Dislexia e transtorno do desenvolvimento da linguagem são quadros isolados ou comórbidos? Uma revisão integrativa

RESUMO

Objetivo:

integrar evidências científicas sobre o perfil de habilidades linguísticas na dislexia do desenvolvimento e no transtorno do desenvolvimento da linguagem, para melhor compreensão de possíveis condições comórbidas ou quadros isolados.

Métodos:

trata-se de uma revisão integrativa da literatura. A busca ocorreu nas bases de dados: Scielo, Eric e LILACS, bem como no buscador PubMed. Os critérios de inclusão foram: 1) estudos publicados nos periódicos nacionais e internacionais, gratuitos, com texto completo e disponível; 2) que abordem a temática nos últimos 10 anos; 3) em inglês e/ou português.

Revisão da Literatura:

a busca contou com 654 artigos. A amostra final foi composta por dez artigos, nos quais cinco estudos são concordantes quanto à hipótese de que dislexia e transtorno do desenvolvimento da linguagem, podem ser transtornos comórbidos, com prejuízos na leitura, na escrita e na consciência fonológica; os demais estudos descrevem déficits mais amplos de linguagem nas crianças somente com transtorno do desenvolvimento da linguagem, implicados na decodificação e compreensão da linguagem, enquanto na dislexia os déficits estão associados ao processamento fonológico.

Conclusão:

não há consenso se a dislexia e o transtorno do desenvolvimento da linguagem ocorrem simultaneamente em crianças. No entanto, ambos conferem riscos à compreensão leitora e ao desempenho escolar.

Descritores:
Dislexia; Transtorno Específico de Linguagem; Leitura; Criança

ABSTRACT

Purpose:

to gather scientific evidence on the linguistic skill profile in developmental dyslexia and developmental language disorder to better understand possible comorbid or isolated conditions.

Methods:

an integrative review of the literature. The search was conducted in SciELO, ERIC, LILACS, and PubMed. The inclusion criteria were as follows: 1) studies published and available in open-access national and international journals in full text; 2) addressing the topic in the last 10 years; 3) in English and/or Portuguese.

Literature Review:

the search retrieved 654 articles, the final sample comprising 10, 5 of which agreed with the hypothesis that dyslexia and developmental language disorder can be comorbid disorders, impairing reading, writing, and phonological awareness. The other studies described broader language deficits in children with developmental language disorder alone, affecting language decoding and comprehension, whereas deficits in dyslexia are more associated with phonological processing.

Conclusion:

there is no consensus on whether dyslexia and developmental language disorders occur simultaneously in children. However, both pose risks to reading comprehension and school performance.

Keywords:
Dyslexia; Specific Language Disorder; Reading; Child

Introdução

A aprendizagem da leitura e escrita demanda o desenvolvimento de determinadas habilidades linguísticas e cognitivas, como a consciência fonológica, reflexão, manipulação, armazenamento de informações e atenção¹.

Indivíduos com transtornos do neurodesenvolvimento podem apresentar diversos níveis de comprometimento na linguagem, memória, atenção, funções executivas, habilidades perceptivo-motoras, entre outras².

Dentre os transtornos do neurodesenvolvimento, a dislexia, transtorno específico da aprendizagem, tem como prejuízo a precisão na leitura de palavras, velocidade ou fluência e compreensão³. Além disso, essas dificuldades se manifestam no início dos anos escolares, quando as habilidades acadêmicas são aprendidas. Suas manifestações não se devem à deficiência de desenvolvimento intelectual, deficiência sensorial (visão ou audição), deficiência neurológica ou motora, falta de acesso à educação, falta de proficiência na língua, de instrução acadêmica ou adversidade psicossocial⁴.

É possível identificar de forma precoce fatores de risco para dislexia em pré-escolares quanto a dificuldades na consciência fonológica, especialmente em rimas, pronúncias de palavras e dificuldades para aprender e nomear as letras⁵, que culminam em um processo de leitura e escrita não eficiente ao longo do tempo. A maioria dos indivíduos com esse diagnóstico apresenta déficit fonológico, caracterizado por uma disfunção em alguns aspectos da execução ou do processamento de sons da fala que envolvem dificuldades nas habilidades de consciência fonológica, memória operacional fonológica e lentidão no acesso lexical fonológico^6-8.

