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Desenvolvimento socioeconômico e mortalidade por câncer colorretal em uma unidade federativa da Amazônia Legal, de 2005 a 2016

RESUMO:

Objetivo:

Analisar a correlação entre as taxas de mortalidade por câncer colorretal (CCR) e os fatores socioeconômicos nas cinco mesorregiões (norte, nordeste, sudeste, sudoeste e centro-sul) do estado de Mato Grosso, de 2005 a 2016.

Métodos:

Estudo ecológico que considerou os óbitos por CCR (C18 a C21) de residentes do estado. As taxas de mortalidade foram padronizadas pelo método direto, utilizando-se a população padrão mundial. Para a análise dos fatores socioeconômicos, foram usados o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal Geral (IFDM) e seus componentes (educação; renda e emprego; saúde). Foram testadas as médias das taxas de mortalidade e dos fatores socioeconômicos entre as mesorregiões por meio da análise de variância (ANOVA), e empregou-se o coeficiente de correlação de Pearson para análise da correlação entre as taxas de mortalidade por CCR e esses fatores.

Resultados:

No período de 2005 a 2016, foram registrados 1.492 óbitos por CCR no estado de Mato Grosso. A mesorregião com a maior média tanto da taxa bruta quanto da taxa padronizada de mortalidade por CCR foi a sudoeste (3,47 e 3,86 óbitos/100 mil habitantes). Houve correlação significante entre as taxas de mortalidade por CCR com os seguintes indicadores: IFDM geral para as mesorregiões norte, sudeste e centro-sul; educação para as mesorregiões norte e sudeste; renda e emprego para as mesorregiões norte e centro-sul; e saúde para as mesorregiões norte, sudeste e centro-sul.

Conclusão:

Houve correlação da taxa de mortalidade de CCR com melhor desenvolvimento socioeconômico no estado.

Palavras-chave:
Mortalidade; Neoplasias colorretais; Fatores socioeconômicos; Correlação de dados

ABSTRACT:

Objective:

To analyze the correlation between colorectal cancer (CRC) mortality rates and socioeconomic factors in the five mesoregions (North, Northeast, Southeast, Southwest and Center-South) of the state of Mato Grosso, from 2005 to 2016.

Methods:

Ecological study that considered deaths from CRC (C18 to C21) of residents of the state. Mortality rates were standardized by the direct method, using the world standard population. For the analysis of socioeconomic factors, the Firjan Municipal Development Index (IFDM) and its components (education, income and employment and health) were used. Means of mortality rates and socioeconomic factors between the mesoregions were tested using ANOVA, and Pearson’s correlation coefficient was used to analyze the correlation between mortality rates due to CRC and these factors.

Results:

In the period from 2005 to 2016, 1,492 deaths from CRC were registered in the state of Mato Grosso. The Southwest mesoregion had the highest average for both the crude rate and standardized CRC mortality rates (3.47 and 3.86 deaths/100,000 inhabitants, respectively). There was a significant correlation between mortality rates from the disease with the following indicators: Overall IFDM for the North, Southeast and Center-South mesoregions; education for the North and Southeast mesoregions; income and employment for the North and Center-South mesoregions; and health for the North, Southeast and Center-South mesoregions.

Conclusion:

There was a correlation between CRC mortality rates and better socioeconomic development in the state.

Keywords:
Mortality; Colorectal neoplasms; Socioeconomic factors; Correlation of data

