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Existe comprometimento do sistema auditivo na doença de Parkinson?

RESUMO

Objetivo:

descrever o perfil audiológico de um grupo de pacientes com doença de Parkinson e investigar a associação entre alterações auditivas e a doença.

Métodos:

participaram 50 indivíduos com e 46 sem doença de Parkinson, submetidos a Audiometria Tonal Liminar, Emissões Otoacústicas por Produto de Distorção e testes de processamento auditivo. Os resultados dos pacientes foram comparados aos obtidos em indivíduos sem a doença, de acordo com variáveis clínicas e biológicas.

Resultados:

nos indivíduos com doença de Parkinson a perda auditiva foi identificada em 82% dos indivíduos, havendo alteração das emissões otoacusticas por Produto de Distorção em 53,5%, do processamento temporal em 78% e integração binaural em 12%. Os indivíduos com a doença apresentaram maior comprometimento no reconhecimento de padrões de duração quando comparados aos sem a doença, havendo pior desempenho nos homens e nos indivíduos com idade entre 42 e 65 anos e estágio Hoehn & Yahr I e II.

Conclusões:

o perfil encontrado corresponde à perda auditiva sensorioneural descendente e alteração nas emissões otoacústicas, na ordenação temporal e na detecção de gaps no ruído. Somente prejuízos na ordenação temporal estão associados com a doença, especialmente nos homens, indivíduos com idade menor que 65 anos e em estágio inicial.

Descritores:
Doença de Parkinson; Envelhecimento; Percepção Auditiva; Perda Auditiva

ABSTRACT

Objective:

to describe the audiological profile of a group of patients with Parkinson's disease and to investigate the association between hearing loss and the disease.

Methods:

50 individuals with and 46 without Parkinson's disease underwent Pure Tone Audiometry, Otoacoustic Emissions by Distortion Product, and auditory processing tests. The results of the patients were compared to those obtained in individuals without the disease, according to clinical and biological variables.

Results:

in individuals with Parkinson's disease, 82% presented hearing loss, 53.5% alterations in Otoacoustic Emissions by Distortion Product, 78%, alterations in temporal processing, and 12%, changes in binaural integration. Individuals with the disease had a greater impairment in the recognition of duration patterns when compared to those without the disease, with a worse performance in men and in individuals aged between 42 and 65 years old and Hoehn and Yahr I and II stages.

Conclusions:

the profile found corresponds to descending sensorineural hearing loss and alteration in otoacoustic emissions, temporal ordering and noise gaps detection.Only losses in temporal order are associated with the disease, especially in men, individuals under the age of 65 and in the initial stage.

Keywords:
Parkinson's disease; Aging; Auditory Perception; Hearing Loss

Introdução

A perda auditiva acomete aproximadamente 1/3 das pessoas com mais de 65 anos, sendo a segunda maior incapacidade dentre os vários comprometimentos funcionais nessa parcela da população11. WHO: World Health Organization. World report on Ageing and Health. [cited 2016 Nov 16]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/186463/1/9789240694811_eng.pdf.
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. Em recente Editorial22. Horton R. Hearing loss: an important global health concern. Lancet. 2016;387(10036):2351. doi:10.1016/S0140-6736(16)30777-2.
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a perda auditiva foi apontada como um preocupante problema mundial de saúde, estando na quinta posição no ranking das condições que aumentam anos vividos com incapacidade.

Com a crescente expectativa de vida e, consequentemente, o aumento das populações com mais de 60 anos, merecem maior atenção os agravos à saúde relacionados ao envelhecimento11. WHO: World Health Organization. World report on Ageing and Health. [cited 2016 Nov 16]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/186463/1/9789240694811_eng.pdf.
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, como a perda auditiva e doenças crônico-degenerativas. Dentre estas, a doença de Parkinson (DP) está presente em 1% a 2% dos idosos com idade acima de 60 anos, cuja incidência varia entre 8-18 por 100.000 pessoas/ano33. Khan AU, Akram M, Danival M, Zainab R. Awareness and current knowledge of Parkinson disease: a neurodegenerative disorder. Int J Neurosci. 2018; doi: 10.1080/00207454.2018.1486837. [Epub ahead of print].
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.

A DP é caracterizada por sinais e sintomas relacionados à motricidade, como bradicinesia, tremor, rigidez muscular e instabilidade postural. No entanto, atualmente, é reconhecida por um amplo espectro de manifestações não motoras decorrentes de danos neuronais em regiões que extrapolam as vias nigro-estriatais44. Braak H, Ghebremedhin E, Rüb U, Bratzke H, Del Tredici K. Stages in the development of Parkinson´s disease-related pathology. Cell tissue Res. 2004;1(318):121-34. doi: 10.1007/s00441-004-0956-9.
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, e influenciam seu prognóstico e evolução55. Ayala A, Triviño-Juarez JM, Forjaz MJ, Rodríguez-Blázquez C, Rojo-Abuin JM, Martínez-Martín P. Parkinson's disease severity at 3 years can be predicted from Nom-motor symptoms at baseline. Front Neurol. 2017;8(551):1-8. doi:10.3389/fneur.2017.00551.
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. Estas manifestações são caracterizadas por prejuízos cognitivos, autonômicos e sensitivos66. Pisani V, Sisto R, Moleti A, Di Mauro R, Pisani A, Brusa L et al. An investigation of hearing impairment in de-novo Parkinson's disease patients: a preliminary study. Parkinsonism relatdisord. 2015;8(21):987-91. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.06.007.
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relacionados com os processos neurobiológicos comuns ao envelhecimento e ao processo neurodegenerativo da doença44. Braak H, Ghebremedhin E, Rüb U, Bratzke H, Del Tredici K. Stages in the development of Parkinson´s disease-related pathology. Cell tissue Res. 2004;1(318):121-34. doi: 10.1007/s00441-004-0956-9.
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.

