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A forma de uma cidade: O Spleen de Paris

The form of a city: The Spleen of Paris

Resumo

Em 1999, o poeta francês Jacques Roubaud publica uma antologia cujo título remete a um poema de Baudelaire. Trata-se da antologia La forme d’une ville change plus vite, hélas, que le cœur des humains, conjunto de 50 poemas em prosa escritos entre 1991 e 1998 sobre a cidade de Paris. Trata-se aqui mais do que uma homenagem, hipertextual, ao poema de Baudelaire e, em seguida, à sua invenção revolucionária, emblema da modernidade, o poema em prosa. Utilizando a forma inaugurada por Charles Baudelaire, Roubaud confirma o que já afirmara em 1978 em seus estudos teóricos e críticos sobre o verso e a poesia e a extensão resultante do domínio da poesia. O presente artigo tem como objetivo mostrar a suprema novidade que representa o poema em prosa baudelairiano, incompreendido no seu tempo, mas já apreciado por poetas e críticos cuja opinião varia com o passar dos séculos: de texto “sem pé nem cabeça” (em francês “sans queue ni tête”), como o pretende o próprio autor, até o texto metacrítico contendo sua própria teoria, emblemático da modernidade e cuja repercussão permanece até hoje.

As análises formais da pesquisadora americana Barbara Johnson completam admiravelmente a reflexão exaustiva e penetrante de Walter Benjamin sobre as relações entre o poeta, a cidade de Paris, o mundo moderno industrial.

Palavras-chaves
poema em prosa; poesia; modernidade; mundo urbano

Résumé

En 1999, le poète français Jacques Roubaud publie une anthologie dont le titre fait référence à un poème de Baudelaire. Il s’agit de l’anthologie La forme d’une ville change plus vite, hélas que, le cœur des humains, un recueil de 50 poèmes en prose écrit entre 1991 et 1998 sur la ville de Paris. C’est plus qu’un hommage hypertextuel au poème de Baudelaire puis à son invention révolutionnaire, emblème de la modernité, le poème en prose. Utilisant la forme inaugurée par Charles Baudelaire, Roubaud confirme ce qu'il avait déjà affirmé en 1978 dans ses études théoriques et critiques sur le vers et la poésie et l'extension résultante du domaine de la poésie. Cet article a pour but de montrer la nouveauté suprême du poème en prose baudelairien, mal comprise en son temps mais déjà appréciée des poètes et des critiques dont l'opinion varie au fil des siècles: du texte "sans queue ni tête" en français), comme le définit l’auteur lui-même, au méta-texte critique contenant sa propre théorie, emblématique de la modernité et dont la répercussion demeure jusqu’à aujourd’hui.

L'analyse formelle de la chercheuse américaine Barbara Johnson complète admirablement la réflexion exhaustive et pénétrante de Walter Benjamin sur les relations entre le poète, la ville de Paris et le monde industriel moderne.

Mots-clés
poème en prose; poésie; modernité; monde urbain

Abstract

In 1999 the French poet Jacques Roubaud publishes an anthology whose title refers to a poem by Baudelaire. It is the anthology La forme d'une ville change plus vite, hélas, que le cœur des humains, set of 50 prose poems written between 1991 and 1998 about the city of Paris. This is more than a hypertextual tribute to Baudelaire's poem and then to his revolutionary invention, emblem of modernity, the poem in prose. Using the form inaugurated by Charles Baudelaire, Roubaud confirms what he had already asserted in 1978 in his theoretical and critical studies on verse and poetry and the resulting extension of the domain of poetry. This article aims to show the supreme novelty of the poem in Baudelairean prose, misunderstood in its time but already appreciated by poets and critics whose opinion varies with the passing of the centuries: of text "without foot nor head" (in French "sans queue ni tête"), as the author himself intends, to the critical meta text containing his own theory, emblematic of modernity and whose repercussion remains until today.

The formal analysis of the American researcher Barbara Johnson completes admirably the exhaustive and penetrating reflection of Walter Benjamin on the relations between the poet, the city of Paris, the modern industrial world.

Keywords
poème em prose; poetry; modernity; urbain world

A - um texto sem pé nem cabeça

Mais de um século após a publicação dos Pequenos poemas em prosa foi o tempo necessário à crítica francesa para que a importância da obra baudelairiana, publicada postumamente (1869), se tornasse evidente. Foi preciso que surgisse a questão do Pós-moderno com François Lyotard1 1 Ver também Jürgen Habermas, que critica o pós-moderno enquanto ideologia conservadora, Écrits Poétiques, Paris, Ed. du Cert, 1990. Criou-se, assim, uma oposição radical entre o moderno (utópico) e o pós-moderno (pós-utópico). (LYOTARD, 1979LYOTARD, Jean-François, La condition post-moderne, Paris, Minuit, 1979.) para que se formalize na França o aspecto inovador e revolucionário da obra.

Por outro lado, se os “traços” da modernidade, tais como Antoine Compagnon os delineia2 2 Antoine Compagnon evoca poetas e também artistas plásticos, Les CinqParadoxes de la modernité, Paris, Seuil, 1990, p.34-38. (COMPAGNON, 1990COMPAGNON, Antoine, Les Cinq Paradoxes de la modernité, Paris, Seuil, 1990., p. 34), se aplicam à produção artística da época, eles são particularmente eloquentes em relação ao poema em prosa, enquanto manifestação mais significativa desse movimento. Os poemas em prosa, com o seu alto teor de polissemia, contêm com efeito todos os traços identificados como modernos, segundo Antoine Compagnon, retomando Baudelaire sobre Constantin Guys3 3 Constantin Guys, pintor, desenhista francês,(Flessingue, Pays-Bas, 1802-Paris 1892), especializado na caricatura do meio parisiense da época (dandys, mulheres elegantes), tornou-se famoso por incarnar, segundo Baudelaire, o pintor da vida moderna, (Ver «Le Peintre de la vie moderne», Œuvres Complètes, vol. II., Bibliotyèque de la Pléiade, Paris, Gallimard, 1976, p. 682-724). como o “in-acabado”, o “fragmentário” (atenção aos detalhes), o “insignificante” (a recusa da unidade e da totalidade orgânicas) e a “circularidade” (ou “autonomia” ou ainda “a reflexividade”)4 4 Em francês, “le non-fini”, “le fragmentaire”, “l’insignifiance”, “la circularité” ou “l’autonomie” ou “la réflexivité”. , aos quais se pode acrescentar o caráter “urbano” - o homem, a cidade, a sociedade da época -, o que já foi amplamente analisado por Walter Benjamin (BENJAMIN, 2002BENJAMIN, Walter, Charles Baudelaire, um poète lyrique à l’apogée du capitalisme, Paris, Payot, 2002.) para a obra baudelairiana em geral, ou como sugere Compagnon (COMPAGNON, 1990COMPAGNON, Antoine, Les Cinq Paradoxes de la modernité, Paris, Seuil, 1990., p. 34) “Le monde moderne est encore caractérisé par ce qui échappe à la culture d’élite, par son aspect trivial, populaire et urbain. Textos dificilmente classificáveis, os poemas em prosa representam, como já assinalava Georges Blin (BLIN, 1948BLIN, Georges, Le Sadisme de Baudelaire, Paris, Corti, 1948., p. 168), “um começo absoluto”, e frequentemente intrigaram a crítica.

É verdade que, desde Théophile Gautier5 5 Théophile Gautier, Baudelaire,” (il est très difficile) de donner une idée juste de ces compositions: tableaux, médaillons, bas-reliefs, statuettes, émaux, pastels, camées qui se suivent, mais un peu comme les vertèbres dans l'épine dorsale d'un serpent, Paris, Michel Lévy Frères, 1868, P. 175. (GAUTIER, 1868GAUTIER, Théophile, Baudelaire, Paris, Michel Lévy Frères, 1868., p. 175) em 1868, houve várias tentativas para defini-lo, mas os comentários sobre essas peças, também chamadas de Spleen de Paris, permaneceram em geral bastante “circunscritos”, ou mesmo prudentes. Apesar de seus leitores levarem em conta simultaneamente o desejo do autor de adotar o modelo de Aloysius Bertrand6 6 Aloysius Bertrand, (Louis Jacques Napoléon Bertrand), é um poeta, dramaturgo e jornalista francês nascido em 20/04/180 em Ceva (Piemonte), morto em 29 avril 1941 em Paris, criador oficial do gênero « poema em prosa ». (o que ele próprio confessa não conseguir) e o desejo de uma prosa “musical, sem ritmo e sem rima, flexível e desencontrada o bastante para adaptar-se aos movimentos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da consciência” (BAUDELAIRE, 1996BAUDELAIRE, Charles, Pequenos poemas em prosa, ed. bilíngue, UFSC, 1996 (trad. Dorothée Bruchard)., p. 25), a tendência foi de compará-los aos poemas em verso, e até mesmo de procurar quando possível o poema em prosa correspondente.

