Acessibilidade / Reportar erro

Conjugação e validação de controle isotípico IgG1-FITC para uso em citometria de fluxo

Conjugation and validation of IgG1-FITC isotype control to be used in flow cytometry

Resumos

Em meados da década de 50 iniciou-se o desenvolvimento da citometria de fluxo, tecnologia que permite verificar características físico-químicas de células ou partículas suspensas em meio fluido. Esta tecnologia utiliza anticorpos monoclonais marcados com fluorocromos como ferramenta de investigação em diversas análises e necessita de controles isotípicos para definição da região negativa (background). Estes controles são constituídos por imunoglobulinas de mesmo isotipo e fluorocromo dos anticorpos testes, sendo o isotiocianato de fluoresceína (FITC) o marcador fluorescente mais utilizado na conjugação de anticorpos. Os controles isotípicos têm como função definir a fluorescência inespecífica (células negativas) e as regiões fluorescentes (células positivas). No presente estudo foi selecionado anticorpo monoclonal murino (AcMm) dirigido contra antígeno eritrocitário canino, produzido no Laboratório de Anticorpos Monoclonais do Hemocentro de Botucatu, o qual reage positivamente com hemácias de cães, mas nunca com leucócitos humanos, tendo, portanto, potencial utilidade como controle negativo em citometria de fluxo. A purificação do AcMm da subclasse IgG1 foi feita por cromatografia de afinidade em Proteína-A Sepharose, e o controle da purificação realizado por eletroforese em géis de ágarose e poliacrilamida (SDS-PAGE). A imunoglobulina purificada foi conjugada ao FITC e filtrado em coluna de Sephadex G-25 para separação das proteínas marcadas e não-marcadas. O AcMm conjugado foi testado contra hemácias de cães, e o êxito da conjugação comprovado por testes de fluorescência, sendo a mediana de positividade de 94,70. Frente a leucócitos humanos a mediana de positividade foi 0,03 contra 0,50 dos reagentes comerciais. Os testes estatísticos não-paramétricos de Wilcoxon e correlação de Spearman comprovaram a eficiência e validam o controle isotípico produzido em comparação aos reagentes comerciais testados.

Controle isotípico; citometria de fluxo; anticorpo monoclonal; isotiocianato de fluoresceína (FITC)


It was during the 1950's that the development of flow cytometry started, technology that allow to measure physiochemical characteristics of cells or suspended particles in fluid. This technology uses monoclonal antibodies labeled by fluorochromes as investigation tool in several analysis and needs isotype controls to define the negative region (background). These controls are constituted by immunoglobulins of the same isotype and fluorochrome from test antibodies, being fluorescein isothiocyanate (FITC) the most fluorescent marker used in antibody conjugations. The isotype controls have the function to define the unspecific fluorescence (negative cells) and the fluorescent regions (positive cells). In this study was selected monoclonal antibody (mAb) against canine erythrocyte antigen, produced in the Monoclonal Antibodies Laboratory - Blood Center of Botucatu, which reacts positively with dog red blood cells, but never with human leukocytes, having therefore, utility potential as negative control in flow cytometry. The purification mAb of IgG1 subclass was made by affinity chromatography in Sepharose Protein-A and the purification control was performed by electrophoresis in ágarose and polyacrylamide gels (SDS-PAGE). The purified immunoglobulin was conjugated to FITC and after was filtered in Sephadex G25 column to separation of labeled and unlabeled proteins. The conjugated mAb was tested against dog red blood cells and the conjugation success was verified by fluorescence tests, being the median positivity of 94.70. To the human leucocytes the positivity median was 0.03 against 0.50 of the commercial reagents. The nonparametric statistical tests of Wilcoxon and the correlation Spearman showed the efficiency and validate the isotype control produced in relation to the tested commercial reagents.