Já o transtorno do desenvolvimento da linguagem (TDL)⁹ consiste em uma condição caracterizada por dificuldade na expressão ou compreensão da linguagem, interferindo na vida diária de crianças e adultos¹⁰. É um agravo considerável na capacidade de compreender e executar a linguagem falada, independente do desenvolvimento supostamente típico¹⁰. Ainda conhecido como Distúrbio Específico de Linguagem (DEL), o termo “específico” refere-se a déficits restritos encontrados, pois as crianças não apresentam deficiências sensoriais, neurológicas, socioemocionais ou cognitivas que possam justificar suas dificuldades de linguagem¹¹.

O termo transtorno do desenvolvimento da linguagem (TDL) foi sugerido por um grupo de pesquisadores¹². Para tanto, a adoção dessa terminologia e critérios diagnósticos ainda é discutida, especialmente pela American Speech-Language-Hearing Association (ASHA)¹³. Sendo assim, o termo TDL não se encontra claramente descrito nos sistemas classificatórios do DSM-5³ e da CID 11⁴, mas será utilizado neste estudo, visto que tem sido amplamente utilizado na literatura mundial atual.

Crianças com TDL mostram desenvolvimento incomum e divergente nas competências de linguagem, além de processamento linguístico prejudicado¹⁴. Um estudo mais recente apresenta o indicativo que as crianças com TDL podem ter outras expressões sobrepondo-se aos déficits linguísticos, como: alterações de atenção, no processamento motor da fala e intelectuais, bem como a mudança na caracterização da divergência entre habilidades não-verbais e verbais. Com isso, sugere-se que crianças que apresentarem o QI não-verbal abaixo da média e que não esteja abaixo de 70 podem receber o diagnóstico de TDL¹⁰.

Dessa forma, o diagnóstico deve ser realizado precocemente, por volta dos 18 a 24 meses de vida, desde que os responsáveis estejam atentos ao desenvolvimento linguístico de seus filhos. Assim, quanto mais cedo o diagnóstico e a intervenção, melhor o prognóstico desses pacientes¹⁵. Além disso, para confirmação diagnóstica do TDL, o indivíduo não pode apresentar outros transtornos do desenvolvimento ou perda auditiva, sendo estes, fatores de exclusão¹⁶. No entanto, crianças com TDL, ao ingressarem na escola, apresentam prejuízos na leitura e escrita, assim como aquelas com dislexia.

Cabe ressaltar, não obstante, o que torna o processo de diagnóstico dessas crianças uma tarefa mais árdua é a dificuldade em encontrar instrumentos que analisem as habilidades cognitivo-intelectuais desde os pré-escolares e que sejam viáveis a aplicação pelo fonoaudiólogo^17,18.

Desse modo, o objetivo deste artigo é integrar evidências científicas sobre o perfil de habilidades linguísticas na dislexia do desenvolvimento e no transtorno do desenvolvimento da linguagem (TDL), para melhor compreensão de possíveis condições comórbidas ou quadros isolados, levando em conta que alguns estudos consideram o TDL e a dislexia como transtornos distintos, mas com possíveis comorbidades^19-21.

Métodos

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com a seguinte pergunta norteadora: qual o perfil de habilidades linguísticas dos quadros de dislexia e TDL para que possam ser identificados como comorbidades ou quadros isolados?

Este estudo foi construído com base nas seguintes etapas: estabelecimento da pergunta norteadora, definição das palavras-chave e critérios de inclusão e exclusão, seleção dos estudos e análise e interpretação dos dados.

