Acessibilidade / Reportar erro

A arte da decomposição: Bacovia e a decadência europeia

The art of decomposition: Bacovia and european decadence

Resumos

George Bacovia é um importante poeta romeno, inicialmente classificado pela crítica literária no movimento simbolista. O presente trabalho busca trazer à tona as influências da poética decadente na poesia de Bacovia, no intuito de fazer um contraponto à sua tradicional vinculação ao simbolismo. Em especial, destaca-se a presença da poesia decadente francesa na obra do poeta romeno.

George Bacovia; Decadentismo; Simbolismo; Literatura Romena


George Bacovia is an important Romanian poet, initially classified by the literary criticism as a symbolist one. This paper attempts to bring out to light the influences that come from the decadent poetry upon Bacovia's work, in order to contrast its traditional attachment to symbolism. In particular, we highlight the presence of French decadent poetry in the work of the Romanian poet.

George Bacovia; Decadence; Symbolism; Romanian Literature


George Bacovia est un très important poète d'origine roumaine, d'abord classé par la critique littéraire comme un symboliste. Cet article vise à mettre en place les influences qui viennent de la poésie décadente sur le travail de Bacovia, pour contraster son attachement traditionnel au symbolisme. En particulier, nous mettons en évidence la présence de la poésie décadente française dans l'oeuvre du poète roumain.

George Bacovia; Décadence; Symbolisme; Littérature Roumaine


ARTIGOS

A arte da decomposição. Bacovia e a decadência europeia

The art of decomposition. Bacovia and european decadence

Mihai Ene

Universidade de Craiova Craiova, Romênia

RESUMO

George Bacovia é um importante poeta romeno, inicialmente classificado pela crítica literária no movimento simbolista. O presente trabalho busca trazer à tona as influências da poética decadente na poesia de Bacovia, no intuito de fazer um contraponto à sua tradicional vinculação ao simbolismo. Em especial, destaca-se a presença da poesia decadente francesa na obra do poeta romeno.

Palavras-chave: George Bacovia; Decadentismo; Simbolismo; Literatura Romena.

ABSTRACT

George Bacovia is an important Romanian poet, initially classified by the literary criticism as a symbolist one. This paper attempts to bring out to light the influences that come from the decadent poetry upon Bacovia's work, in order to contrast its traditional attachment to symbolism. In particular, we highlight the presence of French decadent poetry in the work of the Romanian poet.

Keywords: George Bacovia; Decadence; Symbolism; Romanian Literature.

RÉSUMÉ

George Bacovia est un très important poète d'origine roumaine, d'abord classé par la critique littéraire comme un symboliste. Cet article vise à mettre en place les influences qui viennent de la poésie décadente sur le travail de Bacovia, pour contraster son attachement traditionnel au symbolisme. En particulier, nous mettons en évidence la présence de la poésie décadente française dans l'oeuvre du poète roumain.

Mots-clés: George Bacovia; Décadence; Symbolisme; Littérature Roumaine.

George Bacovia (1881-1957) é um caso especial na literatura romena. Embora ele seja, provavelmente, o primeiro grande poeta moderno no qual os traços de uma estética romântica foram depurados, seu reconhecimento total no espaço da literatura romena veio somente depois da Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, Bacovia foi situado pelos críticos do entreguerras na esfera do Simbolismo, entretanto, seus comentadores mantiveram-se apenas em considerações superficiais, prestando mais atenção às influências e técnicas em vez das diferenças na visão poética proporcionadas por esse escritor estranho. Contudo, a apreensão da obra literária de Bacovia desfrutou de aberturas exegéticas notáveis durante o período do pós-guerra, especialmente nas décadas de oitenta e noventa.

Não obstante, a questão do Simbolismo - cuja presença e importância enfraqueceram gradualmente nas novas abordagens - não foi completamente esgotada, longe disso; muito menos as diferenciações que deveriam ser efetuadas no que diz respeito ao Decadentismo. Certamente há, nos poemas de Bacovia, uma quantidade muito maior de características que pertencem ao estilo decadente, além das técnicas do simbolismo e mesmo de quaisquer outras intrusões externas. Mais do que qualquer outro poeta, Bacovia possui a sensibilidade de um decadente, caracterizada por algumas linhas gerais de seu perfil que serão destacadas nos parágrafos seguintes.

