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Inquérito policial como tática de vigilância: novas tecnologias e a criminalização dos protestos de 2013

Police inquiry as a surveillance tactic: new technologies and the criminalization of the 2013 protests

Resumo

O artigo busca analisar os usos de novas tecnologias da comunicação e da informação (TICs) em inquéritos contra ativistas a partir de pesquisa sobre a criminalização de manifestantes no ciclo de protestos de 2013 em Porto Alegre. Por meio da análise de conteúdo do inquérito contra integrantes do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, complementada por entrevistas com policiais civis, a pesquisa identifica que a narrativa policial se fundamenta em uma lógica inquisitorial, que classifica os indiciados como “lideranças” predispostas ao cometimento de delitos e vinculadas à simbologia anarquista. Do conjunto de táticas adotadas pelas forças policiais no inquérito (infiltração em eventos de protesto; estigmatização de manifestantes; coleta de depoimentos; uso de imagens; buscas e apreensões; monitoramento das redes), as TICs são operacionalizadas centralmente nas três últimas para reforçar a narrativa construída pelas fontes de informação tradicionais, tendo como principais efeitos a amplificação da visibilidade sobre os manifestantes e a busca por legitimação policial. O inquérito é centralmente mobilizado para coleta massiva de informações sobre os ativistas, constituindo-se como tática de vigilância.

Palavras-chave
criminalização; protestos; movimentos sociais; tecnologias da comunicação e da informação; vigilância

Abstract

The article seeks to analyzes the uses of new communication and information technologies (ICTs) in police inquiries against activists based on research on the criminalization of protesters in the 2013 protest cycle in Porto Alegre. Through the content analysis of the inquiry against members of the Bloco de Lutas pelo Transporte Público, complemented by interviews with civil police officers, the research identifies that the police narrative is based on an inquisitorial logic, which classifies those indicted as “leaders” who are predisposed to the commitment of crimes and linked to anarchist symbology. From the set of tactics adopted by the police forces in the investigation (infiltration in protest events; stigmatization of protesters; testimonial collection; use of images; searches and seizures; network monitoring), the ICTs are centrally operationalized in the last three to reinforce the narrative constructed by traditional information sources, resulting, as main effects, in the amplification of visibility on the protesters and on the search for police legitimacy. The inquiry is mainly mobilized for massive collection of information about activists, constituting a surveillance tactic.

Keywords
criminalization; protests; social movements; information and communication technologies; surveillance

Introdução1 1 Agradeço às pareceristas da revista Sociologias pelos comentários ao texto. O artigo baseia-se na pesquisa realizada para a elaboração da tese “Entre ruas, câmeras e redes: as transformações das táticas policiais de controle à ação coletiva contestatória em Porto Alegre (2013-2014)”, de Eduardo Georjão Fernandes, defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2020. A tese recebeu a menção honrosa para teses em ciências sociais no Concurso Brasileiro ANPOCS de Obras Científicas e Teses Universitárias em Ciências Sociais – Edição 2021.

O objetivo deste artigo é analisar os usos de novas tecnologias da comunicação e da informação (TICs) em inquéritos contra ativistas a partir de pesquisa sobre a criminalização de manifestantes no ciclo de protestos de 2013 em Porto Alegre. Os protestos que se estenderam durante o ano de 2013 na cidade iniciaram-se como passeatas com centenas de pessoas em torno da questão do transporte urbano, com pico em junho, quando dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se sobre uma grande heterogeneidade de pautas. Um ator central durante o ciclo foi o Bloco de Lutas pelo Transporte Público, um coletivo formado por artistas, estudantes e pela juventude de partidos progressistas (Muhale, 201432 MUHALE, Miguel Joaquim J. Lutar, criar poder popular: uma perspectiva etnográfica do Bloco de Lutas pelo Transporte Público em Porto Alegre/RS. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.).

