Resumo
Nesta apresentação do dossiê O adolescente visto como problema: disputas narrativas, produção legislativa e punição, partimos do debate internacional sobre as tendências contemporâneas da justiça juvenil e apresentamos uma reflexão sobre o diagnóstico do avanço do assim chamado punitivismo no âmbito do sistema de justiça juvenil brasileiro, a partir da análise das disputas travadas na arena política em torno da temática. A reflexão envolve (i) a sistematização dos indicadores de punitivismo e de dados e informações relativos a esses indicadores; e (ii) a análise das disputas políticas nas esferas do legislativo e do judiciário a partir de dados sobre as proposições legislativas relativas ao tema apresentadas nos 30 anos de existência do ECA e do caso da ADI 3.446. Buscamos demonstrar que, na arena política, a perspectiva de defesa do ECA tem prevalecido e os discursos punitivos têm efeitos mais simbólicos do que práticos. As práticas punitivas, discursivas e não-discursivas, não se institucionalizaram em dispositivos legais ou políticas oficiais do sistema de justiça juvenil brasileiro. No entanto, os dados existentes sobre os demais indicadores de punitivismo sinalizam que a lógica punitiva parece desfrutar de amplo espaço no funcionamento das instituições diretamente responsáveis pelo processamento dos adolescentes autores de atos infracionais.
Palavras-chave
punitivismo; sistema de justiça juvenil; Estatuto da Criança e do Adolescente; adolescentes autores da atos infracionais; redução da maioridade penal
Abstract
In this presentation of the dossier Adolescents deemed as a problem: narrative disputes, production of law and punishment, we build on the international debate on contemporary trends in juvenile justice and present a discussion on the advance of punitivism in the Brazilian juvenile justice, based on the analysis of disputes in the political arena. The discussion comprises (i) the systematization of indicators of ‘punitivism’ in juvenile justice and of the related data; and (ii) the analysis of political disputes in the legislative and the judiciary based on data of law production related to the topic during the 30 years since the promulgation of the Statute of Child and Adolescent (ECA) and on the case of the lawsuit on unconstitutionality no. 3,446 (Ação Direta de Insconstitucionalidade – ADI 3446). We seek to demonstrate that, in the political arena, ECA's perspective has prevailed and punitive speeches have rather symbolic than practical effects. Punitive, discursive and non-discursive practices were not institutionalized in legal provisions or official policies of the Brazilian juvenile justice system. However, existing data on other punitive indicators show that the punitive logic seems to have space in the functioning of institutions directly responsible for guarding young offenders.
Keywords
punitiveness; juvenile justice; Statute of Child and Adolescent; young offenders; reduction of age for criminal responsibility
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (...) assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal n° 8.069/19905 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, n. 135, Seção 1, p. 13563-13577. Brasília, DF, 16 jul. 1990., tornou-se um marco para a discussão a respeito dos direitos e deveres relativos à criança e ao/à adolescente no Brasil desde sua promulgação. Se antes existia a ideia do “menor” como um problema social que deveria ser tutelado pelo Estado (Alvarez, 19891 ALVAREZ, Marcos. A emergência do código de menores de 1927: uma análise do discurso jurídico e institucional da assistência e proteção aos menores. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.), é a partir da publicação da legislação estatutária que, no plano formal, crianças e adolescentes começam a ser vistos como sujeitos que devem ter assegurados um conjunto de direitos.
Não obstante seu reconhecimento internacional – o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) considera essa legislação uma referência para os países da região latino-americana –, a aprovação do ECA não representou o fim dos debates e disputas que, desde antes de sua publicação, opunham diferentes perspectivas em torno do tratamento da criança e do adolescente (Passetti, 199136 PASSETTI, Edson. O menor no Brasil República. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991., Migliari, 199331 MIGLIARI, Maria de F. B. M. Infância e adolescência pobres no Brasil: análise social da ideologia. 1993. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Pontifíca Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993.; Cifali, 20199 CIFALI, Ana C. As disputas pela definição pela justiça juvenil no Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Ciências Criminais), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2019. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/8884
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). Se, por um lado, a publicação da legislação consistiu em importante instrumento para os atores sociais e agentes do Estado orientados à linguagem de ampliação de direitos e garantias, por outro lado, é possível observar que concepções e narrativas sobre o adolescente como um problema social seguiram sendo reproduzidas e atualizadas.
Em 2020, o Estatuto completou 30 anos, mas as recentes propostas de alteração dessa legislação, seja na direção de maior punitividade – ou seja, na direção de pensar o tema em termos de manutenção da ordem social e da defesa de medidas que recolocam a necessidade da penalização de adolescentes –, seja no intuito de ampliar as garantias, indicam a persistência das disputas entre diferentes perspectivas observadas já no momento de criação do texto legal. Em especial, a questão do tipo de resposta estatal previsto aos/às adolescentes autores/as de atos infracionais tem sido amplamente debatida. As recentes disputas políticas em torno do Estatuto recolocam o/a adolescente autor de ato infracional como causa do problema da violência urbana e reivindicam a adoção de medidas mais repressivas para o enfrentamento da questão.
É possível analisar essas disputas – entre propostas de maior penalização dos adolescentes versus propostas de garantia e ampliação de direitos dos mesmos – na chave dos debates acadêmicos a respeito do funcionamento e das tendências contemporâneas do sistema de justiça juvenil. A literatura internacional produzida sobre o assunto a partir dos anos 2000 tem discutido em que medida é possível afirmar que as transformações atuais identificadas na justiça juvenil acompanham as tendências punitivas, reconhecidas por muitos autores como traço dominante das políticas penais para adultos na atualidade (Garland, 200816 GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008.; Wacquant, 200149 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.). Mudanças significativas observadas a partir dos anos 1980 em países do norte global foram frequentemente lidas como parte do processo mais amplo conhecido como “virada punitiva” (punitive turn), a qual, no caso da justiça juvenil, teria tido como efeito a descaracterização de seus atributos típicos (Feld, 199713 FELD, Barry C. Abolish the juvenile court: youthfulness, criminal responsibility, and sentencing policy. Journal of Criminal Law and Criminology. v. 88, n. 1, 1997.; Bailleau, 20022 BAILLEAU, Francis. La justice pénale de mineurs en France ou l’émergence d’un nouveau modèle de gestión des illégalismes. Déviance et Société, v. 26, n. 3, 2002, p. 403-421.; Piñero, 200638 PIÑERO, Verónica B. The semantics of repression: linking, opposing, and linking again rehabilitation and protection of society. Revue Générale de Droit, v. 36, p. 189-263, 2006.; Muncie, 200833 MUNCIE, John. The “punitive” turn in juvenile justice: cultures of control and rights compliance in western Europe and the USA. Youth Justice, v. 8, n. 2, p 107-121, 2008.; Sallé, 201841 SALLÉE, Nicolas. Rehabilitation within a punitive framework: responsibilization and disciplinary utopia in the French juvenile justice system. Youth justice, v. 17, n. 3, p. 250-267, 2017.). Nos diagnósticos desses autores, o modelo original da justiça especializada, criado na virada do século XIX para o XX, teria começado a perder suas características próprias e a se aproximar do modo de funcionamento da justiça criminal – em particular, de suas tendências punitivas e gerencialistas recentes.