Não há em nenhum outro poeta romeno o gosto e a percepção do fim em tamanha extensão quanto em Bacovia. Nenhum deles conseguiu sentir a agonia ou render-se ao terror de modo mais desesperado do que o poeta do chumbo.1 1 Referência ao livro Plumb, marco da obra de Bacovia. (N. do T.) Mais do que isso, a desarmonia, totalmente antissimbolista que foi percebida por um crítico literário como Nicolae Manolescu, também pertence à degeneração decadente, bem como ao Expressionismo, em certo grau, como o importante crítico contemporâneo considera.*1 *1 (MANOLESCU, Nicolae. "Prefaţă". In: Plumb. Versuri şi proză. Bucureşti, Ed. Minerva, "B.P.T.", 1965. ) O cansaço e a desilusão, o tédio existencial - cujo ápice é o spleen - os quais perpassam a totalidade do universo de Bacovia, fornecem aos seus poemas uma atmosfera decadente, do fim de uma era, especialmente do fim de um mundo completo. Ainda assim, Bacovia não é um apocalíptico. O universo nem mesmo colapsa integralmente; ao contrário, ele permanece suspenso em metástase, desabando ao longe, com todo o seu poder, a volúpia desse estágio final.

O mesmo Nicolae Manolescu observou que "o simbolismo de Bacovia é, em comparação com o outro (anterior em duas ou três décadas), como um mundo similar e paralelo, deformado por um espelho que não apenas inverte a imagem, como também altera as proporções tal qual uma caricatura".*2 *2 (MANOLESCU, op. cit.: v-vi.) Isso pode ser possível se observarmos a partir do lado oposto do perfil do poeta. Além disso, deve-se considerar que Bacovia é muito mais nuançado e sua obra apresenta uma estrutura mais complexa. Levando em conta sua formação e aspirações, ele provém da área simbolista e decadente; no entanto, ele algumas vezes excede - especialmente em seus últi mos livros - esta área estética, mantendo algum traço que não pode ser removido, pois pertence a sua estrutura interior. Até inverter a imagem, Bacovia parece imergir o mais fundo nessa mesma imagem e se manter firmemente impregnado nela até o momento no qual, com algum esforço, inscreve na página seu próprio eu que, uma vez revelado, é ultrapassado e mesmo derrubado em suas próprias intenções pela imagem dominante.

Como próprio relato de Bacovia ao decadentismo europeu, isso é bastante questionável. A confusão com o Simbolismo é bastante óbvia, presente na maioria das mentes talentosas daquele período, teoricamente falando, mas não consideramos que, no caso de Bacovia, esse aspecto é de grande importância. Por outro lado, Dinu Flămând comenta sobre "o prazer com o qual Bacovia declara a si mesmo como um decadente", embora ele aceite que tenha sido pouco provável que o poeta romeno possa ter mantido contato com as disputas teóricas no espaço francês, conhecendo os escritores decadentes, como ele mesmo declarou em uma entrevista em 1943, numa compilação intitulada Les hommes d'aujourd'hui.

O grande erro dos críticos do entreguerras - mais tarde reiterado - foi o de considerar Bacovia um poeta ingênuo, de uma natureza sensitiva pura (a metáfora geradora de Lovinescu do "mofo de paredes úmidas" permaneceu famosa), sendo ainda extenuada do ponto inicial, sem o fascínio de um poeta principal, com alguma intuição, porém, sem forças para continuar tais asserções e as impor. Desse ponto de vista, Vladimir Streinu é o crítico que consegue predizer muito bem a natureza dos textos de Bacovia:

Entretanto, há sinais de que estas pulsões de uma biologia primordial venham de um certo refinamento. O prazer da artificialidade, as faces fatais, o cheiro de morte e todas aquelas atitudes excêntricas vem junto em um complexo do civilizado que consegue organizar sua desorganização. Ele pensou artisticamente sobre a singularidade, descobrindo que poderia ser original somente desse ponto de vista. Há uma vontade na sua falta de vontade, o que é uma afirmação evidente em seu gesto de informação própria. Bacovia estiliza a si mesmo em 'sem estilo'. Partindo dessa razão, sua natureza humana pode pertencer a um civilizado enquanto a natureza de sua obra continua a revelar-se como sendo de uma vida celular. Sua inabilidade em versificar é, da mesma forma, uma ilusão. [...] o fascínio do elementar suporta a si mesmo com complicação e requinte suficientes.

