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Treinamento de integração auditiva: "milagre" no tratamento para o autismo?

CARTA AOS EDITORES

Treinamento de integração auditiva: "milagre" no tratamento para o autismo?

Lorena KozlowskiI; Maya KroupnikII; Ana Paula KochenIII; Bianca Simone ZeigelboimIV

IUniversidade Tuiuti do Paraná, Brasil e Universidade de Montreal – Faculdade de Medicina – Escola de Ortofonia e Audiologia, Canadá

IIUniversidade de Montreal – Faculdade de Medicina – Escola de Ortofonia e Audiologia, Canadá

IIIUniversidade Tuiuti do Paraná, Brasil

IVPrograma de Mestrado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná

Sr. Editor,

Os problemas da sensação auditiva têm sido associados ao autismo, tendo sido observadas hiposensibilidade auditiva (i.e., "dessintonizar o comportamento"), hipersensibilidade (e.g., cobrir as orelhas) e hiperseletividade ao som. O autismo é associado a um padrão anormal de ativação do córtex temporal (córtex associativo auditivo e sulco temporal superior).1

O treinamento de integração auditiva (AIT) é uma abordagem audiológica para o tratamento das "distorções auditivas" e hiperacusia, que seus propositores consideram como central para a disfunção experimentada por pessoas com autismo.2

O objetivo da AIT é o de reduzir os sintomas que estão interferindo no funcionamento auditivo. O tratamento requer que um audiograma acurado seja obtido e que este seja avaliado para determinar se o indivíduo demonstra "audição hipersensível" ou possui "audição desigual". Nesse caso, o indivíduo é considerado como um candidato para o tratamento, que consiste em ouvir música por meia hora, duas vezes ao dia, durante 10 dias. A música é filtrada para eliminar as freqüências para as quais a pessoa é "hipersensível", ou nas quais o audiograma demonstra picos, e é também modulada de forma que diferentes partes da freqüência de banda sejam aleatoriamente modificadas em intensidade. Os audiogramas são repetidos na metade e no final das sessões de treinamento, para documentar o "progresso" e determinar se são necessárias sessões adicionais.

A AIT baseia-se na teoria de que escutar música alterada pode melhorar a capacidade do ouvinte em processar os estímulos auditivos. A efetividade do tratamento é determinada pelas alterações tanto na audição como no comportamento.2

Vários estudos investigativos sobre a eficácia da AIT no autismo têm sido publicados.3-4 As melhorias mais freqüentemente relatadas incluem atenção e processamento auditivo melhorados, irritabilidade diminuída, letargia reduzida, melhoria na linguagem expressiva e na compreensão auditiva e redução da sensibilidade sonora. Infelizmente, há pouca documentação científica para embasar essas afirmações.

Mesmo que duas investigações indiquem que a AIT pode auxiliar algumas crianças com autismo, ainda não existem estudos controlados para apoiar sua utilização.4-5

A posição da Academia Americana de Pediatria é de que a AIT não está cientificamente comprovada e deve ser considerada atualmente como um enfoque experimental.4

Vários problemas contribuem para a falta de consenso:

- A literatura disponível fornece poucas informações sobre variáveis de desfecho e suas médias em grupos experimentais e controle;

- As alterações estatisticamente significativas nos limiares dos indivíduos foram menores do que 1-5 dB (variação clínica normal em teste-reteste);

- A AIT utiliza os dados audiométricos comportamentais para confirmar suas afirmações de benefício, mesmo que muitas crianças sejam difíceis de serem testadas.

São necessários estudos de seguimento de longo prazo sobre esse método para obter-se uma avaliação empírica justa.

Recomenda-se que, antes de participarem do tratamento, os consumidores sejam informados de que a AIT é experimental em sua natureza e é uma opção controversa de tratamento para o autismo.

Ainda há muito o que aprender sobre a AIT. Pode ser útil perguntar em que condições ela demonstra efetividade. A eficácia da AIT deve ser mais investigada, como, por exemplo, em um ensaio controlado, aleatorizado, com avaliadores cegos para o tipo de tratamento.

Referências

1. Boddaert N, Zilbovicius M. Functional neuroimaging and childhood autism. Pediatr Radiol. 2002,32:1-7.

2. Miller M, Lucker J. Auditory integration training. Am J of Audiology. 1997;6(2):25-32.

3. Rimland B, Edelson S. The effect of auditory integration training on autism. Am J of Speech-Language Pathology. 1994;3:16-24.

4. American Academy of Pediatrics. Auditory Integration Training and Facilitated Communication for Autism. Pediatrics. 1998;102(2).

5. Rimland B, Edelson SM. Brief reports: A pilot study of auditory integration training in autism. Journal of Autism and Developmental Disorders. 1995;25(1):61-70.

Trabalho realizado na Universidade Tuiuti do Paraná e Université de Montréal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2005
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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