Ainda no debate internacional, mais recentemente, pesquisadores têm sinalizado uma reversão desse processo de incremento do caráter punitivo da justiça juvenil, em especial, pela redução identificada do número de adolescentes privados de liberdade e pelo fortalecimento das medidas “comunitárias” (Bateman, 20124 BATEMAN, Tim. Who pulled the plug? Towards an explanation of the fall in child imprisonment in England and Wales. Youth Justice, v. 12, 1, p. 36-52, 2012.; Cate, 20166 CATE, Sarah. Devolution, not decarceration: the limits of juvenile justice reform in Texas. Punishment & Society, v. 18, n. 5, p. 578-609, 2016.; Goshe, 201523 GOSHE, Sonya. Moving beyond the punitive legacy: taking stock of persistent problems in juvenile justice. Youth Justice, v. 15, n. 1, p. 42-56, 2015.; Cunneen et al., 201811 CUNNEEN, Chris; GOLDSON, Barry; RUSSELL, Sophie. Human rights and youth justice reform in England and Wales: a systemic analysis. Criminology & Criminal Justice, v. 18, n. 4, p. 405-430, 2018. https://doi.org/10.1177/1748895817721957
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). Nesse contexto, as análises passam a direcionar a atenção para os efeitos da expansão da rede associada ao sistema de justiça e das novas formas de controle social dos jovens acusados da prática infracional.
No caso brasileiro, as pesquisas que, na Sociologia, buscam produzir diagnósticos sobre o modo de funcionamento do sistema de justiça juvenil têm refletido sobre as alterações produzidas no sistema com a aprovação do ECA em 1990 (Cornelius, 201710 CORNELIUS, Eduardo G. O pior dos dois mundos? A construção legítima da punição de adolescentes no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: IBCCRIM, 2018.; Oliveira, 201635 OLIVEIRA, Thiago R. Mecanismos sociais de decisões judiciais: um desenho misto explicativo sobre a aplicação da medida socioeducativa de internação. 2016. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.; Vinuto, 201448 VINUTO, Juliana. Entre o “Recuperável” e o “Estruturado”: classificações dos funcionários de medida socioeducativa de internação acerca do adolescente em conflito com a lei. (Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; 201947 VINUTO, Juliana. O outro lado da moeda: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. 2019. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.; Paula, 201137 PAULA, Liana de. Liberdade assistida: punição e cidadania na cidade de São Paulo. 2011. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.; Gisi, 201320 GISI, Bruna. Socialização e regras de conduta para adolescentes internados. Tempo Social, v. 25, n. 1, p. 149-167, 2013. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100008
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; 201419 GISI, Bruna. O verdadeiro arrependimento como processo: o lugar da infração na execução da medida socioeducativa de internação. Confluências, v. 16, p. 220-243, 2014. https://doi.org/10.22409/conflu16i3.p381
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; Chies-Santos, 20187 CHIES-SANTOS, Mariana. Resistentes, conformados e oscilantes: um estudo acerca das resistências produzidas pelos adolescentes privados de liberdade no Brasil e na França. 2018. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.). A aprovação da legislação institui pela primeira vez no país um sistema inteiramente especializado para adolescentes autores de atos infracionais, separado das medidas assistenciais. Esses trabalhos demonstram, no entanto, a complexidade da configuração atual do sistema de justiça juvenil brasileiro e não permitem estabelecer de maneira simples qual o traço dominante do funcionamento desse sistema.
Nesse sentido, o dossiê O adolescente visto como problema: disputas narrativas, produção legislativa e punição, publicado nesta edição da revista Sociologias, busca contribuir para o aprofundamento desse debate com análises sobre as disputas contemporâneas acerca da responsabilização de adolescentes autores de ato infracional no Brasil, em diálogo com outros contextos nacionais. O objetivo foi aprofundar as reflexões sociológicas sobre o tema, ao buscar identificar possíveis convergências entre os discursos e os processos que conformam as práticas punitivas nas sociedades contemporâneas. Como detalharemos a seguir, os artigos tratam das produções discursivas e dos embates de perspectivas envolvidos nas produções legislativas a respeito do tema e seus efeitos no âmbito da punição e do controle social de adolescentes no Brasil, no Uruguai, no México e na França.
Arturo Alvarado, em artigo intitulado El adolescente procesado en el sistema de justicia de México: ¿delincuente amateur?, analisa dados sobre o perfil socioeconômico dos adolescentes infratores no México e mostra como um único “tipo” de adolescente acaba sendo alvo das políticas penais no país. Em diálogo crítico com a literatura sobre a delinquência juvenil e as dimensões utilizadas para explicar o comportamento delitivo (subcultura e construção psicossocial), o autor faz uma reflexão sobre a criminalidade juvenil e mostra que se trata do efeito da interação entre a estrutura de oportunidades na qual se inserem os jovens, a construção pública e midiática do sujeito “propenso a cometer crimes” e as estratégias de controle policial e judicial.
A partir da análise das sensibilidades que nortearam as políticas criminais no Uruguai com a ascensão dos governos de esquerda, Gabriel Tenenbaum Ewig, no artigo La política criminal uruguaya en la era progresista (2005-2020): el caso de la justicia para adolescentes, trabalha com a relação tensa da “esquerda” com a segurança pública. Em seu trabalho, identifica que, apesar de os adolescentes uruguaios não serem os responsáveis pelo aumento dos crimes no país, eles foram alvos do que o autor chama de “giro punitivo progressista”, uma vez que a Frente Ampla, no início do governo, desenvolveu políticas criminais pautadas na coerção policial e no aumento de pena.
Ao olhar para o norte global em uma perspectiva comparada, Juliana Vinuto e Géraldine Bugnon analisam a situação de superlotação em instituições privativas de liberdade para adolescentes autores de atos infracionais nos contextos brasileiro e francês e discutem as formas diferenciadas de tratamento da questão nos dois países. No texto intitulado Superlotação no sistema socioeducativo: uma análise sociológica sobre normativas e disputas no Brasil e na França, as autoras analisam os embates em torno das diretrizes e das legislações que tratam da questão e evidenciam que a superlotação é o resultado político de disputas travadas entre diferentes atores do sistema de justiça, dos governos e da sociedade civil.
Voltando o olhar especificamente para o Brasil, Ana Claudia Cifali, por sua vez, recupera as disputas travadas na arena política para a definição da justiça juvenil no Brasil. Em seu texto As disputas em torno da definição do modelo de justiça juvenil do Estatuto da Criança e do Adolescente, a autora analisa as racionalidades dos atores que foram responsáveis pela definição de um novo modelo de justiça direcionado especificamente para adolescentes, no momento da assim chamada abertura democrática brasileira. A autora identifica que, muito embora o ECA seja visto como uma “revolução” – no plano normativo –, no seu texto ainda seria possível identificar ranços “menoristas”.