A dificuldade da crítica em comentar esses poemas provém menos dos “temas” abordados (muitos dos quais próximos aos de Edgar Poe, como a multidão, a deambulação...) do que da heterogeneidade aparente das formas nas quais eles se inscrevem7 7 Nas Obras completas de Baudelaire, Ed. da Pléiade, Paris, Gallimard, 1975) a maioria dos comentários é dedicada aos poemas em verso. . Théophile Gautier fala de “quadros, medalhas, baixos relevos, estatuetas, ourivesaria, pinturas, camafeus que se sucedem como as vértebras da coluna dorsal de uma serpente (GAUTHIER, 1868GAUTIER, Théophile, Baudelaire, Paris, Michel Lévy Frères, 1868.)”, imagem que o próprio Baudelaire sugere de certa maneira em sua carta a Houssaye:

Enlevez une vertèbre, et les deux morceaux de cette tortueuse fantaisie se rejoindront sans peine. Hachez-la em nombreux fragments, et vous verrez que chacun peut exister à part. Dans l’espérance que quelques-uns de ces tronçons seront assez vivants pour vous plaire et vous amuser, j’ose vous dédier le serpente tout entier.8 8 “Retire uma vértebra, e os dois pedaços desta tortuosa fantasia irão se juntar sem dificuldade. Lacere-a em diversos fragmentos, e verá que cada um deles pode existir à parte. Na esperança de que algumas destas postas tenham vida suficiente para agradá-lo e diverti-lo, ouso dedicar-lhe a serpente inteira”. Charles Baudelaire, Pequenos poemas em prosa, dedicatória a Arsène Houssaye, S.C., Editora DAUFSC, 1996, tr. Dorothé Bruchard, p. 23.

Georges Blin nota que Baudelaire é consciente da sua novidade; e o crítico propõe, por sua vez, uma definição bastante multiforme do conjunto evitando atribuir-lhe características já existentes, combinando ética, divertimento, desespero, manifestação do inconsciente, estética... Ele insiste na presença da Cidade que “toma posse progressivamente da inspiração de Baudelaire”, pois vê nisso uma concordância entre as observações do poeta sobre Constantin Guys, as peças urbanas das Flores, as palavras de Baudelaire a Sainte-Beuve a respeito de uma “excitação bizarra” - “que necessita de espetáculos, multidões, música, postes luminosos” (BLIN, 1948BLIN, Georges, Le Sadisme de Baudelaire, Paris, Corti, 1948., p. 169) -, enumerando os elementos urbanos que transparecem nos poemas em prosa (o gás, os lampiões, os brinquedos, a vestimenta, o vidraceiro, as carruagens...), elementos reunidos por Walter Benjamin como “temas baudelairianos”, contemporâneos do Segundo Império.

Segundo André Hirt (HIRT, 2000HIRT, André, Il faut être absolument lyrique, Paris, Ed. Kimé, 2000.,p.95), um crítico mais próximo de nossa época, “a escritura do lirismo avança ao passo dos acontecimentos, na própria aventura de escrever, numa estratégia decidida do aleatório”. Ele acrescenta que Baudelaire escreve à maneira de um croquis de Guys, “uns traços, um detalhe, o pensamento do dia, tudo com um ar de prosa dentro de um quadro estruturado” (comprimento das frases, assonâncias, “ondulações”, tudo ao mesmo tempo contínuo e descontínuo). Walter Benjamin, ao se referir a Histórias extraordinárias e Outros Contos, mostrou de maneira magistral como Baudelaire foi influenciado pela escrita de Edgar Allan Poe através de sua tradução9 9 Ver Inês Oseki-Dépré, “Subjectivité et sujet de la traduction”, in De Walter Benjamin à nos jours, Paris, Honoré Champion, 2007, p.177-197. Esse ensaio mostra a maneira como Baudelaire, traduzindo Poe (os contos e o poema “O Corvo”), encontra seu estilo na prosa. ; e se, segundo o filósofo alemão, Baudelaire está mais próximo do assassino (e não do policial) do gênero policial, ou do anarquista, ou mesmo do “putschista”, podem-se ler nos poemas em prosa a ironia, a paródia solene, a contradição, a intertextualidade com os textos do poeta americano sob forma de pastiches, narrativas, cenas, quadros, meditações.

Laço que nota igualmente Jacques Derrida, já num momento pós-moderno (DERRIDA, 1991DERRIDA, Jacques, Donner le temps, Galilée, 1991.). Com efeito, um dos efeitos dos poemas de Baudelaire, segundo o filósofo, consiste em ultrapassar a modernidade. Se definirmos um de seus traços como o da indeterminação semântica ou seja, a destruição das formas pré-existentes, o exercício no qual no decorrer da prosa encontramos o poema (imagens, cadências) -, se observarmos as modificações de registro, de velocidade (mudança de tom, ruptura, irrupções), o cruzamento de temas (quadros esboçados, retratos), em outras palavras, todos os componentes de uma obra em movimento, “work in progress”, poderemos entrever um dos suportes da teoria derridiana da disseminação ou da diferança, na qual o sentido nunca é fixo, definitivo. Derrida estabelece, dessa maneira, uma relação entre o Poe da “Carta roubada” e o Baudelaire da “Falsa moeda”, cujo incipit é inspirado pelo texto de Poe e com o qual o texto de Baudelaire apresenta traços comuns (simulacro de processo de verdade, situação narrativa associada a um resto, o troco da moeda). Aqui, segundo Derrida, a literatura se apresenta como a falsa moeda, isto é, uma ficção que tenta passar por “verdadeira” num texto “sem pé nem cabeça”, e que funciona como uma “máquina de provocar eventos”10 10 “Ce texte est aussi la pièce, une pièce de fausse monnaie provoquant um évènement”. Jacques Derrida, op. cit., loc. cit., p. 114. .

A leitura luminosa de Barbara Johnson (JOHNSON, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. )11 11 Barbara Johnson, Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. , de tendência desconstrutivista, alimentada pela psicanálise e anterior à de Jacques Derrida, oferece a vantagem de se ater ao texto, propondo uma análise textual de vários poemas entre os quais os pares verso/prosa.

A partir de um paralelo com Ferdinando de Saussure, cujas duas obras são antitéticas, a segunda subvertendo a primeira12 12 Cours de Linguistique Générale, Paris, Payot, 1966 e Les Mots sous les mots, Paris, Gallimard, 1971 e na qual o funcionamento paragramático dos textos poéticos contradiz a união do significante e do significado estipulado no Cours, Barbara Johnson parte do postulado que a obra poética em prosa de Baudelaire se contrapõe à obra em verso, que ela subverte, não sem insistir igualmente no caráter “sem pé nem cabeça” do conjunto, “un moulin qui finit par pulvériser toutes les définitions qu’on essaie d’en extraire13 13 “Um moinho que acaba pulverizando todas as definições que tenta se obter”, Barbara Johnson, op. cit., loc. cit, p. 28. O moinho se refere à Dom Quixote ao qual ela compara Baudelaire. ”.

Comparando os dois poemas “La Chevelure” (em verso) e “Un hémisphère dans une chevelure” (em prosa), Barbara Johnson chega a várias conclusões interessantes. A primeira é que os textos põem em cena várias questões de espaçamento e de temporalidade que constituem não só a leitura mas a escritura deles.