Isotype control; flow cytometry; monoclonal antibody; fluorescein isothiocyanate (FITC)


ARTIGO / ARTICLE

Conjugação e validação de controle isotípico IgG1-FITC para uso em citometria de fluxo

Conjugation and validation of IgG1-FITC isotype control to be used in flow cytometry

Márjorie A. GolimI; Elenice DeffuneII; Rosana Rossi-FerreiraIII; Ana Paula E. OliveiraIV; Carlos Roberto PadovaniV; Paulo Eduardo A. MachadoVI

IMestre em Biotecnologia Médica - Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp

IIDoutora em Imunologia pela Université Paris VI - Prof. Dra. do Departamento de Urologia - Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp

IIIDoutora em Fisiopatologia em Clínica Médica - Prof. Dra. Departamento de Ciências Biológicas - Unesp - Bauru

IVMestre em Fisiopatologia em Clínica Médica - Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp

VProf. titular em Bioestatística - Instituto de Biociências de Botucatu - Unesp

VIDoutor. Professor emérito, titular em Hematologia

Correspondência Correspondência: Márjorie de Assis Golim Hemocentro de Botucatu - Distrito Rubião Júnior, s/nº Unesp - Universidade Estadual Paulista - Campus de Botucatu - SP Tel.: (014) 3811-6041, ramal 231. E-mail: citometria@fmb.unesp.br

RESUMO

Em meados da década de 50 iniciou-se o desenvolvimento da citometria de fluxo, tecnologia que permite verificar características físico-químicas de células ou partículas suspensas em meio fluido. Esta tecnologia utiliza anticorpos monoclonais marcados com fluorocromos como ferramenta de investigação em diversas análises e necessita de controles isotípicos para definição da região negativa (background). Estes controles são constituídos por imunoglobulinas de mesmo isotipo e fluorocromo dos anticorpos testes, sendo o isotiocianato de fluoresceína (FITC) o marcador fluorescente mais utilizado na conjugação de anticorpos. Os controles isotípicos têm como função definir a fluorescência inespecífica (células negativas) e as regiões fluorescentes (células positivas). No presente estudo foi selecionado anticorpo monoclonal murino (AcMm) dirigido contra antígeno eritrocitário canino, produzido no Laboratório de Anticorpos Monoclonais do Hemocentro de Botucatu, o qual reage positivamente com hemácias de cães, mas nunca com leucócitos humanos, tendo, portanto, potencial utilidade como controle negativo em citometria de fluxo. A purificação do AcMm da subclasse IgG1 foi feita por cromatografia de afinidade em Proteína-A Sepharose, e o controle da purificação realizado por eletroforese em géis de ágarose e poliacrilamida (SDS-PAGE). A imunoglobulina purificada foi conjugada ao FITC e filtrado em coluna de Sephadex G-25 para separação das proteínas marcadas e não-marcadas. O AcMm conjugado foi testado contra hemácias de cães, e o êxito da conjugação comprovado por testes de fluorescência, sendo a mediana de positividade de 94,70. Frente a leucócitos humanos a mediana de positividade foi 0,03 contra 0,50 dos reagentes comerciais. Os testes estatísticos não-paramétricos de Wilcoxon e correlação de Spearman comprovaram a eficiência e validam o controle isotípico produzido em comparação aos reagentes comerciais testados.

Palavras-chave: Controle isotípico; citometria de fluxo; anticorpo monoclonal; isotiocianato de fluoresceína (FITC).

ABSTRACT

It was during the 1950's that the development of flow cytometry started, technology that allow to measure physiochemical characteristics of cells or suspended particles in fluid. This technology uses monoclonal antibodies labeled by fluorochromes as investigation tool in several analysis and needs isotype controls to define the negative region (background). These controls are constituted by immunoglobulins of the same isotype and fluorochrome from test antibodies, being fluorescein isothiocyanate (FITC) the most fluorescent marker used in antibody conjugations. The isotype controls have the function to define the unspecific fluorescence (negative cells) and the fluorescent regions (positive cells). In this study was selected monoclonal antibody (mAb) against canine erythrocyte antigen, produced in the Monoclonal Antibodies Laboratory - Blood Center of Botucatu, which reacts positively with dog red blood cells, but never with human leukocytes, having therefore, utility potential as negative control in flow cytometry. The purification mAb of IgG1 subclass was made by affinity chromatography in Sepharose Protein-A and the purification control was performed by electrophoresis in ágarose and polyacrylamide gels (SDS-PAGE). The purified immunoglobulin was conjugated to FITC and after was filtered in Sephadex G25 column to separation of labeled and unlabeled proteins. The conjugated mAb was tested against dog red blood cells and the conjugation success was verified by fluorescence tests, being the median positivity of 94.70. To the human leucocytes the positivity median was 0.03 against 0.50 of the commercial reagents. The nonparametric statistical tests of Wilcoxon and the correlation Spearman showed the efficiency and validate the isotype control produced in relation to the tested commercial reagents.

Key words: Isotype control; flow cytometry; monoclonal antibody; fluorescein isothiocyanate (FITC).