Para seleção dos artigos, realizou-se uma busca nas bases de dados nacionais e internacionais Scielo, Medline, Eric e LILACS, e no buscador PubMed, utilizando os seguintes termos combinados em português sobre o tema em evidência: ("Dislexia") AND ("Transtorno específico de linguagem" OR "Prejuízo específico de linguagem") AND ("Diagnóstico"), ("Dislexia") AND ("Transtorno específico de linguagem" OR "Prejuízo específico de linguagem") AND ("Criança"), ("Dislexia") AND ("Transtorno específico de linguagem" OR "Prejuízo específico de linguagem") AND ("Leitura"), ("Dislexia") AND ("Transtorno específico de linguagem" OR "Prejuízo específico de linguagem") AND ("Avaliação"). Também foram utilizados os termos combinados em inglês: ("Dyslexia") AND ("Specific language impairment" OR "Specific Language Disorder") AND ("Diagnosis"), ("Dyslexia") AND ("Specific language impairment" OR "Specific Language Disorder") AND ("Children"), ("Dyslexia") AND ("Specific language impairment" OR "Specific Language Disorder") AND ("Reading"), ("Dyslexia") AND ("Specific language impairment" OR "Specific Language Disorder") AND ("Assessment").

Os critérios para inclusão dos artigos definidos para a revisão foram: 1) estudos publicados nos periódicos nacionais e internacionais, gratuitos, com texto completo e disponível nas bases de dados selecionadas; 2) que abordassem a temática nos últimos 10 anos; 3) em inglês e/ou em português. Para a seleção da amostra, foi realizada a leitura do título, seguida da leitura do resumo ou abstract, e, por fim, a leitura do artigo completo. Os critérios de exclusão foram artigos de opinião, revisão ou comunicações, estudos de congressos, resenhas e artigos duplicados.

A análise foi realizada utilizando-se uma planilha do Excel que continha os dados: ano de publicação, nome dos autores, país de publicação, objetivo do estudo, amostra, método, principais resultados e conclusão.

Com base no fluxograma (Figura 1), pode-se observar que na base de dados Lilacs foi encontrado apenas artigos para os termos ("Dislexia") AND ("Transtorno específico de linguagem" OR "Prejuízo específico de linguagem") AND ("Leitura") e ("Dislexia") AND ("Transtorno específico de linguagem" OR "Prejuízo específico de linguagem") AND ("Avaliação"). Já no buscador PubMed e nas bases de dados Scielo e Eric, foram encontrados apenas artigos com os descritores em inglês.

Figura 1
Fluxograma de busca da revisão integrativa

Revisão da Literatura

Na busca inicial, 654 artigos foram identificados no período de janeiro de 2012 a junho de 2021. A escolha de artigos indexados nos referidos bancos de dados nos últimos dez anos se dá pela crescente discussão a respeito de ambos os quadros no Brasil e no mundo. Além disso, a maior variedade no processo de amostragem, aumenta o potencial de profundidade e amplitude dos resultados da revisão²².

Em nova etapa, 644 foram excluídos por não cumprirem os critérios de elegibilidade. Ao final, dez foram selecionados no buscador Pubmed e na base de dados Eric.

A hipótese de que a dislexia e o TDL podem ser transtornos de natureza comórbida, ou seja, podem existir simultaneamente em um indivíduo, foram concordantes em cinco estudos revisados^{21,23,25,26,31}. Para esse resultado, os estudos utilizaram avaliações de linguagem, como consciência fonológica^21,26,31, leitura de palavras e pseudopalavras^21,23,25,31, vocabulário^21,24,25,31, memória de trabalho^21,24,26,28, acesso ao léxico mental^24,25, compreensão leitora^21,24,26 e escrita^23,24.

Adicionalmente, medidas de linguagem e outras habilidades cognitivas foram avaliadas nas crianças em período pré-escolar, tais como: três estudos avaliaram a memória de trabalho^21,26,27 e três a memória de curto prazo^21,26-30, um estudo avaliou as habilidades linguísticas superiores²⁶, dois avaliaram as habilidades psicomotoras^21-26 e um o desempenho acadêmico e variáveis cognitivas na compreensão verbal²⁷.