Dentre as alterações sensitivas, alguns estudos mais recentes têm sugerido a inclusão da perda auditiva no rol de manifestações sensoriais da fase clínica da doença66. Pisani V, Sisto R, Moleti A, Di Mauro R, Pisani A, Brusa L et al. An investigation of hearing impairment in de-novo Parkinson's disease patients: a preliminary study. Parkinsonism relatdisord. 2015;8(21):987-91. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.06.007.
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7. Lai S-W, Liao K-F, Lin C-L, Lin C-C, Sung F-C. Hearing loss may be a non-motor feature of Parkinson's disease in older people in Taiwan. Eur J neurol. 2014;5(21):752-7. doi:10.1111/ene.12378.
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8. Folmer RL, Vachhani JJ, Theodoroff SM, Ellinger R, Riggins A. Auditory processing abilities of Parkinson's disease patients. Biomed Res Int. 2017;2017(2618587):1-10.doi:10.1155/2017/2618587.
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-99. Vitale C, Marcelli V, Abate T, Pianese A, Allocca R, Moccia M et al. Speech discrimination is impaired in parkinsonian patients: expanding the audiologic findings of Parkinson's disease. Parkinsonism relatdisord. 2016;22(Suppl 1):S138-43. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.09.040.
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, bem como a sua correlação com o aumento do risco para a DP em idosos77. Lai S-W, Liao K-F, Lin C-L, Lin C-C, Sung F-C. Hearing loss may be a non-motor feature of Parkinson's disease in older people in Taiwan. Eur J neurol. 2014;5(21):752-7. doi:10.1111/ene.12378.
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. Estes estudos descreveram uma pior sensitividade a tons puros e maior frequência da perda auditiva em indivíduos com DP, quando comparados a controles66. Pisani V, Sisto R, Moleti A, Di Mauro R, Pisani A, Brusa L et al. An investigation of hearing impairment in de-novo Parkinson's disease patients: a preliminary study. Parkinsonism relatdisord. 2015;8(21):987-91. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.06.007.
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,88. Folmer RL, Vachhani JJ, Theodoroff SM, Ellinger R, Riggins A. Auditory processing abilities of Parkinson's disease patients. Biomed Res Int. 2017;2017(2618587):1-10.doi:10.1155/2017/2618587.
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,99. Vitale C, Marcelli V, Abate T, Pianese A, Allocca R, Moccia M et al. Speech discrimination is impaired in parkinsonian patients: expanding the audiologic findings of Parkinson's disease. Parkinsonism relatdisord. 2016;22(Suppl 1):S138-43. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.09.040.
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, contudo ainda não foi claramente estabelecido se a perda auditiva nesta população está relacionada a alterações da mecânica coclear.

Sabe-se que o declínio na sensitividade auditiva para tons puros se relaciona com o decréscimo da habilidade de compreensão da fala, porém a redução dessa sensibilidade não prediz exatamente as dificuldades referidas pelos indivíduos, havendo outros prejuízos que podem estar envolvidos nesse processo1010. Goossens T, Vercammen C, Wouters J, Van Wieringen A. Masked speech perception across the adult lifespan: Impact of age and hearing impairment. Hear Res. 2017;344:109-24. doi:10.1016/j.heares.2016.11.004.
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. Adicionalmente, as habilidades de processamento temporal dos sons da fala tem se mostrado prejudicadas em idosos sem perdas auditivas sensoriais significativas, bem como em situações em que os efeitos desta perda são minimizados por estratégias de testagem, reforçando a ideia de que os prejuízos no processamento temporal refletem um mecanismo independente da acuidade auditiva1111. Goossens T, Vercammen C, Wouters J, Van Wiering A. Aging affects neural synchronization to speech-related acoustic modulations. Front Aging. 2016;8(133):1-16. doi: 10.3389/fnagi.2016.00133.
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.

Assim, a investigação da frequência de comprometimento nas habilidades de processamento auditivo temporal é relevante para indicar a extensão dos prejuízos auditivos, o que necessita ser melhor descrito na DP. Além disso, permanece controverso se os doentes apresentam pior desempenho nessas habilidades quando comparados a indivíduos sem a doença1212. Guehl D, Burbaud P, Lorenzi C, Ramos C, Bioulac B, Semal C et al. Auditory temporal processing in Parkinson's disease. Neuro­psychologia. 2008;9(46):2326-35. doi:10.1016/ j.neuropsychologia.2008.03.007.
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,1313. Troche J, Troche MS, Berkowitz R, Grossman M, Reilly J. Tone discrimination as a window into acoustic perceptual deficits in Parkinson's disease. Am j speech lang pathol. 2012;21(3):258-63. doi: 10.1044/1058-0360(2012/11-0007).
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. Desta forma, o objetivo do presente estudo é descrever o perfil audiológico de indivíduos com doença de Parkinson e investigar a associação entre alterações auditivas e a doença.