*3 *3 (STREINU, Vladimir. Versificaţia modernă. Bucureşti, EPL, 1966: 231-232. )

O artificial na poesia é também mencionado por Marian Papahagi em um ensaio*4 *4 (PAPAHAGI, Marian. Artificialul ca poezie. In: Exerciţii de lectură. Ed. a II-a, Piteşti, Ed. Paralela 45, 2003 [a primeira edição foi publicada em 1966].) o qual também partiu das alegações de Vladimir Streinu, usando mesmo a frase "o hedonismo do artificial".*5 *5 ( Ibidem: 77.) É óbvio para nós a natureza artificial, refinada, da poesia de Bacovia, através da dosagem de intensidade e a elementaridade cultivada do universo poético. O caráter desconstruído de sua poesia - censurado pelos escritores do entreguerras, visto como desprovido de vitalidade e como um sinal de uma esterilidade criativa prematura - poderia ser o sinal mais concreto de um "desvio" da musicalidade e harmonia difusas dos simbolistas. E antes de ser um traço expressionista, como Nicolae Manolescu considera, é um traço decadente, especialmente se pensarmos no modo como Paul Bourget definiu o decadentismo em um fragmento já citado, referindo-se ao aumento da importância dada ao fragmento e mesmo à palavra prejudicial para o inteiro, o que leva para a desintegração do texto, de acordo com a decomposição do mundo exterior.

Dinu Flămând também observou que o poeta não está nem um pouco interessado em escrever "a fim de agradar o público", pois, constantemente rompe não apenas com o gosto burguês, como também com o próprio gosto no qual a tradição foi cultivada até aquele momento.*6 *6 (Cf. Dinu Flămând, op. cit.: 6.) E isso também significa uma recusa da convenção e a busca do próprio eu (há equivalência aqui com a busca do novo).

Certamente, Bacovia não possui um refinamento exuberante, barroco, de estetas, mas o Decadentismo também significa um lado "escasso", "decrépito", o refinamento sendo feito com um sentido reverso, como em Baudelaire. Há em Bacovia a voluptuosidade do nada, do vazio, do excesso do nada, se podemos afirmar assim. Ele não pertence à linhagem do Marquis des Esseintes, o herói da novela À Rebours de J. K. Huysmans, ele não poderia ser, ele não é um aristocrata e não quer tornar-se um, mas isto não significa que o refinamento dos sentidos (e o acústico é terrível) não existe. Bacovia consegue escutar tudo - tudo, do grito da matéria ao chamado das profundezas da Terra, da batida na janela com uma rosa ao assobio assustador do inverno e o desolador gemido das folhas. Nenhum tipo de álcool (que pode ser encontrado em todo lugar), e nenhum tipo de drogas são necessários ao poeta para seus sentidos serem exacerbados e suas percepções, afiadas.

Podemos mencionar aqui as duas coordenadas essenciais que guiam a poesia de Bacovia, especialmente aquela que pode ser colocada sob o toque do destino decadente: a neurose contínua e a completa desintegração do universo, as duas estando em uma relação de interdependência - a neurose amplia a observação perspicaz da decomposição do mundo que, por sua vez, ao ser estabelecida, produz neurose. O universo poético inteiro de Bacovia se move ao redor dessa conjunção fatal, com todos os seus elementos, os quais serão apresentados abaixo.

Primeiramente, é preciso olhar com mais atenção para as coordenadas mencionadas acima, pois, elas também são os componentes mais presentes no imaginário de Bacovia. A neurose, que pode ser encontrada em diferentes doses em outros simbolistas romenos, exceto Macedonski, tem a mais acurada forma nos poemas de Bacovia. A feiura, chorar ou rir sem levar em conta os tremores do delírio, agonia, o desejo de morrer são todos consequências da neurose. O poeta sente-se triste e solitário, esquecido, desamparado e abandonado em um universo miserável e desagregado, no qual tudo morre ou agoniza.

