Acessibilidade / Reportar erro

DIAGNÓSTICO ÉTICO-POLÍTICO (DEP): UM DOS MODOS DE DIAGNOSTICAR AS SINGULARIDADES NAS PRÁTICAS COLETIVAS

Ethical-Political Diagnosis (EPD): one of the ways of diagnosing singularities in collective practices

RESUMO:

O presente artigo conceitua uma estratégia psicanalítica para o diagnóstico de acontecimentos sociais, que vão desde um evento-limite até uma cena traumática ou catastrófica. Tal estratégia comporta os tempos de ver, de compreender e de concluir, e abarca as dimensões singulares e coletivas que atravessam os sujeitos. O texto apresenta o excerto de um encontro com professores de uma escola pública, que se reuniram para abordar os aspectos traumáticos da experiência escolar durante a pandemia. Tal excerto serve de modelo para a análise das possibilidades de reconstrução que oferece o Diagnóstico Ético-Político.

Palavras-chave:
diagnóstico; psicanálise; educação; acontecimento social

Abstract:

This article conceptualizes a psychoanalytical strategy for diagnosing social events, ranging from a limit event to a traumatic or catastrophic scene. Such a strategy includes the times of seeing, understanding, and concluding, in addition to covering the singular and collective dimensions that impinge on subjects. The text presents excerpts from an encounter with teachers in a public school, who met to discuss the traumatic aspects of school experience during the pandemic. These excerpts serve as a model for the analysis of reconstruction possibilities that offers the Ethical-Political Diagnosis.

Keywords:
diagnosis; psychoanalysis; education; social event

INTRODUÇÃO

O presente artigo conceitua uma estratégia diagnóstica de acontecimentos sociais1 1 O acontecimento, segundo Zizek (2017, p. 50), “é a própria queda, a perda de uma unidade e uma harmonia primordial que nunca existiram, que são apenas uma ilusão retroativa”. que irrompem no Real2 2 O Real aqui é utilizado na acepção lacaniana, segundo a qual a “realidade humana” se encontra alicerçada em três registros: o simbólico, o imaginário e o real. O real é o que escapa à simbolização. O simbólico diz da dimensão de valores inscritos em uma dada cultura; e o imaginário torna possíveis as relações interpessoais na realidade cotidiana, mesmo diante da impossibilidade de tudo simbolizar ou de apreensão completa do real (LACAN, 1953). O real se distingue da realidade e é um efeito do Simbólico (CHAVES, 2008, p. 44). , em uma cena catastrófica, traumática e/ou em um evento-limite que provoca alguma turbulência (BION, 1987BION, W. R. Turbulência emocional. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 21, n. 1, p. 121-133, 2007.), algo como um “baque”, entre os sujeitos de um grupo, de uma instituição, da sociedade mais ampla. Tais acontecimentos - sociais e/ou individuais -, compreendidos aqui a partir do “baque” ou da própria “queda” (ZIZEK, 2017), promovem uma ruptura na história dos sujeitos e fazem operar um novo normal que, em geral, altera profundamente ou interrompe seus planos de vida; ou alija-os de sua cultura e de suas tradições, ou do convívio com seu trabalho, com pessoas próximas e significativas. Daí a necessidade de uma intervenção ético-política para acolher os sujeitos de modo que se estabeleça algum laço de continuidade que lhes possibilite reescrever sua história.

Em determinados tempos-espaços em que irrompe o Real, o inusitado ascende ao estatuto de um novo normal. Do que se trata esse novo normal? Diante do inusitado, daquele jamais visitado, perdemos a capacidade de estabelecer a norma, porque, a cada instante na vida, o inesperado se apresenta e exige um novo (re)posicionamento. Entre os que sobrevivem, são inúmeras (re)formulações em busca de algum senso de continuidade, em meio à experiência de catástrofe e desintegração (BION, 1966/2014BION, W. R. Catastrophic change (1966). In: BION, W. R. The complete works of W. R. Bion. Londres: Karnac, 2014.).

Embora nestes tempos-espaços turbulentos, repletos de eventos-limite, de catástrofes e traumas, predominem a descontinuidade e a ruptura, estabelece-se também, de modo perceptível ou não, um continuum. Alguns equipamentos sociais, como os de saúde e de educação, por exemplo, podem garantir a sobrevivência física, assegurar condições mentais mínimas, conservar algum aspecto da história do grupo social e dos sujeitos. Porém, é necessário um engajamento individual e social para que descontinuidade e continuidade se equilibrem em um patamar no qual sobreviva um senso de identidade dos sujeitos e dos grupos. A escola, por exemplo, é um dos lugares em que podem ser preservadas as necessidades básicas fundamentais para a sobrevivência.

No entanto, a sobrevivência aos acontecimentos sociais catastróficos pode tanto redundar em crescimento, como em desintegração pessoal ou social (BION, 1966/2014BION, W. R. Attention and interpretation: a scientific approach to insight on psychoanalysis and groups (1970). In: BION, W. R. The Complete Works of W. R. Bion, v. VI. Londres: Karnac, 2014.). Nas palavras de Archangelo (2021ARCHANGELO, A. Capacidade para não aprender: manejo e contribuições da psicanálise ao cotidiano escolar. São Paulo: Zagodoni, 2021., p. 6), “[...] a sobrevivência pode variar desde um processo que promove o desenvolvimento, até aquele que leva o sujeito a projetar a letalidade sobre si e sobre os outros...”.

Por um lado, portanto, deposita-se esperança na continuidade intrínseca ao ato de sobreviver; por outro lado, os sentimentos contraditórios fazem ecoar as dúvidas e incertezas quanto à capacidade de nos sentirmos nós mesmos enquanto nos mantemos vivos.

