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Fonoaudiologia e Psicanálise: estudo de casos com crianças com atraso na linguagem oral

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo estudar os efeitos das intervenções interdisciplinares da Fonoaudiologia e da Psicanálise com crianças com atraso na linguagem. Trata-se de um estudo de casos comparativo entre dois grupos com análise quantitativa e qualitativa, com quatro crianças, por meio da aplicação do Protocolo de Observação Comportamental pré e pós-intervenção, entrevistas com os pais, registros das filmagens das crianças durante o brincar e dos diálogos interdisciplinares entre as profissionais. As avaliações pré-intervenções mostraram que as crianças de menor idade obtiveram similaridade nos aspectos que se referiam às habilidades e funções comunicativas, desenvolvimento cognitivo e nível do brinquedo. Ambas as crianças apresentaram dificuldades quanto à alternância de turnos. As avaliações das crianças com idade mais elevada, na fase pré-intervenção, também indicaram semelhanças nos resultados. Um sujeito apresentou maior dificuldade quanto a aguardar o seu turno na atividade dialógica. Os resultados pós-intervenção interdisciplinar apresentaram uma melhora superior aos dois casos acompanhados somente pela fonoaudióloga. O diálogo interdisciplinar possibilitou a evolução de forma efetiva nos casos do grupo 2. Um olhar psicanalítico sobre os casos que receberam somente intervenção fonoaudiológica permitiria intervir junto aos pais, às crianças e à escola.

Descritores:
Psicanálise; Fonoaudiologia; Pesquisa Interdisciplinar; Linguagem Infantil

ABSTRACT

The present research aims to study the effects of interdisciplinary interventions of Speech Therapy and Psychoanalysis in children with language delay. This is a comparative case study between two groups with quantitative and qualitative analysis, with four children, through the application of the Protocol of Behavioral Observation Protocol pre and post intervention, interviews with parents, records of children's filming during playing and interdisciplinary dialogues among the professionals. The pre-intervention evaluations showed that underage children obtained similarity in aspects that related to communicative skills and functions, cognitive development and toy level. Both groups presented difficulties regarding the alternation of turns. The assessments of older children, in the pre-intervention phase, also indicated similarities in the results. One subject presented a greater difficulty when waiting for his turn in dialogic activity. The results post-interdisciplinary intervention showed a superior improvement compared to the two cases followed only by the speech therapist. The interdisciplinary dialogue made it possible to effectively evolve in the cases of group 2. A psychoanalytic look over the cases that received only speech therapy intervention would allow intervention along with parents, children and school.

Keywords:
Psychoanalysis; Speech Therapy; Interdisciplinary Research; Child Language

Introdução

A aquisição da linguagem ocorre gradativamente ao longo do desenvolvimento da criança, considerando os aspectos linguísticos da comunidade na qual está inserida. Um conjunto de elementos fazem parte dos processos do desenvolvimento da linguagem: neurológicos, físicos, cognitivos, comportamentais, sociais e psicológicos11. Scarpa EM. Aquisição da linguagem. In: Mussalim F, Bentes AC, editors. Introdução à linguística: domínios e fronteiras. v.2. São Paulo: Cortez, 2001. p.203-32.

2. Silva CLC. A instauração da criança na linguagem: princípios para uma teoria enunciativa em aquisição da linguagem [dissertation]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2007.

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-44. Gubiani MB, Brancalioni AR, Keske-Soares M. Mudanças no sistema fonológico após terapia fonológica de abordagem contrastiva. Rev. soc. bras. fonoaudiol. 2012;17(4):435-40..

O desenvolvimento da linguagem ocorre desde o nascimento, mas, por volta dos 2 anos de idade, a criança começa a se comunicar de forma mais inteligível com um léxico ainda limitado e formando frases telegráficas. Anteriormente a essa idade, a criança se utiliza dos sons da fala, dos gestos, do olhar, da expressão facial para se comunicar com o mundo55. Korpilahti P, Kaljonen A, Jansson-Verkasalo E. Identification of biological and environmental risk factors for language delay: the Let's Talk STEPS study. Infant Behavior & Development. 2016;42:27-35.

6. Vargas DZ, Mezzomo CL, Freitas CR. Language delay and phonological disorders: a continuum or two distinct disease? Rev. CEFAC. 2015;17(3):751-8.

7. Mousinho R, Schmid E, Pereira J, Lyra L, Mendes L, Nóbrega V. Aquisição e desenvolvimento da linguagem: dificuldades que podem surgir neste percurso. Rev. Psicopedagogia. 2008;25(78):297-306.
-88. Mancopes R. Falantes tardios ou atraso de linguagem? Reflexões entre a lingüística e a fonoaudiologia. Desenredo. Passo Fundo. 2006;2(2):288-306..

Quando a criança não se desenvolve conforme o esperado, diz-se que ela apresenta alteração de linguagem oral, que abrange um conjunto de classificações heterogêneas. Uma delas é o atraso da linguagem, que se caracteriza por um atraso geral na aquisição e expressão de todos os componentes da linguagem. Quando se percebe não somente um atraso cronológico, mas uma construção desviante da linguagem, tem-se os distúrbios de linguagem, que podem ser decorrentes de patologias específicas (perda auditiva, autismo, deficiência intelectual, problemas neurológicos), ou sem causa aparente. Ainda, tem-se o transtorno dos sons da fala, que ocorre quando o desenvolvimento da linguagem inicia dentro do tempo previsto, mas com desorganizações no componente fonológico66. Vargas DZ, Mezzomo CL, Freitas CR. Language delay and phonological disorders: a continuum or two distinct disease? Rev. CEFAC. 2015;17(3):751-8.

7. Mousinho R, Schmid E, Pereira J, Lyra L, Mendes L, Nóbrega V. Aquisição e desenvolvimento da linguagem: dificuldades que podem surgir neste percurso. Rev. Psicopedagogia. 2008;25(78):297-306.

8. Mancopes R. Falantes tardios ou atraso de linguagem? Reflexões entre a lingüística e a fonoaudiologia. Desenredo. Passo Fundo. 2006;2(2):288-306.

9. Bettio CDB, Bazon MR, Schmidt A. Fatores de risco e de proteção para atrasos no desenvolvimento da linguagem. Psicologia em estudo. 2019;24:e41889.

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11. Amorim R. Avaliação da criança com alteração da linguagem. Nascer e crescer Revista do hospital de crianças Maria Pia. 2011;20(3):S174-S176.
-1212. Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria. 2004;80(Supl 2):S95-S103..

Especificamente, em relação ao atraso de linguagem, a literatura aponta alguns fatores de risco relacionados a esse acometimento. Por um lado, são citados fatores neurológicos, biológicos e cognitivos que estão ligados ao período pré, peri e pós-natais. Consideram-se, dentre esses casos, a prematuridade, otite média persistente, lesão cerebral e hemorragia intracraniana. São quadros que colaboram para os casos de atrasos na linguagem, ao passo que influenciam na maturação neuronal e no desenvolvimento auditivo nos primeiros anos da criança99. Bettio CDB, Bazon MR, Schmidt A. Fatores de risco e de proteção para atrasos no desenvolvimento da linguagem. Psicologia em estudo. 2019;24:e41889.,1010. Panes ACS, Corrêa CC, Maximino LP. Checklist for identifying children with risk factors for oral language disorders: new proposal. Distúrb. Comum. 2018;30(2):278-87.,1212. Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria. 2004;80(Supl 2):S95-S103.

13. Oliveira AC, Cesar CPHAR, Matos GG, Passos PS, Pereira LD, Alves T et al. Hearing, language, motor and social skills in the child development: a screening proposal. Rev. CEFAC. 2018;20(2):218-27.
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Por outro lado, estudos indicam que fatores psíquicos, ambientais, familiares e socioeconômicos também podem estar associados ao atraso de linguagem. Foram destacados alguns fatores nos estudos como: baixa escolaridade dos pais, baixo nível socioeconômico da família, condições precárias de saúde, falta de recursos sociais/educacionais, problemas de saúde mental da mãe ou de quem cuida, conflitos familiares (violência, abuso), pouca interação com os pais e falta de estimulação da criança99. Bettio CDB, Bazon MR, Schmidt A. Fatores de risco e de proteção para atrasos no desenvolvimento da linguagem. Psicologia em estudo. 2019;24:e41889.,1010. Panes ACS, Corrêa CC, Maximino LP. Checklist for identifying children with risk factors for oral language disorders: new proposal. Distúrb. Comum. 2018;30(2):278-87.,1515. Nazario CG, Rechia IC, Fattore IM, Nunes SF, Souza APR. Comparison between language assessments in childhood and its relationship to psychic risk. Distúrb Comum. 2019;31(1):104-18.