INTRODUÇÃO

Em 2012, estimativas mundiais apontaram o câncer colorretal (CCR) como o terceiro tipo de câncer mais comum entre os homens, com 746 mil casos novos (10% do total dos cânceres), e o segundo nas mulheres, com 614 mil casos novos (9,2% do total dos cânceres). Para a mortalidade, foram estimados 694 mil casos em ambos os sexos (8,5% do total de óbitos), a maioria em países com índice de desenvolvimento humano baixo, onde o prognóstico da doença é ruim11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015. Available at: https://www.inca.gov.br/bvscontrolecancer/publicacoes/edicao/Estimativa_2016.pdf
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No Brasil, considerando a localização primária, o CCR foi a terceira neoplasia mais frequente nos homens e a segunda nas mulheres11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015. Available at: https://www.inca.gov.br/bvscontrolecancer/publicacoes/edicao/Estimativa_2016.pdf
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, e o quarto em mortalidade nos homens e terceiro nas mulheres, em 201622 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Atlas da mortalidade, anos potenciais de vida perdidos [Internet]. [accessed on 30 nov. 2020]. Available at: https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb
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. Nesse mesmo ano, das unidades federativas pertencentes à Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins)33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Amazônia Legal [Internet]. 2020 [accessed on 13 Oct. 2021]. Available at: https://www.ibge.gov.br/geociencias/cartas-e-mapas/mapas-regionais/15819-amazonia-legal.html?=&t=o-que-e
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, Mato Grosso destacou-se como a primeira em incidência de CCR11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015. Available at: https://www.inca.gov.br/bvscontrolecancer/publicacoes/edicao/Estimativa_2016.pdf
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e, também, em mortalidade22 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Atlas da mortalidade, anos potenciais de vida perdidos [Internet]. [accessed on 30 nov. 2020]. Available at: https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb
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O CCR tem sua origem, em grande parte, em lesões benignas, mais precisamente em pólipos, pequenas elevações que se projetam na superfície da parede do cólon e/ou do reto, de crescimento lento, levando muitos anos até se tornarem malignos44 Gago T, Vaz AM, Queirós P, Roseira J, Cunha AC, Araújo AC, et al. Pólipos colo-rectais e sua importância clínica. Rev Port Coloproctol 2017; 14(2): 50-60.. Por isso, alguns países desenvolvidos têm adotado o rastreio precoce de pólipos, repercutindo na estabilização ou no decréscimo na incidência e na mortalidade do CCR. No entanto, em países em desenvolvimento, como os da América Latina, essas taxas têm aumentado, uma vez que o status socioeconômico influencia na taxa de participação em programas de rastreamento55 Hurtado JL, Bacigalupe A, Calvo M, Esnaola S, Mendizabal N, Portillo I, et al. Social inequalities in a population based colorectal cancer screening programme in the Basque Country. BMC Public Health 2015; 15: 1021. https://doi.org/10.1186/s12889-015-2370-5
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,66 Fidler MM, Soerjomataram I, Bray F. A global view on cancer incidence and national levels of the human development index. Int J Cancer 2016; 139(11): 2436-46. https://doi.org/10.1002/ijc.30382
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O Brasil não apresenta, ainda, rastreamento organizado para o CCR. O rastreamento deve ser direcionado a pacientes com história familiar da doença ou suspeita de suas síndromes hereditárias, feito em serviço especializado de genética e gastroenterologia, e, onde houver baixa oferta de colonoscopia, que sejam priorizados os pacientes com suspeita do câncer77 Brasil. Ministério da Saúde. Endocrinologia e nefrologia. Protocolos de encaminhamento da atenção básica para a atenção especializada. 1ᵃ ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. Available at: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2015/11/protocolos_atencao_basica_atencao_especializada.pdf
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O CCR está associado a diversos fatores de risco, entre eles aqueles relacionados às características socioeconômicas dos territórios88 Crawford SM, Sauerzapf V, Haynes R, Forman D, Jones AP. Social and geographical factors affecting access to treatment of colorectal cancer: a cancer registry study. BMJ Open 2012; 2(2): e000410. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2011-000410
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. Mato Grosso, mesmo entre os 11 estados que apresentam índice de desenvolvimento humano municipal classificado como alto (0,725)99 Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. PNUD Brasil. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Fundação João Pinheiro [Internet] 2010 [accessed on 18 Aug. 2021]. Available at: http://www.atlasbrasil.org.br/ranking
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e com produto interno bruto (PIB) de 123,8 bilhões, ocupando a 13ᵃ posição no ranking dos estados com os maiores valores em 20161010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contas regionais 2016: entre as 27 unidades da federação, somente Roraima teve crescimento do PIB [Internet]. 2016 [accessed on 18 Aug. 2021]. Available at: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23038-contas-regionais-2016-entre-as-27-unidades-da-federacao-somente-roraima-teve-crescimento-do-pib#:~:text=Os%20cinco%20estados%20com%20maior,5%20p.p%20menor%20que%202014
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, também ocupou o 11° lugar nas estimativas de incidência de CCR11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015. Available at: https://www.inca.gov.br/bvscontrolecancer/publicacoes/edicao/Estimativa_2016.pdf
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e o 13° lugar nas estimativas de mortalidade no cenário nacional22 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Atlas da mortalidade, anos potenciais de vida perdidos [Internet]. [accessed on 30 nov. 2020]. Available at: https://mortalidade.inca.gov.br/MortalidadeWeb
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Sabendo-se que as estimativas de câncer variam entre os países e neles88 Crawford SM, Sauerzapf V, Haynes R, Forman D, Jones AP. Social and geographical factors affecting access to treatment of colorectal cancer: a cancer registry study. BMJ Open 2012; 2(2): e000410. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2011-000410
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e para compreender o comportamento do CCR no estado, é preciso considerar que Mato Grosso apresenta área de 906.806,9 km2, um dos maiores estados do país, e está dividido em cinco mesorregiões, distintas entre si, sobretudo economicamente1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Divisão regional do Brasil em mesorregiões e microrregiões geográficas. Rio de Janeiro: IBGE; 1990. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv2269_1.pdf
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, com destaque para a mesorregião centro-sul, por abranger Cuiabá e Várzea Grande, os dois municípios mais populosos do estado.

Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar a correlação entre as taxas de mortalidade por CCR e os fatores socioeconômicos nas cinco mesorregiões (norte, nordeste, sudeste, sudoeste e centro-sul) do estado de Mato Grosso, de 2005 a 2016.

MÉTODOS

Trata-se de estudo ecológico das taxas de mortalidade por CCR (TMCCR) de residentes nas mesorregiões de Mato Grosso, no período de 2005 a 2016. O estado é o único da região centro-oeste que compõe a Amazônia Legal. Com uma superfície de 5.015.067,75 km2, a região ocupa quase 60% do território brasileiro e foi criada com o objetivo de definir a delimitação geográfica da região política captadora de incentivos fiscais, com vistas à promoção de seu desenvolvimento regional (Figura 1)33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Amazônia Legal [Internet]. 2020 [accessed on 13 Oct. 2021]. Available at: https://www.ibge.gov.br/geociencias/cartas-e-mapas/mapas-regionais/15819-amazonia-legal.html?=&t=o-que-e
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Figura 1
Estado de Mato Grosso na Amazônia Legal*, Brasil, e suas mesorregiões.

Para o cálculo das TMCCR por ano, considerou-se a razão entre o número de óbitos pela doença e o tamanho da população de interesse. Foram considerados óbitos por CCR aqueles cuja causa básica pertencia ao capítulo II da 10ᵃ revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)1212 Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Mortalidade geral – 1996 a 2015. Notas técnicas [Internet]. 2017 [accessed on 11 Oct. 2021]. Available at: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Mortalidade_Geral_1996_2012.pdf
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, identificados pelos seguintes códigos: C18 (câncer de cólon), C19 (câncer da junção retossigmoide), C20 (câncer de reto) e C21 (câncer de ânus e canal anal), conforme o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA)11 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2015. Available at: https://www.inca.gov.br/bvscontrolecancer/publicacoes/edicao/Estimativa_2016.pdf
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,1313 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2019. Available at: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf
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.

Os dados de óbito por CCR foram fornecidos pela Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e compõem o Sistema de Informação sobre Mortalidade. As informações acerca do número de habitantes da população de estudo foram obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, provenientes do censo demográfico para o ano de 2010, e das estimativas populacionais para os demais anos1414 Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. População residente [Internet]. 2020 [accessed on 13 Oct. 2021]. Available at: https://datasus.saude.gov.br/populacao-residente
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As taxas foram calculadas por 100 mil habitantes e padronizadas pelo método direto, utilizando-se a população padrão mundial fornecida pela Organização Mundial da Saúde1515 Segi M. Cancer mortality for select sites in 24 countries (1950-1957). Sendai: Department of Public Health, Tohoku University, School of Medicine; 1960. e modificada por Doll et al.1616 Doll R, Payne P, Waterhouse JAH. Cancer incidence in five continents vol. I. Berlin: Springer-Verlag; 1966., que é a empregada pela International Agency for Research on Cancer e pelo INCA.

As mesorregiões do estado são cinco: norte (55 municípios), nordeste (25 municípios), sudoeste (22 municípios), centro-sul (17 municípios) e sudeste (22 municípios)1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Divisão regional do Brasil em mesorregiões e microrregiões geográficas. Rio de Janeiro: IBGE; 1990. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv2269_1.pdf
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Como variável socioeconômica, foram utilizados o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) e seus componentes. O IFDM consiste em um indicador composto que avalia o nível de desenvolvimento regional socioeconômico, usando uma média simples dos resultados obtidos em cada uma das três principais áreas de desenvolvimento humano: emprego e renda, educação e saúde. É feito com base em estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho, Educação e Saúde. Seus valores variam de 0 a 1, e, quanto mais próximo de 1, mais elevado é o nível de desenvolvimento do município1717 Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Sistema FIRJAN. Publicações Firjan. Pesquisas e estudos socioeconômicos. IFDM 2018. Índice Firjan desenvolvimento municipal. Rio de Janeiro: Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro; 2018. Available at: https://www.firjan.com.br/data/files/67/A0/18/D6/CF834610C4FC8246F8A809C2/IFDM_2018.pdf
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Com base no resultado do IFDM, os municípios podem ser classificados em:

  • baixo estágio de desenvolvimento: IFDM entre 0 e 0,4;

  • regular estágio de desenvolvimento: IFDM entre >0,4 e 0,6;

  • moderado estágio de desenvolvimento: IFDM entre >0,6 e 0,8;

  • elevado estágio de desenvolvimento: IFDM entre > 0,8 e 11717 Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Sistema FIRJAN. Publicações Firjan. Pesquisas e estudos socioeconômicos. IFDM 2018. Índice Firjan desenvolvimento municipal. Rio de Janeiro: Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro; 2018. Available at: https://www.firjan.com.br/data/files/67/A0/18/D6/CF834610C4FC8246F8A809C2/IFDM_2018.pdf
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Consideraram-se o IFDM geral e também o dos seus componentes isoladamente: IFDM educação, IFDM renda e emprego e IFDM saúde.

