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Tratamento do paciente com mielodisplasia de alto risco

Treatment of myelodysplastic syndrome in high risk patients

Resumos

O tratamento do paciente com mielodisplasia deve ser feito considerando o risco biológico da doença, a idade e as condições clínicas do paciente. De um modo geral, uma doença de alto risco necessitaria de um tratamento mais agressivo. Porém, devido à elevada idade mediana no diagnóstico, a maioria dos pacientes não tolera tratamentos intensivos. O transplante de células-tronco hematopoiéticas é a única opção para aqueles que objetivam a cura da doença. Para aqueles que não podem se submeter a um transplante, as opções incluem o uso de quimioterapia intensiva, agentes hipometilantes, tratamento suportivo e/ou inclusão em estudos clínicos. A quimioterapia intensiva semelhante à utilizada para leucemia mielóide aguda é uma boa opção para pacientes em boas condições clínicas e com menos de 65 anos de idade.

Mielodisplasia; tratamento; quimioterapia


To initiate a treatment for myelodysplastic syndrome, the physician should consider the patient's age, status performance and the risk of transformation to acute myeloid leukemia (AML) and death. In theory, a high risk disease should be approached with intense treatment however most patients are not healthy enough to receive aggressive treatment with chemotherapy or stem cell transplantation. For those who are not able to receive a transplantation, the treatment options include AML-like chemotherapy, hypomethylating agents, supportive care alone or participation in a clinical trial. AML-like chemotherapy is still a reasonable choice for those patients who are in good clinical conditions and are younger than 65 years of age.

Myelodysplastic syndrome; treatment; chemotherapy


ARTIGO

Tratamento do paciente com mielodisplasia de alto risco

Treatment of myelodysplastic syndrome in high risk patients

Evandro M. Fagundes

Serviço de Hematologia - Hospital das Clínicas - Universidade Federal de Minas Gerais

Correspondência Correspondência: Evandro M. Fagundes Rua Otoni, 881 - 6º andar – Bairro Santa Efigênia 30150-270 – Belo Horizonte-MG E-mail: fagundes@hematologica.com.br Fax: (31) 32138533 – Tel.: (31) 32746784

RESUMO

O tratamento do paciente com mielodisplasia deve ser feito considerando o risco biológico da doença, a idade e as condições clínicas do paciente. De um modo geral, uma doença de alto risco necessitaria de um tratamento mais agressivo. Porém, devido à elevada idade mediana no diagnóstico, a maioria dos pacientes não tolera tratamentos intensivos. O transplante de células-tronco hematopoiéticas é a única opção para aqueles que objetivam a cura da doença. Para aqueles que não podem se submeter a um transplante, as opções incluem o uso de quimioterapia intensiva, agentes hipometilantes, tratamento suportivo e/ou inclusão em estudos clínicos. A quimioterapia intensiva semelhante à utilizada para leucemia mielóide aguda é uma boa opção para pacientes em boas condições clínicas e com menos de 65 anos de idade.

Palavras-chave: Mielodisplasia; tratamento; quimioterapia.

ABSTRACT

To initiate a treatment for myelodysplastic syndrome, the physician should consider the patient's age, status performance and the risk of transformation to acute myeloid leukemia (AML) and death. In theory, a high risk disease should be approached with intense treatment however most patients are not healthy enough to receive aggressive treatment with chemotherapy or stem cell transplantation. For those who are not able to receive a transplantation, the treatment options include AML-like chemotherapy, hypomethylating agents, supportive care alone or participation in a clinical trial. AML-like chemotherapy is still a reasonable choice for those patients who are in good clinical conditions and are younger than 65 years of age.

Key words: Myelodysplastic syndrome; treatment; chemotherapy.