As turbulências, os eventos-limite e os acontecimentos sociais catastróficos sempre acabam por demandar ações públicas e privadas. Contudo, elas, em geral, desprezam os subprodutos de fragmentação, despersonalização, desintegração e letalidade psíquica que passam a compor a vida social e estabelecem uma relação dinâmica e complexa com a potência vitalizante, criativa e transformadora do ato de sobreviver e com as políticas públicas voltadas à manutenção do contínuo da vida social.

É no rastro de tais subprodutos e no da potência vital que se estrutura o Diagnóstico Ético-Político. Ele busca compreender o acontecimento social-limite e seus efeitos a partir de uma perspectiva dinâmica entre Eros e Thanatos, entre o potencial vital e letal dos eventos catastróficos, de modo que a ação pública ou privada não perca de vista os necessários processos de subjetivação em curso e, ainda, seja capaz de apoiá-los. Para tanto, o poder público e mesmo a iniciativa privada precisam (re)conhecer as instituições e os equipamentos sociais através dos quais poderá ofertar condições concretas para essa função. (Re)conhecer, aqui, ganha a dupla conotação de saber precisar o valor dos equipamentos e das instituições na experiência de subjetivação individual e coletiva, mas também de saber identificar as fissuras que os acontecimentos catastróficos promovem em tais instituições, e que acabam por exigir nelas reconfigurações, reestruturações e transformações profundas para que consigam realizar sua missão institucional até então rotineira bem estabelecida.

Se consideramos importante o permanente aperfeiçoamento das instituições, dos equipamentos e das políticas sociais, em acontecimentos e eventos-limite, ele deve ser radical. As instituições assumem e sustentam diariamente que sabem o que fazer e como proceder. No entanto, o Diagnóstico Ético-Político introduz a dúvida e a investigação sobre tais certezas. Isso, em geral, desagrada gestores, dirigentes e muitos atores sociais, acostumados a desempenhar seu papel rotineiro, como se a vida não demandasse permanentemente a pergunta sobre o que se passa no presente, que o distingue de experiências anteriores, e que o fará único em comparação a qualquer outra, passada ou futura.

Cabe ao Diagnóstico Ético-Político criar as condições para que a pergunta possa ser enfrentada por diferentes agentes sociais e abarcar, como já dito anteriormente, a dinâmica, a intensidade, a territorialidade dos elementos vitais e letais que tornam o acontecimento social singular: onde se encontram, em que intensidade, a quem afetam, quem os maneja, a quem interessam, como podem produzir transformações importantes e construtivas, como podem assegurar algum senso de continuidade da experiência e da história dos sujeitos.

O que é o Diagnóstico Ético-Político (DEP)?

O Diagnóstico Ético-Político é um processo de investigação que leva à aprendizagem sobre as mudanças e as permanências que têm lugar na experiência humana compartilhada, especialmente em acontecimentos sociais, sejam eles traumáticos, catastróficos ou eventos-limite. É uma estratégia de investigação que intervém no acontecimento, em sua dimensão ético-política. Ética porque acolhe o sofrimento dos sujeitos e se preocupa com a historicidade deles e de seus grupos sociais. Política porque propõe que o conhecimento advindo do processo de investigação promova ações individuais ou coletivas, políticas públicas e de gestão institucional que levem em conta tal historicidade e a necessidade de transformação permanente das ações e das instituições que almejam o desenvolvimento humano. Em outras palavras, é política porque identifica os diferentes partícipes do acontecimento social e os responsabiliza na medida de seu poder de atuação no referido acontecimento.

Quando privilegiamos a experiência, emerge a ação da transferência, seja positiva ou negativa, como reimpressões e fantasias dos desejos inconscientes projetadas na relação com o outro. No interior do campo transferencial3 3 Transferência: é um fac-símile, introduz a intersubjetividade entre o sujeito e o objeto. Para Freud, é uma teoria da falsa conexão. Envolve um saber verdadeiro que é deslocado por uma falsa atribuição. Lacan enfatiza, em Instância da Letra no Inconsciente (1957), que essa falsa conexão contém um deslocamento envolvendo combinação e substituição dos significantes na linguagem. É a transferência de um significante para outro significante, de uma significação para outra significação (GUEGUEN apud FELDESTEIN; FINK; JAANUS, 1997, p. 96). No Dicionário de Psicanálise Freud e Lacan (1997), para Lacan, a transferência não é reciprocidade em si, é esse ponto em que o inconsciente como efeito de discurso organiza o sujeito, que se constitui na vacilação entre uma alienação no Outro, aos significantes desse Outro, e uma separação que não pode se dar senão repetindo as demandas e levando em conta o desejo (DOURGEVILLE, 1997, p. 293). , e a partir da escuta não colonizadora, o DEP delimita a territorialidade do acontecimento, os agentes públicos e/ou privados que nele atuam, os atores partícipes e os discursos que ali circulam. Ao fazê-lo, promove outra dimensão da cena e torna o acontecimento social singularizável, de modo a possibilitar o acolhimento do sujeito em sofrimento.

Em se tratando de diagnosticar um sujeito humano, saber sobre ele a priori é um dos modos de dessubjetivá-lo, isto é, de torná-lo um mero objeto sobre o qual recai um suposto conhecimento, eventualmente considerado científico. O resultado é a produção de preconceitos e estigmas que cristalizam um processo dinâmico e permanente de indagação e descoberta. Contrário à cristalização, o DEP, segundo Souza (2020SOUZA, S. Diagnóstico ético-político da juventude (des)orientada? Uma condição humanizante no processo civilizatório. Curitiba: Appris, 2020.), pressupõe a investigação do sujeito do inconsciente, produto e produtor da experiência subjetiva, imerso nas condições sociopolíticas e subjetivas de sua produção discursiva.