Métodos

O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos - UFBA (número 843.890/2014) e todos os indivíduos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Foi realizado um estudo seccional, entre março de 2015 a junho de 2016, com indivíduos diagnosticados com DP idiopática (Grupo DP) acompanhados no ambulatório de movimentos involuntários de um Hospital Universitário. O diagnóstico de DP idiopática foi estabelecido a partir dos critérios clínicos propostos pelo Banco de Cérebros do Reino Unido e todos os indivíduos foram avaliados no período “on” da medicação antiparkinsoniana. O grupo de comparação (Grupo Não DP), foi composto por usuários de outros ambulatórios deste hospital, cônjuges e acompanhantes dos indivíduos com DP, seguindo a mesma proporção de sexo e idade do grupo DP.

Para ambos os grupos, foram considerados não elegíveis os indivíduos com antecedentes de traumatismo ou acidente vascular encefálico, histórico de distúrbios psiquiátricos graves e de doenças otológicas, outras doenças neurodegenerativas, doença renal crônica dialítica e perda auditiva congênita ou diagnosticada antes dos 40 anos. Foram excluídos todos os indivíduos com pontuação no Mini Exame do Estado Mental sugestiva de alteração cognitiva, caracterizado por desempenho inferior a 13 pontos para analfabetos, 18 pontos para baixa e média escolaridade e 26 pontos para alta escolaridade1414. Bertolucci PHF, Brucki SMD, Campacci SR, Juliano Y. O Mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq. Neuropsiquiatria. 1994;52(1):1-7..

Foram coletados dados sobre tempo de diagnóstico da DP, tempo decorrido desde o início dos sintomas, tratamento medicamentoso atual, histórico otoneurológico atual e pregresso (sinais e sintomas otológicos e vestibulares), dados sobre exposição a ruído, diagnóstico de Diabetes mellitus e hipertensão e estágio da DP segundo Hoehn e Yahr.

Todos os participantes foram submetidos a uma bateria de testes auditivos realizados por profissional habilitado, em cabina acústica. Foi utilizado audiômetro Interacoustics de dois canais AC 40, acoplado a fones supra aurais TDH39, imitanciômetro Interacoustics AZ7 e equipamento portátil Madsen AccuScreen para pesquisa das Emissões Otoacústicas.

A Audiometria Tonal Liminar (ATL) foi realizada de acordo com a recomendação da ASHA (2005)1515. American Speech Language and Hearing Association. Guidelines for manual Puretone threshold audiometry [Guidelines] 2005. American Speech Language and Hearing Association. 2005. http://www.asha.org/policy/gl2005-00014.htm.
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e a perda auditiva foi caracterizada quanto ao grau de acordo com Russo, Pereira, Carvallo et al.1616. Russo ICP, Pereira LD, Carvallo RMM, Anastásio ART. Encaminhamentos sobre a classificação do grau de perda auditiva em nossa realidade. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;2(14):287-8. doi:10.1590/S1516-80342009000200023.
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. Na imitanciometria foi analisado o diferencial entre o limiar tonal e o limiar do reflexo acústico-estapediano contralateral (RAEC). Diferenciais inferiores a 60 dB foram classificados como indicativo de Recrutamento Objetivo de Metz e diferenciais superiores a 100 dB como sugestivo de comprometimento entre o VIII nervo e tronco encefálico.

Na pesquisa das Emissões Otoacústicas por Produto de Distorção (EOAPD) foram analisadas as respostas para as frequências de 2, 3, 4 e 5 kHz. A EOAPD foi identificada como presente quando a medida do sinal estava acima de -5 dB e também superior ao ruído de fundo em pelo menos 3 dB1717. Keppler H, Degeest S, Dhooge I. The relationship between tinnitus pitch and parameters of audiometry and distortion product otoacoustic emissions. J Laryngol Otol. 2017;131(11):1017-25. doi: 10.1017/S0022215117001803
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. A ausência de EOAPD em três frequências ou mais foi considerada como indicativo de comprometimento coclear.

Na avaliação do processamento auditivo (central) foram investigadas as habilidades de processamento auditivo temporal e escuta dicótica, por meio dos testes de reconhecimento de padrões de duração (Duration Pattern Sequence - DPS), Gaps in Noise (GIN) e teste Dicótico de Dígitos (TDD):

  • DPS: O teste foi realizado com a apresentação de uma gravação de tons puros na frequência de 440 Hz, configurados por períodos de longa (2000 milissegundos) e curta (500 milissegundos) duração, organizados em dez sequências de três. Após cada sequência, o sujeito foi orientado a nomear a ordem de apresentação percebida (exemplo: longo-curto-longo). O percentual de sentenças corretamente reconhecidas foi computado e classificado como alterado quando inferior a 83%1818. Corazza MCA. Avaliação do processamento auditivo central em adultos: teste de padrões tonais auditivos de freqüência e teste de padrões tonais auditivos de duração [Tese]. São Paulo (SP): Escola Paulista de Medicina; 1998..