Comparando as duas variantes do verso 30:

De l’huile de coco, du musc et du goudron.
e
du goudron, du musc et de l’huile de coco14 14 “De óleo de coco, musco e alcatrão”. ,

ela observa que a diferença entre os dois enunciados é praticamente nula. O primeiro fragmento, porém, não somente começa com uma letra maiúscula, mas apresenta uma cesura após a sexta sílaba, o que acarreta no significado “alexandrino”, enquanto que o segundo fragmento, com letra minúscula e a preposição “e” intercalada, quebrando o ritmo, alcança 11 sílabas, e não as 12 do verso alexandrino. O primeiro fragmento é nitidamente um verso de poesia, enquanto que o segundo é uma frase de prosa.

Várias questões são levantadas: a diferença entre prosa e verso se afirma entre duas espécies de marca ou entre a presença e a ausência de marca? Outra questão: se o poema em prosa se constrói sobre o verso que ele deixou de ser e só pode se afirmar em relação ao que ele não é mais, então o poema em prosa deriva, na realidade, igualmente de dois códigos a escolha?

Em presença de dois tipos de oposições binárias (presença/ausência de marca; referência ao código “poesia”/ referência ao código “prosa”) que se anulam, ela pode afirmar que “le poème em prose est le lieu à partir duquel la polarité - et donc la symétrie - entre présence et absence, entre prose et poésie, dysfonctionne,15 15 “..o poema em prosa é o lugar a partir do qual a polaridade - e portanto a simetria - entre presença e ausência, entre prosa e poesia, disfunciona”. Barbara Johnson, op. cit., loc. cit., p. 37. ”, o que lembra as premissas de Jacques Roubaud sobre o verso de Baudelaire que veremos a seguir.

Uma comparação exaustiva entre os dois poemas já tendo sido efetuada16 16 Cf. J. Crépet e G. Blin, Étude sur le style de Baudelaire, J.-B.. Ratermanis, Bade, Éditions Art et Science, 1949. J. D. LYONS, «A Prose Poem in the Nominal Style», L’Esprit créateur, vol. XIII, n. 2 (été 1973), cités par B. J., p. 39. , a pesquisadora se interessa pelos traços “subversivos” da passagem do verso à prosa.

O poema em prosa “Um hemisfério numa cabeleira”, no início, tinha o mesmo nome que o poema em verso (1857), mas em 1862 ele recebe o título atual com a transformação de algo essencial (“A Cabeleira”) em um lugar com uma denominação geométrica. Para a pesquisadora, pode-se ver aí uma neutralização da retórica em que a especificação genérica “poema exótico” manifesta a ironia do poeta.

O aspecto altamente metafórico das imagens que remetem à cabeleira do poema em verso (“O toison, moutonnant jusque sur l’encolure// O boucles! O parfum charge de nonchaloir...”)17 17 “Ó tosão a ondular até tua cintura// Ó cachos/ Ó perfume a que o ócio é intenso! » (anônimo),http://psique-noir.blogspot.com/2013/04/baudelaire-cabeleira.html deixa lugar ao que Jakobson chama de passagem do eixo paradigmático ao eixo sintagmático18 18 “La fonction poétique projette le príncipe d’équivalence de l’axe de la sélection sur l’axe de la combinaison”, Roman Jakobson, Problèmes de Linguistique Générale, Paris, Ed. Minuit, 1963, p. 220. no poema em prosa. Os cabelos e o perfume são empregados literalmente. Há um abaixamento do regime retórico.

No poema em prosa as lembranças (“les souvenirs”), são lembranças do poema em verso, um poema que lembra um anterior, é a circularidade mencionada por Antoine Compagnon.

Enfim, o que aparece como literalidade pode ser considerado como uma nova figura, o texto se espelha em si mesmo: reflexividade.

A última estrofe permite estabelecer uma conclusão surpreendente. Enquanto no poema em verso encontramos “Longtemps ! Toujours ! ma main dans ta crinière lourde// Sèmera le rubis, la perle et le saphir,// Afin qu’à mon désir tu ne sois jamais sourde...19 19 “E sempre a minha mão, nesta crina soturna// Pérolas semeará, rubi, safira e jade// Para que nunca mais te cales, taciturna”...idem (tradução anônima algo livre...). ” - que se refere a um “tu”o qual, mais do que à mulher amada, remete, segundo Barbara Johnson, ao passado do próprio poeta -, no poema em prosa a “harmonia metafórica se desloca” e desvenda “o caráter ilusório das correspondências que a constituem”20 20 Barbara Johnson, op. cit., loc., cit., p. 46. : “Laisse-moi mordre longtemps tes tresses lourdes et noires. Quand je mordille tes cheveux élastiques et rebelles, il me semble que je mange des souvenirs”.21 21 « Me deixe morder, por longo tempo, suas tranças pesadas e negras. Quando mordisco seus cabelos elásticos e rebeldes, me parece estar comendo lembranças.» Ppp, op. cit., loc., cit., p. 93. O poema em prosa, prossegue a crítica, substituindo correspondências por diferenças, elimina as primeiras e suprime as personificações que elas veiculam.22 22 Barbara Johnson, op. cit., loc., cit., p. 49.

Em conclusão, ela afirma que “loin d’être um défaut stylistique, l’aplatissement hyperbolique et la littéralisation systématique du langage du poème em prose est ainsi um déplacement stratégique du langage poétique en tant que tel”.23 23 “Longe de ser um defeito estilístico, a redução hiperbólica e a literalização sistemática da linguagem do poema em prosa constitui um deslocamento estratégico da linguagem poética enquanto tal”, p. 54. Em outras palavras, ao subverter a oposição binária prosa/poesia, “le poème em prose n’est ni extérieur ni intérieur à la poésie...24 24 “o poema em prosa não é nem exterior nem interior à poesia”, op. cit., loc., cit., p. 55. ”.

Através dessa análise dos dois poemas, Barbara Johnson afirma o caráter subversivo da empresa baudelairiana. Baudelaire desconstrói a retórica que, de certo modo, ele denuncia como artefato; mas, ao fazê-lo, ele traz a prosa para a poesia, como pretende Jacques Roubaud25 25 Jacques Roubaud, La Vieillesse d’Alexandre”, Paris, Maspero, 1978. Trata-se de um dos mais famosos escritos teóricos do autor sobre a remanência do metro alexandrino na poesia francesa desde o século 19. .

B - Spleen de Paris

Horrible vie! Horrible ville! 26 26 Charles Baudelaire, “A une heure du matin”, Le Spleen de Paris, O.C., op. cit., loc., cit., p. 287.

Embora todos os textos que compõem o conjunto das PPP não se refiram diretamente à cidade de Paris27 27 Segundo Claude Pichois, o comentador da obra baudelairiana nas edições da Pléiade, alguns poemas têm como contexto outros lugares: Le Gâteau, os Pireneus; Le Joujou du pauvre, um lugar descampado; Le Crépuscule du soir, uma montanha; La Belle Dorothée, as Ilhas Mascarenhas; Déjà, o Oceano; Le Port, Honfleur; Les Bons Chiens, Bruxelas. , o que fica claro é que Baudelaire é profundamente parisiense, e como tal ele exprime direta ou indiretamente o que a cidade lhe inspira. Não só Paris é a sua cidade, que ele percorreu a pé no decorrer de suas inúmeras mudanças28 28 Baudelaire conheceu 40 domicílios na maior parte parisienses, concentrados nos mesmos bairros (6°, 4°, 8° «arrondissements» (bairros). O poeta mudava constantemente de casa, perseguido pelos credores. , mas é uma cidade em transformação devido ao programa de renovação inspirado pelo prefeito Haussmann, entre 1852 e 1870.

Essa renovação concerne ao centro de Paris mas também aos bairros periféricos, e consiste essencialmente na substituição das ruelas pitorescas por grandes avenidas. O objetivo do programa é oficialmente higienizar a cidade por meio de canalizações de água e de esgoto, mas colateralmente destruir a possibilidade de organizar barricadas (levantes), impossível em grandes avenidas29 29 Por exemplo, a construção do eixo Norte-Sul vai do Boulevard de Sébastopol até o Boulevard Saint-Michel, acarretando no desaparecimento de numerosas ruelas e becos. Do Chatelet, passando pelas Tuileries, uma avenida vai até a rua Saint-Antoine. A Ile de la Cité é demolida. A Rive gauche conhece obras desde 1854. Largas avenidas e praças (Italie, Denfert-Rocherau, Etoile, Hôtel de Ville, entre outras) são construídas nessa época (Fonte : Wikipédia) .

