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Análise da expansão de oferta e demanda dos cursos de Fonoaudiologia no Brasil entre os anos 1994 e 2014

RESUMO

Objetivo:

analisar a oferta de cursos, vagas, número de ingressantes e concluintes em Fonoaudiologia no Brasil entre 1994 e 2014, bem como o número de candidatos por vaga e a relação de concluintes por milhão de habitantes.

Métodos:

busca na plataforma do Sistema de Indicadores das Graduações em Saúde para obtenção do número de cursos, vagas, ingressantes e concluintes. A partir destes dados foram calculadas a relação de candidatos por vaga e de concluintes por milhão de habitantes, considerando os censos demográficos. Os dados foram analisados de acordo com a região do Brasil e a natureza jurídica da instituição.

Resultados:

o número de cursos, vagas, ingressantes e concluintes foi maior na região Sudeste e nas instituições privadas em toda série histórica. Desde 2008, observa-se um decréscimo do número de cursos e vagas no Sudeste e aumento progressivo no Nordeste e no Sul do país. O Nordeste apresentou a maior relação de candidatos por vagas na série histórica. Houve aumento do número de concluintes por milhão de habitantes na primeira década analisada seguido por decaimento.

Conclusão:

observa-se desigualdade regional na distribuição dos cursos de Fonoaudiologia no Brasil, maior participação do setor privado e crescimento progressivo do setor público.

Descritores:
Fonoaudiologia; Universidades; Saúde Pública

ABSTRACT

Objective:

to analyze the offer of courses, vacancies, number of first year and final year students in Speech-Language Pathology/Audiology in Brazil between 1994 and 2014, as well as the number of applicants per vacancy and the ratio of final year students to million inhabitants.

Methods:

search on the platform of the Sistema de Indicadores das Graduações em Saúde (SIGRAS - Health Under-graduation Indicator System) to obtain the number of courses, vacancies and first and final year students. From these data, the ratios of applicants to vacancy and of final-year students to million inhabitants were calculated, considering the demographic census. The data were analyzed according to the region of Brazil and to the legal nature of the institution.

Results:

the number of courses, vacancies, first and final year students was higher in the Southeast region and in private institutions in all historical series. Since 2008, there has been a decrease in the number of courses and vacancies in the Southeast and a progressive increase in the Northeast and in the South of the country. The Northeast presented the largest ratio of applicants to vacancy in the historical series. There was an increase in the number of final year students per million inhabitants in the first decade analyzed, followed by a decrease.

Conclusion:

regional inequality in the distribution of Speech-Language Pathology/Audiology courses in Brazil, greater participation of the private sector and a progressive increase of the public sector are verified.

Keywords:
Speech, Language and Hearing Sciences; Universities; Public Health

Introdução

O registro da história da Fonoaudiologia no Brasil aponta para uma forte influência das instituições educacionais no surgimento da profissão11. Aarão PCL, Pereira FCB, Seixas KL, Silva HG, Campos FR, Tavares APN et al. Speech therapy history: a report on some brazilian states. Rev Med Minas Gerais. 2011;21(2):238-44.. Os precursores da Fonoaudiologia foram educadores com formação para atuarem como “especialistas de erros da palavra” ou “logopedistas”22. Haddad AA, Pierantoni CR, Ristoff D, Xavier IM, Giolo J, Silva LB. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira: Brasília; 2006.. Os primeiros cursos de “Logopedia” foram criados no início da década de 196011. Aarão PCL, Pereira FCB, Seixas KL, Silva HG, Campos FR, Tavares APN et al. Speech therapy history: a report on some brazilian states. Rev Med Minas Gerais. 2011;21(2):238-44. e estavam voltados para formação de tecnólogos em Fonoaudiologia. O primeiro currículo mínimo fixando as disciplinas e a carga horária destes cursos foi regulamentado pela Resolução n° 54/76 do Conselho Federal de Educação22. Haddad AA, Pierantoni CR, Ristoff D, Xavier IM, Giolo J, Silva LB. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira: Brasília; 2006..