Introdução

Citometria de fluxo é um método tecnológico que permite verificar características físico-químicas em células ou partículas individualmente, permitindo caracterizar variações destas.4,8,17 Permite evidenciar e caracterizar eventos, como identificação de antígenos fixados na superfície de células ou partículas, suspensas em meio líquido, quando tratadas com anticorpos monoclonais marcados com fluorocromo. 2,5,7,11

A presença de fluorescência inespecífica pode ocorrer como produto da adsorção de moléculas de anticorpo à superfície celular sem haver reação antígeno-anticorpo, o que pode ser evidenciado como falso evento. Para evitar a interferência de falsa positividade nos resultados é preciso quantificar e eliminar a fluorescência inespecífica, avaliando as amostras com controle isotípico, ou seja, anticorpo do mesmo isótipo utilizado nos anticorpos testes, marcado com o mesmo corante, mas que não é específico aos sítios antigênicos da amostra em análise; assim, a fluorescência emitida por este controle, que não reconhece nenhuma das moléculas de superfície das células ou partículas da amostra em análise, permite estabelecer o background (linha zero), abaixo do qual resultados não são reconhecidos, ou são inespecíficos, evidenciando tão somente os eventos reais.5,8,11,14 As ligações específicas ocorrem via região Fab da imunoglobulina, são responsáveis pela especificidade antigênica.6 Já as ligações inespecíficas geralmente ocorrem através da interação da porção Fc da imunoglobulina. Em caso de significante ligação inespecífica no teste, a discriminação entre positivo-negativo torna-se muito difícil.3,15

A citometria de fluxo oferece a vantagem de analisar células individualmente, quando marcadas com fluorocromos, as quais são monitoradas em tempo real, sem a necessidade de separar células marcadas das não marcadas.17 Os fluorocromos são moléculas propícias para marcar um alvo específico, produzir resposta observável espectroscopicamente após estímulo e suas características espectroscópicas devem ser compatíveis com o equipamento que será usado para a detecção, no caso, o citômetro de fluxo.9 O FITC é o marcador fluorescente mais comumente usado para conjugar proteínas via grupo amina. Ele reage com grupos de proteínas com terminal amino ou aminas primárias. O isômero I é facilmente isolado na forma pura e, quando adsorvido em celite, observa-se significante aumento da eficiência de dispersão do FITC em solução de proteína*. Estudos constataram que a fluoresceína, talvez pelo tamanho molecular ou configuração, é um potente supressor da função Fc quando comparada a outros reagentes estudados.14 Anticorpos devem ser conjugados em várias reações paralelas de diferentes quantidades de FITC, e o reagente resultante deve ser comparado pelo brilho e ideal background para escolha da taxa de conjugação ótima.4,14

A fluorescência é aumentada quanto mais moléculas de fluorocromo forem adicionadas à proteína. O número de moléculas que podem ser conjugadas à proteína sem substancial perda de fluorescência dependerá do tamanho da proteína e distância do grupo funcional no qual o fluorocromo será fixado. O grau da conjugação depende da reatividade do fluorocromo com a proteína, do peso molecular, do número de aminas reativas, da concentração de proteínas e outros fatores.13

A purificação do conjugado deve ser realizada em gel de exclusão que cromograficamente separa o conjugado fluorocromo/proteína de fluorocromos não covalentemente ligados, proteínas livres e outras impurezas de baixo peso molecular, sendo estes adsorvidos pelo gel enquanto as proteínas marcadas passam através da malha do gel. Este método é muito rápido e eficaz para purificação de conjugados. Técnicas comuns empregam Sephadex G-25 ou coluna similar contendo por volta de 2 mL de matriz na coluna/mg de proteína.3

Devido ao alto custo e à ampla aplicação destes controles isotípicos na citometria de fluxo idealizou-se o desenvolvimento dos mesmos in house, visto que uma série de anticorpos monoclonais (AcMm) era resultado de pesquisas anteriores do Hemocentro da Unesp de Botucatu - SP. Conferimos a esta pesquisa as fases de purificação do AcMm, conjugação ao isotiocianato de fluoresceína (FITC), avaliação prática da eficácia e validação do AcMm fluoresceinado.