Para quê e para quem serve?

Quando somos convocados a diagnosticar, somos convidados a dizer algo sobre algum acontecimento - e não sobre pessoas, embora elas tomem parte de todo acontecimento. O para quê refere-se, portanto, à construção do con-texto de tal acontecimento, isto é, o processo que parte de narrativas privadas de algumas vivências, muitas vezes fragmentárias, e que chega à construção de discursos compartilhados que remetem dialeticamente os fios das experiências individuais à trama complexa do acontecimento social e vice-versa. Podemos dizer, em resumo, que o DEP serve para sairmos do isolamento do texto privado (ou a história individual) para o compartilhamento do (con)texto social - ou seja, a história produzida por grupos e atores sociais, relações de poder, lutas e reivindicações - e, a partir daí, encontrarmos meios de reescrita do texto e do (con)texto. O DEP serve para apreendermos a realidade a partir de um novo vértice: o da complexa dialética entre o individual(ismo) e o social(ismo) (BION, 2014BION, W. R. Catastrophic change (1966). In: BION, W. R. The complete works of W. R. Bion. Londres: Karnac, 2014.), de modo a tornar visíveis potências criativas e transformadoras situadas justamente no “entre” - em um espaço que não se encontra nem no indivíduo, nem no social, mas na energia que se produz no movimento entre um e outro; em um espaço potencial (WINNICOTT, 1975WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.).

Interessa-nos a articulação apresentada por Freud: “o sintoma compartilhado é precursor do sintoma social que fornece a base de identificações, refere-se à construção de ideias que articulam narcisismo e sociedade, o sujeito no laço social, em todos os âmbitos da cena social” (FREUD, 1921FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego (1921). Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 18)./1987, p. 135).

A pergunta sobre para quem serve o DEP envolve o reconhecimento ético de que não somos neutros, seja como professor, psicólogo, psicanalista ou médico. Portanto, a posição que ocupamos no DEP interfere e opera efeito no acontecimento social, seja pela via do poder e ou pela construção subjetiva. O DEP pretende servir àqueles que tiveram seu poder na cena social sequestrado em razão do lugar e da função que exercem no acontecimento social e no imaginário social.

Descentrar e fazer circular o poder nessa cena social é importante, pois o (con)texto do acontecimento social é tão mais profundamente apreendido quanto mais vozes pudermos escutar. Soma-se a isso que a potência transformativa será tanto maior quanto mais diversificados os movimentos entre o texto privado e o compartilhado de sujeitos, quanto mais esferas da experiência social puderem agir na ressignificação do acontecimento social.

A construção da narrativa do acontecimento e de si é atravessada pela fantasia social que opera em um campo do imaginário social, definindo lugares concretos, produzindo discursos e criando realidades para o sujeito. Castoriadis define o conceito de imaginário social:

[…] o conjunto de significações, normas e lógicas (dinheiro, sexo, homem, mulher, criança, etc.) que determinam o lugar concreto que os indivíduos ocupam na sociedade. [...] o imaginário social envolve na própria definição sua índole de criação real e, ao mesmo tempo, de lugar de entrecruzamentos de ideais, cuja substância é tanto histórico-social como político-libidinal. Tais lugares permitem hipotetizar de que forma tais ‘realidades’ interferem no sujeito ou fenômeno em questão (1988). [...] é a partir de uma certa concepção de lei, paternidade, sexualidade e domínio que alguns são considerados ou excluídos como sujeitos humanos, e podem ter acesso à escuta, à palavra, ao gozo, à cidadania. (CASTORIADIS, 1988CASTORIADIS, C. Los dominios del hombre. Barcelona: Gedisa, 1988.apud ROSA, 2006, p. 335).

A partir de uma certa concepção, aqui considerada como coletiva e singular, e certamente atravessada por relações de poder, é que somos considerados incluídos, excluídos e/ou segregados como sujeitos humanos e podemos ter o acesso à escuta, à palavra, ao gozo e à cidadania. O DEP consiste em uma estratégia que transgride a lógica que impera no imaginário social para olhar, escutar e dar voz aos sujeitos, aos segregados e excluídos, tanto quanto aos que detêm o poder de assim nomeá-los.

Um exemplo: escola, sobrevivência na pandemia e Diagnóstico Ético-Político

A pandemia nos assolou e obrigou a abrir mão da posição onipotente e, até certo ponto, alucinatória de que sabíamos o que fazíamos, de que estávamos no total controle de nossos planos, de nossas vidas.

Particularmente para a escola, que, como instituição, está historicamente comprometida com o ensino, a fantasia de tudo saber (para poder tudo ensinar) sempre rondou corações e mentes, fazendo com que as dificuldades e o não saber fossem, frequentemente, atribuídos a sujeitos específicos - em geral, aqueles aos quais o imaginário social já se encarrega de segregar.