Durante a década de 70 e início da década de 80, os cursos de Fonoaudiologia no Brasil tinham duração de dois a três anos, carga horária de aproximadamente 1.800 horas/aula e formavam tecnólogos22. Haddad AA, Pierantoni CR, Ristoff D, Xavier IM, Giolo J, Silva LB. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira: Brasília; 2006.. Depois de regulamentada a profissão, pela lei n° 6.965, em 198133. Brasil. Lei 6.965 de 09/12/1981. Brasília (DF); 1981., o Conselho Federal de Educação transformou todos os cursos de formação de tecnólogos em cursos de graduação plena em Fonoaudiologia por meio da resolução n° 06/83. Desde então, as áreas e locais de atuação do fonoaudiólogo crescem cada vez mais, bem como o número de profissionais, que atingiu 40.818 registrados nos conselhos regionais de Fonoaudiologia em maio de 201744. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Número de fonoaudiólogos no Brasil por Conselho Regional. Brasília (DF); 2015b. Disponível em: http://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/index.php/numero-por-regiao/ acessado em 29/01/2016.
http://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/in...
. A distribuição desses profissionais em território nacional é bastante desigual. A maior concentração encontra-se no estado de São Paulo, que abriga aproximadamente 30% dos profissionais44. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Número de fonoaudiólogos no Brasil por Conselho Regional. Brasília (DF); 2015b. Disponível em: http://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/index.php/numero-por-regiao/ acessado em 29/01/2016.
http://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/in...
.

Com o objetivo de contribuir para o planejamento e implementação das políticas de formação e inserção profissional no campo da saúde, em 2006, foi publicado um documento com a trajetória dos cursos de graduação na área da saúde, incluindo a Fonoaudiologia, no período de 1991-200422. Haddad AA, Pierantoni CR, Ristoff D, Xavier IM, Giolo J, Silva LB. A trajetória dos cursos de graduação na área da saúde: 1991-2004. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira: Brasília; 2006.. O documento mostra que houve um aumento do número de cursos no período analisado, sendo a maior concentração de cursos na região Sudeste. Houve crescimento moderado da região Sul e o maior crescimento ocorreu na região Nordeste. O número de cursos oferecidos nas diversas regiões do país mostrou-se compatível com a concentração populacional encontrada em cada área. As instituições privadas ampliaram a oferta de cursos e vagas de maneira mais agressiva que as públicas, sendo que houve redução da participação das instituições públicas na oferta de vagas no período analisado. O documento também mostrou ociosidade de ocupação das vagas apenas no sistema privado e alta taxa de evasão dos estudantes.

Outra pesquisa apontou, no Brasil, uma expansão do número de vagas com decréscimo da oferta em IES privadas a partir de 2008, a qual foi explicada pela possível falta de atratividade do mercado de trabalho e pela dificuldade de plena inserção do profissional no Sistema Único de Saúde55. Crestani AH, Souza APR, Plaza E, Fedosse E, Vendrúsculo JF, Costa VBR. Graduation in speech therapy and audiology: considerations about the reality in Brazil and Chile. Distúrb. Comum. 2014;26(3):428-38.. A trajetória da profissão aponta para uma estruturação dos cursos de graduação em Fonoaudiologia determinada por necessidades e possibilidades do mercado de trabalho e por interesses políticos, econômicos e sociais66. Bacha SMCB, Osório AMN. Fonoaudiologia e educação: uma revisão da prática histórica. Rev. CEFAC. 2004;6(2):215-21.. As pesquisas sobre o tema55. Crestani AH, Souza APR, Plaza E, Fedosse E, Vendrúsculo JF, Costa VBR. Graduation in speech therapy and audiology: considerations about the reality in Brazil and Chile. Distúrb. Comum. 2014;26(3):428-38.,66. Bacha SMCB, Osório AMN. Fonoaudiologia e educação: uma revisão da prática histórica. Rev. CEFAC. 2004;6(2):215-21. enfatizam a necessidade de realização de novos estudos históricos que incitem discussões que contribuam para o planejamento e implementação de políticas de formação profissional.