INTRODUÇÃO

No tratamento das síndromes mielodisplásicas (SMD), as questões iniciais mais importantes são a definição do diagnóstico, a estratificação do risco biológico para ameaça à vida ou evolução para leucemia mielóide aguda (LMA) e a avaliação das condições clínicas gerais do paciente. A idade, a presença de comorbidades, o desejo do paciente são os aspectos que devem fornecer um diagnóstico das condições do paciente. O transplante de células-tronco hematopoiéticas e a quimioterapia intensiva semelhante àquela fornecida para tratamento da LMA são, nessa ordem, as únicas modalidades terapêuticas atuais com potencial de oferecer uma possibilidade de cura para o paciente. Porém, estes tratamentos apresentam uma morbi-mortalidade elevada. Por isso, de um modo geral, o tratamento para pacientes com baixo risco (IPSS baixo ou intermediário-1) é dirigido para qualidade de vida, enquanto o tratamento para pacientes de alto risco (IPSS intermediário-2 ou alto) é voltado para prolongar a vida.1 O presente artigo descreve as recomendações do Consenso em Mielodisplasia promovido pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH) e pelo Colégio Brasileiro de Hematologia (CBH) para tratamento, sem transplante de células-tronco hematopoiéticas, para pacientes com doença de alto risco. O quadro 1 resume as probabilidades de sobrevida e sobrevida sem transformação para LMA em anos de acordo com o risco definido pelo IPSS ajustado para a idade. Estas probabilidades foram observadas em pacientes sem tratamento.


Quimioterapia

O tratamento de pacientes com bom estado geral, sem comorbidades importantes, idade menor que 60 anos e com doença de alto risco deve ser feito preferencialmente com transplante alogeneico de células-tronco hematopoiéticas. Para aqueles sem doador, a quimioterapia intensiva, semelhante à utilizada para tratamento de LMA, é uma alternativa. O Ara-C em dose padrão (100 a 200 mg/m2, a cada 12 ou 24 horas), por cinco a dez dias, associado a fludarabina, idarrubicina ou outra antraciclina, foi utilizado em 182 pacientes com diagnóstico de MDS de acordo com a classificação da OMS. A taxa de RC variou de 19% a 79% (mediana 41%), a sobrevida global (SG) variou de 7 a 15 meses e a sobrevida livre de doença (SLD) variou de 4,5 a 18 meses. A mortalidade relacionada ao tratamento variou de 0% a 35%.2 O Ara-C em doses intermediárias ou altas (>500 mg/m2 até 3 g/m2), associado a fludarabina ou antraciclinas, pode produzir uma taxa de RC de 48% a 78% (mediana 62%), sobrevida global de 7 a 13 meses e SLD de 5 a 15 meses. A duração da resposta varia de 6 a 64 meses e os pacientes jovens apresentam melhor resposta.

O tempo de evolução da doença é também importante uma vez que a resposta varia de 77% a 86% para aqueles com menos de 6 meses de doença e de 25% a 58% para aqueles com mais de 6 meses de doença. A taxa de mortalidade relacionada ao tratamento foi de 0% a 10%. Uma maior toxicidade foi observada quando o Ara-C foi associado ao mitoxantrone. Não há evidências que o uso do G-CSF diminua a taxa de infecção após a quimioterapia.2

O melhor esquema de quimioterapia ainda não foi definido. O MD Anderson Cancer Center (MDACC) comparou os resultados de pacientes com LMA, AREB ou AREB-T e tratados com Ara-C combinado com topotecan ou fludarabina ± idarrubicina ou idarrubicina. A combinação de Ara-C e idarrubicina produziu a maior taxa de remissão completa e as maiores probabilidades de sobrevida global e livre de eventos.3

Outros agentes foram associados à quimioterapia intensiva. O MDACC comparou dois grupos de pacientes com LMA e mielodisplasia com alto risco. Ambos os grupos recebiam quimioterapia e eram randomizados para receber ou não talidomida. A associação da talidomida com quimioterapia não trouxe benefícios para este grupo de pacientes.4 Por outro lado, a associação de quimioterapia com quinina produziu maior taxa de remissão completa em pacientes que apresentavam expressão da glicoproteína P, que confere resistência a drogas.5

O painel recomenda que uma quimioterapia intensiva, semelhante aos esquemas utilizados para LMA, seja empregada em pacientes com menos de 60 anos de idade, com boas condições clínicas e sem doador para transplante. Não houve consenso quanto às drogas utilizadas.