A poesia bacoviana é dominada por "nervos" e "embriões" - "violeta", "outonal", "inverno", "antigo" ou simplesmente "crepúsculo" -, não pelo noturno (seu noturno é "Chopiniano", no mesmo ritmo de uma marcha funeral, vindo mais da sobreposição de crepúsculos), de chuva e neve interminável que agravam a neurose que, de qualquer forma, já existia em um estado dormente. O verso famoso do poema "Finis"2 2 Optou-se por manter os títulos originais ingleses dos poemas de Bacovia citados ao longo do texto. (N. do T.) é definidor para a sensibilidade neurórica bacoviana: "Oh, todos os meus sentidos foram inervados...".

Poemas como "Autumnal Twilight", "Neurosis", "Autumnal Nerve", "Grey", "Funeral March", e muitos outros, também contêm a expressão da neurose mais profunda e, com tão variados modos de manifestação, de forma que pode ser estabelecido um quadro clínico das sensações que esta doença causa: em "Grey", "o horizonte pesado de chumbo" gera (ou é apenas uma correspondência) neurose sob a forma de pensamento negro: "Como ocorrido ao horizonte, meu pensamento tornou-se escuro..."; em "Autumnal Twilight", a neurose toma a forma de histeria, amplificada pelo sentimento de uma certa monomania: "Eu ouço atentamente, fixo em um único ponto / E gemo, e choro, e rio em he e ha" e o mesmo acontece em "Autumnal Nerves", mas em uma versão menos grave: "Eu sinto como que gargalhando sem nenhum sentido"; por sua vez, em "Neurosis" e "Funeral March", nos quais o cenário, até certo ponto, é idêntico (a mulher que canta uma marcha funeral enquanto neva no lado de fora "como em um cemitério", a obsessão da agonia antes da morte dominando todo o quadro), a doença toma formas alucinatórias e a neurose conduz à agonia, e talvez à morte: "Ela chora e cai no teclado, / E ela geme duramente como em delírio..." ("Neurosis") ou "Eles amargamente cantavam, havia delírio ao redor, / [...] Piano, parecia ser um carro fúnebre, mas não um piano. / E mais tarde, o piano desfalecia em um longo gemido / [...] e depois, pesadamente, eu ouvi um corpo caindo" ("Funeral March"). Mesmo seu próprio quarto, um espaço seguro e íntimo por excelência, torna-se insuportável: "Meu quarto assusta-me" ("Alone").

Mesmo as cores assombram o poeta, geram neurose ou sinais dela: roxo, amarelo, cinza, preto. Especialmente o violeta é uma cor decadente em si, a única razão pela qual o hiperrefinado Des Esseintes não tinge seus quartos em violeta é o fato de que "parece inútil empregar esta cor, porque pela utilização de uma certa quantidade de santonina, ele pôde obter um efeito de violeta em suas cortinas".*7 *7 (HUYSMANS, J. K. Against the Grain: A rebours, translated by John Howard, Kessinger Publishing, 2005: 34. ) Porém, Bacovia não precisa injetar qualquer substância para ser capaz de ver que a "cidade está toda em violeta" e mesmo "os antepassados estão caminhando ao redor em grupos violetas" ("Violet Twilight"). No entanto, ainda no pequeno guia prático de Huysmans podemos descobrir a seguinte especificação que também abre a discussão em direção ao cinza opressivo:

[...] os olhos daqueles entre eles que sonham com o ideal e procuram ilusões são geralmente acariciados pelo azul e seus derivados, cor de malva, lilás e cinza pérola, proporcionados sempre que estas cores permanecem suaves e não excedem os limites nos quais perdem suas personalidades ao serem transformadas em puros violeta e cinza.

*8 *8 ( Ibidem: 35.)