O cenário desde 2004 até os dias atuais mudou muito e há pouca informação disponível na literatura para consulta pelos profissionais. Com esta pesquisa, pretende-se disponibilizar uma análise sobre a expansão dos cursos de graduação acessível aos profissionais. Considera-se importante que o profissional da Fonoaudiologia conheça e entenda a trajetória e tendências da sua profissão para que reflita sobre os desafios e perspectivas da sua área e para que seja realizado o planejamento e a implementação de políticas de formação do ensino superior em Fonoaudiologia. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi analisar a expansão de cursos e vagas em Fonoaudiologia no Brasil, bem como o número de ingressantes, concluintes, a relação de candidatos por vaga e de concluintes por milhão de habitantes no período de 1994 a 2014, comparando os números obtidos a partir de suas regiões geográficas e a natureza jurídica das instituições.

Métodos

Esta pesquisa, por envolver apenas dados cujas fontes são de acesso público, não foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa. Trata-se de um estudo do tipo descritivo de cunho documental, que buscou descrever a expansão dos cursos de Fonoaudiologia no Brasil por meio das frequências absolutas e relativas das variáveis por região do Brasil e por natureza jurídica da IES. Para tanto, foram utilizados dados secundários provenientes da plataforma SIGRAS (Sistema de Indicadores das Graduações em Saúde - http://www.neonet.com.br/sigras_new_mapa/home.php) relacionados à oferta de cursos de Fonoaudiologia no Brasil.

Foram incluídos dados referentes ao número de cursos, vagas, ingressantes e concluintes no período de 1994 a 2014. A plataforma, até a data de submissão do presente trabalho, não apresentava dados posteriores a 2014. A relação de candidato por vagas foi obtida pela divisão do número de inscrições pelo número de vagas. Tais dados foram armazenados em tabelas no programa Microsoft Excel® e analisados separadamente de acordo com as regiões do Brasil (Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul) e com a natureza jurídica da Instituição de Ensino Superior (IES) (pública e privada). Consideram-se públicas as IES criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público, podendo ser federais, estaduais ou municipais. As privadas são as IES mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Foi calculada a relação dos concluintes de cursos de Fonoaudiologia para cada milhão de habitantes por região do Brasil, com base nos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010, fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sendo assim, constituíram as variáveis do estudo: o número de cursos, vagas, ingressantes, concluintes, candidatos por vaga, concluintes por milhão de habitantes, regiões do Brasil e natureza jurídica da IES.

Resultados

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos cursos de Fonoaudiologia, número de vagas e candidatos por vaga por região do Brasil. Observa-se que há uma concentração de cursos na região Sudeste. Porém, a partir de 2014, observa-se um decréscimo do número de cursos nesta região. O Nordeste teve o maior crescimento do número de cursos. As regiões com menor concentração de cursos são Norte e Centro-oeste. Com relação às vagas, há uma maior oferta no Sudeste do que nas demais regiões. O menor número encontra-se na região Norte. Sobre o número de candidatos por vaga, observa-se maior disputa na região Nordeste.

Tabela 1:
Número de cursos, vagas e candidatos por vaga em Fonoaudiologia por região do Brasil ano a ano

No que diz respeito ao número de ingressantes em cursos de Fonoaudiologia nas diferentes regiões do Brasil, observa-se que este número é sempre menor que o número de vagas oferecidas e que o número de concluintes é menor que o de ingressantes (Tabela 2).