  • GIN: Foram apresentados seguimentos de ruído branco com seis milissegundos (ms) de duração, interrompidos por zero a três intervalos de dois a 20 milissegundos. O estímulo foi emitido pelos fones, simultaneamente a ambas as orelhas, na intensidade de 40 dBNS. Ao longo da lista dos 29 seguimentos de ruído, ocorreram seis intervalos com duração de 2 ms, seis de 3 ms, seis de 4 ms, e assim sucessivamente. O participante foi orientado a sinalizar toda vez que percebesse o intervalo. O limiar de detecção de intervalos foi estabelecido pelo menor intervalo corretamente identificado em quatro das seis apresentações, sendo os limiares superiores a 5 ms considerados alterados1919. Musiek FE, Shinn JB, Jirsa R, Bamiou D-E, Baran JA, Zaidan E. GIN (Gaps-In-Noise) test performance in subjects with confir-med central auditory nervous system involvement. Ear hear. 2005;6(26):608-18. doi:10.1097/01.aud.0000188069.80699.41.
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    .

  • TDD: Foi apresentada uma gravação de 20 sequências de quatro dígitos, pronunciados em pares (combinações dos números entre quatro e nove), sendo cada par de dígitos emitido em um dos fones com diferença de poucos milissegundos em cada orelha. O participante foi orientado a repetir oralmente os quatro números apresentados, independentemente da ordem. Foi calculado o percentual de números reconhecidos corretamente por orelha e considerando alterado percentual inferior a 78% (indivíduos sem perda auditiva) ou 60% (indivíduos com perda auditiva)2020. Musiek FE, Chermak GD, Weihing J, Zappulla M, Nagle S. Diagnostic accuracy of established central auditory processing test batteries in patients with documented brain lesions. J Am AcadAudiol. 2011;22(6):342-58. doi: 10.3766/jaaa.22.6.4.
    https://doi.org/10.3766/jaaa.22.6.4...
    .

Para as análises, em todos os testes realizados de forma monoaural, foram considerados os resultados obtidos na pior orelha. Foram caracterizadas e descritas a frequência de alterações em cada um dos testes, de acordo com os grupos não DP e DP.

Com o objetivo de verificar a associação entre alterações auditivas e variáveis sócio demográficas e clínicas, as medidas obtidas nos testes foram comparadas entre os grupos Não DP e DP, de acordo com sexo, faixa etária (42 ⊢⊣ 64 e 65 ⊢⊣ 86 anos), idade na época do surgimento dos sintomas da DP (maior ou menor que 55 anos) e estadiamento da doença (H&Y I e II x H&Y III e IV).

Análise Estatística

A comparação entre os grupos, através de medidas estatísticas inferenciais, para a análise de variáveis dicotômicas ou ordinais, foi realizada com os testes qui-quadrado, Teste exato de Fisher e Teste de igualdade de proporções. Para as variáveis numéricas foram utilizados os testes t Student e Mann-Whitney, de acordo com a normalidade das distribuições. O teste Shapiro-Wilk foi utilizado para os testes de normalidade das variáveis e o teste F foi aplicado para comparar as variâncias entre as distribuições das variáveis.

Resultados

Na Tabela 1 estão descritas as características sócio demográficas e de saúde geral dos 46 indivíduos do grupo Não DP e dos 50 do grupo DP. Os participantes do grupo DP apresentaram tempo médio de doença de 9,2 anos (SD 6,5), sendo o mínimo de 6 meses e o máximo de 36 anos. O início das manifestações motoras ocorreu em média aos 54,2 anos (SD 11,3), sendo a idade mínima 27 e a máxima 78 anos. Quanto a gravidade dos sinais motores, classificada segundo os estágios de H&Y, predominaram indivíduos em estágios iniciais da doença (68%), sendo 13 e 21 participantes nos estágios I e II, respectivamente, e nos estágios mais avançados 11 indivíduos com H&Y III e cinco com H&Y IV.

Tabela 1:
Características biológicas, comorbidades e exposição ao ruído dos indivíduos, de acordo com os grupos sem (Não DP) e com doença de Parkinson (DP)

Os resultados da ATL para cada tom puro investigado são apresentados na Figura 1. A perda auditiva em pelo menos um dos tons puros pesquisados foi observada em 40 indivíduos do grupo Não DP (86,9%) e em 41 do grupo DP (82%), não havendo diferença entre os grupos (p=0,377). Todos apresentaram perda auditiva do tipo sensorioneural, sendo possível classificar o grau em apenas 17 indivíduos do grupo Não DP (34%) e em 18 do grupo DP (39,1%), conforme apresentado na Tabela 2. Não foram observadas diferenças entre os grupos nos resultados audiométricos considerando sexo, faixa etária, idade de início e estadiamento da DP (p>0,05). As alterações observadas no RAEC, em ambos os grupos, indicam a presença do recrutamento objetivo de Metz.