Porém, um vírus provocou uma reviravolta, um desafio fenomenal. A escola, preocupada em ensinar, se viu, da noite para o dia, sem saber o quê, como, para quê e por que fazê-lo. Qual a relevância de se ensinar o que havia sido planejado, em momento de tamanha convulsão? Como manter o contato com os alunos para viabilizar qualquer transmissão de conhecimento? Para que atender a exigências burocrático-administrativas? Por que encontrar formas de estar junto aos alunos, mesmo diante da provável impossibilidade de se ensinar algo? Em resumo: qual é o sentido do que vínhamos fazendo sem questionar e como lidar com o sofrimento que o acontecimento nomeado de “pandemia” desvela e exacerba? Dizemos “desvela”, pois acreditamos que muito do que se tem visto agora esteve lá desde os primórdios. Apenas as perguntas não haviam sido formuladas antes - ao menos, não como imperativos que, em verdade, são.

Como utilizar esse instrumento de intervenção psicanalítica no contexto escolar e pandêmico?

Segundo Souza (2020SOUZA, S. Diagnóstico ético-político da juventude (des)orientada? Uma condição humanizante no processo civilizatório. Curitiba: Appris, 2020., p. 126), na realização tanto na clínica stricto sensu como nas práticas coletivas, nesse caso específico, a escola, o Diagnóstico Ético-Político caracteriza-se por três tempos conceituais trabalhados por Lacan (1945/1971) e reeditados por Rosa em Metáforas da desordem (2004ROSA, D. M. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. 4. n. 2, p. 329-348, 2004.): a) o instante de ver, tempo em que se é surpreendido por alguma coisa que não se esperava; b) o tempo de compreender, no qual se constrói uma nova resposta, elaborando-se novas significações que permitam passar para; e c) o tempo de concluir, quando se pode dar conta de uma nova posição. Mesmo assim, a dimensão do Unheimlich4 4 Unheimlich - traduzido para o português como “estranho”. não se perde, fica para sempre como marca do trabalho analítico, porém não significa seu destino (ROSA, 2004ROSA, D. M. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. 4. n. 2, p. 329-348, 2004., p. 3).

Para o instante de ver, perguntas norteadoras propõem que os sujeitos se detenham em aspectos em gerais desprezados da vida da escola e das concepções que a cercam. Observação, conversas informais e entrevistas com professores, gestores, alunos, vigias, merendeiras etc. promovem a relação transferencial e colocam o profissional responsável pela realização do DEP como partícipe do acontecimento que pretende diagnosticar.

No interjogo transferencial que atravessa as diferentes esferas da instituição, algumas perguntas servem como pequenos fachos de luz na escuridão, consistem em apoio para rastrearmos o que está lá para ser apreendido. Elas não são formuladas ou utilizadas em bloco, na totalidade, nem tampouco mecanicamente e independentemente dos movimentos transferenciais, do sofrimento em jogo, das condições objetivas que se apresentam, entre outros determinantes.

Cada acontecimento social, em instituições ou situações específicas, com cada grupo de pessoas que estabelecem uma rede transferencial singular, tanto entre si quanto com o responsável pelo DEP, desencadeia um fluxo ímpar no instante de ver. Daí a relevância de um olhar e uma escuta ampla e profunda sobre as diferentes camadas da realidade: para que aquilo que se apresenta, mas que ainda não pode ser significado, encontre espaços de significação coletiva.

No que diz respeito à educação, podemos citar alguns eixos de observação. Quais são os princípios epistemológicos norteadores da educação? Quem promove a educação e quem por ela se responsabiliza? Qual é a linha ou a teoria que inspira o ensino?

Já em relação à escola, o que a caracteriza? Do ponto de vista físico e territorial (localização, entorno, clientela, turnos de funcionamento, organização das dependências, número de alunos/classe); do ponto de vista de sua história institucional (quando foi construída, para atender a que interesses ou reivindicações, história do nome da unidade); como a cultura e a identidade da escola são produzidas, partilhadas, transformadas.

No que diz respeito aos partícipes, como se sentem equipe técnica, funcionários, professores e alunos naquele ambiente e na relação com o responsável pela realização do DEP (acolhidos, reconhecidos, pertencentes, desconfiados, excluídos, incluídos e/ou segregados)?

Em relação aos alunos, é preciso observar se a escola atende a estes aspectos descritos por Villela e Archangelo (2013VILLELA, F.C.; ARCHANGELO, A. Fundamentos da escola significativa. 4. ed.São Paulo: Loyola, 2013., p. 40) e de que modo os desenvolve como “um espaço de significações para o aluno; possibilita constituir sentidos marcantes e abrangentes nas experiências e nas atividades; acolhe, reconhece e promove o sentimento de pertencimento aos alunos; constitui habilidades e competências nos alunos; facilita o processo de transformação do aluno, sua inserção criativa no mundo da cultura e na vida profissional; promove o desenvolvimento intelectual, emocional e estético?” Também é central investigar, conforme Archangelo (2021)ARCHANGELO, A.; VILLELA, F. C. Escola e comunidade. In: BITTENCOURT, A. B. et al. Estudo, pensamento e criação, v. 3. Campinas: FE/UNICAMP, 2007., se a escola promove o brincar e a livre circulação do universo simbólico dos alunos e como o faz; e se ajuda os alunos a construírem memórias e narrativas próprias e de que forma o faz.

Quanto à organização interna do trabalho (equipe técnica, funcionários, professores e alunos), é relevante observar se há formação continuada, política de atualização (cursos de especialização, mestrado, doutorado), produção própria de materiais pedagógicos. Também vale buscar reconhecer qual ou quais teorias inspiram a prática pedagógica, o critério de distribuição dos alunos por sala, os recursos humanos e materiais de que os profissionais dispõem para realizar o trabalho.