Tabela 2:
Número de ingressantes e concluintes em Fonoaudiologia por região do Brasil ano a ano

Com relação à natureza jurídica das instituições que oferecem o curso, observa-se um número muito maior de cursos em IES privadas do que em públicas, como pode ser observado na Tabela 3.

Tabela 3:
Número de cursos de Fonoaudiologia, de vagas, de candidatos por vaga, de ingressantes e concluintes por natureza jurídica da instituição ano a ano

Nas instituições privadas, o número de cursos atingiu o pico em 2007. Desde então a oferta de cursos em instituições particulares foi diminuindo. Já o número de cursos em instituições públicas vem crescendo nesse período, com exceção das instituições municipais, uma vez que a última a ofertar o curso de Fonoaudiologia cessou essa oferta em 1999.

A distribuição das vagas de acordo com a natureza jurídica da instituição revela que, na primeira década analisada (1994-2004), houve um intenso crescimento na esfera privada e um menor crescimento das vagas em instituições públicas. Na segunda década analisada (2004-2014), houve maior crescimento da oferta de vagas nas instituições públicas em comparação ao período anterior. A maior entrada de estudantes no curso aconteceu nas instituições privadas no período analisado. Sobre a relação de candidatos por vaga, a concorrência é maior nas instituições públicas do que nas privadas.

A Tabela 4 apresenta a relação dos concluintes de cursos de Fonoaudiologia para cada milhão de habitantes por região do Brasil com base nos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010. No geral, houve um aumento de 57,6% do número de concluintes por milhão de habitantes na primeira década analisada, seguido por um decaimento de 18,28% na segunda década analisada. A relação de concluintes por habitantes é maior no Sudeste.

Tabela 4:
Relação dos concluintes de cursos de Fonoaudiologia por habitantes por região do Brasil nos anos de 1991, 2000 e 2010

Discussão

O número de cursos de Fonoaudiologia no país é maior na região Sudeste, possivelmente explicado pelo desenvolvimento econômico e grande concentração populacional, sendo que os primeiros cursos de Fonoaudiologia do Brasil surgiram nessa região11. Aarão PCL, Pereira FCB, Seixas KL, Silva HG, Campos FR, Tavares APN et al. Speech therapy history: a report on some brazilian states. Rev Med Minas Gerais. 2011;21(2):238-44.. A região Sudeste concentrava, em 1994, 70% dos cursos, diminuindo para 37,8% em 2014, porém, este número ainda é discrepante das demais regiões, corroborando o desequilíbrio regional das oportunidades de formação profissional na área da saúde e indicando a necessidade de políticas de incentivo à redução das desigualdades. As regiões com menor concentração de cursos são Centro-oeste e Norte. Esta última recebeu o primeiro curso de Fonoaudiologia apenas em 1997. As vagas oferecidas em cursos de Fonoaudiologia seguem o perfil de distribuição do número de cursos por região. A maior taxa de candidatos por vaga para entrada em cursos de Fonoaudiologia é a da região Nordeste, o que pode ser explicado pela pouca oferta de vagas na região - a segunda maior em tamanho populacional. Houve um aumento progressivo do número de vagas no Nordeste no período analisado e consequente queda na taxa de candidatos por vaga.

O número de ingressantes em cursos de Fonoaudiologia é menor do que o de vagas, sugerindo ociosidade em todas as regiões do Brasil. Esse achado concorda com o estudo de Crestani et al.55. Crestani AH, Souza APR, Plaza E, Fedosse E, Vendrúsculo JF, Costa VBR. Graduation in speech therapy and audiology: considerations about the reality in Brazil and Chile. Distúrb. Comum. 2014;26(3):428-38., que demonstra ser a oferta de vagas maior do que a demanda. O fato de o número de concluintes ser menor do que o de ingressantes também é apontado na literatura55. Crestani AH, Souza APR, Plaza E, Fedosse E, Vendrúsculo JF, Costa VBR. Graduation in speech therapy and audiology: considerations about the reality in Brazil and Chile. Distúrb. Comum. 2014;26(3):428-38.. De acordo com Crestani et al.55. Crestani AH, Souza APR, Plaza E, Fedosse E, Vendrúsculo JF, Costa VBR. Graduation in speech therapy and audiology: considerations about the reality in Brazil and Chile. Distúrb. Comum. 2014;26(3):428-38., a taxa de evasão no ensino superior brasileiro é alta de maneira geral. Os autores sugerem que a esmagadora predominância do setor privado, aliada à pouca atratividade do mercado e baixa qualidade nos processos de ensino-aprendizagem, não permitem a manutenção do aluno até a conclusão da graduação.