Neste contexto, um estudo de 2019, realizado na Inglaterra, comparou três grupos: crianças com TDL e dislexia, com apenas TDL ou dislexia pura e um controle com crianças sem déficit. Os prejuízos fonológicos foram mais graves nos casos comórbidos²⁵. Outro estudo revisado apresentou resultados semelhantes quanto à hipótese de dislexia e TDL como transtornos comórbidos, porém as crianças somente com dislexia apresentaram mais indicativos de conexões fonológicas deficientes quando comparadas àquelas com TDL e combinação dislexia/TDL²³.

De acordo com o estudo realizado nos Estados Unidos³¹ sobre habilidades de aprendizagem de palavras, que comparou crianças com apenas TDL, apenas dislexia, combinação de TDL/dislexia a um grupo com crianças sem déficit, os resultados indicaram que crianças com apenas dislexia e TDL/dislexia apresentaram desempenho significativamente prejudicado em tarefas que avaliaram os aspectos semânticos e fonológicos na aprendizagem de palavras.

Contrariamente, estudos realizados na China e nos Estados Unidos^27,28 concluíram que crianças com dislexia obtiveram desempenho inferior quando comparadas a seus pares com TDL puro ou comórbidos nas habilidades da linguagem que envolviam o processamento fonológico e, consequentemente, maior prejuízo na leitura e escrita em decorrência do fator etiológico do déficit fonológico.

Divergindo destes, outros pesquisadores^29,30 observaram melhor desempenho de crianças com dislexia, visto que as que tinham diagnóstico de TDL apresentaram mais evidências de déficits nas habilidades fonológicas quando comparadas a seus pares. Ainda assim, o estudo da Universidade do Chipre²⁴ observou que crianças com dislexia e TDL encontram-se prejudicadas de forma semelhante com relação ao processamento fonológico, porém com manifestações diferentes.

Os prejuízos do processamento fonológico estão diretamente relacionados ao potencial da criança quanto à aprendizagem da leitura e escrita, visto que são preditores que proporcionam a futura decodificação e compreensão leitora²⁷. De tal maneira, crianças com estes dois quadros já iniciam a alfabetização com esta lacuna desenvolvimental e, portanto, é essencial que o professor tenha o conhecimento destes transtornos.

Os déficits fonológicos observados na dislexia podem contribuir para um perfil diferente de comprometimento de leitura e processamento ortográfico daquele observado em crianças com TDL²⁴. Além disso, os prejuízos na memória verbal de curto prazo mapeiam problemas mais graves de leitura de palavras e processamento ortográfico para o grupo com dislexia quando comparado ao de crianças com TDL.

Adicionalmente, crianças com o diagnóstico de dislexia apresentaram desempenho inferior aos seus pares com TDL em compreensão leitora, visto que estes escolares obtiveram mais dificuldades em tarefas de consciência fonológica, memória de trabalho e acesso ao léxico mental, habilidades preditoras relevantes para a aquisição da leitura^21-29.

Com relação à habilidade de escrita, observou-se que os participantes de um estudo na Inglaterra que tinham diagnóstico de dislexia e TDL comórbidos apresentaram mais dificuldades ortográficas que as crianças com diagnóstico exclusivo de TDL. Essas dificuldades foram caracterizadas principalmente por erros ortográficos, fonológicos e semânticos²⁵.

Ademais, crianças com TDL, com ou sem dislexia, apresentaram uma gama mais ampla de deficiências, incluindo problemas significativos com tarefas executivas e motoras, bem como déficits cognitivos primários que acarretam o risco de dificuldade de leitura²⁶.