Por fim, Pedro Benetti, igualmente observando as disputas legislativas no Brasil, analisa os discursos dos atores envolvidos nas discussões da Proposta de Emenda Constitucional nº 171/1993, que propõe a redução da idade mínima de imputabilidade penal de 18 para 16 anos, aprovada em 2015 na Câmara dos Deputados. No texto Redução da maioridade penal: longa trajetória de um discurso sobre adolescentes, o autor identifica três argumentos empregados de forma recorrente nos discursos parlamentares: o discernimento, os efeitos da punição e a resposta às vítimas de violência praticadas por adolescentes. A partir das atas de plenário e de comissões especiais da Câmara dos Deputados, Benetti evidencia o papel do legislativo para a concretização de uma visão do adolescente enquanto um problema.
Punitivismo no sistema de justiça juvenil
De diferentes maneiras, os artigos do dossiê demonstram a complexidade envolvida na produção de diagnósticos sobre o funcionamento atual do sistema de justiça juvenil. Tanto no Brasil quanto nos demais países analisados, não é possível definir de maneira simples e imediata – e com sólida fundamentação empírica – qual a característica dominante dos sistemas de responsabilização de adolescentes. Discursos e práticas que podem ser caracterizadas como “punitivistas”, por colocarem a questão da penalização dos adolescentes como central no debate, reforçam características que parecem recolocar em funcionamento a justiça de menores, de um lado, e, de outro, iniciativas paralelas parecem se organizar a partir de novas lógicas de afirmação e de ampliação de direitos, opostas, nesse sentido, ao punitivismo.
Ao partir do debate internacional sobre as tendências contemporâneas da justiça juvenil, mencionado anteriormente, e em diálogo com os artigos do dossiê, apresentamos a seguir uma reflexão sobre o diagnóstico do avanço do punitivismo no âmbito do sistema de justiça juvenil brasileiro, a partir da análise das disputas de perspectivas travadas na arena política e do seu direcionamento para o judiciário.
Sem dúvida, mesmo no que diz respeito aos diagnósticos mais gerais que buscam caracterizar o “giro punitivo” global na justiça criminal e nas formas de controle social contemporâneas, abrem-se polêmicas acerca da clara definição do que viria a ser tal punitivismo nas políticas penais na atualidade (Matthews, 200528 MATTHEWS, Roger. The myth of punitiveness. Theoretical Criminology, v. 9, n. 2, p. 175-201, 2005.). Tendo em vista tal desafio, apresentamos aqui uma proposta inicial de sistematização dos possíveis indicadores de punitivismo, em cada um dos âmbitos que compõem o sistema de justiça juvenil. Consideramos que as disputas sobre as formas de tratamento de adolescentes autores de atos infracionais se recolocam em cada um desses âmbitos com seus discursos, agentes e instituições.
Tendo feito essa sistematização, partimos para a análise dos dados sobre as disputas travadas na arena política, particularmente das proposições legislativas que pretendem alterar a parte infracional do ECA. Buscamos demonstrar que, apesar desses projetos existirem desde a década de 1990, com uma intensificação nos anos recentes, eles não lograram êxito definitivo. Em seguida apresentamos o estudo de um caso em que essas disputas políticas foram direcionadas ao judiciário: a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.446 que foi julgada de forma definitiva pela suprema corte brasileira em 2019.
A partir da análise desses dados e informações, argumentaremos que práticas, discursivas e não discursivas, que podem ser caracterizadas como “punitivistas” – por recolocarem o destino dos adolescentes no âmbito das questões da ordem social e defenderem medidas penalizadoras de algum tipo para esse grupo da população – não necessariamente se institucionalizaram em dispositivos legais ou em políticas oficiais do sistema de justiça juvenil ao longo dos 30 anos de existência do ECA. Ao contrário, na arena política, a perspectiva de defesa do ECA tem ganhado as disputas, e os discursos punitivos, ainda que presentes e persistentes, parecem ter efeitos mais simbólicos do que práticos. Isso não significa que o sistema de justiça juvenil brasileiro esteja estruturado inteiramente pela lógica da garantia de direitos. Os dados existentes sobre os demais indicadores de punitivismo sinalizam que a lógica punitiva parece desfrutar de amplo espaço no funcionamento das instituições diretamente responsáveis pelo processamento dos adolescentes autores de atos infracionais.
Indicadores de punitivismo
A construção de diagnósticos precisos sobre o funcionamento atual ou as tendências do sistema de justiça juvenil demanda clareza a respeito do que podemos tomar como indicadores possíveis de “punitivismo” em cada um dos domínios que compõem o sistema. Como destaca Roger Matthews (2005)28 MATTHEWS, Roger. The myth of punitiveness. Theoretical Criminology, v. 9, n. 2, p. 175-201, 2005., a falta de precisão na definição do conceito e na identificação de evidências empíricas pode fazer com que se assuma como sinais de “punitivismo” o desenvolvimento de atributos que sempre existiram ou expressões de outras lógicas institucionais. A dificuldade é ainda maior no caso da justiça juvenil.
Os diagnósticos internacionais sobre os processos de transformação da justiça juvenil, iniciados nos anos 1980, com frequência sinalizam uma aproximação com relação à lógica da justiça criminal (Feld, 199713 FELD, Barry C. Abolish the juvenile court: youthfulness, criminal responsibility, and sentencing policy. Journal of Criminal Law and Criminology. v. 88, n. 1, 1997.; Trépanier, 199945 TRÉPANIER, Jean. Juvenile courts after 100 years: past and present orientations. European Journal on Criminal Policy and Research, n. 7, p. 303-327, 1999. https://doi.org/10.1023/A:1008780703191
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; Pires, 200639 PIRES, Álvaro A. P. de O. Responsabilizar ou punir? A justiça juvenil em perigo. In: SLAKMON, C.; MACHADO, Maíra R.; BOTTINI, Pierpaolo C. (Orgs.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça, 2006.; Piñero, 200638 PIÑERO, Verónica B. The semantics of repression: linking, opposing, and linking again rehabilitation and protection of society. Revue Générale de Droit, v. 36, p. 189-263, 2006.). Essa aproximação, no entanto, respondeu tanto à demanda por medidas mais repressivas de controle da criminalidade juvenil, com penas mais severas, quanto às críticas ao caráter paternalista e excessivamente discricionário da justiça especializada, que não garantia os direitos individuais desses sujeitos (Trépanier, 199945 TRÉPANIER, Jean. Juvenile courts after 100 years: past and present orientations. European Journal on Criminal Policy and Research, n. 7, p. 303-327, 1999. https://doi.org/10.1023/A:1008780703191
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; Muncie, 200534 MUNCIE, John. The globalization of crime control – the case of youth and juvenile justice: neoliberalism, policy convergence and international conventions. Theoretical Criminology, v. 9, n. 1, p. 35-64, 2005.; Feld, 199713 FELD, Barry C. Abolish the juvenile court: youthfulness, criminal responsibility, and sentencing policy. Journal of Criminal Law and Criminology. v. 88, n. 1, 1997.; Bailleau, 20022 BAILLEAU, Francis. La justice pénale de mineurs en France ou l’émergence d’un nouveau modèle de gestión des illégalismes. Déviance et Société, v. 26, n. 3, 2002, p. 403-421.). Assim, a centralidade atribuída, por exemplo, à gravidade da infração como critério para as decisões judiciais na justiça juvenil não pode ser tomada imediatamente como motivada pela demanda de recrudescimento punitivo, pois pode ser uma medida reivindicada para limitar o poder punitivo do Estado a partir de um critério mais “objetivo” de sentenciamento e que garantiria o devido processo legal.