A maioria dos cursos e das vagas está concentrada no setor privado, que em 2014 detinha 85% das vagas e 70,7% dos cursos de Fonoaudiologia no Brasil. Por consequência, a maioria dos fonoaudiólogos brasileiros é oriunda de IES particulares. Essa não é uma realidade apenas da Fonoaudiologia: o sistema de ensino superior no Brasil, no geral, é predominantemente privado, entre 70% e 80%77. Haddad AE, Morita MC, Pierantoni CR, Brenelli SL, Passarella T, Campos FE. Undergraduate programs for health professionals in Brazil: an analysis from 1991 to 2008. Rev Saúde Públ. 2010;44(3):383-93.. Em uma pesquisa sobre a distribuição dos estudantes de nível superior da América Latina em 2009, segundo a natureza administrativa do estabelecimento, verificou-se que 52% dos estudantes latinos encontram-se em instituições privadas. No Brasil esse número passa para 77%, perdendo apenas para o Chile cuja educação superior encontrava-se apenas na rede privada88. Pereyra A. The fragmentation of the educational offer in Latin America: public vs private education. Perfiles Educativos. 2008;30(120):132-46.. O critério mais importante para a oferta de cursos nas instituições privadas é financeiro99. Mancebo D, Vale AA, Martins TB. Expansion of higher education policy in Brazil: 1995-2010. Rev Bras Educ. 2015;20(60):31-50.. Isso faz com que as regiões mais ricas tenham grande quantidade de cursos com maior apelo mercantil, ao mesmo tempo em que determinadas áreas profissionais que precisam de reforços são negligenciadas99. Mancebo D, Vale AA, Martins TB. Expansion of higher education policy in Brazil: 1995-2010. Rev Bras Educ. 2015;20(60):31-50.. No entanto, o número de vagas nas instituições particulares diminuiu de 8.386 (pico em 2010) para 7.099 (2014), (queda de 15,3%) e o número de cursos diminuiu de 86 (pico em 2002) para 58 (2014, queda de 32,5%). Essa diminuição pode ser explicada pela baixa procura pelo curso, que, por sua vez, pode ser atribuída ao baixo reconhecimento e valorização no mercado de trabalho1010. Guigen AP, Zabeu JS, Freire T, Campos PD, Berretin-Felix G, Ferrari DV. Speech language pathology and audiology as a higher education option: exploratory study. Rev. CEFAC. 2014;16(3):974-84.

11. Fonteles IBA, Friedman S, Haguiara-Carvellini N. Fonoaudiologia: inserção em instituições educacionais de Salvador. Disturb. Comun. 2009;21(1):55-65.
-1212. Teixeira LC, Rodrigues ALV, Santos JN, Cardoso AFR, Gama ACC, Resende LM. Professional trajectory of graduates in speech, language and hearing sciences. Rev. CEFAC. 2013;15(6):1591-600.. Autores apontam o efeito positivo e significativo do fator salário médio da profissão sobre a escolha profissional1313. Bartalotti O, Menezes-Filho N. A relação entre o desempenho da carreira no mercado de trabalho e a escolha profissional dos jovens. Econ aplic. 2007;11(4):487-505.. Tal diminuição da procura pelo curso parece não ser exclusividade do Brasil, já que também é observada em outros países, inclusive desenvolvidos, como os Estados Unidos1414. Emanuel DC, Donai JJ, Araj CF. The awareness of the profession of audiology among entering. Am J Audiol. 2012;21:41-50.. Outro fator que pode contribuir para a baixa procura é o prestígio social, considerado baixo (sétima/oitava posição numa escala de treze profissões)1515. Sousa FAEF, Silva JA. Nurses' professional prestigie: estimation of magnitudes and expanded categories. Rev Latino-am Enfermagem. 2001;9(6):19-24..

