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Dádiva, Care e Saúde

Gift, Care and Healthcare1 1 Este texto é uma versão escrita de conferência proferida em 15 de novembro de 2013, no VI Congresso das Ciências Sociais da Saúde, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Tradução de Patrícia Reuillard (UFRGS).

Resumos

O autor busca, neste texto, inicialmente, estabelecer uma relação entre a teoria da dádiva e as teorias sobre o cuidado em sua acepção ampla contida na noção ingle sa de care, abordadas sob a perspectiva da saúde. Com base nesta reflexão, propõe um paradigma ampliado da dádiva que permita a reinterpretação das teorias sobre care segundo a linguagem da dádiva e conclui convidando a repensarem-se as hierar quias e as formas de motivações que estruturam as organizações da saúde.

Don; Cuidado; Atenção à saúde; Marcel Mauss


In this work the author seeks to establish a relationship between Marcel Mauss' theory of The Gift and the theoretical approaches to care, what he does from the perspective of the healthcare. Based on these considerations, he proposes a broadened gift-paradigm so that to allow the theories of care to be reinterpreted according to the vocabulary of the gift. In view of this reflection, he proposes to review hierarchies and the forms of motives that structure healthcare organizations.

The gift; Care; Healthcare services; Marcel Mauss


O propósito deste artigo é apresentar algumas reflexões sobre as relações entre dádiva e care e sobre como as teorias relativas à dádiva, por um lado, e a care, por outro, podem esclarecer alguns problemas enfrentados pelos profissionais da saúde. Todos podem perceber, intuitivamente, a importância dessa discussão, pois é evidente que não se pode curar alguém apenas com ciência e técnica. Ou com química, aparelhos e máquinas, por mais sofisticados e necessários que possam ser. Em todo ato médico, existe, necessariamente, uma parcela significativa e, às vezes, absolutamente decisiva de dádiva e de care. Mas como compreender essas noções? De que dádiva e de que care estamos falando?

A própria preferência pela palavra care em muitos debates filosóficos e sociológicos, e mesmo políticos, fundamentais, na última década, basta para confirmar o problema. Essa palavra quase sempre aparece em inglês, não apenas porque os principais teóricos - na maioria, teóricas - são americanas(os), mas também porque é difícil encontrar um equivalente nas outras línguas. Acredito que, no português brasileiro, a palavra cuidado2 2 Também na língua portuguesa não há uma palavra que abarque toda a gama de significados contidos em care, razão pela qual optou-se por manter, na tradução, o uso da palavra inglesa como o fez o autor no texto original. seja a mais empregada. Em francês, o uso de care evoca uma série de noções - cuidado, preocupação, atenção, solicitude, compaixão, benevolência, etc. - que oscilam entre dois extremos: a dimensão técnica do atendimento e a dimensão do altruísmo, da caridade e da piedade. Já a palavra dádiva é mais facilmente traduzida, mas comporta muitas ambiguidades. Ela tange à caridade, ao puro altruísmo, ou àquilo que, no século XVIII, se chamava de interesse pessoal? Diz respeito ao amor ou ao cálculo? Existe uma literatura imensa sobre esse tema, que data de mais de dois mil anos. Para tentar deslindar esse emaranhado de significações, este texto divide-se em três momentos. Primeiro, apresentarei brevemente o trabalho de Marcel Mauss e da Revue de M.A.U.S.S. Em seguida, mostrarei os limites de se restringir ao chamado paradigma simples da dádiva e indicarei como a reflexão sobre care pode enriquecer o trabalho sobre a dádiva. Depois, simetricamente, tentarei mostrar como as teorias sobre care só têm relevância quando reinterpretadas na linguagem da dádiva e reinseridas em um paradigma ampliado da dádiva. A partir desse percurso teórico, discutirei algumas propostas práticas.