De maneira semelhante, a privação de liberdade tem sentido muito particular no caso do sistema de justiça juvenil. No caso brasileiro, por exemplo, a institucionalização foi amplamente adotada, ao longo da maior parte da história da justiça especializada, como medida assistencial e protetiva. A visão do isolamento institucional como resposta adequada para todas as facetas do “problema do menor” permitiu a institucionalização de grandes contingentes de crianças e adolescentes pobres em situação de abandono e maus tratos (Alvarez, 19891 ALVAREZ, Marcos. A emergência do código de menores de 1927: uma análise do discurso jurídico e institucional da assistência e proteção aos menores. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.; Rizzini; Rizzini, 199640 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. “Menores” institucionalizados e meninos de rua: os grandes temas de pesquisas na década de 80. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez; UNICEF; FLACSO-BRASIL, 1996. p. 69-90.). Ainda que as críticas à institucionalização tenham surgido já na década de 1970 (Rizzini; Rizzini, 199640 RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. “Menores” institucionalizados e meninos de rua: os grandes temas de pesquisas na década de 80. In: FAUSTO, Ayrton; CERVINI, Rubem (Orgs.). O trabalho e a rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. São Paulo: Cortez; UNICEF; FLACSO-BRASIL, 1996. p. 69-90.), essa medida só passa a ser vista como privação do direito à liberdade com as normativas internacionais de direitos humanos. Ao avaliar o uso da medida de internação contemporaneamente, portanto, é preciso considerar essa ambiguidade. O uso frequente da internação pode ser tanto o resultado de motivações ditas punitivistas quanto de uma visão paternalista das intervenções estatais. Se, no caso da política penal para adultos, o hiperencarceramento é utilizado como uma das principais evidências das tendências punitivas, no caso do sistema de justiça juvenil a situação é mais complexa.
Essas tensões podem ser observadas nas disputas contemporâneas sobre o adequado tratamento aos/às adolescentes autores/as de atos infracionais no Brasil. O embate existente no interior do campo jurídico a respeito da possibilidade de afirmar a existência de um direito penal juvenil no ECA é particularmente interessante para pensar essa tensão (Gisi, 201618 GISI, Bruna. A racionalidade prática do isolamento institucional: um estudo da execução da medida de internação em São Paulo. 2016. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002789796
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).1
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Os argumentos dessa disputa recolocam em parte o embate observado no momento de formulação do ECA analisado por Ana Claudia Cifali no artigo deste dossiê.
Enquanto os adeptos de um direito penal juvenil defendem que o ECA deve ser aproximado do direito penal de modo a ampliar a lógica “garantista”; os opositores defendem que as medidas socioeducativas devem permanecer distantes da lógica penal e considerar as características individuais do adolescente para atender suas necessidades. De um lado, a medida socioeducativa é considerada uma sanção que implica em privação de direitos e é imposta coercitivamente pelo Estado em resposta a um ato infracional (Saraiva, 201342 SARAIVA, João B. da C. Política criminal e direito penal de adolescentes. Adolescência e Conflitualidade, n. 8, p. 1-16, 2013. https://doi.org/10.17921/2176-5626.n8p%25p
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; Zapata, 201050 ZAPATA, Fabiana B. Medida socioeducativa de internação: um estudo a respeito do tempo de privação de liberdade associado à repetição do ato infracional. 2010. Dissertação (Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei), UNIBAN, São Paulo, 2010.; Frasseto, 200615 FRASSETO, Flávio A. A execução da medida socioeducativa de internação: primeiras linhas de uma crítica garantista. In: ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Org.). Justiça adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.); de outro, a medida seria, diferente das penas, essencialmente pedagógica e deveria incidir positivamente na trajetória do adolescente (Digiácomo, 200612 DIGIÁCOMO, Murilo José. Garantias processuais do adolescente autor de ato infracional – o procedimento para a apuração de ato infracional à luz do direito da criança e do adolescente. In: ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Org.). Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.; Maior Neto, 200627 MAIOR NETO, Olympio de S. S. Garantias processuais penais do adolescente autor de ato infracional. In. ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.; Veronese, 200846 VERONESE, Josiane Rose P. Medidas sócio-educativas: sinônimo de pena? Âmbito Jurídico, XI, n. 57, 2008.).
Há, assim, uma grande complexidade envolvida na interpretação das lógicas que orientam o funcionamento do sistema de justiça juvenil. Com o objetivo de contribuir para a produção de diagnósticos mais precisos sobre esse sistema, buscamos sistematizar de que maneiras o punitivismo se pode traduzir em práticas discursivas e não discursivas nas diferentes instâncias e instituições que compõem esse sistema. Apresentamos abaixo um quadro com o resultado dessa sistematização, elaborado por nós para a presente reflexão.
Para definição dos indicadores, partimos da definição de punitividade como “os níveis de dor e sofrimento produzidos pelo sistema penal” (Sozzo, 201744 SOZZO, Máximo. Pós-neoliberalismo e penalidade na América do Sul: uma introdução. In: SOZZO, Máximo (org.). Pós-neoliberalismo e penalidade na América do Sul. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2017., p. 8). Conforme desenvolve Garland (1999, p. 60-61)17 GARLAND, David. Punishment and welfare: a history of penal strategies. Aldershot: Gower, 1985., a punitividade se refere tanto à severidade das penas quanto aos objetivos e justificativas das medidas penais. Os objetivos diretamente relacionados ao castigo e à vingança e as penas aflitivas expressariam a lógica punitiva.
Partindo dessa definição, o Quadro 1 detalha os tipos de práticas que indicariam um funcionamento punitivista em cada uma das instituições que compõem o sistema de justiça juvenil, pensando especificamente no caso brasileiro. Não estamos descrevendo o que realmente acontece, mas o tipo de funcionamento que poderia ser tomado como indicador da presença da lógica punitivista nas diferentes etapas do sistema.
Indicadores de punitivismo no sistema de justiça juvenil brasileiro2 2 De maneira semelhante à noção de sistema de justiça criminal, assumimos que o sistema de justiça juvenil compreende todas as medidas e ações estatais de apreensão, processamento e atendimento de adolescentes autores de atos infracionais. O sistema abrange, assim, não só a justiça juvenil, mas também o sistema socioeducativo e as polícias na sua atuação com adolescentes.
Antes de realizar a análise mais detalhada dos indicadores e das disputas políticas que podem ser observadas nas esferas do Legislativo e do Judiciário, cabe mencionar brevemente quais dados e informações possuímos hoje para avaliar os indicadores das demais instituições.
Evidências
No Brasil, possuímos poucos dados de qualidade sobre o funcionamento da justiça juvenil e do sistema socioeducativo (Gisi; Vinuto, 202022 GISI, Bruna; VINUTO, Juliana. Transparência e garantia de direitos no sistema socioeducativo: a produção de dados sobre medidas socioeducativas. Boletim IBCCRIM, v. 28, n. 337, 2020.). Não existem fontes públicas de informações que nos permitam traçar o fluxo do sistema (desde a apreensão pela polícia militar até a execução das medidas socioeducativas) e saber como as decisões têm sido tomadas no processamento de adolescentes autores de atos infracionais. As únicas bases de dados nacionais existentes sobre os sistemas socioeducativos são o levantamento SINASE – a última edição com dados de 2017 – e o Relatório da Pesquisa Nacional das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, pesquisa realizada em 2018 pelo Ministério do Desenvolvimento Social do Governo Federal. Além do levantamento nacional, em 2019, houve também a publicação de um estudo realizado pela Comissão da Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público.