Em meio a esse caos, o poeta deambula não sem experimentar, como o assinala Walter Benjamin, os trâmites econômicos e sociais do século, que são o desenvolvimento de uma sociedade industrial de massa, o aparecimento do proletariado, a experiência da multidão na grande cidade, o choque, a mercadoria, a “perda da auréola do poeta”, criando assim a figura do “herói moderno (BENJAMIN, p. 20)”.

Segundo Benjamin ainda, o leitor avança como numa galeria de vitrinas e divaga. E, com os olhos de Baudelaire, ele observa essa Paris do Segundo Império em plena revolução moderna.

Já segundo Pierre Jean-Jouve (JOUVE, 1956, p. 38)30 30 “Baudelaire para pintar o spleen de Paris opta por colocar no primeiro plano a sensibilidade e a memória das humildes coisas quotidianas fazendo-as exprimirem num segundo plano a vida do símbolo, esse símbolo que só ele cultiva. Os seis olhos dos pobres, assim como a cabeleira de Jeanne Duval, os vidros do vidraceiro assim como o rato vivo com o qual brinca um menino servem para a investigação profunda - efetuada pelo poeta - ou melhor, formam sua encantação.” Pierre-Jean Jouve, Tombeau de Baudelaire, éd. Baconniere, 1942, reed. Paris, Seuil, 1956, p. 38. Baudelaire

pour peindre le spleen de Paris, choisit de mettre au premier plan la sensibilité et la mémoire des humbles choses quotidiennes pour leur faire exprimer au second plan, la vie du symbole, ce symbole qu’il cultive lui seul. Les six yeux des pauvres, comme la chevelure de Jeanne Duval, les verres du vitrier, comme le rat vivant avec lequel joue um enfant servent à l’investigation approfondie - qu’effectue le poète - ou plutôt forment son incantation.

A esse símbolo Walter Benjamin dá um nome, alegoria, e uma significação é reificação num mundo em mutação. Para o filósofo, o “gênio alegórico” do poeta transforma Paris, sua paisagem urbana com suas galerias abertas, os panoramas, a iluminação dos lampiões a gás, a moda, a publicidade, o colecionador, a prostituta, o “flâneur”... em objetos de poesia lírica; a alegoria é um antídoto contra o mito romântico (BENJAMIN, 2012BENJAMIN, Walter, Baudelaire, Paris, Ed. du Cerf, 2012., p. 209).

Ora, como na grande cidade, são múltiplas as orientações e as relações que caracterizam os poemas em prosa. Barbara Johnson tira conclusões muito interessantes ao comparar os poemas, raros, que se correspondem de modo evidente (“A Cabeleira”/ “Um hemisfério numa cabeleira”; “Convite à viagem”/ “Convite à viagem”). Seu objetivo é mostrar a maneira pela qual o poeta desfigura e denuncia pelo poema em prosa, o poema em verso, num gesto subversivo e metacrítico. O exercício, apesar de brilhante, atinge seu alvo na medida em que os textos se prestam a ele, o que não diminui o valor da empresa. O exercício não teria sido possível com os dois “Crépuscule du soir”, embora ambos se refiram à cidade de Paris: o primeiro, poema 95 dos “Tableaux parisiens” (BAUDELAIRE, 1975BAUDELAIRE, Charles, Les Fleurs du mal, O.C ., Paris, Gallimard , 1975., p. 94), e o segundo, peça 21(BAUDELAIRE, 1975, p. 311) dos poemas em prosa.

Com efeito, no poema em verso, o crepúsculo é a hora do criminoso, a hora do repouso do cientista e do trabalhador, mas também é a hora em que os demônios despertam:

On entend ça et là les cuisines siffler,
Les théâtres glapir, les orchestres ronfler;
Les tables d’hôte, dont le jeu fait les délices,
S’emplissent de catins et d’escrocs, leurs complices
Et les voleurs qui n’ont ni trève ni merci,
Vont bientôt commencer leur travail, eux aussi 31 31 0 “Ouve-se em cada canto a cozinha assobiar./ O teatro estremece, a orquestra ressonar/ Nas mesas dos cafés sonoras de remoques/Vão conversando as cortesãs com os escroques/Os ladrões que nem mercê nem trégua alguma têm/vão principiar seu trabalho também.”.. http://penelopeswhisper.blogspot.com/2012/05/o-crepusculo-da-tarde-charles-pierre.html

O poeta, por seu lado, longe da multidão, se recolhe no calor do lar e do amor. No poema em prosa, o crepúsculo é também uma hora especial, que “excita os loucos”, mas aqui também é a hora tranquila, em que as cores do céu imitam véus transparentes que deixam entrever formas delicadas e anunciam a vinda das estrelas “vacilantes de ouro e de prata32 32 PPP, op. cit., loc. cit., p.119. ”.

Alguns poemas em prosa, raros, deixam entrever ao leitor lugares tipicamente parisienses, como é o caso de “Les Yeux des pauvres” (peça 26):

Le soir, um peu fatiguée, vous voulûtes vous asseoir devant um café neuf qui formait le coin d’um boulevard neuf, encore tout plein de gravois et montrant déjà glorieusement ses splendeurs inachevées. Le café étincelait. Le gaz lui-même y déployait toute l’ardeur d’um début, et éclairait de toutes ses forces les murs aveuglants de blancheur, les nappes éblouissantes des miroirs, les ors des baguettes et des corniches...33 33 “À noite, um pouco cansada, você quis sentar-se na frente de um café novo, que formava a esquina de uma avenida nova, ainda repleta de cascalhos e já gloriosamente mostrando seus esplendores inacabados. O café reluzia. Até o gás ostentava ali todo o ardor de um início, e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as extensões deslumbrantes dos espelhos, os ouros das molduras e das cornijas”... PPP, op. cit., loc., cit., P. 135.

Temos aqui o testemunho da renovação da cidade, e podemos reconhecer os cafés-restaurantes típicos do século XIX remanescentes, embora o assunto do texto seja o desprezo da mulher, que acompanha o narrador, pelos pobres cujos olhos espiam todo esse luxo através da vitrine do café, o comportamento da amada provocando a ira do poeta.

Certos poemas são consagrados aos pobres, com quem o poeta se identifica, como “Le joujou du pauvre” (O brinquedinho do pobre), “Assommons les pauvres” (Espanquemos os pobres), ou às mulheres solitárias (“La petite vieille”, A Velhinha; “Les veuves”, As Viúvas), por quem ele manifesta uma certa compaixão. Em seu ensaio, Benjamin nota o laço irredutível que une Baudelaire não só à cidade mais aos habitantes (as velhinhas, o garrafeiro, os assassinos e os bêbados, as cortesãs...) nem sempre, como o mostra Meschonnic, numa relação cúmplice, mas por vezes de maneira pejorativa (em relação à moda ou ao gosto do público). A forma dos textos, como as formas urbanas, é variada, indo da confissão, da descrição, da narrativa, ao texto lírico.

Na realidade, como já apontaram Walter Benjamin ou Pierre Jean-Jouve, a evocação baudelairiana de Paris é abstrata: Baudelaire se comportando como um “intérprete”, seus textos funcionando de maneira indireta, apesar de o tom, o estilo e os temas serem absolutamente pessoais. Assim, a tensão entre forma e conteúdo, a reflexividade, o paradoxo, a intertextualidade, a antífrase, a alegoria, a heterogeneidade que atravessam os poemas em prosa vão, a partir de sua obra, caracterizar os traços da modernidade, uma modernidade “sincrética”, como a define Meschonnic (MESCHONNIC, 1988MESCHONNIC, Henri, Modernité, Modernité, Lagrasse, Verdier, 1988., p. 105). A palavra designa, com efeito, a supremacia do critério existencial (relação à vida) sobre o critério estético34 34 “... l’existence - nos actes - est le seul réel qui nous soit ouvert” (“a existência - nossos atos - é o único real que nos esteja aberto”) Ver “Baudelaire parlant à Mallarmé” de Yves Bonnefoy in Entretiens sur la poésie, Paris, Payot, 1981, p. 88. ; a diferenciação entre modernidade, enquanto “vida presente” (se referindo a Guys), e o moderno (atual, o que falta); a contradição entre o eterno e o transitório.