O AcMm selecionado para ser conjugado ao FITC foi uma imunoglobulina murina de classe/subclasse IgG1, dirigida contra antígeno eritrocitário canino. Por ser esta espécie diferente e distante da espécie humana na escala filogenética, as chances de ocorrerem reações cruzadas são ínfimas. Como o intuito é obter um produto que não reaja com células humanas, tendo a função de controle negativo, visualiza-se neste AcMm antieritrócito canino um potencial controle isotípico para uso em citometria de fluxo. Além desta função, idealizou-se também que, em outras espécies, como felina, bovina e eqüina, o reagente teria a mesma função designada à espécie humana, ou seja, controle isotípico fluoresceinado.

Material

Obtenção das amostras dos cães

Fez-se imobilização do animal com colocação de mordaça para identificação da veia jugular. A coleta foi realizada com tubo vacuntainer, volume de 5mL. Total: 52 cães.

Obtenção das amostras de sangue humano

Cinqüenta (n=50) voluntários sadios doaram uma única amostra de 5mL de sangue periférico coletado em tubo vacuntainer com EDTA.

Anticorpo monoclonal murino (AcMm)

A imunoglobulina (Ig) de classe/subclasse IgG1 foi obtida do clone murino denominado LAMBCan-1 cedido pelo Laboratório de Anticorpos Monoclonais do Hemocentro de Botucatu-SP sob a forma de líquido ascítico. Esta Ig corresponde a um AcMm, anteriormente desenvolvido, a partir de um único clone; portanto, produz imunoglobulina específica contra o antígeno de escolha, que, no caso, trata-se de antígeno eritrocitário canino. No entanto, o líquido ascítico, que é produzido pela irritação do peritônio de camundongos com óleo mineral, contém outras proteínas (como albumina) que devem ser eliminadas através de purificação por imunoafinidade, de modo que se obtenha AcMm purificado, ideal para ser conjugado à fluorescência para posterior utilização como controle isotípico em citometria de fluxo.

Métodos

Controle eletroforético da monoclonalidade

Para haver confirmação da monoclonalidade, técnicas como eletroforeses em géis de ágar e poliacrilamida (SDS-PAGE) foram realizadas pré e pós-purificação das imunoglobulinas murinas por imunoafinidade à Proteína-A Sepharose CL-4B.

A determinação da concentração de proteínas totais do AcMm pré e pós-purificação foi realizada pelo método de biureto utilizando-se o kit comercial Labtest®, onde as ligações protéicas (tirosina) reagem com íon cúprico, em meio alcalino, para se obter um complexo de cor, cuja intensidade é proporcional à concentração de proteínas totais na amostra.

Na eletroforese em gel de ágar utilizou-se como corante o negro de amido.

A eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) foi realizada com gel de gradiente de 4-15% (PhastGel - Amersham Pharmacia®) no equipamento PhastSystem® constatando peso molecular, pureza e quantificação das proteínas.

Purificação de proteínas por imunoafinidade à Proteína -A Sepharose

A Proteína-A é um polipeptídeo isolado de S. aureus que se acopla ao anticorpo e liga-se a um suporte estacionário (sepharose). Esta ligação é reversível com mudança de pH, permitindo a eluição do anticorpo. Foi escolhida a Proteína-A Sepharose CL-4B 1,5g (Pharmacia®).10,16 Todo volume de líquido ascítico coletado intraperitonealmente dos camundongos Balb/C inoculados com o clone LAMBCan-1 foi submetido à purificação em coluna contendo Proteína-A Sepharose, a qual é dotada de alta afinidade à região Fc da imunoglobulina. Soluções tampões de diferentes pHs possibilitaram a separação das subclasses de imunoglobulinas murinas por eluição.

Conjugação de FITC ao AcMm

O isotiocianato de fluoresceína (FITC) - Isômero I com celite (Sigma-Aldrich®) foi o fluorocromo de escolha para ser conjugado à proteína, já purificada. Este foi preparado conforme especificações da bula, com mínimas modificações técnicas. Inicialmente, diluiu-se o FITC liofilizado em DMSO (1mg/mL). Preparou-se a concentração de proteína na tentativa de chegar a ótima concentração para conjugação. Foram realizadas três diferentes concentrações de proteína, respectivamente 3 mg proteína/mL, 5,5 mg proteína/mL e 11 mg proteína/mL. Adicionou-se a solução de FITC/DMSO a estas para dar início às reações. A incubação ocorreu por oito horas no escuro a 4ºC. A todo o momento, trabalhou-se com tubos embalados em papel alumínio, evitando a exposição à luz, pois o corante é sensível à mesma.