1 A dádiva segundo Marcel Mauss e o M.A.U.S.S.

A Revue du M.A.U.S.S. (Movimento anti-utilitarista nas Ciências Sociais), periódico interdisciplinar e internacional de Ciências Sociais e Filosofia Política, foi criada em 1981 por alguns economistas, sociólogos e antropólogos que se espantavam e se preocupavam com a reviravolta ocorrida na década anterior nas Ciências Sociais. Ou, mais precisamente, na divisão do trabalho entre disciplinas que, às vezes, haviam reinado por quase dois séculos. Desde o final do século XVIII, de fato, os economistas haviam tomado para si o estudo das leis da produção e da troca de bens e serviços mercantis, apostando que, para levá-lo a cabo, bastava levantar a hipótese de que, na esfera da economia, no mercado, os atores se comportam como indivíduos separados uns dos outros, calculistas e em busca apenas de seus próprios interesses. Em suma, o homo economicus. Essa hipótese, suficiente para estabelecer as leis do mercado, segundo eles, não valia para os outros campos da vida social, cujo estudo deixavam de bom grado para os psicólogos, filósofos, sociólogos, etc. Contudo, a partir do final dos anos 1960, certos economistas (principalmente o futuro Nobel de Economia Gary Becker) começam a considerar que o que funcionou tão bem para o estudo da economia deve ser estendido a todas as formas de ação social. Eles começam, então, a se interrogar sobre o cálculo do custo/benefício, sobre a rentabilidade dos estudos, do casamento, do amor, do crime ou da crença religiosa (quanto rende crer em Deus?), etc. O mais surpreendente é que não somente a maioria dos economistas adere, pouco a pouco, a essa maneira de ver, mas também muitos sociólogos e filósofos políticos a adotam. Na França, por exemplo, é o caso do liberal Raymond Boudon, campeão do individualismo metodológico, ou de Michel Crozier, que faz a análise estratégica das organizações. No lado oposto, está o caso de Pierre Bourdieu, que assimila a sociologia ao que ele chama de "economia geral da prática", ou seja, a uma análise das cotações entre capital econômico, social ou simbólico. Na filosofia política, a obra maior do final do século XX, Uma Teoria da Justiça, de John Rawls (1971) busca determinar as regras que o homo economicus comum seguiria ou deveria seguir para definir as instituições de uma sociedade justa.

O que só compreendemos paulatinamente no M.A.U.S.S. é que essa modificação do pensamento dominante iria legitimar, de antemão, a transformação do capitalismo regulado e fordista do pós-guerra em um capitalismo especulativo, voltado para os acionistas e para o lucro, estendendo a supremacia dos mercados financeiros a todas as esferas da vida social (até à medicina e ao hospital). Só a partir da convicção de que os seres humanos não passam, na realidade, do homo economicus, se poderia pretender que a única forma possível de coordenação entre eles é o mercado. E se seu único objetivo é enriquecer cada vez mais, então o meio mais rápido é o investimento especulativo. Ao menos até que a exigência de ganhar 10 a 15% ao ano em economias que só crescem 1 a 2% leve, inevitavelmente, a falências e crises financeiras, econômicas e sociais.

O que opor a essa visão redutora dos seres humanos a um mero homo economicus em todas as esferas da existência? Muitíssimas coisas. Porém, no campo das Ciências Sociais, as ferramentas mais poderosas e importantes são aquelas fornecidas pelo Ensaio sobre a Dádiva (1923-1924), de Marcel Mauss. Nele, o sobrinho e herdeiro intelectual de Émile Durkheim reúne todo o saber antropológico de sua época para nos mostrar que as sociedades arcaicas não repousavam no mercado, na troca, no toma-lá-dá-cá ou no contrato (e, portanto, não em um "contrato social"), mas no que ele apresenta como a tripla obrigação de dar, receber e retribuir. Ou, pode-se dizer, na obrigação de se mostrar generoso, de rivalizar em generosidade. Rivalizar é a palavra exata. De fato, não se trata absolutamente de dádivas de caridade, mas, nos casos de dádiva agonística extrema, de uma forma de guerra em que aquele que não pode retribuir se encontra em posição inferior e pode até mesmo tornar-se escravo. Mas essa guerra de generosidade tem uma virtude particular: ela possibilita abandonar de vez a guerra, ou evitá-la, e transformar a troca de golpes, mortes, ferimentos ou insultos em dádivas recíprocas de bens, cumprimentos e mulheres. A dádiva arcaica é, portanto, um ato propriamente político que permite selar uma tripla aliança: entre os guerreiros, que depõem as armas; entre as gerações, por meio das mulheres, que dão filhos; e, por fim, com as entidades invisíveis. Selando essas alianças, ela permite passar da guerra à paz, da morte à vida e do nada a alguma coisa. E isso através de uma dialética permanente entre o ciclo do dar-receber-retribuir - ciclo simbólico, aquele que une - e o ciclo oposto, que Mauss não denomina como tal, mas que constitui a outra face do ciclo simbólico, o ciclo diabólico (aquele que separa) do tomar-recusar-manter.

A principal conclusão a que chega Mauss com seu estudo é que "o homem nem sempre foi um animal econômico" e que o homo economicus "não está no nosso passado, mas no nosso futuro". De modo correlato, o que o Ensaio sobre a Dádivamostra é que, contrariamente ao postulado central do utilitarismo e da ciência econômica generalizada, os seres humanos não obedecem a uma única motivação, o interesse pessoal, mas a quatro, organizadas em dois pares: de um lado, o interesse por si mesmo (pessoal) e pelo outro (que proponho chamar de aimance3 3 O neologismo francês aimance, que significa a necessidade de amar e indica a busca de servir ao objeto amado, amânsia (N. de trad.). ); de outro, tanto a obrigação quanto a liberdade-criatividade. E, como Mauss mostra perfeitamente, não apenas essas quatro motivações iniciais se combinam de formas variadas em todos nossos atos, mas é preciso que elas se misturem. Que elas se "hibridizem" para evitar cair nos excessos do egoísmo, do ritualismo, da piedade sacrificial ou do nonsense.