Quadro 1
Síntese dos artigos selecionados para a revisão

Autores e ano	País	Objetivos	Metodologias	Resultados
Talli et al. (2016)30	Grécia	Investigar se o transtorno específico de linguagem e dislexia são transtornos distintos ou se as deficiências de leitura estão sempre presentes no TDL.	Estudo transversal. Amostra composta por 15 crianças que receberam diagnóstico de TDL por meio de fonoaudiólogos e que apresentaram distúrbios de linguagem na idade pré-escolar e 15 crianças diagnosticadas com dislexia na segunda ou terceira série por meio de uma avaliação interdisciplinar em hospitais gregos. Para o grupo controle foram selecionadas 30 crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental. Foram avaliadas as habilidades de decodificação, consciência fonológica e compreensão leitora.	Este estudo não considerou TDL e dislexia como transtornos comórbidos, visto que na comparação entre grupos, encontrou-se mais evidências de déficits nas habilidades fonológicas no grupo com TDL do que no de dislexia. Das 30 crianças dos dois grupos clínicos, 8 apresentaram desempenho de compreensão leitora dentro dos padrões normativos, sendo 3 do grupo TDL e 5 da dislexia. Oitenta porcento das crianças com TDL apresentaram déficits fonológicos e apenas 47% no grupo da Dislexia.
Ramus et al. (2013)21	Inglaterra	Comparar crianças com TDL e dislexia, apenas com TDL e apenas com dislexia, para verificar suas habilidades fonológicas e cognitivas	Estudo transversal. Amostra composta inicialmente por 129 crianças, 30 com TDL e dislexia, 13 apenas com TDL, 21 apenas com dislexia e 65 crianças controle. Foram avaliadas as habilidades de consciência fonológica, morfossintaxe, prosódia, leitura de não-palavras, vocabulário, memória de trabalho fonológica e compreensão leitora.	As habilidades de linguagem avaliadas no estudo constataram que as crianças com TDL nem sempre apresentam déficits fonológicos e prejuízos na leitura. Enquanto TDL e dislexia podem frequentemente coexistir; há TDL puro e dislexia pura. Crianças com dislexia pura são caracterizadas por prejuízos nas habilidades fonológicas, apenas abaixo da média em vocabulário, não em habilidades gramaticais. Crianças com TDL e dislexia comórbidos foram caracterizadas por déficits nas três dimensões de linguagem estudadas, e esses déficits foram geralmente mais graves do que crianças com TDL ou dislexia isoladas. Crianças com TDL puro são igualmente prejudicadas nas habilidades fonológicas e na expressão.
Lauterbach et al. (2017)28	Estados Unidos da América	Explorar o desempenho das variáveis cognitivas e de linguagem em prever as habilidades de leitura em crianças com dislexia e TDL, e analisar quais variáveis são mais preditivas para diferenciar os dois grupos.	Estudo transversal. Amostra composta por 44 participantes com dislexia e 19 com TDL. Foram avaliadas as habilidades de consciência fonológica, leitura de não-palavras, compreensão leitora, variáveis cognitivas e memória de trabalho.	O grupo de participantes com dislexia mostrou melhor desempenho nas medidas de habilidade intelectual geral, leitura e compreensão verbal e compreensão oral. Apesar disso, mostraram menores pontuações nas habilidades de consciência fonêmica quando comparados com o grupo com TDL. Foi observado que a memória de trabalho foi o preditor principal do grupo com TDL para a leitura das pseudopalavras, já no grupo com dislexia foi a consciência fonológica. Por fim, observou-se que para diferenciar os dois grupos pode-se usar a compreensão verbal, consciência fonológica e eficiência da decodificação leitora.
McCarthy (2014)23	Estados Unidos da América	Investigar como a linguagem oral e a leitura de palavras se relacionam com as habilidades ortográficas em crianças com TDL, dislexia e ambos, quando comparadas com seus pares com desenvolvimento típico.	Caso Controle. Amostra composta por 43 crianças com TDL, 21 com dislexia e 18 com ambos. Foram avaliadas a leitura de palavras e o desempenho ortográfico dos sujeitos.	Crianças com dislexia e TDL/dislexia, apresentaram baixa precisão ortográfica, um suporte adicional para a teoria de que dislexia e TDL são comórbidos, caracterizados por erros fonológicos, ortográficos e semânticos.
Farquharson et al.(2014)29	Estados Unidos da América	Examinar a influência das características fonológicas e lexicais na consciência fonológica de crianças com dislexia e/ou TDL.	Estudo transversal. Amostra composta por 33 crianças com desenvolvimento típico, 13 com TDL e 18 com dislexia, estudantes da 2ª série do ensino fundamental. Foram avaliadas as habilidades de consciência fonológica e decodificação de palavras. Cada criança completou uma bateria de avaliações de linguagem, decodificação de palavras, inteligência não verbal e consciência fonológica. As medidas incluíam tanto avaliações padronizadas quanto tarefas experimentais.	Crianças com dislexia apresentaram mais dificuldades caracterizadas pelo déficit fonológico, do que seus pares com TDL e com desenvolvimento típico.
