico do HIV2828 Martins TA, Kerr L, Macena RHM, Mota RS, Dourado I, Brito AM, et al. Incentives and barriers to HIV testing among female sex workers in Ceará. Rev Saude Publica 2018; 52: 64. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000300
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. Ademais, Curitiba e Brasília, com maiores proporções de não realização do teste para HIV por medo ou vergonha, foram também cidades com menores frequências de mulheres que revelam ser trabalhadoras do sexo quando atendidas no serviço de saúde.

Destaca-se que a proporção de MTS que usam camisinha em todas as relações sexuais vaginais e anais com parceiro fixo foi baixa, de 34,8 e 38,9%, respectivamente, sugerindo relação de mais confiança com esses parceiros, e com clientes, bem mais elevada, de 80,5 e 81,1%, respectivamente, o que aponta mais preocupação com a prevenção de ISTs com esses parceiros.

A proporção de MTS que utiliza algum método contraceptivo é menor que a da população brasileira em 13 pontos percentuais. As diferenças encontradas entre o tipo de contracepção utilizada por elas acompanham o perfil da população de mulheres brasileiras: enquanto as da região Norte são mais esterilizadas e o preservativo masculino é o método contraceptivo mais utilizado, as das regiões Sul e Sudeste utilizam mais o contraceptivo oral2929 Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualidades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Cien Saude Col 2019 [cited on March 8, 2020]; 0298. Available at: https://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/uso-de-contracepcao-e-desigualdades-do-planejamento-reprodutivo-das-mulheres-brasileiras/17372
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.

Ao investigar o perfil de cobertura de pré-natal, com exceção de Curitiba e Porto Alegre, a proporção de MTS que tiveram atendimento pré-natal em cada cidade foi inferior à encontrada na população brasileira de mulheres (97,9%). Com relação às diferenças entre as cidades, observa-se o conhecido padrão de desigualdades regionais no país, com as menores coberturas de pré-natal nas regiões Norte e Nordeste3030 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Prenatal care in the Brazilian public health services. Rev Saude Publica 2020; 54: 8. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001458
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. Os indicadores de início do pré-natal no primeiro trimestre e realização de sete ou mais consultas de pré-natal mostraram, igualmente, proporções menores do que entre as mulheres da população brasileira3030 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Prenatal care in the Brazilian public health services. Rev Saude Publica 2020; 54: 8. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001458
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,3131 Nunes ADS, Amador AE, Dantas APQM, Azevedo UN, Barbosa IR. Acesso à assistência pré- natal no Brasil: análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde. RBPS 2017; 30 (3): 1-10. https://doi.org/10.5020/18061230.2017.6158
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.

Nota-se que a pior avaliação da própria saúde foi encontrada em Salvador, onde a rede é composta por MTS de grande vulnerabilidade, reforçando que a educação incompleta e as condições socioeconômicas desfavoráveis são determinantes de pior autoavaliação da saúde3232 Chandola T, Jenkinson C. Validating self-rated health in different ethnic groups. Ethn Health 2000; 5 (2): 151-9. https://doi.org/10.1080/713667451
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.

No que se refere à proporção de MTS com escore positivo para episódio depressivo maior na escala PHQ-2, observa-se também elevada proporção em Salvador, onde essas mulheres são mais vulneráveis. Porém, a maior proporção de MTS com escore positivo para episódio depressivo foi registrada em Campo Grande, com a mais elevada proporção de trabalhadoras do sexo que se sentiram discriminadas pela sua ocupação (36,4%) e maior a proporção das que usam álcool frequentemente1313 Braga, LP, Szwarcwald, CL, Damacena, GN. Caracterização de mulheres trabalhadoras do sexo em capitais brasileiras, 2016. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29 (4): e2020111. http://doi.org/10.5123/s1679-49742020000400002
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. Isso reforça o caráter multifacetado da depressão em MTS, que tem, além das precárias condições socioeconômicas, o estigma, o uso de álcool e drogas e a infecção pelo HIV como fatores fortemente associados3333 Rael CT, Davis A. Depression and key associated factors in female sex workers and women living with HIV/AIDS in the Dominican Republic. Int J STD AIDS 2017; 28 (5): 433-40. https://doi.org/10.1177/0956462416651374
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,3434 Beattie, TS, Smilenova B, Krishnaratne S, Mazzuca, A. Mental health problems among female sex workers in low- and middle-income countries: A systematic review and meta-analysis. PLoS Med 2020; 17 (9): e1003297. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1003297
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.

O sentimento de discriminação influencia as mulheres a não revelar sua ocupação como trabalhadoras do sexo em atendimento de saúde. Em trabalho anterior, com dados do mesmo inquérito, a falta de revelação da ocupação como trabalhadoras do sexo nos serviços de saúde mostrou-se significativamente associada à não realização de teste para HIV nos últimos 12 meses1010 Dourado I, Guimaraes MDC, Damacena GN, Magno L, Souza Junior PRB, Szwarcwald CL. Sex work stigma and non-disclosure to health care providers: data from a large RDS study among FSW in Brazil. BMC Int Health Hum Rights 2019; 19 (1): 8. https://doi.org/10.1186/s12914-019-0193-7
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.

Tendo em vista a elevada proporção de MTS que utilizam o SUS como fonte usual de cuidado em todas as cidades, esses resultados reforçam a necessidade de implementar políticas locais para combater o estigma e a discriminação dessas mulheres a fim de garantir a adoção apropriada de ações preventivas nos serviços públicos de saúde.

Os resultados apresentados neste trabalho são de grande relevância para o planejamento de políticas de saúde voltadas para as trabalhadoras do sexo tanto em nível municipal como nacional. Os resultados não só reforçam a condição de maior vulnerabilidade das MTS como também revelam as diferenças encontradas entre as regiões, que acompanham as desigualdades dos indicadores de saúde da população brasileira de mulheres2929 Trindade RE, Siqueira BB, Paula TF, Felisbino-Mendes MS. Uso de contracepção e desigualidades do planejamento reprodutivo das mulheres brasileiras. Cien Saude Col 2019 [cited on March 8, 2020]; 0298. Available at: https://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/uso-de-contracepcao-e-desigualdades-do-planejamento-reprodutivo-das-mulheres-brasileiras/17372
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,3535 Silva ICM, Restrepo-Mendez MC, Costa JC, Ewerling F, Hellwig F, Ferreira LZ, et al. Mensuração de desigualdades sociais em saúde: conceitos e abordagens metodológicas no contexto brasileiro. Epidemiol Ser Saúde 2018; 27 (1): e000100017. https://doi.org/10.5123/s1679-49742018000100017
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Adicionalmente, os resultados mostram que ainda há um grande espaço para ampliação da testagem frequente para HIV e sífilis em todos os municípios. Nesse sentido, é fundamental considerar as barreiras de acesso, como o estigma e a discriminação, que impedem a contemplação das necessidades específicas das MTS.

  • Fonte de financiamento: O apoio financeiro para o Inquérito de Vigilância Biológica e Comportamental, 2016 foi fornecido pelo Ministério da Saúde do Brasil, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) – Código do Financiamento LN7901-BR. Letícia Penna Braga recebeu bolsa de Doutorado Pleno da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes): Código de Financiamento 001.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às mulheres trabalhadoras do sexo participantes do estudo e às equipes locais que realizaram o trabalho de campo nas 12 cidades. Agradecemos também ao Ministério da Saúde e ao Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) pelo financiamento e ao apoio do The Brazilian FSW Group.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2021
  • Revisado
    15 Jul 2021
  • Aceito
    27 Jul 2021
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