A partir dessas descobertas antropológicas, é possível deduzir uma série de conclusões, essenciais para as Ciências Sociais e a Filosofia política, e mostrar principalmente os estreitos laços entre o paradigma da dádiva e as teorias do reconhecimento. O que nos anima, em primeiro lugar, é o desejo de sermos reconhecidos como doadores. Generosos e/ou geradores. Mas pressentimos que ainda falta algo.

2 As insuficiências do paradigma restrito da dádiva e o aporte das teorias sobre care

O que se chama de paradigma restrito da dádiva (ou paradigma simples da dádiva), cujos elementos acabo de apresentar, descreve um estado de equilíbrio social ou individual simples - em princípio, senão sempre, na prática - caracterizado pela reciprocidade das dádivas e dos reconhecimentos. Na longa duração, dádivas e contradádivas, reconhecimentos dados e reconhecimentos recebidos se equilibram, mais ou menos, ou deveriam idealmente se equilibrar. Ora, não somente esse equilíbrio nem sempre é possível, como nem sempre é desejável.

2.1 Da reciprocidade à benevolence e ao care

Há cerca de cinquenta anos, o célebre sociólogo americano Alvin Gouldner mostrava isso perfeitamente. Em um primeiro artigo, escrito em 1960, The Norm of Reciprocity, de um modo bem maussiano ele estabelecia a universalidade da norma de dádiva/contradádiva. Sempre, e em todo lugar, a dádiva requer a contradádiva. Sempre se é obrigado a retribuir, mesmo que a natureza e a origem dessa obrigação ainda precisem ser elucidadas. Nesse sentido, Mauss falava de "rocha da moral eterna". Mas, em um segundo artigo, The importance of something for nothing (1973), Gouldner observava com razão que, em várias situações em que há muita dissimetria entre o doador e o donatário, não pode e não deve haver reciprocidade. Como na relação dos pais com os filhos, ou na dos adultos válidos com os idosos inválidos, por exemplo. Ou como quando nos encontramos numa situação de fraqueza, fragilidade ou de vulnerabilidade: doentes, miseráveis, deprimidos, impotentes, etc. Em todas essas situações emblemáticas, não faz sentido o doador esperar um retorno equivalente da parte do donatário. Ao menos não em um prazo previsível e da mesma forma. Aquele que, nesse momento, está ao abrigo da fragilidade e da vulnerabilidade deve dar unilateralmente, sem esperar nenhum retorno. Something for nothing. A norma que prevalece nesses casos é aquela que Gouldner chama de benevolência (benevolence)4 4 A relação entre esses dois artigos de Gouldner e o paradigma maussiano da dádiva é excelen temente exposta por Philippe Chanial na introdução ao volume coletivo, La société vue du don. Manuel de sociologie anti-utilitariste appliquée (org. Philippe Chanial), La Découverte, Paris, 2008. . Para nos ajudar, em nosso estado de vulnerabilidade, alguém precisa ser benevolente, preocupar-se conosco. Somebody must care.

Esta é a transição para as teorias de care, que surgiram nos últimos vinte anos, primeiramente no debate feminista e, depois, em uma série de outros campos. De uma bibliografia considerável, selecionei duas autoras principais: Carol Gilligan e Joan Tronto5 5 Carol Gilligan, In a Different Voice. Psychological Theory and Women's Development, Harvard University Press, Cambridge, 1982. Joan Tronto, Moral Boundaries. A Political Argument for an Ethic of Care, Routledge, New York, 1993. . Na França, existe agora muita bibliografia sobre essa questão. Encontra-se uma boa introdução ao debate em La Revue du MAUSS semestrielle n°32, L'amour des autres. Care, compassion et humanitarisme (orgs. A. Caillé e Ph. Chanial), 2º semestre 2008, La Découverte, e em Marie Garrau e Alice Le Goff, Care, justice et dépen dance. Introduction aux théories du care, PUF, collection Philosophies, 2010. . A iniciadora desse continente teórico é Gilligan. Em Uma Voz Diferente, ela contestava as conclusões do célebre psicólogo Lawrence Kohlberg que, seguindo Piaget, estudara a formação do senso moral. Segundo esse estudioso, ela se desenvolve em seis etapas. A sexta, mais elevada, ele estima, é a mais abstrata e mais universalista. Aquela que, de um modo para-kantiano, subordina as ações à obrigação de que sua norma possa valer de maneira universal. Ora, os homens são infinitamente mais numerosos do que as mulheres a alcançar essa sexta e última etapa, constatava Kohlberg. Disso, se deve deduzir que as mulheres são menos morais (ou mais imorais...) do que os homens, como ele pensava? A resposta de Gilligan é não, absolutamente; as mulheres desenvolvem outro tipo de moralidade, preocupadas com casos particulares e com o sofrimento dos indivíduos, em sua singularidade, e não abstratamente, em sua generalidade. Em suma, as mulheres desenvolvem uma ética de care.