Quimioterapia em baixas doses

Opiniões divergentes são obtidas quando se estuda a utilidade da quimioterapia em baixas doses, usualmente Ara-C, no tratamento de SMD. Um estudo randomizado que comparou baixas doses de Ara-C com tratamento de suporte não demonstrou diferenças de sobrevida.2 Apesar disso, os favoráveis ao uso desta estratégia reforçam que até 30% dos pacientes podem alcançar RC.6 Os críticos reforçam os efeitos adversos, principalmente os relacionados com a mielossupressão prolongada. O melphalan em pequenas doses diárias, por via oral, foi também testado em estudos com pequeno número de pacientes e apresentou resposta em grupos específicos.7 O painel não recomenda o uso de quimioterapia em baixas doses, fora do contexto de ensaio clínico.

Azacitidina e decitabina (agentes hipometilantes)

A 5-azacitidina e a 5-aza-2-deoxicitidina (decitabina) produzem hipometilação e reexpressão de genes supressores na mielodisplasia. A azacitidina (AzaC) foi avaliada em ensaio clínico controlado, comparada com um grupo controle que recebeu tratamento de suporte. O estudo incluiu 171 pacientes de baixo e alto risco. A taxa de resposta foi de 60% no grupo que recebeu AzaC (7% resposta completa), e de 5% no grupo controle. O tempo para evolução para LMA ou óbito foi de 21 meses para AzaC versus 13 meses para tratamento de suporte. A taxa de transformação para LMA foi de 15% para AzaC e 38% para o grupo controle. Além das respostas obtidas observou-se melhora na qualidade de vida no grupo que recebeu a azacitidina.8 Este ensaio clínico motivou a liberação da droga para tratamento de mielodisplasia nos Estados Unidos.

A decitabina é o outro agente hipometilante que tem sido investigado em ensaios clínicos. Ao contrário da AzaC, a decitabina é de uso hospitalar. Curiosamente, as melhores taxas de resposta observadas em um estudo de fase II foram em pacientes de risco mais elevado, sendo 25% para pacientes com risco intermediário-1, 48% para intermediário-2 e 64% para alto risco.9

Inibição da Histona Deacetilase (Hdac)

O ácido valpróico é um ácido graxo de cadeia curta que inibe a deacetilação da histona, o que afeta o crescimento e a diferenciação celular de uma série de neoplasias hematológicas. O efeito é potencializado pelo ácido all-trans-retinóico (ATRA). A associação de ácido valpróico com ATRA foi avaliada em 23 pacientes com mielodisplasia ou LMA secundária. Quinze pacientes apresentaram IPSS baixo ou intermediário-1. A taxa de resposta hematológica foi de 30%.10 A taxa de resposta parece ser melhor nos pacientes com doença de baixo risco.11 Outros agentes inibidores da HDAC estão são investigados.9 O painel de especialistas recomenda o uso do ácido valpróico com ou sem ATRA somente em ensaios clínicos.

Amifostina

Amifostina é um aminotiol fosforilado que promove a formação e sobrevida de células progenitoras hematopoiéticas. Vários estudos foram publicados reportando o uso de amifostina em SMD com taxa de resposta variando de 0% a 66%.2 A administração é complexa e o benefício, questionável. O painel não recomenda seu uso.

Outras Drogas

Várias drogas inibidoras da Farnesil transferase estão sendo testadas na SMD, assim como o trióxido de arsênico.9 Seus usos devem ser restritos a ensaios clínicos.

Recebido: 10/03/2006

Aceito após modificações: 11/09/2006

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

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  • Correspondência:

    Evandro M. Fagundes
    Rua Otoni, 881 - 6º andar – Bairro Santa Efigênia
    30150-270 – Belo Horizonte-MG
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Set 2006
    • Recebido
      10 Mar 2006
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