Embora o ideal possa deslizar na mente do poeta é muito claro que, na maioria de seus poemas, Bacovia não pôde encontrar uma maneira de sair da condição neurótica que ele sente, então ele não pincela seus poemas nem em azul nem em vermelho, que são percebidos como "uma vida ruidosa" na entrevista com I. Valerian, mas apenas em violeta e cinza (a cor do chumbo), e em amarelo, da mesma forma, percebidos pelo poeta como as cores do desespero.*9 *9 (VALERIAN, I. Viaţa literară, n. 107/1929. ) Logo após esta declaração um volume completo foi lançado sob o espectro desta cor: Yellow Sparks (1926). A respeito do preto, a referência à esfera tanática é óbvia, ao ritual completo do funeral, etc. Até mesmo um poema é intitulado "Black", no qual o sentimento da morte é terrivelmente opressor através da repetição e o envolvimento do universo inteiramente carbonizado: "Flores carbonizadas, uma massa escura... / Caixões pretos, queimados, de metal, / trajes funestos de carvão, / Escuro profundo, uma massa escura... // faíscas de sonho oscilantes... uma massa escura; / Carbonizado, o amor ardia em chamas - / aroma de penas queimadas, e chovia... / Escuro, somente uma massa escura". É muito interessante como, no final, de uma forma opressiva, a sensação torna-se volúpia através da percepção do cheiro de penas queimadas como perfume. Aqui, e em outros poucos lugares, a sinestesia ocorre através da correspondência que as cores estabelecem para com os odores e imagens que as modificam semanticamente.

A propósito, o sentimento de desagregação é ubíquo e também de uma morfologia extremamente complexa. As folhas "caem pesadas e molhadas" ("Autumnal Nerves") ou "elas despencam dos galhos" ("Twilight"), as flores estão morrendo, também, embora elas tenham outras significações, muito mais profundas do que nos poemas de Macedonski ou outros simbolistas, ao menos em metáforas como "uma rosa de sangue" ("Summer Twilight") e a própria Vênus "parece ser uma violeta desbotada" ("A Morning"), o parque "permanece devastado, fatal, / Consumido pelo câncer e pela tísica" ("In Park"), o jardim está "gangrenado" ("A Poem in Mirror"), as estátuas estão "tristes e quebradas" ("The Echo of a Serenade") e todas as coisas terminam com a decomposição do humano, até mesmo na instância material - "Vagarosamente, os cadáveres decompõem-se. / Os vivos se movem, decompostos, também, / Com o calor do barro suado" ("Oven"); ou psicologicamente, manifestado através da loucura: "No seu vazio há insanidade - / Você nos fez todos insanos." ("Pulvis"), e culmina com uma autonegação: "Desapareça o mais rápido!" ("Toward Autumn").

Se no caso dos simbolistas romenos a neurose gerou impulso vital, no caso de Bacovia não se pode falar de algo nesse caminho, o sentimento do fim é muito opressivo para indicar qualquer saída. A imagem é aquela do ser solitário, mas não devido a sua escolha, mas da própria natureza. O poeta parece ser um observador separado da degradação do mundo e também de sua própria degradação. E, nessas condições, seria impossível não aparecer a misantropia, elevada ao próprio limite, pois o ser humano amado é também assumido, como no poema "Ego": "Mais silencioso e solitário / No meu deserto - / E a mais dura pressão. / Uma misantropia pesada"; "De tudo que escrevo, meu amor, / Afigura-se tão bem / A mesma negligência / Das pessoas e de você." O poema aproxima-se da arte poética através da prestação de uma estética autárquica, na qual a suprema indiferença domina as relações do mundo. Levando em conta que o poema foi publicado pela primeira vez em 1904, não se pode destacar suficientemente a importância desta confissão brutal, sendo que a mais eloquente é como ele tem o caráter de singularidade.

A neurose é acompanhada por um dos temas decadentes mais importantes: a obsessão com a morte. A poesia inteira de Bacovia é localizada sob o espectro da morte que ameaça, sem nunca cumprir de verdade, todos os cadáveres apresentados aqui tendo apenas uma personagem referencial: "Há diversas mortes na cidade, meu amor..." ("Oven"); "Mas, veja, há um judeu morto..." ("Towards Autumn"). Não obstante, a morte é esperada, até mesmo desejada, como a única solução possível do dilema existencial: "E é tão tarde, / E eu ainda não morri..." ("Pastel") ou "Um pensamento adormecido em mim / E me incita: / Você, desaparece breve..." ("Towards Autumn"). Em outras situações a abordagem da morte é assistida, escutada voluptuosamente: "Basta ouvir como severamente, do submundo, / A terra me chama para si..." ("Melancholy"). A ambientação é, invariavelmente, "fúnebre", um ato de amor "morto", a música requerida é, nada mais nada menos do que a "marcha fúnebre" ou a "canção do morto" ("Weary"), mesmo a amada tem "o rosto de um morto" como no poema "Psalm".