Purificação do AcMm conjugado com FITC (IgG1/FITC house)

Após completa a reação de conjugação, fez-se a separação do FITC-celite, por decantação, então, iniciou-se a purificação IgG1/FITC house para separação deste do não conjugado em coluna de Sephadex G-25. Apenas tampão PBS de pH 7,4 foi utilizado. Todos os tubos eluídos foram preservados para posteriores análises.

Determinação da média molar de fluoresceína/ proteína (F/P)

A taxa molar F/P é definida como a taxa de moléculas de FITC para moléculas de proteína no conjugado. Para determinar essa média é necessário primeiro determinar a absorbância da amostra conjugada em 280 e 495 nm. Espera-se que esta taxa esteja entre 0.3 a 1.0, pois taxas muito baixas produzirão baixos sinais e taxas muito elevadas produzirão altos backgrounds. Para conjugados IgG-FITC deve-se calcular a taxa F/P de acordo com a equação :

Realizou-se a absorbância de todos os tubos eluídos da coluna de Sephadex G-25 e subseqüentes cálculos.

Testes de hemaglutinação

Todas as amostras dos cães foram submetidas à contagem celular automatizada (hemograma completo no contador automático Coulter T-890®). Posteriormente, pipetaram-se 100 uL do concentrado de hemácias, que foram lavadas três vezes em solução salina isotônica 0,9% (SSI) e preparadas a uma concentração de 20.000 células. Subseqüentemente, 100 uL desta suspensão de hemácias foram incubados com 15 uL de IgG1/FITC house por trinta minutos no escuro à temperatura ambiente (TA). Os testes de hemaglutinação direta têm como objetivo verificar a intensidade da reação antígeno-anticorpo para que se determine a quantidade ideal de IgG1/FITC house para chegar à hemaglutinação vista apenas microscopicamente, dando início aos testes imunofluorocitométricos no citômetro de fluxo, pois o aparelho faz leitura célula a célula.

Teste imunofluorocitométrico

• Verificação do brilho emitido pelo AcMm fluoresceinado

O material proveniente dos testes de hemaglutinação foi ressuspenso em 500 uL de SSI para dar volume e possibilitar a leitura no citômetro de fluxo modelo FACSCalibur® (Becton Dickinson). A aquisição dos dados referentes à população celular de interesse foi realizada em gráficos (dot plot) dos parâmetros de tamanho celular (forward scatter) versus granulosidade (side scatter), sendo que escala em LOG foi utilizada para aquisição de hemácias e linear para leucócitos. A fluorescência emitida pelo fluorocromo em uso, FITC, foi lida em fluorescência 1 (FL1) e analisada em histograma, avaliando a intensidade de fluorescência. O programa utilizado para as análises foi CellQuest® (Becton Dickinson). Esse teste tem por função comprovar a eficiência da conjugação do IgG1/FITC house comparando-se brilho e ideal background para escolha da taxa ótima de conjugação, pois será emitida fluorescência positiva em presença do IgG1/FITC house + eritrócitos de cães.

• Verificação do background

A função deste teste foi determinar padrão de imunofluorescência de base considerada ideal produzida pelo IgG1/FITC house em reações com resultado esperado negativo. Leucócitos de várias espécies foram testados (humana, canina, bovidan felina e eqüina) para aumentar a aplicabilidade do reagente como controle isotípico. Usaram-se 100 uL de sangue total + 15 uL do IgG1/FITC house, incubando por trinta minutos no escuro à TA. Após incubação adicionaram-se 450 uL de solução de lise (FACSLysing®-BD) para que as hemácias fossem lisadas.

• Validação do AcMm fluoresceinado

Os testes imunofluorocitométricos com amostras de leucócitos humanos foram realizados em paralelo com ambos os reagentes: IgG1/FITC house e controle isotípico comercial (parte dos testes foram feitos com controle comercial Pharmingen® e parte com Dako®), também IgG1-FITC, na tentativa de constatar a eficiência do mesmo.

Análise estatística

Foram realizados nas análises: estatística descritiva, teste não-paramétrico de Mann-Whitney com nível de 5% de significância, teste não-paramétrico de Wilcoxon e correlação de Spearman.12

Resultados e Discussão

Controle eletroforético da monoclonalidade

Através da análise da eletroforese em gel de ágar do AcMm selecionado foi possível determinar o número de espécies protéicas existente no AcMm proveniente de líquido ascítico. Após a purificação verificou-se o grau de pureza da amostra, confirmando a monoclonalidade do anticorpo. A figura 1 mostra claramente a existência de várias proteínas no ascite, a seta indica o pico monoclonal da imunoglobulina que corresponde ao pico 4 respectivo na densitometria.