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Considerando a demanda de tratamento clínico para os atrasos de linguagem, este estudo propõe-se à análise dos efeitos de um trabalho interdisciplinar entre Psicanálise e Fonoaudiologia. A união entre o inter e o disciplinar significa o que é comum a duas ou mais áreas do conhecimento2020. Garcia MAA, Pinto ATBCS, Odoni APC, Longhi BS, Machado LI, Linek MDS et al. Interdisciplinaridade necessária à educação médica. RBEM. 2007;31(2):147-55.,2121. Vilela EM, Mendes IJM. Interdisciplinaridade e saúde: estudo bibliográfico. Rev Latino-am Enfermagem. 2003;11(4):525-31.. Assim, atenta-se a disciplinas que compartilham o mesmo território: linguagem, fala, palavra e escuta2222. Cunha MC. Fonoaudiologia e Psicanálise: a fronteira como território. São Paulo: Plexus, 1997..

No entanto, demarca-se a diferença conceitual acerca do termo atraso para as duas áreas - Psicanálise e Fonoaudiologia - no que diz respeito à fala e à linguagem. No campo fonoaudiológico, tem-se o atraso de fala ligado a uma alteração do desenvolvimento fonológico e o atraso no desenvolvimento da linguagem, mais global, relativo à linguagem que não acontece dentro da idade esperada cronologicamente77. Mousinho R, Schmid E, Pereira J, Lyra L, Mendes L, Nóbrega V. Aquisição e desenvolvimento da linguagem: dificuldades que podem surgir neste percurso. Rev. Psicopedagogia. 2008;25(78):297-306.,99. Bettio CDB, Bazon MR, Schmidt A. Fatores de risco e de proteção para atrasos no desenvolvimento da linguagem. Psicologia em estudo. 2019;24:e41889.,1111. Amorim R. Avaliação da criança com alteração da linguagem. Nascer e crescer Revista do hospital de crianças Maria Pia. 2011;20(3):S174-S176.,1212. Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria. 2004;80(Supl 2):S95-S103..

Já na Psicanálise, o atraso no desenvolvimento da fala estaria relacionado a uma condição sintomática do sujeito e não patológica. Partindo dessa premissa, considera-se importante situar que o referencial teórico que norteará essa pesquisa parte da compreensão de que o sujeito está vinculado a um processo de subjetivação onde o sintoma perpassa um caminho estruturante de constituição psíquica.

Na especificidade da leitura psicanalítica, adotada neste estudo, a concepção de sujeito compreende um processo de subjetivação da criança atravessada na e pela linguagem. Dessa forma, não é possível pensar o processo de aquisição da linguagem dissociado deste processo constitutivo. Diante do exposto, a criança constitui sua subjetividade alicerçada na dinâmica familiar de onde podem emergir sintomas referentes ao atraso no desenvolvimento da fala, uma vez que a criança faz referência a um lugar e a uma significação no discurso parental.

Tendo o fenômeno da linguagem como ponto central deste estudo, busca-se, por meio de ambas as áreas do conhecimento, esclarecer as alterações observadas no processo de aquisição da linguagem e seus desdobramentos, bem como as contribuições teórico-práticas interdisciplinares para a efetividade no tratamento do atraso da linguagem, muito frequente na clínica fonoaudiológica.

É na interlocução entre Psicanálise e Fonoaudiologia que o desenvolvimento da linguagem, típico ou com atraso, pode ser uma aposta promissora. A intervenção precoce em casos de atrasos da linguagem, considerando que a prevenção ou a antecipação está determinada pela noção do tempo, poderia evitar a instalação de um sintoma de linguagem ou o agravamento dos problemas do desenvolvimento2323. Laznik MC. A voz da sereia: o autismo e os impasses na constituição do sujeito. Salvador: Ágalma, 2013.

24. Bernardino LMF. Abordagem psicanalítica do desenvolvimento infantil e suas vicissitudes. In: Bernardino LMF, editor. O que a psicanálise pode ensinar sobre a criança, sujeito em constituição. São Paulo: Escuta, 2006. p.19-41.
-2525. Bernardino LMF. A contribuição da psicanálise para a atuação no campo da educação especial. Estilos da Clínica. 2007;XII(22):48-67..

Assim, esse estudo tem como objetivo estudar os efeitos das intervenções interdisciplinares da Fonoaudiologia e da Psicanálise com crianças com atraso na linguagem.

Apresentação dos Casos

Esta pesquisa foi devidamente registrada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Maria, Brasil, sob o número de registro 4.334.964. Trata-se de um estudo de casos e foi realizado mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos pais das crianças. As crianças também concordaram com a pesquisa por meio do Termo de Assentimento.

A amostra foi constituída por quatro crianças do sexo masculino, com atraso de linguagem oral, tendo idades entre 2:0 e 4:11 anos, selecionadas a partir da lista de espera do Serviço de Atendimento Fonoaudiológico (SAF) da Instituição de Ensino Superior (IES) em que a pesquisa foi realizada.

Foram excluídas desta pesquisa crianças que apresentaram alterações auditivas ou estivessem passando por quadro de infecção de orelha média (otite); alterações neurológicas; deficiência intelectual associada ou não a síndromes; transtorno fonológico exclusivo e crianças que já tivessem passado por terapia fonoaudiológica. Já os critérios de inclusão para os pais das crianças foram: o aceite na participação do estudo; terem filhos com diagnóstico de atraso de linguagem oral; serem monolíngues do português brasileiro e serem responsáveis legais de seus filhos.

Para a seleção dos sujeitos da pesquisa, inicialmente foram analisados os relatórios de acolhimento de dez pacientes que aguardavam atendimento no setor de linguagem do SAF, entre abril e maio de 2021. Os relatórios continham dados de identificação, contato, entrevista inicial, procedimentos de avaliação, impressão diagnóstica e conduta, que permitiram acessar informações sobre o histórico da criança, a saúde geral e auditiva.

Salienta-se que, apesar de se considerar a idade de 2 anos como mínima e marco etário para diagnóstico de alteração de linguagem oral, duas crianças foram incluídas no estudo com idade inferior. Optou-se por incluí-las, pois estas apresentavam idade próxima aos 2 anos e características de desenvolvimento compatíveis com o atraso de linguagem oral.

Todas as crianças foram submetidas à anamnese, entrevista, Avaliação Miofuncional Orofacial com Escores (AMIOFE)2626. Felício CM, Ferreira CLP. Protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2008;7(3):367-75., avaliação auditiva e avaliadas pelo instrumento fonoaudiológico Protocolo de observação comportamental (PROC)2727. Hage SRV, Pereira TC, Zorzi JL. Protocolo de observação comportamental - PROC: Valores de referência para uma análise quantitativa. Rev. CEFAC. 2012;14(4):677-90.. Nessa fase de seleção de amostra, o PROC serviu para diagnóstico, a fim de confirmar a impressão diagnóstica de atraso de linguagem. Este instrumento também possibilitou uma análise comparativa, por meio da reaplicação posterior à intervenção. Salienta-se que a anamnese, as avaliações de linguagem, de motricidade orofacial e de triagem auditiva foram realizadas por uma fonoaudióloga com experiência na área de linguagem, que participou de forma voluntária da pesquisa.

Após a conclusão das avaliações descritas, foi obtido um número de quatro sujeitos e realizado um sorteio para eleger dois sujeitos para cada grupo. Os sujeitos foram designados para os grupos de terapia, denominados Grupo 1 (G1) - composto por duas crianças que receberam somente intervenção fonoaudiológica; e Grupo 2 (G2) - composto por duas crianças que receberam intervenção fonoaudiológica e psicológica, apostando-se nas intervenções com caráter interdisciplinar.