C - Convite à viagem

Là tout n’est qu’ordre et beauté,
Luxe, calme, volupté 35 35 Charles Baudelaire, O. C., op. cit., loc. cit., p. 53. .

Em 1999, o poeta francês Jacques Roubaud36 36 Jacques Roubaud, poeta, ensaísta, matemático, nascido em Coliures (sul da França) em 1932, membro do Oulipo (Ouvroir de la Littérature Potentielle), publicou mais de 60 títulos entre poesia, prosa, ensaios (ver bibliografia) entre os quais se destaca La Vieillesse d’Alexandre, p. 108 e sq.. publica uma antologia cujo título remete a um poema de Baudelaire. Trata-se da antologia «La forme d’une ville change plus vite, hélas, que le cœur des humains», conjunto de 50 poemas em prosa escritos entre 1991 e 1998 sobre a cidade de Paris. Roubaud retoma um verso do « Cisne », de Charles Baudelaire, no qual este último exprime sua nostalgia diante das transformações que atingem sua cidade substituindo “mortels” por “humains”, sem conotação lírica.

Trata-se aqui mais do que uma homenagem, hipertextual, ao poema de Baudelaire e, em seguida, à sua invenção revolucionária, emblema da modernidade, o poema em prosa. Roubaud confirma o que já afirmara em 1978ROUBAUD, Jacques, La Vieillesse d’Alexandre, Paris, Maspero, 1978. em seus estudos teóricos e críticos sobre o verso e a poesia (ROUBAUD, 1978ROUBAUD, Jacques, La Vieillesse d’Alexandre, Paris, Maspero, 1978., p. 25)38 38 O título remete a um poema de Charles Baudelaire “Le Cygne”: « laforme d'une ville/Change plus vite,hélas! que lecœur d'un mortel», transformado em LaForme d'une villeen : « laforme d'une ville change plus vite, on le sait, que lecœur des humains». A forma de uma cidade muda mais depressa, infelizmente, que o coração dos seres humanos. . Assim, utilizando um verso de Baudelaire, ele ilustra de maneira eficaz o que ele chama de tumulto, (motim) baudelairiano (“émeute”) em relação ao poema em prosa que é o gênero da antologia: “En rompant l’identification de la poésie au vers, la naissance du poème em prose, loin de préparer l’effacement de la distinction prose/poésie, vise à la préserver em lui donnant um statut absolu, en essence. (ROUBAUD, 1978ROUBAUD, Jacques, La Vieillesse d’Alexandre, Paris, Maspero, 1978., p. 108-110).39 39 Jacques Roubaud, op. cit., loc. cit: “A identificação implícita das duas polaridades poesia/prosa, verso:não verso, é, por esse gesto, deslocada: a prosa é não-verso mais ela é não-verso igualmente na poesia.” (tradução nossa).

Em outras palavras, apropriando-se do poema versificado de Baudelaire e utilizando-o como título de uma antologia de poemas em prosa, Jacques Roubaud ilustra pela prática o que ele afirma de Baudelaire: a distinção entre prosa e verso dilata as fronteiras da poesia e “l’identification implicite des deux polarités poésie/prose, vers/ non-vers est, par ce geste, déplacée: la prose est non-vers, mais ele est non-vers aussi dans la poésie” (ROUBAUD, 1978ROUBAUD, Jacques, La Vieillesse d’Alexandre, Paris, Maspero, 1978., p. 108-110)40 40 “Ao romper a idenrificação da poesia ao verso, o poema em prosa, longe de preparar o desaparecimento da distinção prosa/poesia, tende a preservá-la atribuindo-lhe um estatuto absoluto, essencial”(tradução nossa). .

Baudelaire é ciente de sua novidade. Inspirando-se na obra de Aloysius Bertrand, o inventor do gênero poema em prosa, ele pensa não ter conseguido imitar o modelo: “(...) je m’aperçus que non seulement je restais bien loin de mon mystérieux et brillant modèle, mais encore que je faisais quelque chose (si cela peut s’appeler quelque chose), de singulièrement différent (...) (BAUDELAIRE, 1975BAUDELAIRE, Charles, Les Fleurs du mal, O.C ., Paris, Gallimard , 1975., p. 25)

Na verdade, trata-se do resultado de uma busca contínua, de uma pesquisa sempre contrariada pela necessidade de completar As Flores do Mal, alguns poemas sáficos tendo sido censurados, de que se lamenta numa carta à sua mãe.

E, mesmo se os temas e os motivos da obra em verso e da obra em prosa são próximos, os textos do Spleen de Paris visam a um objetivo diferente: se, por um lado, eles representam a busca de uma nova forma em adequação à imaginação e ao pensamento modernos, por outro eles tentam apreender as inúmeras relações que se entrecruzam numa grande cidade, no caso a cidade de Paris em plena reconstrução. Assim, ao mesmo tempo em que diz: “Quel est celui de nous qui n’a pas, dans ses jours d’ambition, rêvé le miracle d’une prose poétique, musicale, sans rythme et sans rime, assez souple et assez heurtée (BAUDELAIRE, p. 22-25) (...)”, Baudelaire acrescenta: “C’est surtout de la fréquentation des villes enormes, c’est du croisement de leurs innombrables rapports que naît cet ideal obsédant.”(BAUDELAIRE, 1996BAUDELAIRE, Charles, Pequenos poemas em prosa, ed. bilíngue, UFSC, 1996 (trad. Dorothée Bruchard)., p. 25)44 44 “Quem dentre nós não sonhou, nos seus dias de ambição, com o milagre de uma prosa poética, musical, sem ritmo e sem rima, flexível e desencontrada (…)” .

Ora, uma grande diferença existe entre as obras dos dois poetas. Se, por um lado, com efeito, Jacques Roubaud evoca diretamente a cidade de Paris, seus monumentos, seus metrôs, suas ruas, sua topografia, seus próprios percursos enfim, por outro trata-se aqui de proceder a exercícios de poética. Assim, por exemplo, a segunda parte da antologia é consagrada a uma reformulação da forma soneto (14 versos), com menção a praças, à Torre Eiffel, à Maison de la Radio, ao canal Saint Martin, etc., que alternam com descrições sobre o tempo, sobre sua própria rua (rua d’Amsterdam) ou sensações, “états d’âme”...

Em Baudelaire, como foi amplamente analisado por Walter Benjamin em várias de suas obras45 45 “É sobretudo da freqüentação das cidades enormes, é do cruzamento de suas inumeráveis relações que nasce este ideal obsedante.” , o problema da forma permanece implícito, além de os poemas em prosa evocarem raramente a cidade de Paris nomeada somente no título. Baudelaire procede de maneira intertextual, transformando alguns de seus poemas versificados em poema em prosa, como no caso do “Convite à viagem” (Invitation au Voyage)46 46 Walter Benjamin, Paris, capitale du XIXème siècle, Paris, Editions du Cert, 2002, pp. 247-404; Baudelaire, un poète lyrique à l’apogée du capitalisme, Paris, Petite bibliothèque Payot, 2002 ; Baudelaire, Paris, La Fabrique, 2013. .

Nesse sentido, Roubaud (ROUBAUD, 1978ROUBAUD, Jacques, La Vieillesse d’Alexandre, Paris, Maspero, 1978., p. 109) acrescenta que a escrita nitidamente contrastada de poemas como “L’Invitation au Voyage” (em verso e em prosa) manifesta que: “composer le ‘même’ poème à la fois comme poème de vers et poème de non-vers ne veut pas du tout dire que la séparation formelle entre les deux est indifférente, mais exactement le contraire.47 47 Poema que com A Cabeleira e o O Crepúsculo da tarde existe em verso e em prosa.

Roubaud propõe, por seu lado, uma versão “pós-moderna” do “Convite à viagem”. Os dois primeiros versos são quase uma cópia dos primeiros versos do poema em verso:

Baudelaire: “Mon enfant, ma soeur,// Songe à la douceur// D’aller là-bas vivre ensemble!48 48 “Compor o ‘mesmo’ poema ao mesmo tempo como poema de verso e poema de não-verso não significa absolutamente que a separação formal entre os dois é indiferente, mas exatamente o contrário”.