O erotismo bacoviano é infestado pelos mesmos demônios. Doentio e alienado, como o universo inteiro, o erotismo é marcado pela neurose e histeria, quase ameaçado pelo espectro da morte ou do delírio. Bacovia não cultiva a imagem da mulher amazona, sequer a prostituta, mas eternas virgens quiméricas, pálidas, despenteadas, histéricas, destrutivas (reflexo simbolista) esperando seu primeiro ou novo amor. O homem é somente um - o poeta -, em sua hipóstase diferente, mas todo estático, passivo: espectador, voyeur, amante infantilizado, que precisa ser protegido por suas amantes, etc.

No entanto, algumas vezes, o espectro da mulher de bar, sem importância, ou aquele da cocotte refinada, aparecem da mesma forma, como no poema "Contrast", no qual os dois aspectos são colocados face a face: "Mulher - uma máscara de cores, / Uma cocotte cheia de refinamento - / Você, que grita no final da dissipação, / Você dificilmente pode sentir os sonhadores... // Oh, elas são virgens com suas faces pálidas, / Modelos brancas com formas finas - / E elas dormem sozinhas, brancas e serenas / Em camas brancas de cristais...". Não se deve ver aqui uma condenação da prostituição, como Lidia Bote pontuou, mas, simplesmente, as duas hipóstases da mulher entre as quais a "amada" é colocada, usualmente sem uma descrição ou mesmo rascunho, no mesmo registro radical: "Meu amor, com o rosto de um morto" ("Psalm").

Em alguns momentos isso também insinua o espectro da perversidade sexual, desta vez um tema específico da fantasia do decadente. As imagens mais poderosas são aquelas que combinam perversidade com Satanismo, como nos poemas "In the Altar" ou "Violated Sepulcre". Neste último, desde o primeiro verso, a característica puramente secular da modernidade é sugerida ao mostrar a busca por outras experiências, a saber, as de cunho refinado: "Inutilmente a catedral mantém-se / Em tempos sofisticados, hoje - / Somente poucos amantes com arruinadas / Almas vem aqui para delirar". Os únicos a frequentar a igreja são os "amantes de coração arruinado" mas não por um espírito religioso ortodoxo, mas apenas para perverter, no mais puro espírito decadente, através de uma orgia, a morada sagrada, adquirindo assim uma rara e sublime experiência. Embora não chegue a constituir missas satânicas, estamos muito próximos disso: "... E delirando, enquanto o coro está em voo / Este pensamento torna-se mais amargo - / Eles desejam uma noite orgiástica / Na cama no altar". O último poema, "Violated Sepulchres", tem lugar, como o título comunica, no cemitério onde nos é dito desde o início: "o coveiro zomba dos mortos". A figura é mais expressiva e de uma dureza extrema como sugerido na segunda estrofe através da imagem construída com uma extraordinária sensação do terrível que ocorreu aos cadáveres, sem o uso de detalhes naturalistas: "Oh, o riso do ser humano perdido... / E o que eu via era estranho - / Eu encontrei uma caveira em uma árvore. / Em uma cruz, algumas tranças louras."

O Satanismo - para os poetas decadentes - não representa nada além do espírito de revolta, de tipo prometeico, como durante o período romântico, mas uma maneira pervertida e refinada de entrar em áreas proibidas, mesmo ao custo da alienação. Podemos ver aqui um refinamento em vez de uma simples anomalia. As similaridades com Huysmans e Baudelaire são, de qualquer forma, mais pertinentes do que aquelas com Byron ou os simbolistas franceses. Pequenos ecos satânicos - explícitos, que provêm da percepção exacerbada do poeta - são encontrados em muitos poemas, tais como "Sad Evening", no qual, em uma atmosfera infernal, "em ruídos monstruosos de címbalos", envolvido em fumaça, "o triste grupo" do poeta sonha com "mundos que não existem", mas terminam em choro "com suas testas nas mesas" enquanto "com um estampido longo, satânico, / Barbaramente aquela mulher canta". Uma vez que, o órgão é a fonte da "vibração satânica" ("Panorama"), e a imaginação leva-nos muito longe, ativando fontes medievais e preenchendo a visão terrível que pode ser prevista: "Em santuários de vidro - princesas / suspiram, em laços, mecânicos". O último verso é o mais explícito: "A cidade parece condenada". Mesmo um poema como "Ballet", no qual o horizonte de expectativa criado na primeira estrofe sugere uma imagem delicada, no estilo de Degas: "As bailarinas brancas dançavam suavemente... / liberando gestos fortes - / Brancas, em frente ao mundo enorme, / As bailarinas brancas dançavam suavemente...", gradualmente transforma-se em um jogo instintivo com valências satânicas: "As bailarinas brancas dançavam suavemente... / Secretamente, aumentando o complexo orgânico - / Brancas, aumentando o instinto satânico, / As bailarinas brancas dançavam suavemente". Comparado com as bailarinas de Degas ou aos poemas simbolistas relacionados, podemos ver mais claramente as diferenças na concepção e expressividade entre Bacovia e a corrente simbolista, a qual lhe fornece as técnicas e acessórios que ele, por sua vez, usa em um sentido quase radical.