Spanoudis et al.(2019)24	Chipre	Investigar a possível coocorrência de TDL e dislexia, bem como a natureza dessa coocorrência em um nível linguístico e cognitivo em uma língua ortograficamente consistente.	Estudo transversal. Amostra composta por 140 crianças cipriotas gregas do 2º e 4º ano, divididas em quatro grupos: grupo comórbido, grupo com dislexia, grupo com TDL e grupo controle sem déficits. Foram avaliadas as habilidades de leitura, gramática, vocabulário receptivo, acesso ao léxico mental, memória de trabalho fonológica, semântica e ortografia.	Nas medidas cognitivas o grupo TDL apresentou resultado inferior nas figuras de memória, dígitos, memória fonológica e velocidade de nomeação. Na linguagem, apresentaram déficits comparáveis na semântica, compreensão leitora, sem prejuízos relacionados na consciência fonológica. Crianças com TDL e dislexia compartilham características em comum, com prejuízo na semântica, compreensão leitora, memória de curto prazo verbal e na identificação da palavra ortograficamente. No entanto, manifestam-se com sintomas diferentes. O grupo controle apresentou desempenho significativamente com menores prejuízos cognitivos e de linguagem.
Snowling et al. (2019)25	Inglaterra	Rastrear a evolução de problemas na leitura desde o estágio inicial do desenvolvimento.	Estudo longitudinal. Amostra composta por 260 crianças, divididas em crianças com fatores de risco para alterações de linguagem, com risco familiar e com desenvolvimento típico. Foram analisadas habilidades como a leitura, gramática receptiva e expressiva, nomeação automática rápida, consciência fonológica, vocabulário, compreensão e funções executivas.	Déficits fonológicos são fatores de risco compartilhados para dislexia e TDL. Para os que apresentam dislexia e TDL comórbidos, os prejuízos são mais graves na leitura e na consciência fonológica do que os observados em crianças com o transtorno puro.
Schuchardt et al.(2013)27	Alemanha	Investigar se crianças com transtorno de aprendizagem possuem déficits na memória de trabalho semelhante a crianças com TDL.	Estudo transversal. Amostra composta por 113 crianças divididas em 5 grupos: 30 crianças com dislexia; 16 com dislexia que recebem educação especial; 19 crianças com uma combinação de dificuldades nas habilidades escolares; 18 crianças com combinação de dificuldades nas habilidades escolares recebendo educação especial; e 30 crianças em um grupo controle. Foram avaliadas a memória de trabalho, funções executivas e habilidades visuoespaciais.	Foram encontrados déficits na alça fonológica, bem como nas funções executivas, em crianças com dislexia e com TDL. Os déficits no funcionamento fonológico foram mais amplos e profundos nas crianças com TDL.
Wong et al. (2017)26	China	Examinar se a memória de trabalho e as habilidades de idiomas de nível superior foram responsáveis ​​pelas diferenças individuais entre as crianças chinesas na compreensão da leitura e se crianças com transtorno de linguagem (TDL) ou dislexia apresentaram déficits nessas habilidades.	Estudo transversal. Amostra composta por oitenta e duas crianças de língua chinesa cantonesa com idade entre 7 e 8 anos, com desenvolvimento típico, dislexia, TDL e ambos. Foram avaliadas as habilidades de memória de trabalho e compreensão leitora.	Crianças com apenas TDL e crianças com apenas dislexia mostraram perfil diferente de déficits. O grupo comórbido TDL-D foi pior do que o grupo somente TDL, mas não o grupo somente D, em compreensão de leitura. O grupo de comorbidade com TDL-D não teve pior desempenho do que qualquer um dos grupos de diagnóstico único nas habilidades de linguagem de nível superior associadas à compreensão de leitura.
Adlof et al.(2021)31	Estados Unidos da América	Examinar as diferenças de grupo nas medidas globais de aprendizagem de palavras em crianças com apenas TDL e apenas dislexia em comparação entre si, para pares com TDL + dislexia e para pares com desenvolvimento típico).	Estudo transversal. Amostra composta por crianças (N = 244) com idades entre 7 anos e 10 meses e 9 anos e 4 meses. Foram avaliadas as habilidades de linguagem, fluência de leitura, memória fonológica, habilidades cognitivas não verbais e semântica (nomeação e recordação).	Crianças com apenas dislexia tiveram um desempenho significativamente melhor nas medidas de vocabulário existentes do que seus pares com apenas TDL. Em medidas experimentais de aprendizagem de palavras, as crianças dos grupos apenas dislexia e TDL +dislexia apresentaram desempenho significativamente inferior do que crianças com desenvolvimento típico em todas as tarefas de aprendizagem de palavras. As crianças com apenas TDL diferiram significativamente do grupo de desenvolvimento típico em uma tarefa de aprendizagem de uma única palavra avaliando a recordação semântica verbal.