Em Roubaud: - Songez à la douceur// d’aller49 49 “Minha doce irmã//Pensa na manhã//em que iremos numa viagem… ”, tradução de Ivan Junqueira, R. J., Nova Fronteira, 1985. Existem várias outras traduções desse poema. ...

Que continuam num outro tom, semijocoso, “à Abbeville// à Aboukir, à Ajaccio// à Alençon, à Alésia, à Alexandrie,// à Alger”,... e que se interrompem, após uma enumeração de cidades em “B”, para re-introduzir Baudelaire dessa vez nos dois últimos versos do poema: “Là, tout n’est qu’ordre et beauté// Luxe calme et volupté50 50 “Pense na doçura, de ir... “(tradução nossa) , com a repetição: “Ah la douceur d’aller,// d’aller là-bas, d’aller” retomando a ordem alfabética até a letra C. Nova interrupção e retomada dos versos baudelairianos: “voir sur ses canaux// dormir ces vaisseaux// dont l’humeur est vagabonde51 51 “Lá tudo é paz e rigor,// luxo beleza e langor”, op. cit., loc . cit. (Note-se que o tradutor toma liberdades…) ” (Baudelaire diz: “ (tu) vois”, se dirigindo à mulher amada). O poema continua enumerando cidades, indo da letra D à J, e uma nova interrupção intervém: “là où// les soleils couchants,// revêtent les champs// les canaux, la ville entière// d’hyacinthe et d’or52 52 “Vê sobre os canais//Dormir junto aos cais// Barcos de humor vagabundo”, op. cit., loc.cit. ...//, que retomam os versos 7, 8 e 9 da terceira estrofe baudelairiana. A enumeração prossegue até a letra W (Washington) e alterna com listas, citações e diálogos. O final acrescenta uma nota de humor: “Et tout ça// - Avec l’Orient-Exptress?//- Non// avec une simple carte Orange 2 zones”.53 53 “Os sanguíneos poentes//Banham as vertentes,//Os canais, toda a cidade,//E em seu ouro os tece” (acréscimo e supressão de “jacinto”), op. cit., loc., cit.

Sobre o mesmo poema, num outro interessante estudo sobre o poema em prosa baudelairiano, inspirado de certa forma no pensamento derridiano, Barbara Johnson (JOHNSON, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. , p. 103-106), após retraçar o percurso negativo da recepção do poema, de Susanne Bernard a Crépet, analisa a versão em verso e a versão em não verso do poema.

Ela conclui, após uma análise estilística, que o poema em verso, lírico se desenvolve sobre dois planos: o plano da sedução (o convite) e o plano da figura de retórica (através da convergência entre metáfora e metonímia (JOHNSON, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. , p. 114).

O poema em não verso, por seu lado, já se inicia com a perda do locutor:

De um lado “Mon enfant, ma soeur//songe à la douceur// D’aller là-bas vivre ensemble:54 54 “E tudo isso// Com o Oriente Express?// - Não//com uma mera carta Orange 2 zonas” (tradução nossa). ” é endereçado à “tu”, seguido de um imperativo que é mais um convite; de outro lado “Il est um pays superbe, um pays de Cocagne, dit-on, que je rêve de visiter avec une vieille amie. (BAUDELAIRE, 1996BAUDELAIRE, Charles, Pequenos poemas em prosa, ed. bilíngue, UFSC, 1996 (trad. Dorothée Bruchard)., p. 95)55 55 “Minha doce irmã// Pensa na manhã// Em que iremos, numa viagem...” As Flores do mal, Ed. bilíngue, R.J., Nova Fronteira, 1985, trad. Ivan Junqueira ( Notar as substituições em prol da rima.) ” A interlocutora, nota Barbara Johnson, não só não é mais a destinatária do texto, mas aparece como “une vieille amie”, como complemento circunstancial. Não existe mais intimidade entre o poeta e a mulher.

Mau grado a presença do pronome “tu” da segunda pessoa, o diálogo parece desaparecer em prol de um destinatário tornado “não pessoa”.

Ela observa igualmente, como Michel Deguy (DEGUY, 1970DEGUY, Michel, “La Poésie em question”, Modern Language Notes, t. 85, n. 4, maio, 1970., p. 421), que a metáfora é substituída pela metonímia, através da preposição “comme” (como):

Um vrai pays de Cocagne, te dis-je, où tout est riche, propre et luisant, comme une belle conscience, comme une magnifique batterie de cuisine, comme une splendide orfèvrerie, comme une bijouterie bariolée! 56 56 “Existe uma terra fantástica, uma terra de promissão, é o que dizem, que eu sonho em visitar com uma velha amiga.”

E a comparação é posta em questão. Ou melhor, a viagem ao Oriente

cessa de ser uma questão sentimental para se tornar uma “viagem de negócios” (JOHNSON, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. , p. 130), tudo - como diria Walter Benjamin - tendo se transformado em bem de consumo, mercadoria, o que Baudelaire intuiu de maneira extremamente lúcida.

A única saída desse mundo mercantil se faz pela poesia:

Elevée à sa plus haute puissance, la poésie semblerait donc sortir du modele économique, pour s’établir dans une transcendance esthétique pure et incomparable” (JOHNSON, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. , p. 134)57 57 “Uma verdadeira terra de promissão, estou dizendo, onde tudo é rico, limpo e lusente, como uma bela consciência, como uma magnífica bateria de cozinha, como uma esplêndida ourivesaria, como uma jóia salpicada!”, PPP, op. cit., loc., cit., p. 97. Notar como o elemento comparado é prosaico, ilustrando a noção de mercadoria alegórica à qual se refere Walter Benjamin. .

De que maneira? Ao se opor ao sistema econômico de equivalência e de troca: “Qu’ils cherchent, qu’ils cherchent encore, qu’ils reculent sans cesse les limites de leur bonheur, ces alchimistes de l’horticulture! Qu’ils proposent des prix de soixante et de cent mille florins pour qui résoudra leurs ambitieux problèmes ! Moi, j’ai trouvé ma tulipe noire et mon dahlia bleu!58 58 “Elevada à sua mais alta potência, a poesia parece portanto se extrair do modelo econômico para se estabelecer numa transcendência estética pura e incomparável.” (tradução nossa). ” (BAUDELAIRE, 1996BAUDELAIRE, Charles, Pequenos poemas em prosa, ed. bilíngue, UFSC, 1996 (trad. Dorothée Bruchard)., p. 96), diz Baudelaire de maneira intertextual citando um romance de Alexandre Dumas e uma canção de Pierre Dupont, contemporâneos,59 59 “Que busquem, que busquem ainda, que estendam sem cessar os limites de sua felicidade, estes alquimistas da horticultura! Que proponham prêmios de sessenta e de cem mil florins para quem resolver seus ambiciosos problemas! Quanto a mim, encontrei minha tulipa negra e minha dália azul!”, PPP, op. cit., loc. cit., p. 97. além de proceder por associação metonímica (Holanda= tulipa; tulipa= dália).

A referência banal a esses autores populares indexa, segundo Barbara Johnson, que sua “língua natal” fala por si, tem seu inconsciente, diríamos. Trata-se, então, de um “devir clichê” (JOHNSON, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. , p. 142) que insere o ato de linguagem ou a fala, numa história intertextual e heterogênea.

O poema em prosa põe em questão a linguagem poética, é metacrítico, como o poema anterior, antecipando já Mallarmé no sentido em que, segundo Barbara Johnson retomando Georges Blin: “(si) les Petits Poèmes em prose contiennent ce qui est exclu des Fleurs du mal, c’est en explicitant non seulement ce qui est exclu, mais l’acte même d’exclure” (JOHNSON, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. , p.157)60 60 La Tulipe noire é um romance de Alexandre Dumas escrito em1850. Le Dahlia bleu é uma canção de Pierre Dumont escrita em 1853. Ambos são autores populares contemporâneos de Baudelaire. . Ou seja, o movimento de vai e vem entre os dois textos acaba ilustrando o fato de que cada um dos dois serve de pré-texto ao outro, mas não de maneira simétrica. O poema em prosa é o simulacro do poema em verso; mas, sem ser simétrico, em espelho, ele faz aparecer o Outro da poesia.