Quanto aos procedimentos de coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos e procedimentos:

  • PROC, aplicado pela fonoaudióloga com o objetivo de comparar os resultados da avaliação de cada participante pré e pós-intervenção;

  • Análise psicanalítica, realizada pela psicóloga, primeira autora desse estudo, a fim de avaliar a associação das questões sintomáticas das crianças ao atraso no desenvolvimento da fala (atraso de linguagem para Fonoaudiologia);

  • Sessões com os pais, realizadas também pela psicóloga, para compreensão da dinâmica familiar e do lugar das crianças no discurso parental.

Os encontros com as crianças foram realizados semanalmente, durante um período de três meses. No G1 ocorreram 12 sessões de terapia fonoaudiológica com cada criança e, no G2, 12 sessões de terapia fonoaudiológica e 12 sessões de psicoterapia. As crianças foram filmadas durante os momentos de interação com as profissionais.

Com as crianças do G1, a fonoaudióloga realizou a terapia conforme tradicionalmente vinha trabalhando desde a sua formação e conforme linha teórica de base cognitivista. Já no G2, as profissionais definiram previamente objetivos e estratégias necessárias para o trabalho, como preconiza o trabalho interdisciplinar. No G2 iniciaram-se as sessões com a fonoaudióloga e, na sequência, realizaram-se as sessões com a psicóloga. Todas as sessões tiveram duração aproximada de 50 minutos cada.

Já o acompanhamento com os pais foi realizado quinzenalmente e as sessões foram gravadas em áudio. Ao final do trabalho, foram realizadas devolutivas com os pais das crianças, bem como encaminhamentos necessários.

O diálogo interdisciplinar entre a fonoaudióloga e a psicóloga ocorreu semanalmente, a fim de discutirem questões acerca da fala e da linguagem apresentadas ao longo das sessões com as crianças do G2.

A análise dos resultados foi desenvolvida a partir das transcrições dos vídeos filmados ao longo das sessões, cujos dados foram posteriormente analisados por meio de recortes clínicos dos casos e das intervenções com base de sustentação pela teoria psicanalítica. A transcrição das gravações das entrevistas com os pais também permitiu serem incluídas na análise do estudo informações acerca da história pregressa da criança.

Ainda, foram incluídas para análise as trocas nas intervenções realizadas entre a fonoaudióloga e a psicóloga. Adicionalmente, os dados obtidos por meio do PROC foram computados, conforme as indicações contidas no protocolo, a fim de observar a evolução na linguagem e no brincar simbólico.

Resultados

Para apresentação dos resultados deste estudo, as crianças do G1 (intervenção fonoaudiológica) serão chamadas de Bento e Wagner, e as do G2 (intervenção interdisciplinar), Gabriel e Lúcio.

O Quadro 1 apresenta os resultados do PROC realizados pré e pós-intervenção dos quatro sujeitos, seguida da descrição dos resultados das intervenções de cada caso. A seguir, serão explanadas as análises dos casos clínicos.

Quadro 1
Resultados do Protocolo de Observação Comportamental pré e pós- intervenção

O caso Bento (G1)

Bento iniciou a terapia quando tinha 1 ano e 11 meses. A gestação não foi planejada. Foi uma gestação gemelar, bivitelina. Os bebês nasceram prematuros, de parto cesariano, com 7 meses. Bento nasceu com 1.550 g e ficou, durante 1 mês, no Centro de Terapia Intensiva (CTI). O irmão nasceu morto, com 700 g. Segundo relato do pai, Bento se alimentava mais que o irmão, que não ganhou peso suficiente para se desenvolver.

Quanto ao desenvolvimento da linguagem, Bento proferiu as primeiras palavras com 1 ano de idade e, com 1 ano e 7 meses, falava em torno de quinze palavras. Em relação ao desenvolvimento neuropsicomotor, engatinhou (quadrúpede) com 1 ano e 7 meses e caminhou com 1 ano e 10 meses. Devido à prematuridade, desde os 4 meses realiza acompanhamento semanal com terapeuta ocupacional e acompanhamento trimestral pediátrico.

Em relação aos antecedentes fisiopatológicos, o pai relatou que o filho de uma prima sua, há 4 anos, foi diagnosticado com autismo e que se preocupava em relação ao filho vir a ser autista, por apresentar alguns comportamentos repetitivos, como, por exemplo, colocar as mãos na cabeça e gritar.

Em relação aos resultados do PROC, verificou-se, na avaliação pré-intervenção, na categoria habilidades comunicativas, que Bento demonstrou dificuldades na interação, na intenção comunicativa, na alternância de turnos, com ausência em vários aspectos nas funções comunicativas. Apresentou comunicação intencional com funções primárias e restrita participação em atividade dialógica por meios não verbais. Na categoria níveis de contextualização da linguagem, observou-se que a linguagem se referia somente à situação imediata e concreta, compreendendo ordens somente com uma ação. Quanto aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, percebeu-se que Bento explorou os objetos por meio de poucas ações, manipulando-os sem uma organização, não apresentando condutas simbólicas, somente sensório-motoras.

No período pré-intervenção, observava-se em Bento restrito vocabulário, não esperado para a sua idade. A sintaxe era estruturada com poucas produções de palavras, de forma isolada, e, na maioria das vezes, utilizava-se da comunicação não-verbal, como apontar para solicitar ordens e objetos.

A terapia fonoaudiológica baseou-se na estimulação da linguagem expressiva e compreensiva oral. As sessões foram realizadas de forma lúdica, com o objetivo de ampliar o léxico, estimular a construção de frases simples, desenvolver a intenção comunicativa, alternância de turnos, funções comunicativas e aprimorar o brincar simbólico, o qual estava em construção durante o processo terapêutico.

Ao longo do processo terapêutico, Bento dirigia-se mais à fonoaudióloga, solicitava objetos de forma verbal, com utilização de palavras isoladas. Os pais eram orientados, pela terapeuta, a dialogar mais com o filho e atribuir significado às suas palavras e ações.

Após as 12 sessões, constatou-se que Bento começou a apresentar interação e intenção comunicativa, porém ainda com dificuldades em relação aos turnos e à alternância destes. Apresentou melhora em alguns aspectos das funções comunicativas, visto que, por meio de gestos (apontar, negar com a cabeça, gesto de vem cá), solicitou objetos, pediu permissão, interrompeu uma ação indesejada, iniciou e encerrou a interação. Produziu vocalizações não articuladas, mas notou-se que ele estava em um processo de construção verbal do desenvolvimento da linguagem oral.

Na categoria níveis de contextualização da linguagem, observou-se que a linguagem se referia somente à situação imediata e concreta e, na categoria compreensão verbal, executou ordens somente com uma ação. Quanto aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, percebeu-se que Bento explorou os objetos com tempo curto de atenção, de modo rápido e superficial e por meio de poucas ações. Ainda apresentava condutas sensório-motoras, apesar de já estar em processo de transição para condutas simbólicas.

Quanto ao nível do brinquedo, organizou as miniaturas em pequenos grupos, reproduzindo situações parciais, mas sem uma organização de todo o conjunto, indicando dificuldades quanto à evolução nos aspectos do brincar. Percebeu-se melhora em questões relacionadas à linguagem do paciente, porém ainda em atraso, não se encontrando de acordo com a idade esperada. Bento produziu palavras isoladas em maior quantidade, demonstrando ampliação do vocabulário e produções de pequenas frases telegráficas como, por exemplo, “me dá”. Além disso, foi observada melhora na organização do brincar.

O caso Wagner (G1)

Wagner estava com 04 anos e 09 meses no início da pesquisa. A mãe trouxe a queixa de atraso de fala evidenciado pela professora da escolinha que ele frequentava desde 1 ano e 5 meses, e posteriormente confirmado pela pediatra. Quanto ao período gestacional, a gravidez não foi planejada e o pai não reagiu bem à notícia. O parto foi normal, de 38 semanas e Wagner apresentou peso equivalente a 3,2 kg, medindo 47 cm, sendo que não houve intercorrências neste período.