A análise densitométrica da eletroforese mostra que o pico monoclonal refere-se a 33,1% do total de proteínas. A presença de várias proteínas se deve a fatores intrínsecos relacionados ao organismo do animal, já que a expansão do clone foi realizada in vivo.

A dosagem de proteínas totais pelo método de biureto no líquido ascítico totaliza 3,38g/dL.

A eletroforese em SDS-PAGE confirma a presença de várias proteínas. A existência do dobro de bandas quando se compara às visualizadas na eletroforese em gel de ágar se deve ao uso de mercaptoetanol no preparo da amostra em SDS-PAGE, que quebra pontes dissulfeto separando cadeias leves e pesadas das imunoglobulinas.

Na tabela 1 pode-se verificar os pesos moleculares em kilodaltons (KDa) das proteínas existentes no líquido ascítico do clone LAMBCan-1.

Purificação de proteínas por imunoafinidade à proteína -A Sepharose

Na purificação, inicialmente, com o uso de tampão de fixação, estabeleceu-se linha de base. O resultado obtido pós-purificação pode ser visualizado na figura 3. A imunoglobulina de classe/subclasse IgG1, conforme resultados de estudos anteriores responsáveis pela produção do clone em estudo, é evidenciada no pico 2, iniciado na amostra 68 que teve densidade ótica elevada, assim como as posteriores, em virtude da eluição da imunoglobulina e finalizou-se na amostra 87. Esse fato ocorreu quando se utilizou solução tampão de pH 6,0, que permite a eluição da subclasse murina IgG1 em Proteína-A Sepharose CL4B. O pico 1, primeiramente formado, refere-se às proteínas não adsorvidas pela matriz de Sepharose, principalmente albumina, eluindo rapidamente, assim que o líquido ascítico foi incorporado à coluna. Na figura 3, o desenho gráfico correspondente a este pico situa-se entre as amostras 33 e 47, na ordem do eluato da purificação.


Controle eletroforético da monoclonalidade pós-purificação

Após purificação em coluna de Proteína-A Sepharose, os testes de controle da monoclonalidade foram feitos para confirmação da purificação. A figura 4 representa a banda monoclonal visualizada no gel de ágar a 1%. Pode-se conferir que os resultados foram bastante satisfatórios, portanto torna-se possível a conjugação de anticorpo puro ao FITC em próxima etapa.


A análise da densitometria resultou em 60,8% do AcMm. A eletroforese em SDS-PAGE confirma uma única imunoglobulina, sendo que o uso de mercaptoetanol no preparo da amostra coloca em evidência as cadeias leves e pesadas das imunoglobulinas separadamente. Podemos verificar na tabela 2, acima, o peso molecular.

Conjugação de FITC ao AcMm e purificação do conjugado (IgG1/FITC house)

Depois de finalizado o tempo de incubação das reações de conjugação estas foram submetidas à purificação em coluna de Sephadex G-25 para que as proteínas conjugadas (IgG1+FITC) fossem separadas daquelas que não se ligaram ao fluorocromo. As três reações de conjugação comportaram-se, visualmente, de maneira bastante similar na coluna de purificação. Adicionou-se PBS de pH 7,4 até o topo da coluna aguardando sua incorporação. Após, inseriu-se a primeira reação de conjugação que continha o conjugado IgG+FITC, este não se ligou à coluna, sendo eluído rapidamente, provavelmente porque é justamente na porção Fc da imunoglobulina que o FITC se liga e esta é também a porção que tem afinidade à matriz da coluna, portanto, não se fixou. Já a proteína livre de FITC ligou-se à matriz de Sephadex, sendo posteriormente eluída após sucessivas lavagens com PBS. O mesmo procedimento foi realizado com as demais reações de conjugação.