Todas as teorias posteriores sobre care partirão dessa primeira análise de Gilligan, tentando, ao mesmo tempo, não se associar demais ao feminino e ao emotivo, o que limitaria as mulheres à obrigação de dispensar cuidados, abonando a divisão dominante do trabalho que as aliena. A principal tentativa nesse sentido é de Joan Tronto. Em Moral Boundaries, ela mostra que as tarefas de cuidado (care) podem ser tanto atribuídas a homens quanto a mulheres, desde que eles sejam socialmente pouco valorizados: pobres, trabalhadores imigrantes, etc. As tarefas ligadas ao cuidado são desvalorizadas assim, porque nos fazem perceber nossa vulnerabilidade e nossa dependência. Sem uma certa cegueira sobre essa vulnerabilidade, os sujeitos racionais e autossuficientes que pretendemos ser - o homo economicus, por exemplo - não poderiam se mostrar como tais. Não querendo ver nossa fragilidade e nossa dependência, tendemos, portanto, a tornar invisíveis todos os cuidados que recebemos e que nos permitem superá-las e a não reconhecer aquelas ou aqueles que os dispensam.

2.2 Care como atividade genérica e como processo

Como se vê, a estratégia teórica de Tronto consiste em generalizar a questão do cuidado, mostrando que ela diz respeito a todos nós, homens ou mulheres. Que somos todos recebedores ou doadores em potencial de care. Daí a definição bem geral do termo que ela propõe:

Sugerimos que care seja considerado como uma atividade genérica que compreende tudo o que fazemos para manter, perpetuar e reparar nosso "mundo" de modo que possamos nele viver tão bem quanto possível. Esse mundo compreende nossos corpos, nós mesmos e nosso ambiente, todos os elementos que buscamos correlacionar em uma rede complexa, em apoio à vida (Tronto, 199316 TRONTO, J. Moral Boundaries. A Political Argument for an Ethic of Care. New York: Routledge, 1993.).

Porém, para fugir do "assujeitamento das mulheres à dádiva" e ao cuidado (E. Pulcini)6 6 Cf. Elena Pulcini, 2005 ; 2012. , Tronto busca igualmente minimizar a ênfase dada por Gilligan à afetividade e ao altruísmo, pensando care mais como um processo e, em determinado sentido, um trabalho.

Nessa perspectiva, o cuidado descreve um processo com quatro fases que remetem a quatro tipos de atitudes morais:

- caring about (preocupar-se com), que implica o reconhecimento de uma necessidade e a conveniência de atendê-la; supõe uma capacidade ética de atenção;

- taking care of (ocupar-se de, cuidar de), que se refere à responsabilidade (moral) de atender à necessidade identificada;

- care-giving (dispensar cuidados), que compreende a prática do cuidado; implica a mobilização de uma competência;

- care-receiving (receber cuidados), que remete, para Tronto, à reação de quem recebe o cuidado e fecha o ciclo, ou seja, aquele que recebe os cuidados é o único que pode dizer se eles foram eficazes e pertinentes. Se foram os cuidados certos. Essa última fase supõe outra qualidade moral essencial: a "receptividade" (responsiveness).

Essas análises são extremamente estimulantes, mas nos deixam inseguros sobre três pontos:

- Nessa busca de desfazer, por razões bem compreensíveis, o vínculo estabelecido por Gilligan entre o feminino, o care e o cuidado afetivo dos outros, apreendidos em sua particularidade, corre-se o risco de perder a força da intuição inicial. A definição geral proposta por Tronto ao conceito de care é tão geral, justamente, que não fica claro o que não se encaixaria na noção de care no trabalho dos magistrados, dos professores, dos bombeiros, ou mesmo dos soldados ou dos técnicos da energia nuclear que cuidam do sistema de segurança, etc. Nessa definição, o vínculo entre care e o feminino desaparece totalmente.