Em relação à amamentação, devido a fissuras no seio, a mãe amamentou por pouco tempo. Wagner fazia uso de mamadeira na ocasião da entrevista. Utilizava chupeta na maior parte do dia e durante a noite. Dividia o quarto com a mãe e a irmã mais nova, pois não havia espaço físico na casa para ele ter o quarto individual.

Quanto ao desenvolvimento da linguagem, segundo a mãe, Wagner falava poucas palavras, não formava frases inteiras. Com 2 anos e 6 meses, falava apenas a palavra “mamãe”. Iniciou a produção de palavras em torno dos 4 anos e 4 meses e utilizava gestos para se comunicar.

Em relação ao desenvolvimento neuropsicomotor, Wagner engatinhou antes de 1 ano de idade e iniciou a marcha com 1 ano e 3 meses. Em relação ao desenvolvimento educacional, Wagner frequentou uma turma especial da escola, pois, segundo a mãe, não acompanhava a turma de alunos “normais” e não gostava de fazer as atividades. Em relação aos antecedentes fisiopatológicos, a mãe tem tias e primos com dificuldade na fala.

Os pais estavam separados há 4 anos e Wagner tinha pouco convívio com o pai. Wagner tinha uma irmã mais nova (3 anos) e uma irmã mais velha (9 anos). Quando perguntavam sua idade, Wagner dizia ter 3 anos, como a irmã mais nova.

Quanto aos resultados do PROC pré-intervenção fonoaudiológica, na categoria habilidades comunicativas, Wagner demonstrou interação e intenção comunicativa com a profissional. Observou-se que a criança aguardava seu turno, participava ativamente da atividade dialógica e apresentava produção de frases telegráficas com três ou mais palavras de categorias diferentes. Na categoria compreensão verbal, compreendeu somente ordens com até duas ações. Na categoria níveis de contextualização da linguagem, descreveu a ação que estava sendo realizada fazendo referências ao passado e ao futuro imediato, sem ultrapassar o contexto imediato. Quanto aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, percebeu-se a exploração dos objetos um a um de modo diversificado, fazendo uso convencional dos mesmos e de bonecos no brinquedo simbólico. Ainda, criou símbolos com objetos substitutivos e fez uso da linguagem verbal para relatar o que estava acontecendo na situação do brincar. Além disso, na categoria nível do brinquedo, Wagner organizou os objetos distribuindo-os de modo a configurar os diversos cômodos da casa, agrupando os objetos em categorias definidas, formando classes. No período pré-intervenção observava-se que Wagner, apesar de possuir amplo vocabulário, apresentava defasagem nos níveis relacionados à sintaxe, pragmática e fonologia. Ele construía relatos de histórias, ricos em detalhes, porém de forma ininteligível e desorganizada para a sua idade.

A terapia fonoaudiológica baseou-se na estimulação da linguagem oral expressiva e compreensiva em todos os níveis, bem como na interação e organização do brincar simbólico. Durante o processo terapêutico, notou-se evolução dos aspectos trabalhados pela fonoaudióloga. A mãe também relatou que o filho estava mais falante e demonstrando maior interesse pelas atividades escolares. Destaca-se que, ao final das intervenções, ele alcançou pontuação máxima nas habilidades comunicativas. Ele demonstrava interação e intenção comunicativa com a fonoaudióloga, respeitava alternâncias de turno e participava ativamente da atividade dialógica. Apresentou aumento do vocabulário, capacidade discursiva com experiências que iam além do contexto imediato, evocando situações passadas e antecipando situações futuras. Porém, notou-se dificuldade de compreender ordens com mais de duas ações, na categoria de compreensão verbal, permanecendo com a pontuação obtida na fase pré-intervenção.

Quanto aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, Wagner atuou sobre dois ou mais objetos ao mesmo tempo relacionando-os de maneira diversificada, persistindo quando havia obstáculo, tentando superá-lo, usando bonecos no brinquedo simbólico, organizando ações simbólicas em uma sequência, criando símbolos, fazendo uso de objetos substitutos/gestos simbólicos para representar objetos ausentes e fez uso da linguagem verbal para relatar o que estava acontecendo na situação de brinquedo. Na categoria nível do brinquedo, a criança apresentou evolução quanto à organização no seu brincar, distribuindo os objetos de modo a configurar os diversos cômodos da casa, agrupando-os em categorias definidas, formando classes e seriando-os de acordo com as diferenças.

Após intervenção terapêutica fonoaudiológica, observou-se evolução em aspectos relacionados à linguagem oral, bem como a sua interação e organização do brincar - centrados no próprio corpo e também utilizando o faz de conta. Notou-se aumento/expansão do vocabulário (léxico), melhora nos aspectos relacionados à construção frasal, sendo possível organizar frases com mais de três elementos (complexas), por exemplo, e de forma mais organizada. Realizou também pequenos relatos/histórias fazendo uso de vocabulário mais amplo e imaginativo. Apresentou evolução em questões sintáticas, semânticas e pragmáticas, porém ainda apresentando dificuldades relacionadas à fonologia (e fonética).

O caso Gabriel (G2)

Gabriel iniciou a pesquisa com 01 ano e 08 meses. Os pais de Gabriel tinham um relacionamento há 10 anos. Trouxeram a queixa de que ele falava poucas palavras e usava onomatopeias, além de muitos gestos para se comunicar. Quanto ao período gestacional, a gravidez foi descoberta no 6º mês. Em relação ao parto, foi cesárea e quem acompanhou foi a avó materna. A mãe não conseguiu amamentar o filho e, para tanto, uma profissional fonoaudióloga tentou auxiliar no hospital, mas não obtiveram sucesso. Gabriel fez uso de mamadeira até o momento da pesquisa.

Já nos aspectos do desenvolvimento neuropsicomotor, Gabriel engatinhou arrastando-se para trás com mais ou menos 1 ano e 2 meses e, em seguida, iniciou a marcha. Durante o dia, Gabriel ficava com a avó materna e brincava bastante. Quanto aos antecedentes fisiopatológicos, tem um primo autista, um tio esquizofrênico e uma bisavó que tinha Alzheimer.

Em relação aos resultados do PROC pré-intervenção, observou-se que, na categoria habilidades comunicativas, demonstrou interação e intenção comunicativa, mas apresentou dificuldades quanto à alternância de turnos, com ausência de várias funções comunicativas. Observou-se comunicação intencional com funções primárias e restrita participação em atividade dialógica por meios não verbais (fazia vocalizações não articuladas, apontava e fazia gesto de vem cá). Na categoria compreensão verbal, compreendeu ordem somente com uma ação.

Na categoria níveis de contextualização da linguagem, notou-se que a linguagem se referia somente à situação imediata e concreta. Quanto aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, percebeu-se um tempo curto de atenção, explorando os objetos de modo rápido e superficial, apresentando uma conduta sensório-motora. Quanto ao nível do brinquedo, organizava miniaturas em pequenos grupos, reproduzindo situações parciais, sem organização de todo o conjunto.

Durante a entrevista psicológica com os pais, a mãe relatou seu desejo de engravidar, contrário ao do pai. O pai não assistiu ao parto porque teve medo de desmaiar e referiu ter medo de ver sangue, o que causava mágoas na mãe. O menino dormia com os pais até o 6º mês. Com o crescimento de Gabriel e o incômodo da divisão da cama, o pai passou a dormir na sala e a criança permaneceu dormindo com a mãe no quarto.

A mãe supõe que sua ausência em virtude do trabalho possa ter gerado os sintomas do filho. Já o pai diz que, desde o nascimento do filho, o relacionamento conjugal foi afetado com falta de diálogo, o que torna possível uma separação.

Em sua primeira sessão com a psicóloga, Gabriel explorava pouco a sala, quase não emitia som e nenhuma palavra. Assim, a psicóloga nomeou os objetos conforme o interesse dele. Adiante, ele buscou ativamente as nomeações da psicóloga, alcançando caixas de brinquedos e perguntando o que eram os mesmos. Ao longo das sessões, observou-se que Gabriel aumentou suas vocalizações e produziu palavras isoladas, como “nenê”, “papai” e “mamãe”, ampliando seu vocabulário/léxico. No diálogo interdisciplinar, as profissionais compartilharam impressões acerca da evolução da linguagem expressiva, da organização do brincar e do aumento da produção de onomatopeias.

