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Nova escala de avaliação de TOC

Comentário

Nova escala de avaliação de TOC

O artigo de Neziroglu e colaboradores, publicado neste número da RBP, versa sobre um tema extremamente importante e atual em psiquiatria. A partir de uma escala desenvolvida para a avaliação detalhada de diversos aspectos da estruturação de idéias prevalentes ou supervalorizadas, busca investigar o impacto da intensidade dessas idéias no resultado do tratamento de pacientes portadores do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Como se sabe, é de longa data o interesse pelo grau de insight ou capacidade de julgamento crítico dos pacientes obsessivos em relação aos seus sintomas. Sempre intrigaram os clínicos e investigadores a relativa preservação da crítica, a egodistonicidade típica da maior parte dos casos, ao lado da habitual escravização irracional auto-imposta. Assim, historicamente, o TOC já recebeu denominações como "delírio com consciência", "delírio sem delírio", "loucura lúcida", "loucura abortada" e "loucura com insight".

Enquanto Bleuler teria radicalizado o problema da egodistonicidade versus egossintonicidade ao afirmar que os delirantes lutariam pela idéia, ao passo que os obsessivos lutariam contra ela, autores como Pierre Janet e Aubrey Lewis destacaram, em suas observações e descrições clínicas, a possível oscilação da crítica ao longo do curso da doença e as variações desta nos diferentes pacientes.

As classificações psiquiátricas mais recentes (DSM-IV e CID 10) abriram um espaço "oficial" para os casos de TOC com pior capacidade crítica, os assim chamados no DSM de casos "com poor insight", nos quais a resistência contra as obsessões ou os rituais não fica clara.

Mantém-se também em debate na literatura a questão de um possível continuum envolvendo desde idéias e preocupações racionais até as idéias delirantes, passando pelas idéias obsessivas e prevalentes (ou supervalorizadas). Questionam-se se tais diferenças são apenas de intensidade ou verdadeiramente qualitativas, ou ainda se diferenças quantitativas implicam categorias distintas de fenômenos. Vários outros transtornos, além do TOC, têm despertado igual interesse por essa questão psicopatológica fundamental — em função de suas implicações práticas no manejo clínico dos casos —, particularmente a hipocondria, o transtorno dismórfico corporal, os transtornos alimentares e os transtornos "delirantes".

Em contraposição ao modelo dicotômico "com ou sem insight", passam a receber mais atenção diferentes dimensões das crenças patológicas, tais como: intensidade, convicção ou fixidez, bizarria, desorganização, extensão, resistência, controle, julgamento da opinião alheia a respeito, e assim por diante.

Muito importante é o estudo das possíveis repercussões clínicas desses aspectos psicopatológicos nas abordagens terapêuticas — medicamentosas e psicoterápicas- e, conseqüentemente, no prognóstico dos casos. Assim, é de se notar o achado dos autores, de uma relação inversa entre o nível de pontuação na escala de idéias prevalentes utilizada e o grau de melhora específico dos sintomas obsessivo-compulsivos com o tratamento. Seria também interessante avaliar se a maior pontuação associa-se ou não a algum sintoma específico do quadro, além de sintomas depressivos.

Pouco se sabe por enquanto acerca dos fatores preditivos de resposta ao tratamento do TOC, e quais particularidades de tratamento cabem para cada subgrupo de pacientes. Talvez o único fator preditivo de má resposta terapêutica confirmado até o momento, em que a associação de outra droga (neuroléptico) ao tratamento padrão (inibidores seletivos de recaptação da serotonina — ISRS) se mostrou benéfica, é a presença de tiques concomitantes ao TOC1. O início precoce da doença também tem sido associado a um prognóstico pior2.

Considerando os fatores associados com altos escores na escala de idéias supervalorizadas que influenciaram a resposta ao tratamento no trabalho em questão, diversos estudos associam a predominância de compulsões, rituais de limpeza, doença prolongada e o curso crônico a uma pior evolução. Obsessões e compulsões de colecionamento foram associados a uma pior resposta ao tratamento farmacológico3.

Nesse artigo, a presença de idéias supervalorizadas em alta intensidade relacionou-se a uma pior resposta ao tratamento farmacológico combinado à psicoterapia comportamental. Esse é o primeiro estudo que aborda as idéias supervalorizadas de maneira quantitativa, utilizando um instrumento que, através da identificação de outros fatores associados que podem afetar a resposta terapêutica, pode nos ajudar a caracterizar um grupo de pacientes que talvez mereça algum tipo especial de atenção, como por exemplo a internação, o acompanhamento mais próximo e por períodos mais longos, abordagens cognitivas, doses mais altas dos medicamentos, ou combinações medicamentosas. Nesse sentido, o uso desta escala em ensaios clínicos futuros poderia dar alguma pista, uma vez que os níveis de ansiedade e depressão podem continuar altos após o tratamento, bem como o escore da YBOCS e a falta de crítica sobre o próprio estado mórbido.

É de se louvar a iniciativa de Neziroglu e cols. que, assim como Lelliot e cols.4 (Escala de Avaliação de Características Delirantes, 1988) e Eisen e cols.5 (Escala de Avaliação de Crenças de Brown-BABS, 1998), vêm encarando o desafio de buscar desenvolver novos instrumentos para operacionalizar e sistematizar a investigação psicopatológica, além de criar novas "redes" para tentar, de alguma forma, "caçar" a sempre complexa, dinâmica e fugidia apresentação fenomenológica dos nossos pacientes.

Albina Rodrigues Torres

Professora assistente de Psiquiatria da Faculdade de

Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista

Roseli Gedanke Shavitt

Pós-graduanda do Departamento de Psiquiatria da

Faculdade de Medicina da Universidade de SãoPaulo

Referências

1. McDougle CJ, Goodman WK, Leckman JF, Lee NC, Heninger GR, Price LH. Haloperidol addition in fluvoxamine-refractory obsessive-compulsive disorder: a double blind, placebo controlled study in patients with and without tics. Arch Gen Psychiatry 1994:51:302-8.

2. Ackerman DL, Greenland S, Bystrystky A, Morgenstern H, Katz RJ. Predictors of treatment response in obsessive-compulsive disorder: multivariate analyses from a multicenter trial of clomipramine. J Clin Psychopharmacol 1994:14:247-54.

3. Mataix-Cols D, Rauch SL, Manzo PA, Jenike MA, Baer L. Use of factor-analyzed symptom dimensions to predict outcome with serotonin reuptake inhibitors and placebo in the treatment of obsessive-compulsive disorder. Am J Psychiatry 1999:156(9):1409-16.

4. Lelliot PT, Norshivani HF, Basoglu M, Marks I, Monteiro WO. Obsessive-compulsive beliefs and treatment outcome. Psychol Med 1988:18:697-702.

5. Eisen JL, Phillips KA, Baer L, Beer DA, Atala KD, Rasmussen AS. The Brown Assessment of Beliefs Scale: reliability and validity. Am J Psychiatry 1998:155:102-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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