- É igualmente problemática a tentação de reduzir care a um trabalho, até mesmo a um trabalho "sem piedade"7 7 Cf. Patricia Paperman, 2008. (P. Paperman). Mais uma vez, as motivações dessa redução são compreensíveis. Por um lado, ao instituir as mulheres como trabalhadoras e não como altruístas por natureza, luta-se contra a forte tendência, imemorial, a confiná-las à esfera do doméstico e do afetivo. Por outro, e pelas mesmas razões, é tentador expurgar a piedade e os afetos desse trabalho, para que as mulheres não caiam na armadilha de uma obrigação alienante de compaixão. Mas se percebe bem que essa redução de care a um trabalho não pode ser levada até o fim, a menos que se defenda uma desumanização radical, por exemplo, da medicina e do hospital. Se, em boa medida, é a dimensão de empatia que cuida - e frequentemente é assim -, então querer reduzir o trabalho de care a um simples trabalho como os outros é, com certeza, fazer dele um trabalho particularmente ineficaz! Pois o trabalho de care é ainda menos "racionalizável" do que qualquer outro. Retomando a análise das motivações sugerida pelo Ensaio sobre a Dádiva, diremos que não se deve reduzir care nem a aimance nem a um trabalho e ao interesse por si mesmo. Como em tudo, o objetivo é encontrar o equilíbrio certo entre interesse por si mesmo e interesse pelo próximo, entre obrigação (o dever moral, por exemplo) e criatividade-liberdade (o prazer do trabalho bem feito).

- Essa reintrodução de categorias maussianas - do paradigma da dádiva - no paradigma de care se justifica, porque a análise de Tronto sobre care, em quatro fases, evoca imediatamente o ciclo do dar, receber e retribuir estabelecido por Mauss. Trata-se, no mínimo, de dar e receber cuidados. Mas resta, ainda, esclarecer as relações sutis entre caring about, taking care, care-giving e care-receiving. Como interagem essas quatro fases do processo de care? Evidentemente, não se pode dar uma resposta geral e definitiva, mas, para avançar nessa questão, deve-se resgatar o paradigma da dádiva, fornecendo-lhe os aportes da teoria do care8 8 Busco aqui estender as análises já apresentadas sobre esse tema por Philippe Chanialem "Don etcare. Une famille à recomposer ?", La Revue du MAUSS semestrielle n°39, Que don nent les femmes ?, 1º semestre 2012. .

3 Do paradigma de care a um paradigma ampliado da dádiva

O desvio pelas teorias do care - através do artigo de Gouldner sobre a benevolência - permite mostrar que o que falta na abordagem maussiana simples, fundada na tripla obrigação de dar, receber e retribuir, é o momento do pedido. Seja motivada pela vulnerabilidade, pela necessidade, ou pelo desejo, a dádiva não teria sentido se não respondesse a um pedido. Um pedido explicitamente formulado, ou simplesmente antecipado ou adivinhado. Aliás, toda a literatura etnológica atesta que, nas relações arcaicas de dádiva, o pedido é onipresente, sendo essencial responder a ele sem a menor reserva, dar tudo - "da hospitalidade fugaz até as filhas e os bens", observa Mauss (1966, p. 277) - sob pena de cair novamente na hostilidade e na guerra. Precisamos, então, completar a fórmula de Mauss. Visto de sua face positiva, o ciclo completo da dádiva é pedir, dar, receber e retribuir, o qual só adquire todo seu sentido em relação ao seu oposto, o ciclo do ignorar, tomar, recusar, manter. A partir dessa reformulação, dever-se-ia retomar de maneira mais sistemática as teorias do care. Vê-se bem, por exemplo, que caring about, a preocupação com o outro e a atenção dada a ele, procede de uma decisão de não ignorar o pedido do outro. Decisão que pode ser ela mesma motivada por combinações variáveis de interesse pelo próximo, de senso do dever ou de prazer com o trabalho a ser efetuado. Mas este não é o momento de desenvolver essas hipóteses. Limitemo-nos a três pontos do paradigma ampliado da dádiva que parecem elucidar as reflexões sobre care.

1. Primeiramente, convém observar que a sobreposição estrutural e permanente dos momentos do ciclo da dádiva faz com que nunca se saiba quem é realmente doador e recebedor em definitivo - o que dá, o que recebe, o que pede ou o que, retribuindo com outra dádiva, relança o ciclo completo. Se, de fato, o primeiro desejo humano é ser reconhecido como doador, então a manifestação de um pedido ou o reconhecimento de que uma dádiva foi reconhecida como tal, e não ignorada ou negada, constitui, em si mesma, uma dádiva particularmente preciosa: a confirmação àquele que deu, ou poderia dar, de sua generosidade-geratividade. De que ele é digno e capaz de ocupar o lugar de sujeito da dádiva. Portanto, de sujeito.