Em uma das sessões com a psicóloga, percebeu-se o interesse do menino de que o pai ficasse junto na sala. Nota-se que Gabriel se entusiasma com a presença do pai e endereça a ele os brinquedos da caixa. Pega a moto e diz “bãbá” e a psicóloga pergunta: “como é que o pai faz com essa moto?”. O pai faz “vrumm vrumm vrumm”, relatando que Gabriel tem falado e vocalizado mais. O pai conta que, em casa, é ele quem conserta as coisas que estragam, e que, quando faz a manutenção da sua moto, Gabriel acompanha mexendo na caixa de ferramentas. A psicóloga pontua que Gabriel também demonstra interesse em consertar os brinquedos nas sessões. Ao longo das sessões, Gabriel segue na tentativa de consertar os brinquedos, solicitando ajuda para encontrar as ferramentas, chaves e palavras que possam dar contorno a suas vivências em meio ao enredo parental.

Na sessão com a mãe, ela relata a evolução de Gabriel com as palavras e informa que ela está explicando mais as situações ao menino, como, por exemplo, que ele vai entrar na sessão e ela vai ficar aguardando na sala de espera. Além disso, refere que tem conversado mais com o pai de Gabriel.

Nas trocas interdisciplinares, atenta-se às interpretações sobre as encenações no brincar de Gabriel durante as sessões. Inicialmente, brincava com a família terapêutica, colocando o bebê na mesma cama com os pais, mas, no decorrer, colocou o bebê em uma cama sozinho, se apropriando do desejo de dormir sozinho. Para a fonoaudióloga, começam a ter sentido as questões levantadas pela psicóloga quanto à dinâmica parental imbricada na sintomática de Gabriel, voltando o olhar aos aspectos constitutivos, o que reflete de forma diferenciada em sua prática. Com isto, as práticas clínicas pré-determinadas de modo mais rígido para as sessões fonoaudiológicas vão sendo desconstruídas, permitindo à criança explorar o que de fato lhe interessa. Nota-se que há um redirecionamento clínico e a ampliação da percepção acerca do brincar com vistas a desenvolver uma escuta em relação à subjetividade da criança. Já o conhecimento teórico-prático dos aspectos da linguagem e da fala compartilhados pela fonoaudióloga produz diferença na compreensão do desenvolvimento, influenciando na condução da psicóloga no caso.

Em relação aos resultados do PROC após a intervenção, observa-se melhora nas habilidades comunicativas de Gabriel. Ele demonstrou interação e intenção comunicativa com a terapeuta, por meio de expressões e gestos simbólicos solicitou objetos, pediu permissão, interrompeu ação indesejada, iniciou e encerrou a interação. No entanto, em alguns momentos, se precipitava no seu turno, interrompendo a terapeuta. Ainda que a criança não estivesse se utilizando do recurso da linguagem oral, conseguiu avançar por meio de vocalizações mais articuladas com entonação da língua. Quanto aos aspectos da compreensão verbal, Gabriel apresentou melhora na execução de ordens, passando de uma para duas ações.

Na categoria níveis de contextualização da linguagem, apresentou evolução, uma vez que descreveu a ação que estava sendo realizada, fazendo referências ao passado e/ou futuro imediato, sem ultrapassar o contexto imediato. Apresentou evolução também quanto aos aspectos do desenvolvimento cognitivo. Atuou sobre dois ou mais objetos ao mesmo tempo relacionando-os de maneira diversificada, persistindo quando havia obstáculo, tentando superá-lo, usando bonecos no brinquedo simbólico, organizando ações simbólicas em uma sequência, criando símbolos e fazendo uso de objetos substitutos/gestos simbólicos para representar objetos ausentes. Quanto ao nível do brinquedo, houve significativo progresso de Gabriel na organização do seu brincar, distribuindo os objetos de modo a configurar os diversos cômodos da casa, agrupando-os em categorias definidas, formando classes e seriando-os de acordo com as diferenças.

Assim, à medida em que as intervenções com Gabriel e com seus pais foram acontecendo, junto ao trabalho interdisciplinar, notou-se significativa melhora no desenvolvimento da criança (organização do brincar, aumento das vocalizações, produções de palavras e de onomatopeias e ampliação dos recursos simbólicos) e reorganização da dinâmica familiar, o que levou Gabriel a manifestar desejo em dormir sozinho no seu quarto, redirecionando questões para o casal parental.

O caso Lúcio (G2)

Lúcio iniciou a pesquisa com 4 anos e 5 meses. Quando tinha 2 anos de idade, a professora do maternal I solicitou atendimento fonoaudiológico porque ele não conversava muito na escola e não conseguia se expressar. Em entrevista, os pais relataram que a gestação foi planejada e ocorreu de forma tranquila. Lúcio foi amamentado até o seu 5º mês, fazia uso da mamadeira e não usava chupeta. O desfralde ocorreu aos 3 anos de idade. Em relação ao desenvolvimento neuropsicomotor, Lúcio engatinhou aos 8/9 meses e caminhou com 1 ano e 4 meses. Quanto ao desenvolvimento da linguagem, não balbuciava muito, era mais silencioso. Aos 2 anos iniciou as primeiras palavras, mas falava mais em casa do que na escola.

Lúcio é filho único e os pais se dizem superprotetores. Ele tem quarto próprio, no qual dorme desde os 2 anos. O pai queixa-se de que Lúcio tem dificuldade de brincar com a prima e com outras crianças sem brigar e que não aceita dividir os brinquedos. Ele gostaria muito que o filho melhorasse a interação com as crianças.

Em relação aos resultados do PROC pré-intervenção, na categoria habilidades comunicativas, percebe-se que Lúcio demonstrou interação e intenção comunicativa com a fonoaudióloga, porém apresentou dificuldades quanto a aguardar o turno e alternância dele na atividade dialógica.

Observou-se que a criança emitia frases telegráficas com três ou mais palavras de categorias diferentes. Quanto aos níveis de contextualização da linguagem, se referia somente à situação imediata e concreta. Na categoria compreensão verbal, compreendia ordens com até duas ações. Em relação aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, explorou os objetos um a um de modo diversificado, fazendo uso convencional dos objetos, usando bonecos no brinquedo simbólico, organizando ações simbólicas em uma sequência e fazendo uso da linguagem verbal para relatar o que estava acontecendo na situação de brinquedo. Quanto ao nível do brinquedo, Lúcio enfileirou os objetos, fazendo pequenos agrupamentos de dois ou três objetos, organizando as miniaturas em pequenos grupos, reproduzindo situações parciais, distribuindo os objetos de modo a configurar os diversos cômodos da casa, mas sem uma organização de todo o conjunto.

Enquanto Lúcio estava na sua primeira sessão com a fonoaudióloga, a psicóloga realizava uma sessão com os pais. Durante a sessão com os pais, Lúcio bateu na porta e entrou na sala aos prantos, sendo acolhido pela mãe. Os pais tentaram acalmá-lo e o pai disse ao filho que não precisava chorar. A fonoaudióloga convidou Lúcio para retornar à sessão, mas ele se opôs. Então a psicóloga sugeriu que a mãe fosse brincar com ele.

Esta cena inicial sinaliza a primeira troca entre as profissionais, no que a psicóloga autoriza a fonoaudióloga à entrada materna na sessão com o filho. Em diálogo posterior ao fato, a fonoaudióloga relata à psicóloga que sentiu muita ansiedade/angústia na sessão, pela agitação do menino. Ela diz que tentou uma atividade inicial com o menino, que também parecia ansioso, mas que ele não se interessou. Diz que ele alternava muito entre os brinquedos, fazia bagunça, sem conseguir manter sua atenção em nenhuma brincadeira. Com a presença da mãe na sessão, Lúcio se acalmou e conseguiu brincar. Por sua vez, a mãe permaneceu sentada, silenciosa, sem interação e posição diante das atitudes do filho.