Figura 1:
Representação dos limiares audiométricos identificados nos grupos sem (Grupo Não DP) e com doença de Parkinson (Grupo DP)

Foram excluídos da análise da pesquisa das EOAPD dois e três indivíduos dos grupos Não DP e DP, respectivamente, devido a condições de checagem da sonda não adequadas à testagem, mesmo após diversas tentativas de reposicionamento. Desta forma, os resultados apresentados correspondem às respostas obtidas em 44 indivíduos do grupo Não DP e 47 do grupo DP. O percentual de alterações nesta pesquisa não apresentou diferenças entre os grupos (Tabela 2).

Tabela 2:
Frequência de alterações nos procedimentos audiológicos, de acordo com os grupos sem (Grupo Não DP) e com doença de Parkinson (Grupo DP)

Quanto ao desempenho nos testes de processamento auditivo, observou-se que o percentual de acertos no DPS foi em média 73,9% (SD 24,2) no grupo não DP e 61,0% (SD 25,2) no grupo DP. Já em relação ao GIN, o limiar médio obtido no grupo Não PD foi 8,1 ms (SD 2,7ms) e no grupo PD 8,2 ms (SD 3,1ms). No teste TDD verificou-se média do percentual de acertos de 90,9% (SD 9,8) e 86,4% (SD 18,8) para os Grupos Não DP e DP, respectivamente. Somente no teste DPS houve diferença entre os grupos (p=0,012).

Na Tabela 3 estão descritos os resultados dos grupos nos testes de processamento auditivo, de acordo com sexo, idade atual do indivíduo, idade na época de início dos sintomas e gravidade do quadro motor da doença.

Tabela 3:
Médias e desvios-padrão dos resultados nos testes de processamento auditivo obtidos nos grupos sem (Grupo Não DP) e com doença de Parkinson (Grupo DP), de acordo com as variáveis demográficas e clínicas

Discussão

A maioria dos indivíduos com DP avaliados apresentaram redução da sensitividade para tons puros, caracterizada como perda auditiva do tipo sensorioneural mais acentuada em frequências altas, bem como alteração na pesquisa das EOAPD. Este achado evidencia alterações na micromecânica das células ciliadas externas da cóclea e, juntamente com os achados da pesquisa dos RAEC, contribui para o entendimento de que a redução da sensitividade para tons puros na DP está relacionada a prejuízos na dinâmica coclear2121. Gorga MP, Neely ST, Bergman B, Beauchaine KL, Kaminski JR, Peters J et al. Otoacoustic emissions from normal-hearing and hearing-impaired subjects: distortion product responses. J Acoust Soc Am. 1993;93(4):2050-60. doi: 10.1121/1.406691
https://doi.org/10.1121/1.406691...
,2222. Metz O. Threshold of reflex contractions of muscles of middle ear and recruitment of loudness. Arch otolaryngol. 1952;5(55):536-43. doi:10.1001/archotol.1952.00710010550003.
https://doi.org/10.1001/archotol.1952.00...
.

Embora a frequência da perda auditiva no grupo DP tenha sido elevada, tal como foi reportado em estudos prévios88. Folmer RL, Vachhani JJ, Theodoroff SM, Ellinger R, Riggins A. Auditory processing abilities of Parkinson's disease patients. Biomed Res Int. 2017;2017(2618587):1-10.doi:10.1155/2017/2618587.
https://doi.org/10.1155/2017/2618587...
,99. Vitale C, Marcelli V, Abate T, Pianese A, Allocca R, Moccia M et al. Speech discrimination is impaired in parkinsonian patients: expanding the audiologic findings of Parkinson's disease. Parkinsonism relatdisord. 2016;22(Suppl 1):S138-43. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.09.040.
https://doi.org/10.1016/j.parkreldis.201...
, nossos resultados contrariam investigações em que a perda auditiva foi mais frequente e grave nos indivíduos com DP quando comparados com controles66. Pisani V, Sisto R, Moleti A, Di Mauro R, Pisani A, Brusa L et al. An investigation of hearing impairment in de-novo Parkinson's disease patients: a preliminary study. Parkinsonism relatdisord. 2015;8(21):987-91. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.06.007.
https://doi.org/10.1016/j.parkreldis.201...
,88. Folmer RL, Vachhani JJ, Theodoroff SM, Ellinger R, Riggins A. Auditory processing abilities of Parkinson's disease patients. Biomed Res Int. 2017;2017(2618587):1-10.doi:10.1155/2017/2618587.
https://doi.org/10.1155/2017/2618587...
,99. Vitale C, Marcelli V, Abate T, Pianese A, Allocca R, Moccia M et al. Speech discrimination is impaired in parkinsonian patients: expanding the audiologic findings of Parkinson's disease. Parkinsonism relatdisord. 2016;22(Suppl 1):S138-43. doi:10.1016/j.parkreldis.2015.09.040.
https://doi.org/10.1016/j.parkreldis.201...
. Assim, a identificação de resultados similares entre os grupos Não DP e DP na ATL em nosso estudo, sugere que a perda auditiva identificada pode estar relacionada ao processo de envelhecimento do sistema auditivo periférico e não especificamente a algum processo fisiopatológico da DP. O processo de degeneração do sistema auditivo relacionado ao envelhecimento envolve lesões nas estruturas periféricas, afetando inicialmente a percepção de tons agudos, evoluindo para o comprometimento também dos sons graves e médios2323. Tu NC, Friedman RA. Age-related hearing loss: unraveling the pieces. Otolaryngol. 2018;3(2):68-72. doi:10.1002/lio2.134.
https://doi.org/10.1002/lio2.134...
.