Sobre o ensino, o professor e o aluno, percebe-se ou não uma relação significativa entre eles? Como manejam as atitudes, os comportamentos, a disciplina: valem-se dos princípios do enquadre, que varia com a necessidade, o momento do grupo e a tarefa ou estabelecem normas a priori? (VILLELA; ARCHANGELO, 2013VILLELA, F.C.; ARCHANGELO, A. Fundamentos da escola significativa. 4. ed.São Paulo: Loyola, 2013.). Como se apresentam e são manejados os mecanismos de defesa (projeção, negação, formação reativa, racionalização etc.) na relação entre aluno, professor e conhecimento? O sofrimento psíquico encontra espaço de elaboração na relação entre as dificuldades, os desencontros, os problemas extraclasse?

E, por fim, mas não menos importante, qual é a natureza da relação entre a escola, a família e a comunidade mais ampla? Trata-se de relação amistosa ou tensa? Percebe-se alguma disputa entre a autoridade familiar e a escolar? Percebe-se alguma tentativa de sedução de parte a parte? Ou alguma dinâmica em que a hierarquização entre as duas instituições se faz notar? (VILLELA; ARCHANGELO, 2016VILLELA, F.; ARCHANGELO, A. A escola significativa e a família do aluno. São Paulo: Loyola, 2016.). Pode-se dizer que a escola “vai à comunidade”, ou seja, toma a iniciativa, vai, ativa e sistematicamente, ao encontro da população, dos equipamentos sociais do entorno, dos líderes comunitários? (ARCHANGELO; VILLELA, 2007ARCHANGELO, A. Sobrevivência em tempos de pandemia ou de como seguir viagem. Linha Mestra, Campinas, n. 41A, p. 5-11, 2020. Disponível em:https//doi.org./10.34112/1980-9026A2020N41AP5-11.
https://doi.org/10.34112/1980-9026A2020N...
).

No tempo de compreender, delineamos e analisamos o acontecimento social a partir do que nos surpreende no instante de ver. Como já abordado, ele pode ou não ser catastrófico, traumático e/ou um evento-limite, mas necessariamente compõe uma cena em que haja turbulência emocional e algum grau de perda de senso de continuidade de si mesmo entre os sujeitos. Aqui, especificamente, por estarmos falando da pandemia e de seus efeitos na escola, vamos trabalhar com o acontecimento traumático. Segundo Souza (2020SOUZA, S. Diagnóstico ético-político da juventude (des)orientada? Uma condição humanizante no processo civilizatório. Curitiba: Appris, 2020., p. 128), para Freud, a noção de acontecimento traumático delineia-se ao provocar um distúrbio em grande escala no funcionamento da energia do organismo e ao colocar em movimento todas as medidas defensivas possíveis.

Portanto, no tempo de compreender, identificamos as posições e a função dos partícipes do acontecimento, reconhecemos os discursos dominantes que o nomeiam, colocamos tais discursos em perspectiva, confrontamos diferentes vozes, encontramos nos apagamentos e nos lapsos o sofrimento, as forças destrutivas e a potência criativa que, embora silenciados, estão presentes.

Na análise da experiência, se podemos jogar, podemos analisar e, desse modo, faz-se necessário identificar o jogo e os jogadores: o acontecimento, os partícipes da cena social e o contexto da experiência. A teoria psicanalítica nos oferta para análise a interpretação, mas aqui, como bem disse Dunker, “a estrutura da interpretação é homóloga à do chiste” (DUNKER, 2021DUNKER, C. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. 2. ed. São Paulo: Planeta, 2021., p. 244); portanto, são mais interessantes o dito espirituoso, o cômico, o humor, que nos possibilitam criar um laço de afinidade entre os envolvidos, e, desse modo, as funções da linguagem nos permitirão os giros discursivos e a criação de outras cenas. Para Souza, a análise do Diagnóstico Ético-Político, fundamentou-se

[...] na utilização dos termos matemáticos da teoria dos conjuntos, para pensar a estrutura do acontecimento. Pressupomos que a sociedade é constituída por n conjuntos, sendo o acontecimento social uma composição dos conjuntos que, por jogos combinatórios, se entrelaçam e se afetam pelos sentidos discursivos. (SOUZA, 2020SOUZA, S. Diagnóstico ético-político da juventude (des)orientada? Uma condição humanizante no processo civilizatório. Curitiba: Appris, 2020., p. 133-134).

No tempo-espaço da pandemia, muitos foram os acontecimentos sociais da prática educativa que se apresentaram turbulentos, catastróficos e traumáticos. A passagem inesperada do ensino presencial para o remoto, por exemplo, colocou os professores diante de uma tecnologia não dominada por eles. Como afirma Archangelo (2011ARCHANGELO, A. O amor e o ódio na vida do professor - passado e presente na busca de elos perdidos. 2. ed.São Paulo: Cortez, 2011.), de provedores, passaram a se sentir desprovidos. O novo normal, que impôs a agudização da desigualdade no acesso dos alunos às aulas, a preocupação com o vínculo desses com a escola, a repentina submissão às plataformas e aos conteúdos de ensino oficiais, os problemas de conexão, lançou o professor, seus alunos e a gestão em uma experiência de perda de si mesmos e de uma escola até então familiar, conhecida. Junto com o novo normal da escola, instituiu-se um novo normal doméstico, de convívio intensivo, muitas vezes tumultuado e excessivo. Muitas foram as tentativas de suicídio, as automutilações. Houve aumento da violência em geral. Então, como compreender a escola, a educação e seu papel em um momento de tantas rupturas? Como formular, a partir de tal compreensão, novas proposições, isto é, novas ações, mas sem perder por completo o lastro que mantém a identidade da instituição educativa, dos sujeitos que a constituem e de sua original razão de ser?