Determinação da média molar de fluoresceína/proteína (F/P)

Todos os eluatos da coluna de Sephadex G-25 foram preservados para leitura de absorbância e determinação da média molar de fluoresceína/proteína. A melhor taxa de F/P foi vista no primeiro tubo de eluato, confirmado a teoria de não fixação do conjugado, em virtude da ligação do FITC à porção Fc da imunoglobulina. De todas as reações, a que obteve taxa mais próxima do desejado foi a segunda reação, que tinha como concentração de proteína 5,5mg/mL, obtendo taxa F/P de 2,2. A primeira reação (proteína 3,0 mg/mL) apresentou taxa de 4,6 e a terceira (proteína 11 mg/mL) de 3,8. O ideal sugerido pela técnica seria entre 0.3 a 1.0. De qualquer forma, todos os tubos, inclusive os que obtiveram taxas muito elevadas, foram testados na hemaglutinação para que se pudesse confirmar a presença do conjugado em determinado eluato. O fato do concentrado de proteína 5,5mg/mL ter apresentado melhor taxa de F/P mostra que esta foi a reação mais balanceada, devendo ser a concentração de escolha para obtenção de ótima conjugação.

Testes de hemaglutinação

Este teste foi realizado com a finalidade de se confirmar presença da atividade anticorpo na imunoglobulina purificada e marcada. Somente os tubos que obtiveram a melhor taxa de F/P apresentaram hemaglutinação positiva, quando testados com hemácias de cães confirmando assim a presença do anticorpo naqueles eluatos. Os demais não obtiveram nenhuma aglutinação, seja macro ou microscópica, sendo, portanto, descartados do estudo por não apresentarem a presença da IgG1. As amostras do purificado com aglutinação positiva reagiram intensamente, o que determinaria problemas técnicos na câmara de fluxo do citômetro. Para determinar a melhor concentração do anticorpo que ultrapassasse esta dificuldade, uma curva de titulação foi realizada através da diluição em SSI. As reações macroscopicamente negativas foram observadas por microscopia, e a titulação cuja análise macroscópica foi negativa e microscópica positiva com aglutinados pequenos de 3-4 hemácias, foram selecionadas para análises na citometria de fluxo.

Teste imunofluorocitométrico

1. Verificação do brilho emitido pelo IgG1/FITC house

A população de eritrócitos foi selecionada (gate) no gráfico de FSC x SSC, sendo separada de plaquetas e debris em virtude da aquisição em LOG, a qual possibilita este fato.1 Seguiu-se para a análise da fluorescência em histogramas de leitura de fluorescência 1 (FL1 - FITC). Utilizando-se hemácias de cães foi possível verificar a presença de brilho emitido pelas células que se ligaram ao conjugado IgG1/FITC. A mediana de fluorescência emitida nas análises de 52 cães foi de 94,70, com valor mínimo de 45,50% e valor máximo de 100%. Esta análise comprova a eficácia da conjugação.

2. Verificação do ideal background

Nesta etapa, utilizando-se leucócitos caninos, humanos, felinos, bovinos e eqüinos, os resultados foram negativos, ou seja, em todas essas situações o reagente funcionou como controle isotípico, estabelecendo background satisfatório, não interferindo na fluorescência positiva quando comparados com os testes de confirmação da fluorescência (hemácias caninas). Para as espécies canina e humana foi estabelecido um n para determinação estatística dos resultados encontrados.

A tabela 3 apresenta medidas descritivas dos leucócitos na espécie canina e demais espécies. O número de animais analisados foi de 52 cães e, na espécie bovina+ eqüina, seis animais. A mediana de imunofluorescência do IgG1/FITC house sobre leucócitos caninos foi de 0,02 com desvio padrão 0,42 enquanto a mediana para demais espécies foi de 0,06 com desvio padrão de 0,15, sendo que o resultado do teste estatístico foi de 1,47 (P>0,05). A metodologia empregada foi o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Estes dados validam o uso do reagente produzido como controle isotípico, inclusive para testes utilizando leucócitos da espécie canina. Apesar do n ter sido pequeno (6), o teste estatístico valida o reagente para as espécies bovina e eqüina.

3. Validação do AcMm fluoresceinado

Os testes imunofluorocitométricos com IgG1/FITC house em amostras de leucócitos humanos realizados em paralelo ao uso de controles isotípicos comerciais não tiveram resultados comparáveis, tendo em vista a análise estatística que evidencia uma mediana de 0,03 para o IgG1/FITC house versus 0,50 para os controles disponíveis no mercado. O valor máximo obtido para o reagente produzido foi de 0,88% versus 2,49% para o comercial. O desvio padrão para o IgG1/FITC house foi de 0,19, enquanto para o reagente comercial foi de 0,56. O resultado do teste estatístico (P-value) foi de 4,97 (P<0,001).

A medida das associações entre os reagentes foi de -0,04 (P>0,05), o que significa afirmar que os reagentes não são comparáveis por terem apresentado comportamento diferentes não existindo, portanto associações diretas nas respostas dos reagentes por uma maciça superioridade do reagente produzido versus o comercialmente disponível.