Ainda que os dados sejam escassos, em análise recente desses dados secundários (Gisi; Chies-Santos, no prelo21 GISI, Bruna; CHIES-SANTOS, Mariana. Sistema contemporáneo de justicia juvenil en Brasil: entre la cultura “menorista” y la lógica punitiva. In: ALVARADO, Arturo; TENENBAUM, Gabriel (Orgs.). Los desafíos de la justicia para adolescentes en América Latina: avances y retrocesos en el enfoque de derechos humanos. Cidade do México: Colmex, no prelo.), pudemos identificar algumas características do funcionamento do sistema. No que diz respeito ao uso da privação de liberdade, uma primeira informação relevante é que, em 2017, do total de 143.316 adolescentes inseridos no sistema socioeducativo, 81,8% cumpriam medidas socioeducativas “em meio aberto”. Se observamos, no entanto, os dados sobre o crescimento no número de adolescentes em medidas em meio fechado, vemos que houve um crescimento quase contínuo até 2017. O número de adolescentes passou de 4.245, em 1996, para 26.109, em 2017, um crescimento de 515%. Não é possível saber se a curva de crescimento permaneceu a mesma nos últimos três anos. Dados sobre o estado de São Paulo, estado que concentrava 41,8% do total de adolescentes em medida socioeducativa do país em 2017, indicam uma tendência de queda a partir de 2015. Em 2014, o número de adolescentes chegou a 10.041 e depois começou a cair continuamente, chegando a 7.584 em 2019, uma redução de 24,5%. Em 2020, houve uma redução de 38% no número de adolescentes, mas esse cenário pode também ser resultado da Resolução nº 62, do Conselho Nacional de Justiça, que determinou a adoção de medidas para evitar a disseminação da COVID-19 nas unidades prisionais e socioeducativas. Dados de setembro de 2021, por sua vez, mostram um crescimento de 10%.
Somente os dados sobre a distribuição dos adolescentes nas medidas socioeducativas e sobre as taxas de crescimento no número de adolescentes internados não permitem definir qual o uso que tem sido feito da privação de liberdade no processamento dos adolescentes pelo judiciário. Os dados sobre os atos infracionais mais frequentes entre os adolescentes privados de liberdade, em 2017, mostram que a medida tem sido aplicada majoritariamente em resposta aos crimes de roubo (45,9%) e tráfico de drogas (21,9%). Crimes violentos, como homicídio e estupro, representam a minoria: 10,8% e 1,3%, respectivamente. No caso do Estado de São Paulo, dados de 2019 demonstram que tráfico de drogas foi o ato infracional que motivou a privação de liberdade em 49,5% dos casos.
No que diz respeito às condições internas às unidades de internação, o estudo do CNMP demonstra que 12 das 27 unidades federativas possuíam unidades superlotadas em 2018. A média nacional de lotação das unidades era de 112%, chegando à 209% em Pernambuco, 193% no Acre e 170% em Sergipe.3 3 Vale referir, contudo, que em recente julgamento efetuado pela Suprema Corte do Brasil, nos autos do Habeas Corpus Coletivo 143.988, houve o deferimento de pedido efetuado pela Defensoria Pública do Espírito Santo, no qual solicitava-se que o número de adolescentes não passasse de 100% nas unidades. O levantamento do CNMP traz também dados sobre o tempo médio de cumprimento da medida de internação. Na maior parte dos casos, os adolescentes permanecem internados por menos de um ano em média (50% dos estados), mas, em estados como Piauí, Alagoas, Acre e Amapá, a média ultrapassa os 30 meses. No relatório do CNMP, destaca-se o risco de que adolescentes estejam cumprindo a medida de internação por tempo superior ao das penas de prisão para adultos.
Informações sobre a dinâmica interna às instituições de internamento também podem ser recuperadas dos diversos estudos qualitativos produzidos sobre esses espaços institucionais. Ainda que não seja possível generalizar a situação descrita nesses estudos para o cenário nacional, a abordagem qualitativa permite não só acessar os detalhes das práticas que realizam a privação de liberdade, mas também o tipo de justificativa que sustenta essas práticas. Estudos realizados sobre unidades localizadas no estado de São Paulo (Gisi, 201320 GISI, Bruna. Socialização e regras de conduta para adolescentes internados. Tempo Social, v. 25, n. 1, p. 149-167, 2013. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100008
https://doi.org/10.1590/S0103-2070201300...
; 2016; Vinuto, 201448 VINUTO, Juliana. Entre o “Recuperável” e o “Estruturado”: classificações dos funcionários de medida socioeducativa de internação acerca do adolescente em conflito com a lei. (Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.; Moreira, 201132 MOREIRA, Fábio M. Cadeias dominadas: dinâmicas de uma instituição em trajetórias de jovens internos. 2011. Dissertação (Mestrado em Antropologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.), Rio de Janeiro (Vinuto, 201947 VINUTO, Juliana. O outro lado da moeda: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. 2019. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.) e Rio Grande do Sul (Schuch, 200543 SCHUCH, Patrice. Práticas de justiça: uma etnografia do “campo de atenção ao adolescente infrator” no Rio Grande do Sul, depois do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2005. Tese (Doutorado em Antropologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.; Chies-Santos, 2018; Barros, 20203 BARROS, Betina W. A coerência da crueldade: os significados da violência extrema para os envolvidos no tráfico de drogas no Rio Grande do Sul. 2020. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.), por exemplo, têm indicado o predomínio da lógica securitária e repressiva no modo de funcionamento das unidades. As características prisionais seriam evidentes tanto na arquitetura das unidades, quanto nas regras internas, nos procedimentos que orientam a rotina institucional e na dinâmica de avaliação dos adolescentes. Em pesquisa sobre os agentes socioeducativos do Rio de Janeiro, Juliana Vinuto demonstra que ainda que o discurso oficial das instituições privilegie o caráter socioeducativo da medida, os agentes responsáveis pela rotina diária da instituição enquadram seu trabalho na lógica prisional e, com isso, justificam o uso da violência. As denúncias de casos de tortura e maus tratos em unidades de internação indicam que esse enquadramento parece não ser exclusivo dos contextos investigados (MNPCT, 201729 MNPCT - MECANISMO NACIONAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA. Relatório Anual 2016-2017, Brasília, 2016.).
No que diz respeito ao trabalho das polícias civil e militar, também não existem estudos nacionais sistemáticos. Um indicador importante do controle repressivo e do uso da violência contra adolescentes são os dados sobre letalidade policial. De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019, 23,5% do total de 6.375 mortes decorrentes de intervenção policial são de jovens de 15 a 19 anos. A única faixa etária com porcentagem maior de vítimas é a de 20 a 24 anos (31,2%). De maneira semelhante, dados produzidos pelo Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, mostram que, no estado de São Paulo, do total de vítimas de morte decorrente de intervenção policial entre 2015 e 2020 (5.153), 24% eram pessoas com idade entre 0 e 19 anos. Para essa faixa etária, a letalidade policial representa 39,5% de todas as vítimas de mortes violentas.