Para cada município, foram obtidos as TMCCR e os valores do IFDM e de seus componentes para cada ano de estudo. Efetuou-se, então, a média desses valores para se obter o valor total para cada município. Posteriormente, agruparam-se os municípios nas suas mesorregiões correspondentes, obtendo-se a média dos indicadores para cada mesorregião. Para descrever esses indicadores por mesorregião, foram calculados as médias, o desvio padrão e os valores mínimo e máximo.

As médias do IFDM geral e seus componentes, assim como as médias das TMCCR entre as mesorregiões, foram comparadas por meio da análise de variância (ANOVA). Os pressupostos de normalidade e de homogeneidade de variâncias foram satisfeitos e avaliados, respectivamente, pelo teste de Shapiro-Wilk e pelo teste de Levene. Posteriormente, o teste de post-hoc Bonferroni foi empregado para comparações múltiplas.

Para o cálculo da variação percentual da taxa padronizada de CCR, do IFDM e de seus componentes por mesorregião, obtiveram-se as médias em dois períodos: de 2005 a 2010 e de 2011 a 2016.

Avaliaram-se a correlação entre o IFDM e seus componentes e as taxas padronizadas de mortalidade por CCR, por meio do coeficiente de correlação de Pearson (r), e seu pressuposto de normalidade das variáveis foi satisfeito e verificado pelo teste de normalidade de Shapiro-Wilk. As correlações foram consideradas estatisticamente significantes quando p<0,05. As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.

RESULTADOS

No período de 2005 a 2016, foram registrados 1.492 óbitos por CCR no estado de Mato Grosso, sendo 49,1% na mesorregião centro-sul, 20,2% na norte, 17,2% na sudeste, 8,4% na sudoeste e 5,1% na nordeste.

A mesorregião com a maior média tanto da taxa bruta quanto da taxa padronizada de mortalidade por CCR foi a sudoeste (3,47 e 3,86 óbitos/100 mil habitantes, respectivamente), enquanto a mesorregião nordeste foi a que apresentou os menores valores para essas taxas (1,27 e 1,53 óbitos/100 mil habitantes, respectivamente). Houve diferença significante entre as taxas brutas da mesorregião nordeste e as taxas brutas das mesorregiões sudeste e sudoeste e entre as taxas padronizadas da mesorregião nordeste e as taxas padronizadas das mesorregiões norte e sudoeste (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição das taxas de mortalidade por câncer colorretal (por 100 mil habitantes) e do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) e seus componentes, segundo mesorregiões de Mato Grosso, Brasil, de 2005 a 2016.

Com relação aos indicadores socioeconômicos, a média do IFDM Geral variou de 0,59 (nordeste) a 0,68 (norte). A mesorregião nordeste apresentou diferença significante do IFDM geral quando comparada aos valores das norte e sudeste. Para a educação, os valores tiveram a menor variação entre as mesorregiões (0,62 para a nordeste e 0,69 para a sudeste), com diferença significante entre os valores da mesorregião nordeste para os valores das mesorregiões norte, sudoeste e sudeste. Para o indicador relacionado à saúde, a variação observada foi a maior entre as mesorregiões (0,59 para a nordeste e 0,76 para a norte), com diferença significante entre a mesorregião nordeste e as demais mesorregiões. Para o indicador de renda e emprego, os valores variaram de 0,52 (centro-sul) a 0,60 (norte), porém não houve diferença entre os valores observados entre as mesorregiões (Tabela 1).

A Figura 2 mostra a variação percentual da taxa padronizada de CCR, do Índice Firjan geral e de seus componentes por mesorregião. Para as taxas de mortalidade, com exceção da mesorregião nordeste, que apresentou redução de 20,5%, todas as demais apresentaram aumento de um período para o outro, e a mesorregião com a maior variação foi a Norte, com aumento de 83,4%.

Figura 2
Variação percentual da taxa de mortalidade por câncer colorretal e dos indicadores socioeconômicos nas mesorregiões do estado de Mato Grosso, Brasil, comparando os períodos de 2005 a 2010 e de 2001 a 2016.