Conclusões

• A purificação pelo método de cromatografia de afinidade em Proteína-A Sepharose se mostrou eficaz;

• O êxito da conjugação da imunoglobuliuna ao FITC foi comprovado pela mediana de fluorescência da Ig FITC contra hemácias de cães que foi de 94,70;

• Os testes estatísticos de não-paramétricos de Wilcoxon e a correlação de Spearman comprovam a superioridade do controle isotípico produzido in house comparativamente aos reagentes comerciais.

Agradecimento

A Valéria Alves da Silva, pela assistência técnica.

Recebido: 24/07/2006

Aceito após modificações: 26/04/2007

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

  • 1. Arndt PA, Garratty G. Linear vs. logarithmic settins in flow cytometric analyses [Correspondence]. Transfusion Medicine 2000;10:323.
  • 2. Bacal NS, Faulhaber MHW. Aplicação prática em citometria de fluxo. São Paulo: Editora Atheneu; 2003.
  • 3. Brinkley M. A brief survey of methods for preparing protein conjugates with dyes, haptens, and cross-linking reagents. Bioconjug Chem. 1992;3:2-13.
  • 4. Bruin HG, Leur-Ebeling I, Aaij C. Quantitative determination of number of FITC-molecules bound per cell in immunofluorescence flow cytometry. Vox Sang. 1983;45:373-7.
  • 5. Coon JS, Weinstein RS. Diagnostic flow cytometry - techniques in diagnostic pathology. Baltimore: Williams & Wilkins; 1991.
  • 6. Geiger B, Volberg T. Conjugation of fluorescent dyes to antibodies. In: Celis JE. Cell Biology: a laboratory handbook. 2ª ed. San Diego: Academic Press; 1994. v. 2, p. 457-61.
  • 7. Javois LC. Immunocytochemical methods and protocols. 2ªed. Totowa(NJ): Humana Press; 1999. Methods in molecular biology, 34.
  • 8. Johnson G. Immunofluorescence. In: Catty D. Antibodies: a practical approach. Birmingham: URL Press - Oxford University Press; 1989. v.2, p. 176-89.
  • 9. Johnson I. Fluorescent probes for living cells [review]. Histochem J. 1998;30:123-40.
  • 10. Lenz G. Métodos imunológicos. Porto Alegre: UFRGS- Biofísica; 1997. [acesso 25 set 2003]. Disponível em: http://ufrgs.br/biofis/Bio10010.htm
  • 11. Loken M, Green CL, Wells, DA, editors. Immunofluorescence of surface markers. In: Ormerod MG. Flow cytometry: a practical approach. 3rd ed. New York: Oxford University Press; 2000. p. 61-82.
  • 12. Norman GR, Streiner DL. Biostatistics - the bare essentials. St Louis: Ed. Mosby-Year Book; 1994. 260p.
  • 13. Riley RS, Mahin JE, Ross W, Perfetto S, Posekany K. Techniques of cellular analyses. Riley RS, Mahin JE, Ross W. Clinical applications of flow cytometry. New York: Igaku-Shoin; 1993. p. 195-250.
  • 14. Roederer M. Conjugation of monoclonal antibodies (July, 1997). Bethesda: National Institute of Allergy and Infectious Disease; 2003. [cited 2003 fev 26]. Available from: http://www.drmr.com/abcon
  • 15. Thrasher SG, Bigazzi PE, Yoshida T, Cohen S. The effect of fluorescein conjugation on Fc-dependent properties of rabbit antibody [abstract]. J Immunol 1975; 114: 762-4.
  • 16. Universidad Regiomontana. Métodos de separción. México, 2003 [cited 2003 oct 31].Available from: http://www.ur.mx/cursus/diya/quimica/jescobed/separa.htm
  • 17. Waller A, Pipkorn D, Sutton KL, Linderman JJ, Omann GM. Validation of flow cytometric competitive binding protocols and characterization of fluorescently labeled ligands. Cytometry 2001; 45:102-14.
  • Correspondência:

    Márjorie de Assis Golim
    Hemocentro de Botucatu - Distrito Rubião Júnior, s/nº
    Unesp - Universidade Estadual Paulista - Campus de Botucatu - SP
    Tel.: (014) 3811-6041, ramal 231.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Abr 2007
    • Recebido
      24 Jul 2006
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org