Os testes de processamento auditivo temporal revelaram elevada frequência de alterações na ordenação (DPS) e resolução temporal (GIN) no grupo DP, as quais podem potencializar os prejuízos decorrentes da redução da sensitividade auditiva na percepção da fala1010. Goossens T, Vercammen C, Wouters J, Van Wieringen A. Masked speech perception across the adult lifespan: Impact of age and hearing impairment. Hear Res. 2017;344:109-24. doi:10.1016/j.heares.2016.11.004.
https://doi.org/10.1016/j.heares.2016.11...
. Sabe-se que a percepção da ordenação temporal contribui para que o indivíduo discrimine palavras com diferenças sutis na posição dos fonemas2424. Soares AJC, Sanches SGG, Alves DC, Carvallo RMM, Cárnio MS. Temporal auditory processing and phonological awareness in reading and writing disorders: preliminary data. CoDAS. 2013;25(2):188-90. doi:10.1590/S2317-17822013000200016.
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e tem sido relacionada com o processamento sonoro na região do córtex temporal2525. Lavasani NA, Mohammadkhani G, Motamedi M, Karimi LJ, Jalaei S, Shojaei FS et al. Auditory temporal processing in patients with temporal lobe epilepsy. Epilepsy Behav. 2016;60:81-5. doi: 10.1016/j.yebeh.2016.04.017.
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. Já a resolução temporal, traduz a habilidade do sistema auditivo em processar rápidas flutuações do estímulo1919. Musiek FE, Shinn JB, Jirsa R, Bamiou D-E, Baran JA, Zaidan E. GIN (Gaps-In-Noise) test performance in subjects with confir-med central auditory nervous system involvement. Ear hear. 2005;6(26):608-18. doi:10.1097/01.aud.0000188069.80699.41.
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. A degradação de aspectos temporais tem impacto significativo na inteligibilidade da fala1111. Goossens T, Vercammen C, Wouters J, Van Wiering A. Aging affects neural synchronization to speech-related acoustic modulations. Front Aging. 2016;8(133):1-16. doi: 10.3389/fnagi.2016.00133.
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, já que o processamento temporal parece contribuir para a identificação da velocidade das oscilações neurais que responderão por processos de análise e decodificação do sinal, tanto nos termos de sua constituição temporal propriamente, assim como em seus padrões espectrais2626. Ghitza O. Linking speech perception and neurophysiology: speech decoding guided by cascaded oscillators locked to the input rhythm. Front psychol. 2011;130(02):1-13. doi: 10.3389/fpsyg.2011.00130.
https://doi.org/10.3389/fpsyg.2011.00130...
.

Uma possível explicação para as dificuldades de percepção temporal entre os doentes seria a existência da lentificação do “relógio interno”1212. Guehl D, Burbaud P, Lorenzi C, Ramos C, Bioulac B, Semal C et al. Auditory temporal processing in Parkinson's disease. Neuro­psychologia. 2008;9(46):2326-35. doi:10.1016/ j.neuropsychologia.2008.03.007.
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. A teoria do relógio interno é citada como um dos mecanismos de percepção do tempo e, em linhas gerais, é expressa pela ideia de que as estruturas do sistema nervoso central funcionariam como uma espécie de “marca-passo acumulador”. A percepção do tempo seria, então, decorrente do número de impulsos nervosos recebidos durante um período, classificando a duração do evento em longo ou curto a partir da quantificação de maior ou menor número de impulsos acumulados2727. Meck WH, Benson AM. Dissecting the brain's internal clock: how frontal-striatal circuitry keeps time and shifts attention. Brain cogn. 2002;1(48):195-211. doi:10.1006/brcg.2001.1313.
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. O papel do núcleo da base e suas vias dopaminérgicas, em conexão com estruturas pré-frontais, parietais e cerebelares, é essencial em todo esse mecanismo e, desta forma, a fisiopatologia da DP comprometeria toda a engrenagem envolvida na percepção do tempo2727. Meck WH, Benson AM. Dissecting the brain's internal clock: how frontal-striatal circuitry keeps time and shifts attention. Brain cogn. 2002;1(48):195-211. doi:10.1006/brcg.2001.1313.
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.

O TDD é um teste amplamente utilizado para avaliar a integração binaural e é recomendado como screening, com elevada sensibilidade e especificidade para detectar desordens do processamento auditivo em indivíduos com lesões cerebrais2020. Musiek FE, Chermak GD, Weihing J, Zappulla M, Nagle S. Diagnostic accuracy of established central auditory processing test batteries in patients with documented brain lesions. J Am AcadAudiol. 2011;22(6):342-58. doi: 10.3766/jaaa.22.6.4.
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. Em nosso estudo, observamos reduzida frequência de indivíduos do grupo DP com alteração no TDD, demonstrando que o comprometimento da comunicação inter-hemisférica não é relevante na doença. Assim, acredita-se que outras desordens podem estar relacionadas com as alterações no processamento auditivo temporal encontradas na maioria dos indivíduos avaliados no grupo DP. Contudo, a observação de um pior desempenho no TDD em indivíduos com mais de 65 anos e em estágio avançado da DP, sugere que o envelhecimento e a DP atuam conjuntamente, comprometendo de forma mais difusa o funcionamento cerebral destes indivíduos.