Na primeira década analisada, houve aumento de vagas nas IES privadas, enquanto na segunda década houve crescimento do número de vagas nas IES públicas. Essa mudança pode ser explicada pelo cenário político brasileiro que, na série histórica analisada, é composto por duas fases: a primeira relacionada ao governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e a segunda, ao de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). No governo de Fernando Henrique Cardoso, a Reforma do Estado definiu uma racionalidade no que diz respeito às políticas públicas, incluindo a Educação Superior. Portanto, é uma fase de grande expansão de cursos no setor privado e pequena evolução no setor público99. Mancebo D, Vale AA, Martins TB. Expansion of higher education policy in Brazil: 1995-2010. Rev Bras Educ. 2015;20(60):31-50., embora a origem do crescimento do setor privado sobre o público remonte aos tempos da ditadura civil-militar (1964-1984), devido à reforma universitária instituída pela lei n. 5.540/1968. Essa legislação reforçou a atuação do então Conselho Federal de Educação, com forte composição privatista, sendo então criados incentivos fiscais e tributários para a abertura de IES privadas99. Mancebo D, Vale AA, Martins TB. Expansion of higher education policy in Brazil: 1995-2010. Rev Bras Educ. 2015;20(60):31-50.. No primeiro mandato do governo Lula (2003-2006), as políticas sociais permaneceram tímidas como forma de equilibrar o orçamento do país, e a política do ensino superior permaneceu semelhante àquela do governo anterior1616. Prestes EMT, Jezine E, Scocuglia AC. Democratização do ensino superior brasileiro: o caso da Universidade Federal da Paraíba. Rev Lusofona. 2012;21(21):199-218.. Nesse período, foi instituído o Programa Universidade para todos (PROUNI), por meio da Lei 11.096/2005, com o propósito de democratização do ensino por meio da concessão de bolsas de estudo em cursos de graduação em IES privadas. O segundo mandato do governo Lula (2007-2010) diferenciou-se do primeiro pela expansão do ensino superior público por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo Decreto nº 6.096, em 2007, e que culminou na criação de novas universidades públicas e expansão das já existentes1717. Araújo CB, Santos LMM. The reuni in the perspective of the public university's managers. Psicol Soc. 2014;26(3):642-51..

Ao contrário do setor privado, que se guia pela lei da oferta e da procura, no setor público, cabe ao Sistema Único de Saúde ordenar a formação de recursos humanos para a área da saúde, conforme o art. 200, inciso III da Constituição Brasileira. Para tanto, o Ministério da Saúde desenvolveu e apoiou diversas ações no campo da formação e desenvolvimento dos profissionais de saúde ao longo do tempo77. Haddad AE, Morita MC, Pierantoni CR, Brenelli SL, Passarella T, Campos FE. Undergraduate programs for health professionals in Brazil: an analysis from 1991 to 2008. Rev Saúde Públ. 2010;44(3):383-93.. Dessa forma, enquanto houve diminuição do número de vagas e cursos privados, o setor público experimentou aumento de vagas. Ainda assim, em 2014, 13 estados brasileiros não possuíam curso de Fonoaudiologia oferecido em instituição pública. São eles: Goiás, Mato Grosso, Amazonas, Ceará, Maranhão, Pará, Piauí, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Acre, Amapá, Roraima e Tocantins, sendo que os cinco últimos também não possuíam a oferta do curso em instituições privadas. A alta relação de candidato por vaga nas instituições públicas, em comparação com as particulares, também ocorre nos demais cursos da área da saúde. Alguns autores afirmam que essa alta relação resulta em melhoria do nível dos candidatos ingressando nas instituições públicas55. Crestani AH, Souza APR, Plaza E, Fedosse E, Vendrúsculo JF, Costa VBR. Graduation in speech therapy and audiology: considerations about the reality in Brazil and Chile. Distúrb. Comum. 2014;26(3):428-38..