2. A indeterminação relativa da dádiva é estreitamente correlata à sua ambivalência intrínseca. Uma ambivalência extraordinariamente elucidada por um pequeno texto de Mauss, o qual mostra que, nas línguas germânicas antigas, a mesma palavra - gift - designa simultaneamente a dádiva propriamente dita, em sua dimensão de benefício, e o veneno9 9 M. Mauss, "Gift-gift" (1924), in M. Mauss, Oeuvres, tome 3, Éditions de Minuit, Paris, 1969, p. 46-51. . O que faz viver e o que mata. O mesmo se dá, aliás, em grego com dosis 10 10 Cf. Émile Benveniste, Le vocabulaire des institutions indo-européennes, Éditions de Minuit, 1969, tome 1, p. 68. ou pharmakon, de onde provém todo nosso vocabulário médico: a dose de remédio, a farmácia. Isso porque, tanto em medicina quanto na dádiva (e reciprocamente), tudo é uma questão de dosagem, de mediação e de média (de onde se origina a própria palavra medicina). A dose certa cura e faz viver. Demais ou de menos - dádiva, remédios, cuidados - matam. Porque a dádiva é um operador de reconhecimento. Ela reconhece o outro como sujeito. Mas como um sujeito capaz de dar, por sua vez. Aquele que se revela incapaz de retribuir se anula como sujeito e fica sob o domínio do doador. O porquê da questão central evocada pelo debate sobre o cuidado, a dádiva e a benevolência: como evitar que aquele que se acha condenado por sua vulnerabilidade a não poder retribuir tenha negada sua dimensão de sujeito?

3. Como conciliar, então, a assimetria inerente à situação de care com a simetria ou a paridade que a dádiva maussiana implica? Como reconhecer a parcela de humanidade daquele a quem só resta receber cuidados, ou seja, sua capacidade de também ser um doador e de, assim, escapar de uma relação de mera piedade ou caridade que, atribuindo ao que recebe cuidados apenas sua passividade, corre o grande risco de aniquilá-lo? Uma parte da resposta está na indeterminação relativa da dádiva que observávamos há pouco. Com efeito, ela implica que o próprio fato de pedir e saber receber já é uma dádiva em si. Mas devemos completar essa observação com uma recontextualização mais geral das situações de dádiva e de care. Estudando as formas do casamento e do parentesco nas sociedades "selvagens", Lévi-Strauss distinguia o que ele chamava de troca simples e troca generalizada das mulheres. Na troca simples, um clã A cede uma mulher, irmã ou filha a um clã B que, em retorno, cede uma de suas próprias mulheres. Na troca generalizada, em contrapartida, um clã A dá a um clã B, que dá a um clã C, que, por fim, dá ao clã A. Dádiva e a recepção estão dissociadas. Em termos de paradigma da dádiva ampliada e de reciprocidade geral, a mesma análise deve ser aplicada à relação de care. Ela mostra que é possível conservar uma dimensão de reciprocidade das dádivas e dos reconhecimentos até mesmo no caso de uma assimetria radical entre o cuidador e aquele que é cuidado: mesmo que o cuidador não possa receber nada de um indivíduo privado de tudo, de fala e de mobilidade, por exemplo, ainda assim ele pode perceber a si mesmo em sua própria vulnerabilidade futura e antecipar os cuidados que poderá ser levado a pedir e que desejará receber dos outros no respeito à sua própria subjetividade. Nessa perspectiva, podem ser evitados os obstáculos opostos da indiferença ou da piedade.

4 Conclusão

A partir da articulação esboçada entre paradigmas de dádiva e de care, é possível avançar em múltiplas direções. Mencionarei aqui apenas duas.

Toda a teoria do care, como vimos, desenvolveu-se a partir das reflexões de Gilligan sobre a relação privilegiada das mulheres com as atividades de care, em razão dos afetos que elas mobilizam. Também vimos como essas reflexões se revelaram preciosas e, ao mesmo tempo, embaraçosas para a reflexão feminista posterior. Um dos aportes essenciais de Tronto merece ser reinterpretado no âmbito do paradigma da dádiva, que, de resto, ele questiona. De fato, no paradigma da dádiva simples e clássico, a dádiva vale reconhecimento, prestígio e honra ao doador. Ora, nas atividades de care é o oposto que ocorre, pois, ao contrário, elas são depreciadas e não reconhecidas. A razão para isso, explica Tronto, é que elas nos lembram nossa vulnerabilidade primordial e, ao não querer ver isso, tampouco queremos ver todos os atos que nos auxiliam a superá-la. Portanto, não desejamos perceber care como uma doação, mas como um trabalho. Um trabalho que recebe menos reconhecimento, porque é socialmente desvalorizado. Convém reintegrar essa análise aprofundada a um quadro mais geral, para poder matizá-la e ampliá-la. A observação antropológica mostra, com efeito, que não são pouco reconhecidas apenas as atividades de care efetuadas pelas mulheres, mas, antes disso e mais fundamentalmente, sua dádiva essencial: a dádiva dos filhos, a dádiva da vida, que quase em nenhum lugar é percebida oficialmente como uma dádiva, mas como um mero fato da natureza, já que, ao contrário, os homens se apropriam, principalmente via rituais de iniciação, da parte ativa da concepção e do engendramento.