Todas as mesorregiões apresentaram aumento nos valores do IFDM geral, variando de 7,9 (sudeste) a 23,3% (centro-sul). O indicador educação foi o que apresentou os maiores percentuais de aumento, sobretudo para as mesorregiões nordeste (32,1%) e norte (30,5%). Com relação à renda e emprego, duas mesorregiões apresentaram redução nesse indicador: a sudoeste (3,6%) e a sudeste (3,4%), e esse foi o único indicador a apresentar variação negativa. Por outro lado, a mesorregião centro-sul foi a que apontou o maior percentual de aumento, 15,6%. Considerando o indicador saúde, duas mesorregiões apresentaram valores estáveis (0%), nordeste e sudeste, ao passo que a região centro-sul teve o maior percentual de aumento (15,5%) (Figura 2).

Para o IFDM geral, a mesorregião nordeste foi a única a apresentar parte de seus municípios com nível de desenvolvimento baixo (4% dos seus municípios), enquanto a mesorregião norte foi a única a apresentar municípios com nível de desenvolvimento elevado (1,8%). O nível mais frequente para esse indicador foi o regular. Para a educação, os municípios de todas as mesorregiões exibiram nível de desenvolvimento regular ou moderado, e o mais frequente foi o moderado, com exceção da mesorregião nordeste, onde a maioria dos seus municípios apresentou nível regular (64%) (Figura 3).

Figura 3
Índice Firjan de desenvolvimento municipal (IFDM) e seus componentes, segundo as mesorregiões de Mato Grosso, Brasil, de 2005 a 2016.

Considerando renda e emprego, este foi o componente com o maior percentual de nível de desenvolvimento baixo — todas as mesorregiões apresentaram, pelo menos, 7,3% dos seus municípos com esse resultado. Somente a região norte apresentou nível elevado (1,8% dos seus municípios), porém para todas as mesorregiões o nível mais frequente foi o regular. Por fim, o indicador saúde foi o que teve os maiores percentuais para o nível elevado: 18,2% para a mesorregião sudeste e 16,4% para a norte. Por outro lado, a mesorregião nordeste apresentou 8% dos seus municípios no nível baixo, e a sudeste, 4,5%. Para esse indicador, com exceção da mesorregião nordeste, todas as demais apresentaram a maioria dos seus municípios classificados como de nível de desenvolvimento moderado (Figura 3).

A Tabela 2 mostra os resultados das correlações entre as taxas padronizadas de mortalidade por CCR e os indicadores socioeconômicos. A mesorregião norte apresentou correlação positiva e estatisticamente significante para todos esses indicadores, ao passo que a sudeste apresentou correlação para o IFDM geral, educação e saúde e a centro-sul para IFDM geral, saúde, renda e emprego. Não houve correlação significativa para as mesorregiões nordeste e sudoeste (Tabela 2).

Tabela 2
Correlação entre as taxas de mortalidade ajustadas e os indicadores socioeconômicos, segundo mesorregiões de Mato Grosso, Brasil, de 2005 a 2016.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo mostraram que houve aumento das taxas de mortalidade no período de 2005 a 2016 para quatro das cinco mesorregiões e melhora dos indicadores socioeconômicos, com exceção dos valores para o indicador renda e emprego para as mesorregiões sudeste e sudoeste. De maneira geral, as mesorregiões apresentaram valores mais discrepantes entre si para o indicador saúde e mais homogêneos para o de educação. Para os indicadores IFDM geral, educação e saúde, a maioria dos municípios apresentou nível moderado de desenvolvimento, e para o indicador renda e emprego, nível regular. Este também foi o indicador para o qual as mesorregiões apresentaram os piores níveis de desenvolvimento, enquanto o de educação apresentou as melhores classificações. Os resultados da correlação mostraram que as mesorregiões norte, sudeste e centro-sul apresentaram correlação positiva e estatisticamente significante com indicadores socioeconômicos.

A mesorregião nordeste apresentou as menores taxas de mortalidade, assim como redução da taxa padronizada e, apesar de exibir aumento dos valores para o IFDM geral, educação e renda e emprego, seus valores foram os mais baixos para IFDM geral, educação e saúde. Também foi a que apresentou as piores classificações para esses indicadores, entretanto não apresentou correlação das suas taxas com os indicadores socioeconômicos.