Com todas essas excentricidades e atmosfera opressiva, a poesia registra somente um personagem decadente que vive e percebe a crise: o poeta (ou o eu lírico, a voz poética entre outros). Os tipos femininos que aparecem na poesia bacoviana são todos projeções ou percepções desse eu lírico.

Todas essas presenças decadentes na poesia de Bacovia, às quais quaisquer outras podem ser adicionadas, não fazem de Bacovia um decadente típico, mas revelam nele uma certa disponibilidade e afinidades materializadas no quadro do decadentismo, especialmente se entendidas como atemporais e recorrentes, mas, em seu caso, dentro dos limites da corrente historicamente determinada, de origem francesa.

Tradução do inglês de Lucas da Silva Lopes

(Graduado em Letras/ UNICAMP)

Recebido em 13/07/2013

Aprovado em 15/09/213

Mihai Ene é escritor e crítico literário. Seu primeiro livro foi de poesia, Três Visões da Cidade (2004); o primeiro acadêmico, sua tese de doutorado defendida em 2008, Os Véus de Salomé: Literatura Romena e a Decadência Europeia (2011). Publicou mais de 300 artigos em diferentes revistas e volumes coletivos. Desde 2006, é membro da Associação Romena de Literatura Geral e Comparada (ALGCR). É também editor da revista literária "Scrisul Romanesc". Atualmente é professor de literatura na Universidade de Craiova. E-mail: <mihaiene16@gmail.com>

  • *1 (MANOLESCU, Nicolae. "Prefaţă". In: Plumb. Versuri şi proză Bucureşti, Ed. Minerva, "B.P.T.", 1965.
  • *3 (STREINU, Vladimir. Versificaţia modernă. Bucureşti, EPL, 1966: 231-232.
  • *7 (HUYSMANS, J. K. Against the Grain: A rebours, translated by John Howard, Kessinger Publishing, 2005: 34.
  • *9 (VALERIAN, I. Viaţa literară, n. 107/1929.
  • *1
    (MANOLESCU, Nicolae. "Prefaţă". In:
    Plumb. Versuri şi proză. Bucureşti, Ed. Minerva, "B.P.T.", 1965. )
  • *2
    (MANOLESCU,
    op. cit.: v-vi.)
  • *3
    (STREINU, Vladimir.
    Versificaţia modernă. Bucureşti, EPL, 1966: 231-232. )
  • *4
    (PAPAHAGI, Marian. Artificialul ca poezie. In:
    Exerciţii de lectură. Ed. a II-a, Piteşti, Ed. Paralela 45, 2003 [a primeira edição foi publicada em 1966].)
  • *5
    (
    Ibidem: 77.)
  • *6
    (Cf. Dinu Flămând,
    op. cit.: 6.)
  • *7
    (HUYSMANS, J. K.
    Against the Grain: A rebours, translated by John Howard, Kessinger Publishing, 2005: 34. )
  • *8
    (
    Ibidem: 35.)
  • *9
    (VALERIAN, I.
    Viaţa literară, n. 107/1929. )
  • 1
    Referência ao livro
    Plumb, marco da obra de Bacovia. (N. do T.)
  • 2
    Optou-se por manter os títulos originais ingleses dos poemas de Bacovia citados ao longo do texto. (N. do T.)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      13 Jul 2013
    • Aceito
      15 Set 2013
    Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: alea.ufrj@gmail.com