Lúcio apresentava uma fala quase ininteligível, infantilizada, sem pausas, sem paragem, com trocas na fala. Por vezes, falava em 3ª pessoa, quando se referia a si próprio, como: “L. não gosta”, “L. caiu”. Também se chamou de “nenê” diante do pai, sendo que o mesmo exemplificou: “nenê não quer”.

Nas primeiras sessões Lúcio manifestava ansiedade, explorando os brinquedos de modo muito rápido e sem uma organização com o brincar. No decorrer, passou a se interessar pelas espadas e convocar a psicóloga a lutar com ele. Durante a luta havia a necessidade de estabelecer alguns limites para os dois não se machucarem e a psicóloga dispõe o uso dos escudos para se protegerem em alguns momentos da batalha. Em uma sessão, chama o pai na sala de espera e lhe entrega as espadas para lutar, no que se observa a interação paterna.

Ao longo do tempo, nas sessões com a psicóloga, foi notável a evolução de Lúcio com relação aos limites, à criatividade, à organização no brincar. Ele aguarda seu turno no jogo e se manifesta mais em primeira pessoa, como nos exemplos a seguir, se referindo a um jogo de dominó das frutas: “Eu ganhei um caju pepei (vermelho)”. Esses aspectos também foram se apresentando nas sessões com a fonoaudióloga que acrescenta ainda ter observado evolução em aspectos relacionados à linguagem oral, como expansão do vocabulário, construções frasais mais elaboradas, com mais de três elementos e de forma mais organizada. Assim, há crescimento nos componentes sintáticos, semânticos/vocabulários e pragmáticos.

Foi possível observar esses aspectos na reaplicação do PROC. Na categoria habilidades comunicativas, Lúcio demonstrou interação e intenção comunicativa, observando-se melhora significativa quanto à espera do seu turno e à alternância deste, participando ativamente da atividade dialógica. Notou-se que Lúcio melhorou seu vocabulário, descrevendo experiências com frases com 5/6 palavras. Na categoria níveis de contextualização da linguagem, também apresentou evolução, indo além da situação imediata, referindo-se a eventos mais distantes no tempo (evocando situações passadas e antecipando situações futuras), compreendendo ordens com três ou mais ações, fazendo solicitações e comentários que se referiam a objetos, pessoas ou situações ausentes.

Quanto aos aspectos do desenvolvimento cognitivo, Lúcio atuou sobre dois ou mais objetos ao mesmo tempo, relacionando-os de maneira diversificada, persistindo e tentando superar obstáculos. Usou bonecos no brinquedo simbólico, organizando ações simbólicas em uma sequência, criando símbolos, fazendo uso de objetos substitutos/gestos simbólicos para representar objetos ausentes e fazendo uso da linguagem verbal para relatar o que estava acontecendo na situação de brinquedo. Dessa forma, na categoria “nível do brinquedo”, Lúcio apresentou progresso quanto à organização no seu brincar, distribuindo os objetos de modo a configurar os diversos cômodos da casa, agrupando-os em categorias definidas, formando classes e seriando-os de acordo com as diferenças.

Os pais relatam perceber a diferença do filho ao longo das intervenções. O pai passou a ser mais firme com o menino, situando limites. Lúcio fala mais, brinca sem brigar, se interessa por jogos e cuida mais dos seus brinquedos. Porém, ainda apresenta dificuldades relacionadas à fonologia.

Discussão

A avaliação por meio do PROC sinalizou diferenças mais robustas nos pacientes que receberam intervenção interdisciplinar, em relação aos níveis de linguagem, funções comunicativas, compreensão verbal e aspectos do desenvolvimento cognitivo, visíveis principalmente na pontuação total. A discussão que segue será realizada entre os casos Bento e Gabriel; e entre Wagner e Lúcio, em virtude da proximidade da idade entre eles e por receberem terapias distintas.

As similaridades dos resultados do PROC pré-intervenção de Bento e de Gabriel foram: dificuldades na alternância de turnos; ausência em vários aspectos nas funções comunicativas; comunicação intencional com funções primárias; restrita participação em atividade dialógica e por meios não verbais; linguagem referente somente à situação imediata e concreta e compreensão verbal de ordens com apenas uma ação. Já as diferenças foram que Gabriel demonstrou interação e intenção comunicativa, aspectos não observados em Bento. Ainda, mesmo que em relação ao brincar os objetos fossem explorados de modo superficial e com poucas ações em ambos, Gabriel organizou as miniaturas em pequenos grupos, reproduzindo situações parciais, enquanto Bento apenas manipulou os objetos sem uma organização. Esta variação das manifestações linguísticas é relatada tradicionalmente na literatura, com indicação de um bom prognóstico terapêutico2828. Fernandes FDM. Os atrasos da aquisição da linguagem. IN: Goldfeld M, editor. Fundamentos em Fonoaudiologia - Linguagem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. p. 23-38.,2929. Jakubovicz R. Atraso de Linguagem: diagnóstico pela média dos valores da frase. Rio de Janeiro: Revinter, 2002..

Ainda, contrário ao que se observou em relação ao desenvolvimento do brincar de Bento, Gabriel obteve progresso quanto à organização no seu brincar, distribuindo os objetos de modo a configurar os diversos cômodos da casa, agrupando-os em categorias definidas, formando classes e seriando-os de acordo com as diferenças. Quanto à execução de ordens, na categoria compreensão verbal, Gabriel passou de uma para duas ações, apresentando evolução no aspecto da linguagem. Descreveu a ação que estava sendo realizada, fazendo referências ao passado e/ou futuro imediato, sem ultrapassar o contexto imediato. Oposto ao que mostram os resultados do trabalho com Bento, Gabriel também apresenta melhora quanto ao turno e alternância, avançando nas vocalizações (mais articuladas com entonação da língua). Para Ferreira3030. Ferreira SMO. A interação mãe-bebê: primeiros passos. In: Wanderley DB, editor. Palavras em torno do berço. Salvador: Ágalma, 1997 p. 77-88., uma vez assumindo a posição na troca dialógica (turn-talking), há a sustentação de uma alteridade.

Quanto ao histórico de vida, os pais de Bento trazem a suposição de que Bento os privou do outro filho, irmão gemelar nascido morto. Os pais tinham dificuldades em falar sobre a perda do outro filho, inclusive se mudaram de casa após o ocorrido. Além disso, traziam a preocupação de que o filho pudesse ser autista. Em associação, aponta-se, na literatura, que as depressões pela perda dos filhos são descritas como fator de risco de autismo. A falta de investimento libidinal da mãe, em seu quadro depressivo, acarreta consequências no processo do circuito pulsional, pois há falta de elementos erógenos para a constituição do laço mãe-bebê. Estes quadros podem desencadear reações sintomáticas de evitamento ao contato, passíveis de serem confundidas com sintomatologia autística nos bebês. Deste modo, há dificuldade no processo de alienação necessária para a constituição psíquica2323. Laznik MC. A voz da sereia: o autismo e os impasses na constituição do sujeito. Salvador: Ágalma, 2013..

Observa-se que, no caso Bento, os resultados das avaliações não indicavam comportamentos que remetessem ao transtorno do espectro autista (TEA). Contudo, aposta-se na hipótese de uma posição parental depressiva, sustentada na questão do luto não elaborado em relação à perda do filho, condição que dificultou o processo de desenvolvimento de Bento. Além disto, foi observada a necessidade de presença dos pais para Bento durante as sessões fonoaudiológicas. Quando ia ser deixado com a profissional na sala, Bento chorava e buscava os pais. Com isto, compreende-se que o trabalho com Bento perpassa a escuta dos pais. Na Psicanálise com criança, mesmo sendo ela o sujeito em questão, é preciso um olhar aos ditos e não-ditos dos pais.