Os estudantes com menor repertório cultural podem estar ingressando no sistema privado, favorecidos ou não por programas de incentivo como PROUNI, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e pela existência de políticas de cotas universitárias. O ingresso desses estudantes nas instituições particulares, quando não favorecidos por programas de incentivo, gera a necessidade de trabalhar, o que pode diminuir a qualidade do aprendizado ou mesmo aumentar a evasão. O PROUNI aumentou gradativamente o número de bolsas oferecidas em instituições particulares entre 2005 e 20141818. SISPROUNI, 2015. Bolsas ofertadas por ano. Disponível em http://prouniportal.mec.gov.br/
http://prouniportal.mec.gov.br/...
. Entretanto, como já foi dito, houve diminuição de vagas e cursos de Fonoaudiologia durante esse período. Isso pode significar que esses cursos não foram contemplados de forma significativa pelo PROUNI, ou que, mesmo com esse incentivo, os candidatos não se interessaram o suficiente para cursá-lo na rede privada.

Apesar da baixa procura pelo curso, o campo de atuação do fonoaudiólogo tem ampliado consideravelmente nos últimos anos. A Portaria Ministerial 154/2008 inseriu o fonoaudiólogo dentre as ocupações que podem compor o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). A Lei 12.303/2010 dispôs sobre a obrigatoriedade da realização da triagem auditiva neonatal em todas as crianças nascidas em hospitais e maternidades em todo território nacional. Outras políticas de saúde que favoreceram uma maior inserção da assistência fonoaudiológica no Sistema Único de Saúde (SUS) foram a Política Nacional de Atenção Auditiva, o Programa Saúde na Escola e o Programa Viver sem Limites. Em 2015, o Conselho Federal de Fonoaudiologia dispôs, na Resolução 469, a competência do fonoaudiólogo para implantar, monitorar, assessorar, supervisionar e coordenar Programas de Prevenção de Perdas Auditivas. Novas especializações foram reconhecidas pelo CFFa, como a Fonoaudiologia Educacional e Disfagia, em 2010, (RESOLUÇÃO CFFa nº 382/2010) e Neuropsicologia, Gerontologia, Fonoaudiologia do Trabalho e Fonoaudiologia Neurofuncional, em 2014, (RESOLUÇÃO CFFa nº 453/2014). Além disso, o número de profissionais ainda é deficitário em relação às necessidades nacionais. Um estudo aponta a defasagem no número de fonoaudiólogos atuantes no SUS, evidenciando um déficit de 82,4% de profissionais, no ano de 2000, e de 56,8%, em 2010. As regiões Norte e Nordeste apresentaram, entre 2000 e 2010, déficits superiores ao nacional, e as regiões Sul e Sudeste apresentaram os menores déficits1919. Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA, Rodrigues M. Phonoaudiological care in SUS: expanding access and the challenge of overcoming inequalities. Rev. CEFAC. 2015;17(1):71-9..