Disputas políticas
Os dados e informações apresentados até agora indicam que não é possível associar de maneira simples e definitiva o modo de funcionamento contemporâneo do sistema de justiça juvenil brasileiro com a lógica dita punitivista. Embora existam inúmeras evidências de atributos punitivos na lógica de funcionamento prático das instituições de processamento dos adolescentes, as medidas em meio aberto são as mais aplicadas e o discurso oficial das instituições permanece privilegiando o tratamento socioeducativo. Nesta seção, apresentaremos alguns dados sobre as disputas políticas na esfera legislativa nesse sentido.
Ao realizar o levantamento de todas as proposições legislativas relativas a adolescentes autores de atos infracionais apresentadas no período entre 1990 e 2020,4 4 Esses dados foram coletados como parte do projeto “A construção da adolescência infracional nos discursos parlamentares”, realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência com apoio do Instituto Alana. identificamos grande frequência de propostas que podem ser consideradas punitivistas: do total de 338 proposições, 82 são de redução da maioridade penal e 97 são de aumento do tempo de internação.5 5 Os casos foram identificados mediante buscas nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O gráfico 1 apresenta a série histórica do número de propostas relacionadas aos adolescentes autores de atos infracionais. Há um crescimento significativo, ao longo do período, e esse crescimento não pode ser explicado exclusivamente pelas propostas punitivistas. O número de propostas de redução da maioridade penal permanece relativamente estável ao longo do período, mas as proposições de aumento do tempo de internação aparecem a partir dos anos 2000 e se tornam mais frequentes nos dois quinquênios subsequentes.
Série histórica: proposições legislativas – adolescentes autores de atos infracionais (1990-2019)
O quadro 2, por sua vez, apresenta uma tentativa de sistematização dos temas das proposições.
Como é possível observar, o outro tema mais frequente no conjunto das proposições é o aumento do tempo de internação, com 89 casos. Além desses dois, há uma grande diversidade de temas, dois quais uma parte importante poderia ser considerada “punitiva”: 227.
O que os dados mostram, assim, é que a questão de adolescentes autores de atos infracionais parece ter ganhado relevância no Congresso, ao longo dos últimos 30 anos, e que a grande maioria dessas propostas pode ser classificada, em princípio, como punitivista. É preciso destacar que as medidas que não foram classificadas por nós como “punitivas” não são necessariamente proposições contrárias à lógica punitivista, pois alguns casos não podem ser classificados a partir dessa divisão. As proposições punitivas crescem continuamente no período, passando de seis, no período entre 1990 e 1994, para 41, no período entre 2015 e 2019. Ainda que seja possível observar maior diversidade de tipos de propostas, a partir dos anos 2000, a centralidade do discurso punitivo nas disputas é evidente e pode ser tomada como expressão da resistência de parte dos atores políticos ao enquadramento normativo do ECA. No período recente, esses atores tiveram algumas vitórias, com a aprovação da PEC 171 de 1993 pela Câmara dos Deputados6 6 Esse caso é detalhadamente analisado no artigo de Pedro Benetti no presente dossiê. e com o parecer da Secretaria Nacional da Juventude favorável à aprovação da PEC nº 32 de 2019.7 7 A PEC propõe a redução da idade de imputabilidade penal para 14 anos em casos de crimes hediondos.
No entanto, no que diz respeito à força política dos discursos punitivos no direcionamento das políticas para adolescentes autores de atos infracionais, a posição que defende a perspectiva do Estatuto da Criança e do Adolescente tem conseguido barrar o avanço dessas proposições. Apesar dos avanços e da persistência das proposições punitivas, nenhuma delas chegou a ser aprovada de forma definitiva. A parte infracional do ECA não sofreu nenhuma alteração significativa ao longo de todo período de existência dessa legislação (Chies-Santos; Benetti, 20218 CHIES-SANTOS, Mariana; BENETTI, Pedro Rolo. Aumento do tempo de internação e redução da maioridade penal: a produção legislativa sobre adolescentes em situação de conflito com a lei. In: ANDREUCCI, Ana C. P. T.; JUNQUEIRA, Michelle A. (Orgs.). Estatuto da Criança e do Adolescente 30 anos depois: narrativas, ressignificados e projeções. Londrina: Thoth, 2021. p. 215-240. (v. 3).). A mudança legal mais relevante foi a aprovação da Lei Federal nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
Ainda que o SINASE tenha sido formulado em resposta a críticas feitas ao ECA, não é possível identificar essa legislação com a lógica abertamente punitiva. As críticas ao ECA se direcionavam ao caráter excessivamente vago dos dispositivos relativos à execução das medidas socioeducativas (Frasseto, 200615 FRASSETO, Flávio A. A execução da medida socioeducativa de internação: primeiras linhas de uma crítica garantista. In: ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Org.). Justiça adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.; Konzen, 200626 KONZEN, Afonso A. Reflexões sobre a medida e sua execução (ou sobre o nascimento de um modelo de convivência do jurídico e do pedagógico na socioeducação). In: ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (Org.). Justiça adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.). Se, por um lado, o SINASE estabelece a “responsabilização do adolescente” e a “desaprovação da conduta infracional” como objetivos da medida, por outro, afirma como princípios da execução a “mínima intervenção”, a “excepcionalidade da intervenção judicial” e a “brevidade da medida”.
Do Legislativo ao Judiciário
Conforme se viu acima, existem diversas demandas por alterações legislativas, mas o ECA continua – ao menos na parte infracional – basicamente inalterado. Assim, para refletirmos sobre os possíveis indicadores de punitivismo no sistema de justiça juvenil brasileiro, abordaremos agora um caso específico julgado pela suprema corte brasileira, no qual os ministros e as ministras se pronunciaram sobre os direitos da criança e do adolescente. Trata-se do caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.446, apresentada pelo Partido Social Liberal (PSL), em 2005, e julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019.8 8 STF- Supremo Tribunal Federal. Inteiro teor do acórdão. Ação direta de inconstitucionalidade nº 3.446. Requerente: Partido Social Liberal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Plenário do STF, 8 ago. 2019. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753361118.
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3446
No Brasil, as leis e atos normativos criados tanto pelo poder executivo (municipal, estadual e federal), como pelo legislativo (municipal, estadual e federal) precisam estar sempre em acordo com a Constituição. Para garantir que isso aconteça, existem diversos mecanismos de controle, entre os quais, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
É na Constituição Federal de 1988 (CF) que teremos dispostas as organizações e as competências de todos os poderes da República. No caso do Supremo Tribunal Federal, que nos interessa tratar aqui, os artigos 101 e 102 da Constituição estabelecem como este se organizará e que casos poderá julgar. O art. 102 explicita que compete ao STF processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.