Jacques Roubaud, compondo um poema sobre o poema de Baudelaire, ilustra o que o poeta intuiu de maneira genial: se as inúmeras relações que se entreveem na grande cidade se entrecruzam nas formas e motivos variados, elas se sedimentam através dos séculos: Paris foi construída sobre Paris, o poema em prosa de hoje se constrói sobre o Spleen de Paris.


Autorretrato numa página do manuscrito do plano I de Idéolus - nov.1843.

Referências bibliográficas

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  • ROUBAUD, Jacques, La Vieillesse d’Alexandre, Paris, Maspero, 1978.
  • 1
    Ver também Jürgen Habermas, que critica o pós-moderno enquanto ideologia conservadora, Écrits Poétiques, Paris, Ed. du Cert, 1990HABERMAS, Jürgen, Ecrits Poétiques, Paris, Ed. du Cerf , 1990.. Criou-se, assim, uma oposição radical entre o moderno (utópico) e o pós-moderno (pós-utópico).
  • 2
    Antoine Compagnon evoca poetas e também artistas plásticos, Les CinqParadoxes de la modernité, Paris, Seuil, 1990COMPAGNON, Antoine, Les Cinq Paradoxes de la modernité, Paris, Seuil, 1990., p.34-38.
  • 3
    Constantin Guys, pintor, desenhista francês,(Flessingue, Pays-Bas, 1802-Paris 1892), especializado na caricatura do meio parisiense da época (dandys, mulheres elegantes), tornou-se famoso por incarnar, segundo Baudelaire, o pintor da vida moderna, (Ver «Le Peintre de la vie moderne», Œuvres Complètes, vol. II., Bibliotyèque de la Pléiade, Paris, Gallimard, 1976BAUDELAIRE, Charles, “Le peintre de la vie moderne”, O. C., vol. II, Paris, Gallimard, 1976., p. 682-724).
  • 4
    Em francês, “le non-fini”, “le fragmentaire”, “l’insignifiance”, “la circularité” ou “l’autonomie” ou “la réflexivité”.
  • 5
    Théophile Gautier, Baudelaire,” (il est très difficile) de donner une idée juste de ces compositions: tableaux, médaillons, bas-reliefs, statuettes, émaux, pastels, camées qui se suivent, mais un peu comme les vertèbres dans l'épine dorsale d'un serpent, Paris, Michel Lévy Frères, 1868GAUTIER, Théophile, Baudelaire, Paris, Michel Lévy Frères, 1868., P. 175.
  • 6
    Aloysius Bertrand, (Louis Jacques Napoléon Bertrand), é um poeta, dramaturgo e jornalista francês nascido em 20/04/180 em Ceva (Piemonte), morto em 29 avril 1941 em Paris, criador oficial do gênero « poema em prosa ».
  • 7
    Nas Obras completas de Baudelaire, Ed. da Pléiade, Paris, Gallimard, 1975BAUDELAIRE, Charles, Les Fleurs du mal, O.C ., Paris, Gallimard , 1975.) a maioria dos comentários é dedicada aos poemas em verso.
  • 8
    “Retire uma vértebra, e os dois pedaços desta tortuosa fantasia irão se juntar sem dificuldade. Lacere-a em diversos fragmentos, e verá que cada um deles pode existir à parte. Na esperança de que algumas destas postas tenham vida suficiente para agradá-lo e diverti-lo, ouso dedicar-lhe a serpente inteira”. Charles Baudelaire, Pequenos poemas em prosa, dedicatória a Arsène Houssaye, S.C., Editora DAUFSC, 1996BAUDELAIRE, Charles, Pequenos poemas em prosa, ed. bilíngue, UFSC, 1996 (trad. Dorothée Bruchard)., tr. Dorothé Bruchard, p. 23.
  • 9
    Ver Inês Oseki-Dépré, “Subjectivité et sujet de la traduction”, in De Walter Benjamin à nos jours, Paris, Honoré Champion, 2007OSEKI-DÉPRÉ, Inês, “Subjectivité et sujet de la traduction”, in De Walter Benjamin à nos jours, Paris, Honoré Champion, 2007., p.177-197. Esse ensaio mostra a maneira como Baudelaire, traduzindo Poe (os contos e o poema “O Corvo”), encontra seu estilo na prosa.
  • 10
    Ce texte est aussi la pièce, une pièce de fausse monnaie provoquant um évènement”. Jacques Derrida, op. cit., loc. cit., p. 114.
  • 11
    Barbara Johnson, Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979JOHNSON, Barbara. Défigurations du langage poétique, Paris, Flammarion, 1979. .
  • 12
    Cours de Linguistique Générale, Paris, Payot, 1966 e Les Mots sous les mots, Paris, Gallimard, 1971
  • 13
    “Um moinho que acaba pulverizando todas as definições que tenta se obter”, Barbara Johnson, op. cit., loc. cit, p. 28. O moinho se refere à Dom Quixote ao qual ela compara Baudelaire.
  • 14
    “De óleo de coco, musco e alcatrão”.
  • 15
    “..o poema em prosa é o lugar a partir do qual a polaridade - e portanto a simetria - entre presença e ausência, entre prosa e poesia, disfunciona”. Barbara Johnson, op. cit., loc. cit., p. 37.
  • 16
    Cf. J. Crépet e G. Blin, Étude sur le style de Baudelaire, J.-B.. Ratermanis, Bade, Éditions Art et Science, 1949CRÉPET, J. et BLIN, G., Etude sur le style de Baudelaire, Bade, J.-B. Ratermanis, Ed. Art et Science, 1949.. J. D. LYONS, «A Prose Poem in the Nominal Style», L’Esprit créateur, vol. XIII, n. 2 (été 1973), cités par B. J., p. 39.
  • 17
    “Ó tosão a ondular até tua cintura// Ó cachos/ Ó perfume a que o ócio é intenso! » (anônimo),http://psique-noir.blogspot.com/2013/04/baudelaire-cabeleira.html
  • 18
    La fonction poétique projette le príncipe d’équivalence de l’axe de la sélection sur l’axe de la combinaison”, Roman Jakobson, Problèmes de Linguistique Générale, Paris, Ed. Minuit, 1963, p. 220.
  • 19
    “E sempre a minha mão, nesta crina soturna// Pérolas semeará, rubi, safira e jade// Para que nunca mais te cales, taciturna”...idem (tradução anônima algo livre...).
  • 20
    Barbara Johnson, op. cit., loc., cit., p. 46.
  • 21
    « Me deixe morder, por longo tempo, suas tranças pesadas e negras. Quando mordisco seus cabelos elásticos e rebeldes, me parece estar comendo lembranças.» Ppp, op. cit., loc., cit., p. 93.
  • 22
    Barbara Johnson, op. cit., loc., cit., p. 49.
  • 23
    “Longe de ser um defeito estilístico, a redução hiperbólica e a literalização sistemática da linguagem do poema em prosa constitui um deslocamento estratégico da linguagem poética enquanto tal”, p. 54.
  • 24
    “o poema em prosa não é nem exterior nem interior à poesia”, op. cit., loc., cit., p. 55.
  • 25
    Jacques Roubaud, La Vieillesse d’Alexandre”, Paris, Maspero, 1978. Trata-se de um dos mais famosos escritos teóricos do autor sobre a remanência do metro alexandrino na poesia francesa desde o século 19.
  • 26
    Charles Baudelaire, “A une heure du matin”, Le Spleen de Paris, O.C., op. cit., loc., cit., p. 287.
  • 27
    Segundo Claude Pichois, o comentador da obra baudelairiana nas edições da Pléiade, alguns poemas têm como contexto outros lugares: Le Gâteau, os Pireneus; Le Joujou du pauvre, um lugar descampado; Le Crépuscule du soir, uma montanha; La Belle Dorothée, as Ilhas Mascarenhas; Déjà, o Oceano; Le Port, Honfleur; Les Bons Chiens, Bruxelas.
  • 28
    Baudelaire conheceu 40 domicílios na maior parte parisienses, concentrados nos mesmos bairros (6°, 4°, 8° «arrondissements» (bairros). O poeta mudava constantemente de casa, perseguido pelos credores.
  • 29
    Por exemplo, a construção do eixo Norte-Sul vai do Boulevard de Sébastopol até o Boulevard Saint-Michel, acarretando no desaparecimento de numerosas ruelas e becos. Do Chatelet, passando pelas Tuileries, uma avenida vai até a rua Saint-Antoine. A Ile de la Cité é demolida. A Rive gauche conhece obras desde 1854. Largas avenidas e praças (Italie, Denfert-Rocherau, Etoile, Hôtel de Ville, entre outras) são construídas nessa época (Fonte : Wikipédia)