Esse resultado opõe-se, de certa maneira, ao que tem sido encontrado na literatura, em que o baixo desenvolvimento socioeconômico e baixos níveis de escolaridade e alfabetização têm sido associados a risco aumentado de desenvolvimento de CCR1818 Doubeni CA, Laiyemo AO, Major JM, Schootman M, Lian M, Park Y, et al. Socioeconomic status and the risk of colorectal cancer. an analysis of more than a half million adults in the National Institutes of Health-AARP Diet and Health Study. Cancer 2012; 118(14): 3636-44. https://doi.org/10.1002/cncr.26677
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A mesorregião nordeste não possui unidade de assistência de alta complexidade (UNACOM)1919 Governo de Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução CIB/MT Ad referendum n° 001 de 20 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre a Aprovação do Plano de Ação Oncológica no Estado de Mato Grosso de 2017 a 2019 [Internet]. 2017 [accessed on 30 Mar. 2021]. Available at: www.saude.mt.gov.br/arquivo/7317
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, e menor capacidade médica instalada, somada ao menor desenvolvimento humano, está associada a piores resultados de tratamento, repercutindo nos óbitos2020 Ades F, Correa-Netto NF, Oliveira JS, Cepas T, Melo N. Inequality and cancer in Brazil investment, installed health services capacity and social development: a comparative analysis of the factors related to different cancer outcomes in the 26 states and the Federal District of Brazil. Braz J Oncol 2019; 15(Supl.1): S56. Available at: https://observatoriodeoncologia.com.br/desigualdade-e-cancer-no-brasil-investimento-capacidade-instalada-capacitacao-profissional-e-desenvolvimento-social-uma-analise-comparativa-dos-fatores-relacionados-aos-diferentes-desfechos-por-c/
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. As baixas taxas apresentadas pela mesorregião, quando comparadas a outras de mais ricas, podem ser consequência da subnotificação dos casos.

A mesorregião norte, mesmo com os maiores valores médios para IFDM geral e saúde, apresentou aumento dos valores de todos os indicadores socioeconômicos e melhores classificações para o IFDM geral, saúde e renda e emprego. Apresentou, também, a segunda maior taxa padronizada da doença, o maior aumento desta entre os períodos analisados, além de ter sido a única a exibir correlação positiva e significativa entre as taxas padronizadas e todos os indicadores socioeconômicos.

Essa mesorregião é a mais rica, em comparação às demais, e contou com cinco municípios (Campos de Júlio, Santa Rita do Trivelato, Nova Ubiratã, Sapezal e Diamantino), que se encontravam entre os 50 com maiores PIB per capita do país em 20162121 Governo de Mato Grosso. Mato Grosso tem seis municípios entre os 50 maiores do país [Internet]. 2019 [accessed on 29 Jan. 2021]. Available at: http://www.mt.gov.br/-/12510411-mato-grosso-tem-seis-municipios-entre-os-50-maiores-do-pais
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. Além disso, seis dos dez primeiros municípios que compõem o ranking do IFDM geral do estado são dessa região2222 Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal (IFDM) [Internet]. 2018 [accessed on 8 Mar. 2021]. Available at: https://www.firjan.com.br/ifdm/
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.

Em 2013, foi instituída a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), em que a atenção ao câncer deveria se dar de forma regionalizada e descentralizada, ampliando o espectro de acesso2323 Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n° 874, de 16 de maio de 2013. Institui a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. 2013 [accessed on 14 Dec. 2020]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0874_16_05_2013.html
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. A mesorregião norte, mesmo contendo uma única UNACOM e também sofrendo reflexos da política instituída, não justifica aumento de 83,4% nas taxas de mortalidade, sugerindo que pode haver outros fatores contribuindo para esse aumento para além daqueles aqui avaliados, como o uso e consumo de agrotóxicos, já que a maioria de seus municípios tem o agronegócio como base econômica1919 Governo de Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução CIB/MT Ad referendum n° 001 de 20 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre a Aprovação do Plano de Ação Oncológica no Estado de Mato Grosso de 2017 a 2019 [Internet]. 2017 [accessed on 30 Mar. 2021]. Available at: www.saude.mt.gov.br/arquivo/7317
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,2121 Governo de Mato Grosso. Mato Grosso tem seis municípios entre os 50 maiores do país [Internet]. 2019 [accessed on 29 Jan. 2021]. Available at: http://www.mt.gov.br/-/12510411-mato-grosso-tem-seis-municipios-entre-os-50-maiores-do-pais
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A mesorregião centro-sul foi a que apresentou a maior taxa bruta e, também, aumento para a taxa padronizada e todos os indicadores socioeconômicos, sobretudo o relacionado à saúde. Além disso, a correlação foi positiva e significante entre a sua taxa padronizada e os IFDM geral, renda e emprego e saúde. Convém acrescentar que a mesorregião centro-sul, além de ser a mais populosa, também tem elevado PIB2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produto interno bruto dos municípios [Internet] 2016. [accessed on 26 Feb. 2021]. Available at: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9088-produto-interno-bruto-dos-municipios.html?edicao=23414&t=pib-por-municipio
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. Considerando que essa mesorregião apresenta três UNACOM1919 Governo de Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução CIB/MT Ad referendum n° 001 de 20 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre a Aprovação do Plano de Ação Oncológica no Estado de Mato Grosso de 2017 a 2019 [Internet]. 2017 [accessed on 30 Mar. 2021]. Available at: www.saude.mt.gov.br/arquivo/7317
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, o que possibilita mais opções de acesso ao serviço oncológico, esperar-se-ia menor mortalidade por CCR.