Para Costa3131. Costa T. O desejo do analista e a clínica psicanalítica com crianças. Psicanálise & Barroco em revista. 2009;7(2):86-102., escutá-los é parte do manejo da transferência, elemento central na sustentação da análise da criança. Portanto, trata-se de escutar em que lugar a criança está situada no desejo dos pais, no discurso que estes mantêm sobre ela e na fantasmática parental. Segundo Mannoni3232. Mannoni M. A criança, sua "doença" e os outros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980., o discurso que se processa analiticamente em torno do sintoma apresentado pela criança é coletivo, pois engloba os pais, a criança e o analista. Um olhar psicanalítico permitiria intervir junto aos pais de Bento, escutá-los em seu discurso fantasmático e trabalhar as questões em relação à perda.

Sobre seus sintomas, observa-se que, após a intervenção com a fonoaudióloga, Bento obteve alguns avanços. Houve melhora nos aspectos da interação e intenção comunicativa e suas funções, visto que, por meio de gestos, solicitou objetos, pediu permissão, interrompeu uma ação indesejada, iniciou e encerrou a interação. No entanto, apresentou dificuldades em relação aos turnos e a alternância destes após as intervenções. Ferreira3333. Ferreira SMO. A interação mãe-bebê: primeiros passos [Dissertação]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco; 1990. aponta que a troca dialógica (turn-talking) entre a mãe e o bebê/falante e ouvinte configura-se por um discurso de enunciações, composto pela alternância de turnos de fala. Pereira, Vorcaro e Keske-Soares3434. Pereira AS, Vorcaro AMR, Keske-Soares M. Do discurso do agente do Outro à voz-apelo do sujeito. Linguagem em (Dis)curso - LemD. 2018;18(2):431-47. sustentam ser fundamental a alternância ritmada de presença e ausência, pois é no intervalo que aparece a suposição da mãe acerca do desejo no filho.

Bento também permaneceu com uma linguagem que se destinava somente à situação imediata e concreta, executando ordens com uma ação, explorando os objetos com tempo curto de atenção, de modo rápido e superficial e por meio de poucas ações, com dificuldades referentes ao brincar, ainda apresentando condutas sensório-motoras. Contudo, segundo a avaliação fonoaudiológica, Bento estava em processo de transição para condutas simbólicas, sinalizado por meio do comportamento de repetição. Assim, apesar da melhora em questões relacionadas a sua linguagem, ainda se manteve em atraso. Conforme aponta a literatura da área e os balizadores de tempo de terapia sugeridos pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia, entende-se que, em poucos meses de tratamento, já são perceptíveis melhoras em crianças com atrasos de linguagem, sendo que o prognóstico de alta é estimado em torno de 1 ano ou mais de tratamento2828. Fernandes FDM. Os atrasos da aquisição da linguagem. IN: Goldfeld M, editor. Fundamentos em Fonoaudiologia - Linguagem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003. p. 23-38.,2929. Jakubovicz R. Atraso de Linguagem: diagnóstico pela média dos valores da frase. Rio de Janeiro: Revinter, 2002.,3535. Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFA) [Homepage on the internet]. Guia de orientação para Fonoaudiólogos: balizador de tempo de tratamento em fonoaudiologia. 1.ed.; 2013. Available at: https://www.fonoaudiologia.org.br/publicacoes/BALIZADOR%20DE%20TEMPO.pdf
https://www.fonoaudiologia.org.br/public...
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É possível situar diferenças significativas em relação às avaliações e intervenções no caso Gabriel. Assim como Bento, Gabriel melhorou nos aspectos das funções comunicativas (solicitou objetos, pediu permissão, interrompeu uma ação indesejada, iniciou e encerrou a interação). Essas funções descritas pelo PROC, instrumento fonoaudiológico, são vistas acontecendo no trabalho da psicóloga com Gabriel já em sua primeira sessão, quando esta começa a nomear os objetos de acordo com o seu interesse. Por meio de gestos, ele apontou, solicitou e manifestou curiosidade em relação aos brinquedos, pegando-os enquanto a psicóloga os nomeava.

As nomeações ofertadas pela psicóloga permitiram acesso ao campo simbólico. Neste campo, há um “sistema de representações no qual as palavras nomeiam os objetos, as pessoas, os fenômenos”2424. Bernardino LMF. Abordagem psicanalítica do desenvolvimento infantil e suas vicissitudes. In: Bernardino LMF, editor. O que a psicanálise pode ensinar sobre a criança, sujeito em constituição. São Paulo: Escuta, 2006. p.19-41.. Observa-se a função de endereçamento quando Gabriel solicita as nomeações da psicóloga, denotando sua inserção no universo da linguagem, permeado pelo campo do Outro - também provedor dos primeiros significantes. Partindo desse pressuposto, Lacan3636. Lacan J. O inconsciente freudiano e o nosso. In: Lacan J, editor. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1998 (1964) p.23-33. situa que “esses significantes organizam de modo inaugural as relações humanas, lhes dão as estruturas, e as modelam”.

Assim, em relação ao campo psicanalítico, a linguagem antecede a fala e é uma condição do sujeito articulada a uma trama significante simbólica3737. Vorcaro A. Incidência da matriz simbolizante no organismo: o advento da fala. Letras de Hoje. 2001;36(3):273-81., de modo que o atraso no desenvolvimento da fala não está relacionado a uma condição patológica, mas ao sintoma, uma produção do sujeito. Diferentemente, no âmbito fonoaudiológico, de forma ampla, o atraso no desenvolvimento da linguagem concerne à linguagem que não acontece dentro da idade esperada cronologicamente e o atraso de fala é relativo a uma alteração do desenvolvimento fonológico77. Mousinho R, Schmid E, Pereira J, Lyra L, Mendes L, Nóbrega V. Aquisição e desenvolvimento da linguagem: dificuldades que podem surgir neste percurso. Rev. Psicopedagogia. 2008;25(78):297-306.,99. Bettio CDB, Bazon MR, Schmidt A. Fatores de risco e de proteção para atrasos no desenvolvimento da linguagem. Psicologia em estudo. 2019;24:e41889.,1111. Amorim R. Avaliação da criança com alteração da linguagem. Nascer e crescer Revista do hospital de crianças Maria Pia. 2011;20(3):S174-S176.,1212. Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. Jornal de Pediatria. 2004;80(Supl 2):S95-S103..

O trabalho interdisciplinar permite situar que a questão sintomática se refere ao discurso parental. Em relação à fala apresentada por Gabriel, é interessante sinalizar que a mãe supõe que sua ausência em virtude do trabalho possa ter gerado este sintoma de atraso no filho. Neste sentido, ela aponta que dormir com o filho seria um momento de estar mais tempo com ele, somado ao fato de que a mãe faz silêncio diante da pergunta da psicóloga sobre a construção do quarto de Gabriel. Dá-se a impressão de que, durante o sono, a falta materna possa ser suprida, mas, ao mesmo tempo, é interessante observar que se daria uma presença sem fala (visto que estão dormindo). Neste sentido, a fala falta.

Outro elemento que apareceu para análise no caso Gabriel foi a presença constante no discurso materno sobre a falta do pai. A mãe relata a ausência do pai durante o parto, quando se ausenta do quarto do casal, entre outros. Nota-se que, no decorrer das sessões, o pai se faz presente e participativo. Neste sentido, a leitura psicanalítica do discurso parental possibilitou ampliar a escuta frente às questões que foram surgindo no decorrer das sessões. Assim, os avanços nos diferentes aspectos do desenvolvimento de Gabriel foram consequência da intervenção entre as profissionais, o que denota a função da interdisciplinaridade em relação ao caso.

Acerca dos casos Wagner e Lúcio, verificou-se, por meio dos resultados do PROC pré-intervenção, uma semelhança na categoria habilidades comunicativas, no item interação e intenção comunicativa. Ambas as crianças também apresentaram frases telegráficas com três ou mais palavras de categorias diferentes e, na categoria de compreensão verbal, compreenderam ordens com até duas ações. Houve similaridade entre as crianças nos aspectos do desenvolvimento cognitivo e em relação ao nível do brinquedo, uma vez que ambos exploraram os objetos um a um de modo diversificado, fazendo uso convencional dos objetos, usando bonecos no brinquedo simbólico e fazendo uso da linguagem verbal para relatar o que estava acontecendo na situação do brincar.