  • 30
    “Baudelaire para pintar o spleen de Paris opta por colocar no primeiro plano a sensibilidade e a memória das humildes coisas quotidianas fazendo-as exprimirem num segundo plano a vida do símbolo, esse símbolo que só ele cultiva. Os seis olhos dos pobres, assim como a cabeleira de Jeanne Duval, os vidros do vidraceiro assim como o rato vivo com o qual brinca um menino servem para a investigação profunda - efetuada pelo poeta - ou melhor, formam sua encantação.” Pierre-Jean Jouve, Tombeau de Baudelaire, éd. Baconniere, 1942, reed. Paris, Seuil, 1956, p. 38.
  • 31
    0 “Ouve-se em cada canto a cozinha assobiar./ O teatro estremece, a orquestra ressonar/ Nas mesas dos cafés sonoras de remoques/Vão conversando as cortesãs com os escroques/Os ladrões que nem mercê nem trégua alguma têm/vão principiar seu trabalho também.”.. http://penelopeswhisper.blogspot.com/2012/05/o-crepusculo-da-tarde-charles-pierre.html
  • 32
    PPP, op. cit., loc. cit., p.119.
  • 33
    “À noite, um pouco cansada, você quis sentar-se na frente de um café novo, que formava a esquina de uma avenida nova, ainda repleta de cascalhos e já gloriosamente mostrando seus esplendores inacabados. O café reluzia. Até o gás ostentava ali todo o ardor de um início, e iluminava com todas as suas forças as paredes ofuscantes de brancura, as extensões deslumbrantes dos espelhos, os ouros das molduras e das cornijas”... PPP, op. cit., loc., cit., P. 135.
  • 34
    “... l’existence - nos actes - est le seul réel qui nous soit ouvert” (“a existência - nossos atos - é o único real que nos esteja aberto”) Ver “Baudelaire parlant à Mallarmé” de Yves Bonnefoy in Entretiens sur la poésie, Paris, Payot, 1981, p. 88.
  • 35
    Charles Baudelaire, O. C., op. cit., loc. cit., p. 53.
  • 36
    Jacques Roubaud, poeta, ensaísta, matemático, nascido em Coliures (sul da França) em 1932, membro do Oulipo (Ouvroir de la Littérature Potentielle), publicou mais de 60 títulos entre poesia, prosa, ensaios (ver bibliografia) entre os quais se destaca La Vieillesse d’Alexandre, p. 108 e sq..
  • 38
    O título remete a um poema de Charles Baudelaire “Le Cygne”: « laforme d'une ville/Change plus vite,hélas! que lecœur d'un mortel», transformado em LaForme d'une villeen : « laforme d'une ville change plus vite, on le sait, que lecœur des humains». A forma de uma cidade muda mais depressa, infelizmente, que o coração dos seres humanos.
  • 39
    Jacques Roubaud, op. cit., loc. cit: “A identificação implícita das duas polaridades poesia/prosa, verso:não verso, é, por esse gesto, deslocada: a prosa é não-verso mais ela é não-verso igualmente na poesia.” (tradução nossa).
  • 40
    “Ao romper a idenrificação da poesia ao verso, o poema em prosa, longe de preparar o desaparecimento da distinção prosa/poesia, tende a preservá-la atribuindo-lhe um estatuto absoluto, essencial”(tradução nossa).
  • 41
    “A identificação implícita das duas polaridades poesia/prosa, verso não verso, é, por esse gesto, deslocada: a prosa é não verso mais ela é não verso igualmente na poesia.”(tradução nossa).
  • 42
    Louis Jacques Napoléon Bertrand, dit Aloysius Bertrand, poeta, dramaturgo, jornalista (1807-1841), inaugurou o gênero poema em prosa com seu famoso Gaspard de la Nuit, 1842 (póstumo).
  • 43
    (...)“Percebi que não somente eu permanecia bem distante do meu misterioso e brilhante modelo, como também estava fazendo algo (se é que isto pode ser chamado de algo) singularmente distinto (...)”.
  • 44
    “Quem dentre nós não sonhou, nos seus dias de ambição, com o milagre de uma prosa poética, musical, sem ritmo e sem rima, flexível e desencontrada (…)”
  • 45
    “É sobretudo da freqüentação das cidades enormes, é do cruzamento de suas inumeráveis relações que nasce este ideal obsedante.”
  • 46
    Walter Benjamin, Paris, capitale du XIXème siècle, Paris, Editions du Cert, 2002, pp. 247-404; Baudelaire, un poète lyrique à l’apogée du capitalisme, Paris, Petite bibliothèque Payot, 2002 ; Baudelaire, Paris, La Fabrique, 2013.
  • 47
    Poema que com A Cabeleira e o O Crepúsculo da tarde existe em verso e em prosa.
  • 48
    “Compor o ‘mesmo’ poema ao mesmo tempo como poema de verso e poema de não-verso não significa absolutamente que a separação formal entre os dois é indiferente, mas exatamente o contrário”.
  • 49
    “Minha doce irmã//Pensa na manhã//em que iremos numa viagem… ”, tradução de Ivan Junqueira, R. J., Nova Fronteira, 1985. Existem várias outras traduções desse poema.
  • 50
    “Pense na doçura, de ir... “(tradução nossa)
  • 51
    “Lá tudo é paz e rigor,// luxo beleza e langor”, op. cit., loc . cit. (Note-se que o tradutor toma liberdades…)
  • 52
    “Vê sobre os canais//Dormir junto aos cais// Barcos de humor vagabundo”, op. cit., loc.cit.
  • 53
    “Os sanguíneos poentes//Banham as vertentes,//Os canais, toda a cidade,//E em seu ouro os tece” (acréscimo e supressão de “jacinto”), op. cit., loc., cit.
  • 54
    “E tudo isso// Com o Oriente Express?// - Não//com uma mera carta Orange 2 zonas” (tradução nossa).
  • 55
    “Minha doce irmã// Pensa na manhã// Em que iremos, numa viagem...” As Flores do mal, Ed. bilíngue, R.J., Nova Fronteira, 1985, trad. Ivan Junqueira ( Notar as substituições em prol da rima.)
  • 56
    “Existe uma terra fantástica, uma terra de promissão, é o que dizem, que eu sonho em visitar com uma velha amiga.”
  • 57
    “Uma verdadeira terra de promissão, estou dizendo, onde tudo é rico, limpo e lusente, como uma bela consciência, como uma magnífica bateria de cozinha, como uma esplêndida ourivesaria, como uma jóia salpicada!”, PPP, op. cit., loc., cit., p. 97. Notar como o elemento comparado é prosaico, ilustrando a noção de mercadoria alegórica à qual se refere Walter Benjamin.
  • 58
    “Elevada à sua mais alta potência, a poesia parece portanto se extrair do modelo econômico para se estabelecer numa transcendência estética pura e incomparável.” (tradução nossa).
  • 59
    “Que busquem, que busquem ainda, que estendam sem cessar os limites de sua felicidade, estes alquimistas da horticultura! Que proponham prêmios de sessenta e de cem mil florins para quem resolver seus ambiciosos problemas! Quanto a mim, encontrei minha tulipa negra e minha dália azul!”, PPP, op. cit., loc. cit., p. 97.
  • 60
    La Tulipe noire é um romance de Alexandre Dumas escrito em1850. Le Dahlia bleu é uma canção de Pierre Dumont escrita em 1853. Ambos são autores populares contemporâneos de Baudelaire.
  • 61
    “(Se) os Pequenos Poemas em prosa contêm o que foi excluído das Flores do mal, é explicitando não somente o que está excluído mas o próprio ato de excluir.”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2019
  • Aceito
    01 Abr 2019
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