A mesorregião sudeste também apresentou aumento nas taxas de mortalidade, assim como nos indicadores IFDM geral e educação, porém redução para renda e emprego. Também apresentou correlação significante entre suas taxas e IFDM geral, educação e saúde.

Por fim, a mesorregião sudoeste foi a que apresentou a maior taxa padronizada da mortalidade por CCR e, apesar de ter exibido redução nos valores para renda e emprego, apresentou aumento para as taxas padronizadas e para os indicadores IFDM geral, educação e saúde. Também teve a segunda melhor classificação do nível de desenvolvimento de seus municípios, no entanto não houve correlação entre suas taxas de mortalidade e indicadores socioeconômicos. A maioria dos municípios dessa mesorregião não possui Núcleo de Apoio à Equipe Saúde da Família nem UNACOM, apesar de a mesorregião disponibilizar alguns serviços de assistência ao câncer, como exames de imagem, citopatológicos, sanguíneos e de biópsia1919 Governo de Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução CIB/MT Ad referendum n° 001 de 20 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre a Aprovação do Plano de Ação Oncológica no Estado de Mato Grosso de 2017 a 2019 [Internet]. 2017 [accessed on 30 Mar. 2021]. Available at: www.saude.mt.gov.br/arquivo/7317
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Depreende-se dos resultados das mesorregiões que melhor desenvolvimento socioeconômico estaria associado a maiores taxas de mortalidade por CCR nessas mesorregiões. No caso das mesorregiões norte, centro-sul e sudeste, isso pode sugerir déficit na distribuição de suas riquezas, repercutindo em desigualdade social, pois o grupo socioeconômico ao qual o indivíduo pertence influencia na detecção precoce do CCR, na taxa de lesões encontradas e, consequentemente, em sua mortalidade55 Hurtado JL, Bacigalupe A, Calvo M, Esnaola S, Mendizabal N, Portillo I, et al. Social inequalities in a population based colorectal cancer screening programme in the Basque Country. BMC Public Health 2015; 15: 1021. https://doi.org/10.1186/s12889-015-2370-5
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,2020 Ades F, Correa-Netto NF, Oliveira JS, Cepas T, Melo N. Inequality and cancer in Brazil investment, installed health services capacity and social development: a comparative analysis of the factors related to different cancer outcomes in the 26 states and the Federal District of Brazil. Braz J Oncol 2019; 15(Supl.1): S56. Available at: https://observatoriodeoncologia.com.br/desigualdade-e-cancer-no-brasil-investimento-capacidade-instalada-capacitacao-profissional-e-desenvolvimento-social-uma-analise-comparativa-dos-fatores-relacionados-aos-diferentes-desfechos-por-c/
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. Além disso, a mesorregião possui ampla extensão territorial, o que pode dificultar o acesso aos serviços de saúde, retardando os diagnóstico e tratamento precoces.

Estudo de Ribeiro e Nardocci2525 Ribeiro AA, Nardocci AC. Desigualdades socioeconômicas na incidência e mortalidade por câncer: revisão de estudos ecológicos, 1998-2008. Saude Soc 2013; 22(3): 878-91. https://doi.org/10.1590/S0104-12902013000300020
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que teve como objetivo investigar associações entre nível socioeconômico e incidência e mortalidade por câncer e seus tipos, por meio da revisão de 32 estudos ecológicos, verificou associação positiva e consistente do nível socioeconômico da área de residência com mortalidade pelo CCR tanto para os homens quanto para as mulheres. Os autores argumentam que fatores como alto consumo de carne vermelha e gorduras, baixo consumo de frutas e vegetais, sedentarismo, obesidade e consumo de álcool têm sido apontados como principais fatores de risco para esse câncer e que a prevalência diferencial e dinâmica desses fatores pelas classes sociais poderia explicar, em parte, esses gradientes.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde mostraram que a prevalência de excesso de peso na população de Mato Grosso, por exemplo, foi de 59,8% e a de obesidade de 24,4%, sendo o quinto estado a apresentar as maiores prevalências de algum grau de excesso de peso2626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde - PNS [Internet]. 2013 [accessed on 15 Mar. 2021]. Available at: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=microdados
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Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Guimarães et al.2727 Guimarães RM, Rocha PGM, Muzi CD, Ramos RS. Increase income and mortality of colorectal cancer in Brazil, 2001-2009. Arq Gastroenterol 2013; 50(1): 64-9. https://doi.org/10.1590/S0004-28032013000100012
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, que estimou a correlação entre a renda média per capita e a taxa de mortalidade por CCR no Brasil entre 2001 e 2009. Houve redução na tendência da pobreza e da desigualdade de renda e crescimento do PIB per capita, da renda familiar e da taxa de mortalidade padronizada por CCR no Brasil. Segundo os autores, o aumento da renda e a redução da desigualdade podem explicar, em parte, o aumento da ocorrência do CCR, possivelmente em razão do acesso diferenciado a alimentos reconhecidos como de fatores de risco para a ocorrência da doença, como carnes vermelhas e com alto teor de gordura, sendo importante, portanto, avaliar as prioridades dos programas de saúde pública voltados à nutrição em países de economia intermediária, como o Brasil.