Em contraponto, apenas Lúcio apresentou dificuldades na alternância de turno e, nos níveis de contextualização da linguagem, se referiu somente à situação imediata e concreta, enquanto Wagner descreveu a ação e fez referências ao passado e ao futuro imediato, mesmo sem ultrapassar o contexto imediato. Também se observou que Wagner tinha vocabulário expressivo, construía frases, compreendia, nomeava e simbolizava, mas tinha trocas na fala e questões fonológicas, com fala muito infantilizada, segundo a fonoaudióloga.

Nota-se que a relação transferencial que se estabeleceu com a profissional permitiu a aposta no desenvolvimento do menino e levou Wagner a demonstrar interesse pelas palavras.

Observa-se que Wagner foi matriculado em uma turma especial porque, segundo a mãe, ele não acompanhava a turma “normal” e não gostava de fazer as atividades das turmas “normais”. As ações empreendidas no trabalho fonoaudiológico deduzem que o diálogo com a escola poderia permitir que Wagner retornasse a sua turma anterior (“normal”). Ao que tudo indica, agora haveria mais desejo em aprender. O trabalho psicanalítico contribuiria na comunicação com a escola e na escuta do discurso parental com a tentativa de que pudesse haver entendimento entre os pais para tratar das questões do filho, queixa constante da mãe em relação ao pai.

Wagner também falava à fonoaudióloga que os pais brigavam bastante e o acompanhamento com a psicóloga possibilitaria dar um lugar de escuta às questões de Wagner. Estudo recente aponta efeitos positivos do trabalho psicológico sobre o acompanhamento fonoaudiológico sinalizando a importância da relação interdisciplinar no que concerne à análise, avaliação, detecção e intervenção em sujeitos com alteração de linguagem3838. Santos TD, Souza APR, Londero AD, Machado FP, Cunha MC. Psychism and language in the interdisciplinary clinic with young children. Distúrb Comun. 2019;31(1):54-68..

A reaplicação do PROC apontou que Wagner evoluiu nos aspectos linguísticos (ampliação de vocabulário e relatos sobre experiências fora do contexto da terapia) e na organização do brincar. Porém, não avançou na categoria de compreensão verbal, indicando dificuldade em compreender ordens com mais de duas ações. Wagner apresentou evolução em questões sintáticas, semânticas e pragmáticas, mas ainda apresentava dificuldades em relação à fonética e à fonologia. Visto que as dificuldades apresentadas ao final da pesquisa se concentraram estritamente nas questões fonológicas, ele foi encaminhado para acompanhamento fonoaudiológico no setor de fala.

Diferentemente de Wagner, Lúcio recebeu intervenção interdisciplinar e na reavaliação do PROC apresentou significativa melhora quanto à espera do seu turno e a alternância deste. Assim como Wagner, ele também apresentou melhora no vocabulário, mas, por vezes, ainda emitia frases telegráficas com três ou mais palavras de categorias diferentes. Lúcio evoluiu como Wagner na contextualização da linguagem, indo além da situação imediata, evocando situações passadas e antecipando situações futuras. Em relação à compreensão verbal, Lúcio superou Wagner, pois compreendeu ordens com três ou mais ações, fazendo solicitações e comentários que se referiam a objetos, pessoas ou situações ausentes. Ele também teve progresso na organização no seu brincar, distribuindo os objetos de modo a configurar os diversos cômodos da casa, agrupando-os em categorias definidas, formando classes e seriando-os de acordo com as diferenças.

Sustenta-se que a evolução de Lúcio decorre da intervenção interdisciplinar, presente já na primeira sessão da fonoaudióloga com o menino, enquanto a psicóloga conversava com os pais. Além de Lúcio naquele momento necessitar da presença materna, sua fala não apresentava limites, sendo que apenas a presença do corpo fazia contorno/bordas. Neste sentido, a acolhida da sugestão da psicóloga de que a fonoaudióloga permitisse a participação dos pais nas sessões do filho, refletiu na escuta do sintoma como parte da dinâmica familiar, neste caso, da condição do menino ainda não poder se separar do corpo dos pais.

À medida que os pais foram se posicionando diante das condutas do filho, Lúcio também foi apresentando a demanda por limites. Isto se evidenciou nas cenas do brincar, onde os “nãos” compareceram como interdição pela via da palavra, ultrapassando o real do corpo. Durante as sessões com Lúcio e o pai, envoltas de interação e brincadeira, o pai também percebe os “nãos” ditos pela psicóloga e expressa que o filho agora consegue brincar com outras crianças, pois aguarda seu turno, empresta os brinquedos e aceita melhor os “nãos” ofertados por ele. A demanda de limites de Lúcio também surgiu no trabalho com a fonoaudióloga e nas trocas interdisciplinares onde os limites puderam ser melhor delineados. Com isto, o insuportável, apresentado na primeira sessão, passou a ser suportado no ato simbólico.

Assim, salienta-se que a partir das especificidades teórico-técnicas que cada profissional lança sobre a demanda apresentada pode surgir uma prática compartilhada de diálogo e planejamento das intervenções, permitindo o enriquecimento do trabalho3838. Santos TD, Souza APR, Londero AD, Machado FP, Cunha MC. Psychism and language in the interdisciplinary clinic with young children. Distúrb Comun. 2019;31(1):54-68.

39. Matos E, Pires DEP, Sousa GW. Relações de trabalho em equipes interdisciplinares: contribuições para novas formas de organização do trabalho em saúde. Rev. Bras. Enferm. Brasília. 2010;63(5):775-81.
-4040. Saupe R, Cutolo LRA, Wendhausen ALP, Benito GAV. Competência dos profissionais da saúde para o trabalho interdisciplinar. Interface - Comunic Saúde, Educ. 2005;9(18):521-36.. A ação interdisciplinar culminou na evolução de Lúcio em diferentes aspectos, como a organização no brincar, a alternância de turno e sua fala em primeira pessoa, o que denota uma autorização do sujeito a enunciar-se como “eu” no discurso, não mais preso, colado, ao campo discursivo materno, dando indícios do processo de separação em operação.

Por fim, no que tange ao número de sessões estabelecido para o desenvolvimento da pesquisa, observou-se que, do ponto de vista fonoaudiológico, 12 sessões foi um período limitado para trabalhar as questões de linguagem e fala apresentadas pelas crianças. Cabe salientar que a compreensão da linguagem verbal não se alterou nos casos (Bento e Wagner) que receberam apenas intervenção fonoaudiológica, elemento importante a ser considerado para futuras pesquisas. Já no campo psicanalítico se propõe pensar que as intervenções são realizadas dentro de um tempo lógico. Desta forma, atingindo ao que se propôs, partindo do pressuposto que o sujeito do inconsciente é atemporal e que toda intervenção tem seus efeitos no processo analítico.

Em relação ao número de crianças participantes do estudo, considerou-se suficiente demonstrando coerência com a proposta metodológica empregada, uma vez que em pesquisas qualitativas a repetição dos dados geraria uma saturação amostral. Contudo, sabe-se da necessidade de realização de futuras pesquisas com outras amostras, a fim de se chegar a uma generalização dos achados.

Conclusão

O diálogo interdisciplinar mostrou efeito positivo na evolução dos casos Gabriel e Lúcio. Desta forma, um olhar psicanalítico sob os casos que receberam somente intervenção fonoaudiológica (Bento e Wagner) permitiria intervir junto aos pais, escutá-los em seu discurso fantasmático e trabalharia com as crianças as suas questões frente à problemática apresentada. Ainda, em relação ao caso Wagner, o trabalho psicanalítico contribuiria na comunicação com a escola.

Este estudo mostrou a importância da interlocução entre Psicanálise e Fonoaudiologia nos casos com atraso na linguagem oral. O entrelaçamento dessas áreas possibilitou uma abertura ao diálogo que permeia os processos de subjetivação da criança atravessada na e pela linguagem.

Ademais, aposta-se que o fonoaudiólogo possa também empregar na sua clínica uma escuta a fim de acolher a criança, independentemente de sua abordagem terapêutica, e também lançar um olhar frente aos pais, pois é na escuta deles e na construção desse vínculo que há possibilidade de um melhor manejo e direcionamento do tratamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2022
  • Aceito
    26 Jul 2022
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