É no tempo de concluir que os sujeitos lidam criativa e construtivamente com o que os invadiu e se apresentou como um novo normal. Ao fazer isso, constituem um discurso alternativo, reivindicam das esferas competentes o que lhes é mandatório, responsabilizam-se por ocupar uma nova posição e por recompor os laços entre eles, sua história com a escola e com seus anseios. Em outras palavras, o DEP proporciona que os sujeitos e a instituição se (re)situem em uma outra cena, configurando uma dimensão ético-política do sofrimento, da sobrevivência e da transformação (SOUZA, 2020SOUZA, S. Diagnóstico ético-político da juventude (des)orientada? Uma condição humanizante no processo civilizatório. Curitiba: Appris, 2020., p. 130).

Para demonstrar o que o DEP nos proporcionou no ano de 2021, escolhemos um fragmento, dentre diversas experiências que vivemos com cinco professores em uma escola pública de Campinas, no estado de São Paulo. Encontramo-nos virtualmente, a cada quinze dias, por um período de nove meses, e criamos um espaço significativo para falar sobre os acontecimentos escolares traumáticos ou os eventos-limite, as catástrofes, em um tempo-espaço pandêmico. Ao longo dos encontros, vivemos os tempos de ver, de compreender e, finalmente, de concluir. Os trechos narrados aqui falam desse último.

Os nomes adotados dos partícipes serão fictícios para garantir o sigilo dos sujeitos. Deste acontecimento social, participaram a pesquisadora Sofia, três professoras - Denise, Aline e Samanta - e a aluna da primeira série do ensino fundamental I, Maria Vitória. Ao abrir esse encontro, a pesquisadora retoma a pergunta lançada ao grupo no primeiro encontro: “O que vocês reconhecem como um acontecimento traumático escolar ou um evento-limite num tempo-espaço pandêmico?”. Diante da pergunta, a professora Denise reage com outra indagação: “Humm... Não tem nada de bom aí?”.

A potência do olhar e da escuta da professora Denise é surpreendente. Tão logo a pesquisadora Sofia circunscreve o campo do acontecimento traumático, Denise indica que deve existir uma dialética entre o “baque” e a “queda” do acontecimento e a potência que se pode extrair delas.

Todos riem. A pesquisadora Sofia comenta que, sim, pode-se falar também de experiências boas e ótimas.

Então, a professora Denise toma a palavra:

Não, não, não, teve sim. Teve sim. Nossa, eu acho que traumático, você falou e eu fiquei pensando: o que eu não falei no primeiro encontro? [risos]. Ai... ai, eu acho que traumático desse período foi procurar a criança e não encontrar; tentar falar com a família, ou ver que a família queria muito que a criança participasse dos momentos, principalmente do Meet, da nossa interação, de realização de atividades, e os pais se abrirem com você, se exporem, que não é fácil, né? Gera muito constrangimento. Eu ficava constrangida de, às vezes, ai, não querer nem, ai, não queria ouvir, né?, porque não sabia como responder isso à altura. Então, eu acho que traumático foi ver o que a gente sabe, que a gente tá num país super desigual, e a pandemia aflorou muito mais ainda as diferenças, né?, de ver muitas vezes também que eu tava num ambiente confortável e as crianças tavam no meio de um caos, tentando se comunicar, eu acho que esse foi um traumático pra mim.

Para a professora Denise, o acontecimento traumático escolar foi a ausência do encontro com as crianças e a intensificação da percepção da desigualdade social em que vivemos. Na nossa realidade brasileira, nem todas as famílias têm a possibilidade de ofertar para os seus filhos recursos tecnológicos para acompanhar as aulas pelo Meet ou pela plataforma, dentre outros.

Depois disso, a professora Aline continua:

Ai, traumático pra mim foi a forma como a gente voltou, assim, esse distanciamento, que não pode abraçar, não pode beijar, e as crianças queriam fazer carinho. Isso pra mim foi, sabe, um baque. E aí tudo que você faz, toca, álcool em gel, foi uma coisa assim, sabe assim, isso, essa forma como a gente voltou, assim foi, pra mim foi traumático assim, eu demorei sabe, porque não é o ambiente escolar que eu tô, que não só eu, né?, mas as colegas, que nós não estamos acostumadas, né?, a gente, eu tô mais acostumada assim, o calor, e ter eles, e abraçar, dividir com eles, o pedagógico também eu gosto muito de fazer jogo, jogo com dado, e dividir dado, e dividir material, e não pode, ai gente...

Como se pode perceber, para a professora Aline, foram traumáticos o distanciamento do contato físico no retorno às aulas, o excesso de higienização e a impossibilidade de desenvolver algumas técnicas pedagógicas. Na construção de sua narrativa, pode-se perceber as interrupções, a busca por palavras, suas hesitações, como se ela tentasse encontrar formas de voltar a ser ela mesma, após não se reconhecer naquela experiência (“porque não é o ambiente escolar que eu tô... que nós não estamos acostumadas...”).

A professora Samanta expressa como o “baque”, a ruptura provocada pelo acontecimento social, a afetou profundamente logo de início. Nas palavras dela: “Eu tava pensando, eu acho que o que as meninas colocaram é pertinente, né?, mas o que mais me marcou eu acho que foi o início do ano, inclusive, assim, bem no começo. Me marcou tanto, me deixou tão ruim que me fez voltar pra terapia, eu voltei pra análise, tudo por conta disso”.