O Brasil vivenciou, nas últimas décadas, marcantes e complexas transformações socioeconômicas, porém elas não ocorreram de maneira uniforme no país, nem mesmo nos próprios estados e em suas mesorregiões. Uma das possíveis explicações para o aumento da incidência de CCR, e consequente aumento da mortalidade pela doença, principalmente nos lugares que apresentaram maiores reduções da desigualdade socioeconômica, são os diferentes estágios demográfico, epidemiológico e nutricional em que essas regiões se encontram2828 Oliveira MM, Latorre MRDO, Tanaka LF, Rossi BM, Curado MP. Disparidades na mortalidade de câncer colorretal nos estados brasileiros. Rev Bras Epidemiol 2018; 21: e180012. https://doi.org/10.1590/1980-549720180012
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O indicador aqui empregado, o IFDM, é uma referência para o acompanhamento do desenvolvimento socioeconômico brasileiro, com uma metodologia que possibilita determinar se a melhora relativa ocorrida em dado município decorreu da adoção de políticas públicas, ou se o resultado obtido foi apenas reflexo da queda dos demais municípios. Os seus resultados, ao longo dos anos, evidenciaram que a última década foi marcada pelo desenvolvimento da região centro-oeste, que mais que dobrou a sua participação entre os 500 municípios mais desenvolvidos do país1717 Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Sistema FIRJAN. Publicações Firjan. Pesquisas e estudos socioeconômicos. IFDM 2018. Índice Firjan desenvolvimento municipal. Rio de Janeiro: Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro; 2018. Available at: https://www.firjan.com.br/data/files/67/A0/18/D6/CF834610C4FC8246F8A809C2/IFDM_2018.pdf
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Os achados deste estudo devem ser analisados com cautela, tendo em vista que foram gerados com base em dados secundários, os quais apresentam problemas relacionados à cobertura e à qualidade dos dados registrados, no entanto convém registrar que os dados de mortalidade no Brasil são os que apresentam o maior aumento de sua cobertura nos últimos anos, possuindo uma das maiores coberturas dos sistemas de informação atualmente2929 Lima EEC, Queiroz BL. Evolution of the deaths registry system in Brazil: associations with changes in the mortality profile, under-registration of death counts, and ill-defined causes of death. Cad Saúde Pública 2014; 30(8): 1721-30. https://doi.org/10.1590/0102-311X00131113
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Os estudos ecológicos podem, de maneira particular, avaliar como os contextos social e ambiental afetam a saúde de grupos populacionais, cujas medidas coletadas no nível individual são incapazes de refletir adequadamente os processos que ocorrem no nível coletivo3030 Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu; 2009..

O presente estudo contribuiu para conhecer a distribuição da mortalidade por CCR nas mesorregiões do estado de Mato Grosso, bem como identificar a correlação positiva da doença com os indicadores relacionados ao desenvolvimento socioeconômico. Nos estudos de investigação etiológica, abordagens com foco individual ou com dados agregados devem ser complementares, para permitirem evidenciar os distintos aspectos do processo saúde-doença, colaborando para o melhor entendimento dos múltiplos fatores que modificam o perfil de distribuição do câncer entre os distintos estratos socioeconômicos, apoiando políticas públicas direcionadas ao enfrentamento da doença.

  • Fonte de financiamento: Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, o financiamento do projeto de extensão “Vigilância de câncer e seus fatores associados: atualização de registro de base populacional e hospitalar” (contrato 088/2016); e Ministério Público do Trabalho da 23ᵃ Região, o financiamento do projeto de pesquisa “Câncer e seus fatores associados: análise de registro de base populacional e hospitalar” (acordo de cooperação técnica 08/2019).
  • NÚMERO DE IDENTIFICAÇÃO/APROVAÇÃO DO CEP
    Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller (CEP-HUJM) (número do parecer 3.048.183, de 20/11/2018); Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (CEP-SES-MT) (número do parecer 3.263.744, de 12/04/2019).

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), as bolsas de pós-graduação (mestrado e pós-doutorado); ao Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), a contribuição na capacitação dos registradores de câncer; ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, o espaço físico.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2021
  • Revisado
    24 Out 2021
  • Aceito
    03 Dez 2021
  • Preprint postado em
    25 Abr 2022
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