Enquanto os achados audiométricos deste estudo sugerem que a perda auditiva nos indivíduos com DP está relacionada com alterações decorrentes do envelhecimento, os resultados das avaliações do processamento auditivo evidenciam que o prejuízo na habilidade de ordenação temporal é pior e mais frequente na doença. No DPS a tarefa utilizada envolve, além da diferenciação dos padrões de duração do som, a identificação da ordem de apresentação de três estímulos, implicando assim em maior complexidade e proximidade com as habilidades necessárias para a discriminação de sons da fala. Estas características podem justificar os achados divergentes obtidos em investigação anterior em indivíduos com DP1313. Troche J, Troche MS, Berkowitz R, Grossman M, Reilly J. Tone discrimination as a window into acoustic perceptual deficits in Parkinson's disease. Am j speech lang pathol. 2012;21(3):258-63. doi: 10.1044/1058-0360(2012/11-0007).
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, na qual o método utilizado envolveu a discriminação de diferenças sutis da duração de duas sílabas, não exigindo a memorização e nomeação dos estímulos. Assim, é importante considerar em nossos resultados a influência de dificuldades quanto a funções executivas e atenção presentes na DP2828. Weintraub D, Troster AL, Marras C, Stebbins G. Initial cognitive changes in Parkinson's disease. MovDisord. 2018;33(4):511-9.doi: 10.1002/mds.27330
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.

Em nosso estudo foi identificado pior desempenho na habilidade de ordenação temporal entre os homens com DP. Este achado é coerente com a maior expressão de prejuízos motores e não motores relacionados ao sexo na doença2929. Gillies GE, Pienaar IS, Vohra S, Qamhawi Z. Sex differences in Parkinson's disease. Front neuroendocrinol. 2014;3(35):370-84. doi: 10.1016/j.yfrne.2014.02.002.
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. Considerando que os homens sem a doença têm melhor desempenho em tarefas de ordenação temporal3030. Szymaszek A, Szelag E, Sliwowska M. Auditory perception of temporal order in humans: the effect of age gender listener practice and stimulus presentation mode. Neurosci let. 2006;403(1-2):190-4. doi: 10.1016/j.neulet.2006.04.062.
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, nossos dados reforçam a premissa de que há uma sinergia entre o processo fisiopatológico na DP com condições biológicas relacionadas ao sexo. Nesse sentido, estudos experimentais revelaram uma associação entre a ação dos hormônios andrógenos circulantes com danos neuronais mais expressivos em vias dopaminérgicas, especialmente naquelas que sustentam atividades com maior aporte da memória de trabalho3131. Betancourt E, Wachtel J, Haggerty M, Conforti J, Kritzer MF. The impact of biological sex and sex hormones on cognition in a rat model of early, pre-motor Parkinson's disease. Neuroscience. 2017;345:297-314. doi:10.1016/j.neuroscience.2016.05.041.
https://doi.org/10.1016/j.neuroscience.2...
,3232. Litim N, Morissette M, Di Paolo T. Neuroactive gonadal drugs for neuroprotection in male and female models of Parkinson's disease. Neuroscibiobehav rev. 2015;67:79-88. doi: 10.1016/j.neubiorev.2015.09.024.
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. Desta forma, acredita-se que os efeitos da DP na memória de trabalho sejam responsáveis pelo pior desempenho no DPS entre os homens.

Com relação a idade, o pior desempenho no DPS em indivíduos mais jovens, nos leva a pressupor que os prejuízos na habilidade de ordenação temporal são antecipados pela DP. Considerando que o processo degenerativo envolvido na DP tem bases fisiopatológicas comuns ao envelhecimento44. Braak H, Ghebremedhin E, Rüb U, Bratzke H, Del Tredici K. Stages in the development of Parkinson´s disease-related pathology. Cell tissue Res. 2004;1(318):121-34. doi: 10.1007/s00441-004-0956-9.
https://doi.org/10.1007/s00441-004-0956-...
,3333. Saeidnia S, Abdollahi M. Toxicological and pharmacological concerns on oxidative stress and related diseases. Toxicol Appl Pharmacol. 2013;273(3):442-55. doi: 10.1016/j.taap.2013.09.031.
https://doi.org/10.1016/j.taap.2013.09.0...
,3434. Ramanan VK, Saykin AJ. Pathways to neurodegeneration: mechanistic insights from GWAS in Alzheimer's disease, Parkinson's disease, and related disorders. Am j neurodegener dis. 2013;3(2):145-75. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/-pmc/articles/PMC3783830/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/-pmc/articl...
, acredita-se que as manifestações clínicas e patológicas na DP decorrem da quebra do mecanismo compensatório de recuperação das células dopaminérgicas da substância negra compacta3535. Hindle JV. Ageing, neurodegeneration and Parkinson's disease. Age and ageing. 2010;2(39):156-61. doi: 10.1093/ageing/afp.
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levando a um prejuízo precoce em processos cognitivos relacionados a habilidade de ordenação temporal. Desta forma, se a pior performance dos indivíduos mais jovens e em estágios iniciais da doença fosse em decorrência dos efeitos da DP no sistema auditivo, seria esperado o mesmo comportamento no GIN e no TDD.