A relação de concluintes por habitantes é maior no Sudeste. Verificou-se aumento desse indicador por cada milhão de habitantes de 1991 para 2000, seguido de queda, em 2010, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. No Nordeste o crescimento foi progressivo. De acordo com alguns autores77. Haddad AE, Morita MC, Pierantoni CR, Brenelli SL, Passarella T, Campos FE. Undergraduate programs for health professionals in Brazil: an analysis from 1991 to 2008. Rev Saúde Públ. 2010;44(3):383-93., o menor número de concluintes por habitante dentre os cursos da saúde é o do curso de Fonoaudiologia. Especula-se que haverá um aumento na demanda por fonoaudiólogos nas próximas décadas, uma vez que avanços na área médica proporcionam maior expectativa de vida com consequente aumento na população idosa, bem como o aumento da taxa de sobrevivência de bebês prematuros e vítimas de traumas e de acidentes vasculares cerebrais. Outros fatores incluem as políticas de identificação precoce de alterações como a triagem auditiva neonatal e a inclusão de pessoas com necessidades especiais no ensino regular1010. Guigen AP, Zabeu JS, Freire T, Campos PD, Berretin-Felix G, Ferrari DV. Speech language pathology and audiology as a higher education option: exploratory study. Rev. CEFAC. 2014;16(3):974-84..

Constituíram limitações deste estudo a ausência, na plataforma SIGRAS, de dados anteriores a 1991 e posteriores a 2014, bem como a utilização exclusiva de dados secundários. De acordo com Miranda1919. Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA, Rodrigues M. Phonoaudiological care in SUS: expanding access and the challenge of overcoming inequalities. Rev. CEFAC. 2015;17(1):71-9., esse tipo de dado constitui uma boa estratégia para o desenvolvimento de pesquisas, pois otimizam o tempo. No entanto, esses dados trazem consigo limitações, como a perda do contexto e das intenções que nortearam a sua coleta. No caso específico da plataforma SIGRAS, cabe ressaltar que esta é uma plataforma de dados secundários que foram tabulados de outra fonte secundária - o Censo da Educação Superior, formulado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Uma vez que nem todas as variáveis presentes nesta fonte foram tabuladas na plataforma SIGRAS, não há como usá-la para responder a todas as perguntas possíveis de pesquisa. Como ponto forte da pesquisa, tem-se a temática que é pertinente ao momento atual, devido à crise econômica pela qual o Brasil passa desde 2015 e que repercute negativamente na entrada de alunos em cursos de graduação em geral. É provável que estudos futuros mostrem uma mudança do atual panorama da educação em Fonoaudiologia, sendo necessário que informações atualizadas estejam sempre disponíveis aos fonoaudiólogos que desejam compreender a trajetória do seu curso.

Conhecer o processo de expansão da formação em Fonoaudiologia possibilita identificar os caminhos percorridos para projetar novos rumos para a profissão visando ao desenvolvimento e obtenção de reconhecimento técnico-científico e social para a área. Espera-se que os resultados aqui apresentados possam servir de base para novos estudos sobre a formação do profissional de Fonoaudiologia e contribuam para o planejamento e implementação de políticas de formação profissional na busca pela diminuição das desigualdades regionais e pela maior valorização profissional.

Conclusão

O número de cursos, vagas, ingressantes e concluintes em Fonoaudiologia é maior na região Sudeste do país. Desde 2008/2009 observa-se um decréscimo do número de cursos e vagas na região Sudeste e aumento progressivo nas regiões Nordeste e Sul do país. A maioria dos cursos, vagas, ingressantes e concluintes encontra-se em instituições de ensino particulares, porém este número vem diminuindo, enquanto o número de instituições públicas que oferecem o curso está aumentando. A relação de candidatos por vaga para entrada nas instituições de ensino é maior na região Nordeste, devido à baixa oferta de vagas na região, sendo mais elevada no setor público do que no privado. Houve aumento do número de concluintes por milhão de habitantes na primeira década analisada, seguido por um decaimento na segunda década analisada.

Espera-se que este trabalho contribua para o planejamento e a implementação de políticas de formação do ensino superior em Fonoaudiologia, na busca pela diminuição das desigualdades entre as regiões do Brasil.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2017
  • Aceito
    14 Jun 2018
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