Em seguida às ponderações de Aline, Samanta nos mostra como o sujeito tenta, diante do acontecimento social traumático, buscar referências anteriores para balizar os pensamentos, sentimentos e ações, mas sem sucesso. Ela faz isso procurando traçar um comparativo entre a pandemia de Covid-19 e a epidemia de H1N1, vivida alguns anos antes.

Eu tava desesperançosa assim, é, porque eu tinha uma expectativa no final do ano passado de que esse ano teria sido um ano diferente, né?, a pandemia que eu tinha vivido tinha sido aquela da H1N1, que nós tínhamos ficado um tempo fora da escola. Mas lá, vacinou todo mundo, voltou todo mundo. Então, a minha vivência pandêmica, e eu acho que, né?, a de grande parte de quem tá aqui, era essa né?, foi essa. E aí, quando eu entendi que as coisas iam ficar muito diferentes e muito difíceis, né?, que não seria assim: tomou a vacina, voltou pra vida e vida que segue, isso me, me baqueou, né?, me deu uma, uma baqueada muito grande. E aí assim, me desesperançou, eu caí, eu precisei de ajuda.

A falta de esperança ligada à expectativa do retorno da normalidade assolou narcisicamente a professora Samanta. Em um primeiro momento, ela já conhecia uma vivência pandêmica, mas não a da Covid-19. Esta exige que abdiquemos da posição de saber e que estejamos abertos a novas aprendizagens.

Cabe aqui salientarmos as diferentes vozes que falam a partir de diferentes lugares, de processos de subjetivação próprios. Contudo, as manifestações individuais sobre o acontecimento social falam, em seu conjunto, da complexidade vivida por todas. Uma pode ser considerada porta-voz da experiência própria e coletiva e, embora manifestada por uma e não por outra, todas assentiram com a fala de todas. Perda de continuidade, perda de senso de si mesma, tomada de consciência de mazelas sociais, desesperança, desejo de que algo positivo reste disso tudo, potência para seguir e redescobrir caminhos são experiências que atravessam o eu de cada uma das professoras. Elas sintetizam o paradoxal confronto entre a pergunta da pesquisadora “O que houve de traumático?” e a resposta de Denise “Não dá pra encontrar algo bom?”.

A professora Samanta assim se expressa:

[...] Mas eu acho que foi assim, ao mesmo tempo foi um ganho, porque o retorno à terapia, né?, à análise, e esse sentimento de desesperança também me moveram, né?, me moveram a buscar coisas novas; e hoje, né?, o meu sentimento é de esperança. Então, eu vejo que, como disse a Denise, não tem nada bom? Eu acho que tem, sim, porque eu comecei realmente muito mal.

A professora Samanta, assim como a professora Denise, reafirma a dialética de ganhar ou perder na vida. A análise passa a ser de interesse, porque ela sentiu ter perdido a esperança. Aqui se apresenta uma formulação intrigante. Será que o excesso de esperança impede o acontecer analítico? Analogamente, podemos formular a mesma questão em relação ao acontecer pedagógico? Se sim, precisamos ter a coragem da (des)esperança para nos descobrir a cada acontecimento.

Com o passar do tempo, a pandemia se tornou um discurso sobre o trauma e o traumático. O trauma de não encontrar com as crianças e o traumático de não retornar para escola. Como bem disse Freire, “precisamos nos esperançar e não ter esperança” (FREIRE apudAILPCSH, 2020)AILPCSH. Centenário Paulo Freire: esperançar é preciso. [on-line]. Coimbra: Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, 2021. Disponível em: Disponível em: http://www.ailpcsh.org/2021/02/12/centenariopaulofreire_esperancar . Acesso em: 02 fev. 2022.
http://www.ailpcsh.org/2021/02/12/centen...
que a vida retornará. Ela é um continuum, com H1N1 ou Covid-19...

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para concluir, estamos perdidos, mas não está tudo perdido, agora é a hora de transformar a escola. Se, por um lado, não sabemos sobre a verdade, isso também pode nos levar a construir uma nova posição. Sobreviver ao desassossego do inusitado, desbussolados, sem noção sobre em que tempo-espaço estamos (na pandemia ou pós-pandemia?), tem sido o novo normal. Até o momento, não temos sequer uma norma.

O que nos habita? O que somos e o que fazemos? Semblante e/ou rebotalho? Seja como for, se sobrevivermos a mais essa, contaremos esse momento histórico do acontecimento social traumático da pandemia para os nossos descendentes. Ou será que silenciaremos?

No tempo de concluir, as três proposições construídas indicam que, para garantir a sustentação da Lei em uma situação pandêmica como essa que estamos vivendo, deveríamos escutar os professores, alunos e os funcionários e re(conhecer) o potencial vitalizante e singularizante, pois inúmeros subterfúgios utilizados tornar-se-iam estratégias ético-políticas que poderiam operar o novo normal.

Ainda não sabemos. No aqui e agora desse momento específico, resta-nos propor um instrumento como o DEP, sensível ao sofrimento e à sua dimensão ética e política, capaz de amparar discursivamente os sujeitos e operar uma potência transformativa.