De acordo com Mendes e Branco (2021, p. 1103)30 MENDES, Gilmar F.; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2021., a Constituição de 1988 ampliou os tipos de atores que podem propor ADIs. Se, anteriormente, o poder de propor essa ação era somente do Procurador-Geral da República, desde 1988, o rol de entidades/instituições que podem propor tais ações aumentou muito. Além disso, Mendes e Branco expõem que a CF ampliou de forma importante a competência originária do STF, “especialmente no que concerne ao controle de constitucionalidade de leis e atos normativos e ao controle da omissão constitucional” (p. 2169).
Uma vez proposta a ADI pelos atores que têm competência para tanto, ela é enviada ao STF e é analisada por um de seus ministros, que será o relator. O primeiro passo é buscar informações sobre o tema e ouvir as opiniões do Advogado-Geral da União (AGU) e do Procurador-Geral da República (PGR) (art. 102, §3º da Constituição) que deverão se manifestar por escrito nos autos da ação. A análise dá origem a um relatório, que é enviado aos outros ministros. Passa-se, então, à votação, desde que haja pelo menos oito membros da corte presentes. A opção mais votada (declarar ou não a inconstitucionalidade da lei ou norma) torna-se a decisão final, não passível de recurso.
Analisaremos, agora, a ADI nº 3.446. De acordo com os autores da ação, seis dispositivos da legislação seriam inconstitucionais, de modo que buscaram o STF para declarar a inconstitucionalidade desses dispositivos.
Ressalta-se, antes de mais nada, que a ação foi proposta em 2005 e somente em 2019 ela foi conclusa para julgamento pelo plenário da corte. De modo a melhorar a compreensão, apresentamos, no quadro 3, os artigos questionados do ECA e as justificativas apresentadas pelos autores da ação.
Como é possível observar, a ação demanda: (i) que as crianças em situação de rua possam ser privadas de liberdade mesmo sem ter cometido atos infracionais; (ii) que os atos infracionais cometidos por crianças sejam julgados pelo judiciário e tenham consequências jurídicas; (iii) que os adolescentes possam receber medida de internação mesmo quando se tratar da primeira infração e que esta infração não tenha sido cometida com uso de violência e/ou grave ameaça à pessoa; e (iv) que os adolescentes possam ser apreendidos para averiguação, mesmo sem estado de flagrância.
Com exceção do caso das crianças em situação de rua, em que as justificativas passam pela necessidade de proteção e assistência, nos demais casos, os autores mobilizam argumentos favoráveis a ampliar o caráter retributivo e punitivo das medidas socioeducativas. Com relação à punição de crianças, mencionam a gravidade dos crimes e a necessidade de proteção das vítimas: “Embora seja doloroso afirmar, uma criança, pessoa menor de 12 anos, também se envolve em crimes graves. Onde a proteção, onde a garantia constitucional, que alcance autor e vítima?” (ADI n. 3446, p. 16). O mesmo tipo de argumento é mobilizado para justificar a necessidade de permitir que a privação de liberdade seja aplicada em casos de infrações não cometidas com violência:
“(...) ‘a realidade vivida cotidianamente pelos operadores do Direito (...) registra casos concretos de violência e vandalismo de toda espécie, praticados por infratores cada vez mais jovens, relacionados, principalmente, ao tráfico de drogas, que aterrorizam a população ordeira, por isso mesmo não podendo ficar impunes’”
(p. 18)
No caso dos artigos que tratam das crianças e adolescentes em situação de rua, os autores questionam os limites do direito à liberdade das crianças e dos adolescentes, reafirmam a incapacidade desses sujeitos e a possibilidade, e até a necessidade, da privação de liberdade para sua proteção. Citando o desembargador Alyrio Cavallieri, a ADI afirma que “não existem direitos absolutos. As limitações protetivas se impõem como obediência à própria Constituição, como expressão de respeito à personalidade em formação das crianças e do adolescente.” (p. 9-10).
Os argumentos presentes na ADI questionam o direito à liberdade de crianças e de adolescentes a partir de duas chaves: (i) incapacidade e consequente necessidade de proteção e tutela e (ii) necessidade de proteger a sociedade e as vítimas dos crimes cometidos por eles.
A ADI 3.446 foi pautada pelo presidente da corte, Ministro Dias Toffoli, para julgamento pelo plenário do STF no dia 07 de agosto de 2019. No dia seguinte, os ministros da suprema corte se pronunciaram a respeito do caso: por unanimidade – ausentes a Ministra Carmem Lúcia e o Ministro Marco Aurélio Melo – rejeitaram a ação.
O que vemos no processo de julgamento da ADI é que, mais uma vez, a perspectiva do ECA prevaleceu. A rejeição pelos ministros foi antecedida e sustentada pelos pareceres do Procurador-Geral da República e da Advocacia-Geral da União.9 9 O parecer do Advogado Geral da União, à época, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, foi incluído nos autos em 26 de abril de 2005. Já o parecer do Procurador-Geral da República (PGR), Claudio Fonteles, foi incluído em 05 de maio de 2005. Durante o período em que a ação ficou parada no STF, diversas entidades se habilitaram nos autos como “amigos da corte” e demandavam, em resumo, que o STF declarasse todos os artigos impugnados como constitucionais e, por fim, que rejeitasse a ação.
Os argumentos mobilizados pelos ministros do STF em seus votos são semelhantes aos presentes nos pareceres da AGU e da PGR, ambos rejeitando integralmente a ação. Todos reafirmam a constitucionalidade dos artigos do ECA e seus princípios como adequados para o tratamento de crianças e adolescentes autores de atos infracionais. Seguem os principais argumentos mobilizados:
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Privação de liberdade. O direito à liberdade é referido como cláusula pétrea e defende-se a excepcionalidade da privação de liberdade por seu caráter nocivo para as crianças e para os adolescentes. Os votos dos ministros mencionam pesquisas que demonstram que a institucionalização prejudica o desenvolvimento saudável e que mostram as péssimas condições das instituições de privação de liberdade. Em nenhum dos votos ou pareceres há a defesa da privação de liberdade. O parecer da PGR menciona a internação como medida a ser adotada excepcionalmente “em beneficio da segurança da sociedade”.
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Prisão para averiguação. A possibilidade de prisão para averiguação é associada pelos ministros à política higienista, à “higienização social” e às práticas vigentes sob o Código de Menores de 1979; medida que permitiria detenções arbitrárias e todas as formas de violência, como a chacina da candelária.
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Normativas internacionais. Nos votos dos ministros, é usual que a defesa do ECA seja fundamentada vis-à-vis às normativas internacionais de direitos humanos, tais como a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), as Regras de Beijing (1985)10 10 Regras mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça, da infância e da juventude. e as Regras de Havana (1990)11 11 Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade. .
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Atos infracionais cometidos por crianças. Defende-se que os atos infracionais sejam tratados somente com medidas protetivas, por sua condição de pessoas em desenvolvimento que precisam ser protegidas e educadas. O Ministro Edson Fachin menciona que o Conselho Tutelar é órgão adequado para lidar com os atos infracionais de crianças, pois permite que a questão seja tratada como da comunidade.
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Educação como solução. A educação é apresentada em alguns dos votos como a solução para o problema do abandono e dos atos infracionais: “Nós precisamos investir em educação básica. Esta é a fórmula da verdadeira revolução brasileira. E, para enfrentar de maneira estrutural e profunda a questão das crianças e dos menores abandonados e da delinquência infanto-juvenil, esta é a solução: escola em tempo integral desde a primeira idade, sobretudo para as crianças que não terão condições de receber esses valores e fatores relevantes em casa” (Roberto Barroso, p. 3).