• Legenda: TDL: Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem; D: Dislexia; TDL-D: Transtorno do Desenvolvimento da Linguagem - Dislexia; N = tamanho da população.

Diante do exposto, notou-se que não há consenso na literatura acerca da natureza desses transtornos, se são comórbidos ou não, bem como quais características linguísticas podem diferenciar a dislexia do TDL.

Achados importantes apontaram para as habilidades fonológicas, explicando as semelhanças e diferenças na dislexia e TDL, por meio de uma ampla base de habilidades linguísticas, especialmente envolvidas com a aprendizagem da leitura e escrita.

Apesar dos estudos descreverem aspectos do funcionamento cognitivo-linguístico nestes quadros, o entendimento de evidências metodológicas que possam garantir o diagnóstico diferencial entre ambos contribui para o avanço científico. Assim, o papel dos profissionais que atuam em equipe interdisciplinar, em especial a Fonoaudiologia e a Psicologia/Neuropsicologia, auxilia na identificação de características clínicas que ainda são passíveis de erros diagnósticos.

Independente das características se manifestarem comuns ou distintas, sejam na dislexia do desenvolvimento ou no TDL, as evidências científicas também denotam que os comprometimentos no funcionamento cognitivo, especialmente na linguagem e suas especificidades na leitura e escrita, prejudicam o desempenho acadêmico destas crianças durante o período escolar^17,18. Depreende-se que a avaliação interdisciplinar, especialmente da Psicologia e Fonoaudiologia, é necessária para um diagnóstico mais preciso e direcionamento das condutas terapêuticas a partir do perfil do indivíduo.

Conclusão

Ainda não há consenso se a dislexia do desenvolvimento e o transtorno do desenvolvimento da linguagem (TDL) ocorrem simultaneamente. Entretanto, as habilidades fonológicas mostraram-se importantes para explicar as dificuldades de leitura entre os transtornos, especialmente comprometidas na dislexia. Estes achados apoiam o princípio de que a dislexia e o TDL necessitam de avaliações diagnósticas completas por uma equipe interdisciplinar, a fim de caracterizar o perfil de habilidades linguísticas para melhor conduta terapêutica, bem como o olhar cuidadoso do professor no início da alfabetização para os sinais sugestivos das dificuldades inerentes aos mesmos.

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• Trabalho realizado no Departamento de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Out 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  30 Dez 2021
• Aceito
  06 Jul 2022