REFERÊNCIAS

  • AILPCSH. Centenário Paulo Freire: esperançar é preciso. [on-line]. Coimbra: Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, 2021. Disponível em: Disponível em: http://www.ailpcsh.org/2021/02/12/centenariopaulofreire_esperancar Acesso em: 02 fev. 2022.
    » http://www.ailpcsh.org/2021/02/12/centenariopaulofreire_esperancar
  • ARCHANGELO, A. Capacidade para não aprender: manejo e contribuições da psicanálise ao cotidiano escolar. São Paulo: Zagodoni, 2021.
  • ARCHANGELO, A. O amor e o ódio na vida do professor - passado e presente na busca de elos perdidos. 2. ed.São Paulo: Cortez, 2011.
  • ARCHANGELO, A. Sobrevivência em tempos de pandemia ou de como seguir viagem. Linha Mestra, Campinas, n. 41A, p. 5-11, 2020. Disponível em:https//doi.org./10.34112/1980-9026A2020N41AP5-11.
    » https://doi.org/10.34112/1980-9026A2020N41AP5-11
  • ARCHANGELO, A.; VILLELA, F. C. Escola e comunidade. In: BITTENCOURT, A. B. et al Estudo, pensamento e criação, v. 3. Campinas: FE/UNICAMP, 2007.
  • BION, W. R. Attention and interpretation: a scientific approach to insight on psychoanalysis and groups (1970). In: BION, W. R. The Complete Works of W. R. Bion, v. VI. Londres: Karnac, 2014.
  • BION, W. R. Catastrophic change (1966). In: BION, W. R. The complete works of W. R. Bion Londres: Karnac, 2014.
  • BION, W. R. Turbulência emocional. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 21, n. 1, p. 121-133, 2007.
  • CASTORIADIS, C. Los dominios del hombre Barcelona: Gedisa, 1988.
  • CHAVES, W. C. Considerações a respeito do conceito de real em Lacan. Psicologia em Estudo, v. 14, n. 1, p. 41-46, 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/j/pe/a/X5hgYmKhNJwGfnbbV5BB7Hj Acesso em:02 fev. 2022.
    » http://www.scielo.br/j/pe/a/X5hgYmKhNJwGfnbbV5BB7Hj
  • DOURGEVILLE, C. Dicionário de Psicanálise Freud e Lacan, v. 1. Salvador: Ágalma, 1997.
  • DUNKER, C. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. 2. ed. São Paulo: Planeta, 2021.
  • FELDSTEIN, R.; FINK, B.; JAANUS, M. (orgs.). Para ler o Seminário 11: os quatro conceitos fundamentais de psicanálise Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
  • FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego (1921). Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 18).
  • LACAN, J. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: LACAN, J. Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
  • LACAN, J. O simbólico, o imaginário e o real (1953). In: LACAN, J. Nomes-do-Pai Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
  • ROSA, D. M. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. 4. n. 2, p. 329-348, 2004.
  • RUDGE, A. M. Traumas. In: ROSA, D. M. Gozo e política na psicanálise: a toxicomania como emblemática dos impasses do sujeito contemporâneo. Anais do VIICongresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental e I Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental. 2006.
  • SLAVOJ, Z. Acontecimento: uma viagem filosófica através de um conceito. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
  • SOUZA, S. Diagnóstico ético-político da juventude (des)orientada? Uma condição humanizante no processo civilizatório. Curitiba: Appris, 2020.
  • VILLELA, F.; ARCHANGELO, A. A escola significativa e a família do aluno São Paulo: Loyola, 2016.
  • VILLELA, F.C.; ARCHANGELO, A. Fundamentos da escola significativa 4. ed.São Paulo: Loyola, 2013.
  • WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade Rio de Janeiro: Imago, 1975.
  • 1
    O acontecimento, segundo Zizek (2017, p. 50), “é a própria queda, a perda de uma unidade e uma harmonia primordial que nunca existiram, que são apenas uma ilusão retroativa”.
  • 2
    O Real aqui é utilizado na acepção lacaniana, segundo a qual a “realidade humana” se encontra alicerçada em três registros: o simbólico, o imaginário e o real. O real é o que escapa à simbolização. O simbólico diz da dimensão de valores inscritos em uma dada cultura; e o imaginário torna possíveis as relações interpessoais na realidade cotidiana, mesmo diante da impossibilidade de tudo simbolizar ou de apreensão completa do real (LACAN, 1953LACAN, J. O simbólico, o imaginário e o real (1953). In: LACAN, J. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.). O real se distingue da realidade e é um efeito do Simbólico (CHAVES, 2008CHAVES, W. C. Considerações a respeito do conceito de real em Lacan. Psicologia em Estudo, v. 14, n. 1, p. 41-46, 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/j/pe/a/X5hgYmKhNJwGfnbbV5BB7Hj . Acesso em:02 fev. 2022.
    http://www.scielo.br/j/pe/a/X5hgYmKhNJwG...
    , p. 44).
  • 3
    Transferência: é um fac-símile, introduz a intersubjetividade entre o sujeito e o objeto. Para Freud, é uma teoria da falsa conexão. Envolve um saber verdadeiro que é deslocado por uma falsa atribuição. Lacan enfatiza, em Instância da Letra no Inconsciente (1957), que essa falsa conexão contém um deslocamento envolvendo combinação e substituição dos significantes na linguagem. É a transferência de um significante para outro significante, de uma significação para outra significação (GUEGUEN apud FELDESTEIN; FINK; JAANUS, 1997, p. 96). No Dicionário de Psicanálise Freud e Lacan (1997), para Lacan, a transferência não é reciprocidade em si, é esse ponto em que o inconsciente como efeito de discurso organiza o sujeito, que se constitui na vacilação entre uma alienação no Outro, aos significantes desse Outro, e uma separação que não pode se dar senão repetindo as demandas e levando em conta o desejo (DOURGEVILLE, 1997DOURGEVILLE, C. Dicionário de Psicanálise Freud e Lacan, v. 1. Salvador: Ágalma, 1997., p. 293).
  • 4
    Unheimlich - traduzido para o português como “estranho”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2022
  • Aceito
    07 Mar 2023
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistaagoraufrj@gmail.com