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Inefetividade do ECA. Todos reconhecem que o sistema de proteção não foi efetivado como deveria. Os ministros citam estudos sobre a situação de pobreza, desigualdade de renda e falta de educação de qualidade que atinge parcela da população.
Analisando-se os argumentos, fica claro que a perspectiva do ECA sobre a privação de liberdade é o ponto central da disputa. Os dois lados da disputa afirmam crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento que precisam ser protegidos e educados para adequada formação de sua “personalidade” ou de seus “valores”. Todos reconhecem que uma parcela delas está submetida à violação de direitos fundamentais e péssimas condições de vida. A divergência parece estar no papel da privação de liberdade como medida para lidar com a situação. Os atores contrários ao ECA defendem a privação de liberdade como medida adequada tanto de proteção quanto de punição. Já para os ministros, a solução para a situação de rua e para a prática infracional são as políticas públicas e a educação, ainda que seja, como quer o Ministro Roberto Barroso, uma escola em tempo integral desde a primeira infância.
Discussão e considerações finais
O objetivo desta reflexão foi contribuir para a discussão sobre o diagnóstico de avanço do assim chamado punitivismo no sistema de justiça juvenil brasileiro. Buscamos aprofundar essa reflexão a partir de duas estratégias: (i) a sistematização de indicadores possíveis de punitivismo no sistema de justiça juvenil e de dados e informações relativos a esses indicadores; e (ii) a análise das disputas políticas nas esferas do legislativo e do judiciário em torno do ECA. O que a análise indicou é que a perspectiva de defesa do ECA tem prevalecido nos embates políticos, barrando, até o momento, as proposições punitivas, tanto no Congresso quanto no STF.
A partir dessa análise, não seria possível afirmar, assim, que o sistema de justiça juvenil no Brasil esteja, necessariamente, tornando-se mais punitivista. Do ponto de vista legal, oficial e institucional, a perspectiva do ECA tem prevalecido. Ainda que os discursos punitivistas se façam ouvir pela/na assim chamada opinião pública e estejam muito presentes nas disputas políticas, eles parecem ter sentido mais simbólico do que prático. Ao longo dos 30 anos de existência do ECA, os movimentos que buscavam institucionalizar a visão punitiva sobre a resposta aos atos infracionais cometidos por adolescentes não tiveram êxito. Diferente da situação de países do norte global, a exemplo da França (Loi Perben I e II14 FRANÇA. Loi n° 2004-204 du 9 mars 2004 portant adaptation de la justice aux évolutions de la criminalité (1), Ministère de la Justice, 2004.) e da Inglaterra (The Crime and Disorder Act, 198825 INGLATERRA. The Crime and Disorder Act 1998. UK Public General Acts, c. 37, 1998. Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1998/37/contents.
https://www.legislation.gov.uk/ukpga/199...
).
A proposta de sistematização dos indicadores de punitivismo envolve considerar, no entanto, como as disputas sobre o tratamento dos adolescentes autores de atos infracionais se configuram nas diferentes instituições que participam do sistema de justiça juvenil. Se é possível defender que a perspectiva do ECA tem prevalecido nas disputas na esfera política e seja, inclusive, a perspectiva oficial das políticas de atendimento socioeducativo e das organizações que executam as medidas socioeducativas, não se pode afirmar que o sistema seja estruturado exclusivamente a partir de práticas que privilegiam a garantia de direitos. A lógica punitiva não está apenas simbolicamente presente na esfera política, mas temos indicativos de que esta lógica se manifesta em práticas das instituições diretamente responsáveis pelo tratamento dos adolescentes. Os dados sobre letalidade policial contra adolescentes, a lógica securitária e prisional e a situação de violência vivenciada pelos adolescentes nas unidades de internação demonstram que o punitivismo é uma das lógicas que estruturam o funcionamento desse sistema.
Assim, para além da construção de diagnósticos mais precisos sobre o cenário da justiça juvenil brasileira, a reflexão sinaliza para a importância de se investir em pesquisas que nos permitam compreender quais são os mecanismos que tornam possível essa combinação de discursos contraditórios na base e no topo do sistema. Não se trata de simplesmente recolocar aqui o raciocínio jurídico e normativo que denuncia o não cumprimento adequado da lei pelas práticas, mas de mobilizar ferramentas analíticas que nos permitam compreender esses mecanismos que combinam discursos não punitivos no topo das instituições e discursos punitivos no cotidiano das varas judiciais, das instituições de internação e do trabalho da polícia nas ruas.
É preciso igualmente buscar compreender como outras lógicas participam da conformação das práticas direcionadas aos autores de atos infracionais. Dados sobre a distribuição dos adolescentes nas medidas em meio aberto e fechado demonstram que a medida de internação não é aplicada somente como último recurso para infrações graves, mas parece estar sendo adotada como estratégia de controle de crimes não violentos, como o tráfico de drogas. No entanto, a grande maioria dos adolescentes está cumprindo medidas em meio aberto, sinalizando a importância de se refletir sobre as formas não punitivas de controle social que também ampliam o raio de atuação do sistema de justiça juvenil.
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1
Os argumentos dessa disputa recolocam em parte o embate observado no momento de formulação do ECA analisado por Ana Claudia Cifali no artigo deste dossiê.
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2
De maneira semelhante à noção de sistema de justiça criminal, assumimos que o sistema de justiça juvenil compreende todas as medidas e ações estatais de apreensão, processamento e atendimento de adolescentes autores de atos infracionais. O sistema abrange, assim, não só a justiça juvenil, mas também o sistema socioeducativo e as polícias na sua atuação com adolescentes.
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3
Vale referir, contudo, que em recente julgamento efetuado pela Suprema Corte do Brasil, nos autos do Habeas Corpus Coletivo 143.988, houve o deferimento de pedido efetuado pela Defensoria Pública do Espírito Santo, no qual solicitava-se que o número de adolescentes não passasse de 100% nas unidades.
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4
Esses dados foram coletados como parte do projeto “A construção da adolescência infracional nos discursos parlamentares”, realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência com apoio do Instituto Alana.
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5
Os casos foram identificados mediante buscas nos sites da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
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6
Esse caso é detalhadamente analisado no artigo de Pedro Benetti no presente dossiê.
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7
A PEC propõe a redução da idade de imputabilidade penal para 14 anos em casos de crimes hediondos.
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8
STF- Supremo Tribunal Federal. Inteiro teor do acórdão. Ação direta de inconstitucionalidade nº 3.446. Requerente: Partido Social Liberal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Plenário do STF, 8 ago. 2019. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753361118.
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9
O parecer do Advogado Geral da União, à época, Alvaro Augusto Ribeiro Costa, foi incluído nos autos em 26 de abril de 2005. Já o parecer do Procurador-Geral da República (PGR), Claudio Fonteles, foi incluído em 05 de maio de 2005.
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10
Regras mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça, da infância e da juventude.
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11
Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade.
Referências
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Jan 2022 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2021
Histórico
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Recebido
09 Nov 2021 -
Aceito
30 Nov 2021