Por que essa negação da dádiva das mulheres? Provavelmente, porque a dádiva da vida é incomensurável e, portanto, não pode receber contradádiva à altura. Melhor, então, negá-la como dádiva11 11 Sobre esse tema, cf. La Revue du MAUSS semestrielle n°39, Que donnent les femmes ?, op. cit., e mais particularmente, A. Caillé, "Le triple don et/ou la triple aliénation des femmes", p. 37-48, e o livro de Lucien Scubla, Donner la vie, donner la mort. Psychanalyse, philosophie et anthropologie. (Editions Le Bord de l'eau, février 2014, no prelo). . Seja como for, resta - e isso constitui um importante aprimoramento do paradigma simples da dádiva maussiano - reconhecer que nem todas as dádivas trazem honra e prestígio, mas somente as dádivas masculinas, que comportam tanto uma dimensão guerreira e agonística quanto uma pacificadora. Aquelas, de modo mais geral, que pretendem se libertar da natureza, da utilidade e da necessidade. As que, ao contrário, nos reduzem à nossa dimensão de seres naturais, submetidos à necessidade, se veem negadas ou depreciadas - não reconhecidas como dádivas. As hierarquias, no hospital, se organizam facilmente a partir dessa dualidade. Os cirurgiões e os grandes médicos, em geral homens, ficam com o prestígio que cabe aos mestres da ciência e da técnica, àqueles que permitem superar a natureza. Às enfermeiras e às dispensadoras de cuidados diários, em compensação, restam apenas posições subalternas.

A segunda direção em que essas análises deveriam particularmente se desenvolver diz respeito à questão do gerenciamento das organizações que se ocupam da saúde. Considerações e regras gerais, válidas para todas as organizações, podem ser deduzidas do paradigma da dádiva. Toda organização deve evidentemente implementar uma divisão eficaz do trabalho que permita que cada um saiba o que lhe cabe fazer, mas sem encerrar todos num organograma tão rígido que impeça a tomada de iniciativas necessárias ao bom funcionamento do conjunto. Do mesmo modo, em toda organização se vê que a eficácia geral depende da capacidade de dádiva e de "entrega" dos seus membros. Nada pode funcionar se esses não se ajudarem permanentemente com conselhos técnicos, apoios afetivos e informações de todo tipo. Nada pode funcionar, tampouco, se eles não acreditarem em seu trabalho, em seu valor ético e humano e em seu interesse intrínseco. Em outras palavras, se não estiverem prontos a se dedicar ao seu trabalho, a se entregar totalmente. Ora, todos os estudos mostram que as profissões da saúde são aquelas em que os empregados são potencialmente mais felizes, porque nelas o que os economistas chamam de motivações intrínsecas - o que se faz pelo prazer de fazer uma profissão e não outra - sobrepujam as motivações extrínsecas, as motivações de salário e de carreira. Nas motivações intrínsecas, encontram-se três das quatro motivações da ação determinadas pelo paradigma da dádiva: o que se faz por obrigação (i.e., por senso do dever), por interesse pelos outros e pelo prazer da liberdade-criatividade. O gerenciamento dos organismos que dispensam cuidados deve, portanto, insistir muito particularmente na importância dessas motivações intrínsecas, levando em conta o fato de que elas não se desenrolam somente nas relações entre cuidadores, mas igualmente e de imediato, nas relações entre cuidadores e indivíduos cuidados, já que também essas relações, como mostra a conjunção dos paradigmas da dádiva e de care, são de dádiva/contradádiva no mais alto grau.

Espero tê-los convencido da necessidade de pensar as profissões da saúde a partir do cruzamento dos paradigmas da dádiva e de care.