Contudo, o prejuízo do processamento auditivo temporal mais acentuado na DP permanece controverso. Os resultados do teste GIN em nosso estudo não revelaram diferença entre os grupos Não DP e DP, assim como foi observado em investigações prévias que avaliaram a percepção temporal1212. Guehl D, Burbaud P, Lorenzi C, Ramos C, Bioulac B, Semal C et al. Auditory temporal processing in Parkinson's disease. Neuro­psychologia. 2008;9(46):2326-35. doi:10.1016/ j.neuropsychologia.2008.03.007.
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,1313. Troche J, Troche MS, Berkowitz R, Grossman M, Reilly J. Tone discrimination as a window into acoustic perceptual deficits in Parkinson's disease. Am j speech lang pathol. 2012;21(3):258-63. doi: 10.1044/1058-0360(2012/11-0007).
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. Por outro lado, pior detecção, discriminação e nomeação, de gaps já foi identificada em indivíduos com DP1212. Guehl D, Burbaud P, Lorenzi C, Ramos C, Bioulac B, Semal C et al. Auditory temporal processing in Parkinson's disease. Neuro­psychologia. 2008;9(46):2326-35. doi:10.1016/ j.neuropsychologia.2008.03.007.
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,1313. Troche J, Troche MS, Berkowitz R, Grossman M, Reilly J. Tone discrimination as a window into acoustic perceptual deficits in Parkinson's disease. Am j speech lang pathol. 2012;21(3):258-63. doi: 10.1044/1058-0360(2012/11-0007).
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. Acredita-se que estes achados sejam reflexo de tarefas utilizadas que recrutaram maior expressão cognitiva, pois abordaram a indicação de intervalos por meio da comparação entre condições de escuta em diferentes momentos, envolvendo também a memorização, além da percepção do intervalo em si. No GIN, considera-se a tarefa mais simples, pois o indivíduo indica a percepção do intervalo imediatamente após a apresentação do mesmo, requerendo, desta maneira, menor contribuição da memória de trabalho na execução do teste. Apesar dos métodos aplicados nos procedimentos de avaliação utilizarem a temporalidade da percepção sonora como um eixo comum, é possível que o diferencial entre os procedimentos seja a implicação, em maior ou menor grau, do aporte atencional, de memória e das funções executivas.

O presente estudo contribui com dados relevantes para a compreensão a cerca do perfil audiológico dos indivíduos com DP, contudo alguns aspectos impõem limitações a interpretação dos resultados encontrados. É possivel que o tamanho amostral do nosso estudo possa ter contribuido para diferenças não estatisticamente significantes nas análises estratificadas. É necessário também considerar um possível viés de seleção dos participantes, tanto por uma maior inclusão de indivíduos sem DP com queixa auditiva, como pela menor inclusão de indivíduos com DP em fases mais avançadas da doença, perfis encontrados com maior frequência em centros ambulatoriais especializados.

Adicionalmente, deve-se interpretar com cautela uma possível associação entre a DP e alterações na percepção temporal, uma vez que a avaliação desta habilidade parece ser influenciada pela complexidade da tarefa requerida pelo método de testagem e condições cognitivas superiores, como funções executivas e atenção. Na busca por reduzir a interferência das questões cognitivas nos procedimentos de testagem, nossa escolha metodológica foi utilizar o MEEM para a exclusão dos indivíduos potencialmente afetados cognitivamente. Entretanto, apesar do MEEM ser uma ferramenta de rastreio cognitivo simples, rápida e amplamente utilizada em populações idosas, deve-se considerar suas limitações na aplicação em indivíduos com DP, cujos comprometimentos cognitivos são mais expressivos em funções executivas superficialmente avaliados pelo MEEM.

Desta forma, recomendamos que em investigações futuras seja considerada a escolha de métodos que não estejam implicados nesse viés ou que possam correlacionar os dados auditivos com avaliações das habilidades de memória e atenção.

Conclusões

Os resultados do presente estudo permitem concluir que as alterações auditivas são frequentes em indivíduos com DP e afetam tanto o sistema auditivo periférico quanto central. O perfil audiológico encontrado mais frequentemente é de indivíduos com perda auditiva do tipo sensorioneural, de configuração descendente, alteração das emissões otoacústicas por produto de distorção, bem como prejuízo nas habilidades de ordenação temporal e detecção de gaps no ruído. No entanto, apesar destas alterações serem frequentes entre os indivíduos com DP, somente os prejuízos na habilidade de ordenação temporal estão associados com a doença, especialmente nos homens, nos indivíduos com idade menor que 65 anos e em estágio inicial

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    Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES- Brasil).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2018
  • Aceito
    12 Ago 2018
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