  • Alain Caillé - Doutor em Economia e Sociologia. Professor da antiga Universidade de Paris X - Nanterre, atualmene Paris-Ouest. Fundador do MAUSS (Movimento Anti-Utilitarista nas Ciências Sociais) e Diretor da Revista do MAUSS (França). alaincaille90@gmail.com
  • 1
    Este texto é uma versão escrita de conferência proferida em 15 de novembro de 2013, no VI Congresso das Ciências Sociais da Saúde, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Tradução de Patrícia Reuillard (UFRGS).
  • 2
    Também na língua portuguesa não há uma palavra que abarque toda a gama de significados contidos em care, razão pela qual optou-se por manter, na tradução, o uso da palavra inglesa como o fez o autor no texto original.
  • 3
    O neologismo francês aimance, que significa a necessidade de amar e indica a busca de servir ao objeto amado, amânsia (N. de trad.).
  • 4
    A relação entre esses dois artigos de Gouldner e o paradigma maussiano da dádiva é excelen temente exposta por Philippe Chanial na introdução ao volume coletivo, La société vue du don. Manuel de sociologie anti-utilitariste appliquée (org. Philippe Chanial), La Découverte, Paris, 2008.
  • 5
    Carol Gilligan, In a Different Voice. Psychological Theory and Women's Development, Harvard University Press, Cambridge, 1982. Joan Tronto, Moral Boundaries. A Political Argument for an Ethic of Care, Routledge, New York, 1993. . Na França, existe agora muita bibliografia sobre essa questão. Encontra-se uma boa introdução ao debate em La Revue du MAUSS semestrielle n°32, L'amour des autres. Care, compassion et humanitarisme (orgs. A. Caillé e Ph. Chanial), 2º semestre 2008, La Découverte, e em Marie Garrau e Alice Le Goff, Care, justice et dépen dance. Introduction aux théories du care, PUF, collection Philosophies, 2010.
  • 6
    Cf. Elena Pulcini, 2005 ; 2012.
  • 7
    Cf. Patricia Paperman, 2008.
  • 8
    Busco aqui estender as análises já apresentadas sobre esse tema por Philippe Chanialem "Don etcare. Une famille à recomposer ?", La Revue du MAUSS semestrielle n°39, Que don nent les femmes ?, 1º semestre 2012.
  • 9
    M. Mauss, "Gift-gift" (1924)11 MAUSS, M. Gift-gift. (1924), In: MAUSS, M. Oeuvres. Tome 3, Paris: Éditions de Minuit, 1969. p. 46-51., in M. Mauss, Oeuvres, tome 3, Éditions de Minuit, Paris, 1969, p. 46-51.
  • 10
    Cf. Émile Benveniste, Le vocabulaire des institutions indo-européennes, Éditions de Minuit, 1969, tome 1, p. 68.
  • 11
    Sobre esse tema, cf. La Revue du MAUSS semestrielle n°39, Que donnent les femmes ?, op. cit., e mais particularmente, A. Caillé, "Le triple don et/ou la triple aliénation des femmes", p. 37-48, e o livro de Lucien Scubla, Donner la vie, donner la mort. Psychanalyse, philosophie et anthropologie. (Editions Le Bord de l'eau, février 2014, no prelo).

Referências

  • 1
    BENVENISTE, E. Le vocabulaire des institutions indo-européennes [S.I.] :Éditions de Minuit, 1969.
  • 2
    CAILLE, A. Le triple don et/ou la triple aliénation des femmes. Revue du MAUSS, [S.I.], n. 39, p. 37-48, premier semestre 2012.
  • 3
    CAILLE, A.; CHANIAL, P. (Orgs.) L'amour des autres. Care, compassion et humanitarisme Revue du MAUSS, n. 32, second semeste 2008.
  • 4
    CHANIAL, P. Don et care. Une famille à recomposer ? Revue du MAUSS, [S.I.] n. 39, premier semeste 2012.
  • 5
    CHANIAL, P. La société vue du don. Manuel de sociologie anti-utilitariste appliquée Paris: La Découverte, 2008.
  • 6
    GARRAU, M. ; LE GOFF, A. Care, justice et dépendance Introduction aux théories du care. Paris : PUF, 2010. Collection Philosophies.
  • 7
    GILLIGAN, C. In a Different Voice. Psychological Theory and Women's Development Cambridge: Harvard University Press, 1982.
  • 8
    GILLIGAN, C. Uma voz diferente Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1982.
  • 9
    GOULDNER, A. The Norm of Reciprocity: A Preliminary Statement. American Sociological Review, [S.I.], v. 25, n. 2, p. 161-178, Apr. 1960.
  • 10
    MAUSS, M. Ensaio sobre a Dádiva Coleção: Perspectivas do Homem. Lisboa: Edições 70, 2014.
  • 11
    MAUSS, M. Gift-gift. (1924), In: MAUSS, M. Oeuvres Tome 3, Paris: Éditions de Minuit, 1969. p. 46-51.
  • 12
    PAPERMAN, P. Pour un monde sans pitié, Revue du MAUSS, [S.I.], n. 32, second semeste, p.167-184, 2008.
  • 13
    PULCINI, E. Assujetties au don, sujets de don. Réflexions sur le don et le sujet féminin. Revue du Mauss, [S.I.], n. 25, premier semestre, 2005.
  • 14
    PULCINI, E. Donner le care, Revue du Mauss, [S.I.], n. 39, premier semestre, 2012.
  • 15
    SCUBLA, L. Donner la vie, donner la mort Psychanalyse, philosophie et anthropologie. [S.I.]: Editions Le Bord de l'eau, février 2014.
  • 16
    TRONTO, J. Moral Boundaries A Political Argument for an Ethic of Care. New York: Routledge, 1993.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2014
  • Aceito
    19 Maio 2014
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