Durante os eventos, alguns manifestantes adotaram ações diretas radicalizadas - como depredações, pichações e saques – e identificadas com as táticas black bloc, ao passo que as forças policiais nas ruas recorrentemente atuaram por meio da repressão física, realizando detenções generalizadas e mobilizando armamentos menos letais (Artigo 19, 20146 ARTIGO 19. Relatório “Protestos no Brasil 2013”. Artigo 19, 23 jun. 2014. http://artigo19.org/blog/2014/06/23/relatorio-protestos-no-brasil-2013/
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; Fernandes; Câmara, 201820 FERNANDES, Eduardo G.; CÂMARA, Gabriel G. Policiamento a eventos de protesto no Brasil: repertórios e modelos policiais no ciclo de protestos de Junho de 2013 na cidade de Porto Alegre. Política & Sociedade, v. 17, n. 39, p. 368-395, 2018.). Enquanto a Polícia Militar (PM) adotava o policiamento ostensivo, ao longo de 2013 desenvolveu-se uma batalha jurídica em torno da produção de inquéritos policiais pela Polícia Civil (PC) para apuração de atos ocorridos durante os protestos, situação denunciada por alguns manifestantes como “criminalização dos movimentos sociais”.

Um mapeamento do total de inquéritos contra manifestantes nos protestos de 2013 em Porto Alegre foi realizado pelo jornal Zero Hora. Segundo a reportagem “Raio X dos Inquéritos”, publicada em 9 de março de 2014, haviam sido abertos até aquele momento 71 inquéritos relativos aos protestos recentes, indiciando ao total 80 pessoas por fatos ocorridos em protestos entre março e setembro de 2013. O jornal analisou a situação de 72 dos 80 indiciados e concluiu que estes eram provenientes, em sua maioria, de bairros periféricos e pobres da cidade, com uma parcela significativa deles (30 indiciados) já possuindo antecedentes criminais. Os tipos penais mais recorrentes nos inquéritos foram a depredação (31 ocorrências) e a desobediência (14 ocorrências). O jornal apurou ainda que, dentre 72 indiciados, 34 haviam sido absolvidos ou haviam tido seus inquéritos arquivados, 26 haviam sido denunciados pelo Ministério Público (MP) e respondiam a processo, dez estavam com inquérito sob análise pelo MP e dois haviam sido condenados (Rollsing et al., 201436 ROLLSING, Carlos; WAGNER, Carlos; ROSA, Eduardo; TREZZI, Humberto; COSTA, José Luís. Raio X dos inquéritos: protestos resultaram em duas condenações. Zero Hora, 9 mar. 2014.).

Figura 1
Dados sobre inquéritos policiais contra manifestantes pelos protestos de 2013 em Porto Alegre

Do total de inquéritos, um deles destacou-se por concentrar indiciamentos contra sete pessoas, sendo seis integrantes do Bloco de Lutas. Esse procedimento de aglutinação de indiciamentos para apurar uma suposta organização criminosa responsável pela prática de “vandalismo”, também utilizado em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, ficou conhecido como “inquérito black bloc” (Almeida, 20202 ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. “Vândalos”, “trabalhadores” e “cidadãos”: sujeição criminal e legitimidade política na criminalização dos protestos de junho de 2013. Dados, v. 36, n. 4, p. 1-35, 2020. https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.218
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).

Desde junho de 2013, tem se amplificado a literatura nacional que busca analisar tanto o policiamento ostensivo a protestos nas ruas pelas PMs (Fernandes; Câmara, 201820 FERNANDES, Eduardo G.; CÂMARA, Gabriel G. Policiamento a eventos de protesto no Brasil: repertórios e modelos policiais no ciclo de protestos de Junho de 2013 na cidade de Porto Alegre. Política & Sociedade, v. 17, n. 39, p. 368-395, 2018.) quanto a atuação das PCs como polícia judiciária na produção de inquéritos contra ativistas (Almeida, 20202 ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. “Vândalos”, “trabalhadores” e “cidadãos”: sujeição criminal e legitimidade política na criminalização dos protestos de junho de 2013. Dados, v. 36, n. 4, p. 1-35, 2020. https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.218
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; Amaral et al., 20173 AMARAL, Augusto J.; FIEDLER, Cássia Z.; PILAU, Lucas S. B.; MEDINA, Roberta S. As forças policiais nas “Jornadas de Junho” de 2013: um estudo sobre a criminalização das manifestações em Porto Algre/RS. InSURgÊncia: revista de direitos e movimentos sociais, v. 3, n.2, 2017. https://doi.org/10.26512/insurgncia.v3i2.19724
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). Busco contribuir com essa literatura ao argumentar que um elemento central que emerge na conflitualidade de 2013 é a utilização de TICs pelas forças policiais para controle dos protestos, dos movimentos sociais e do ativismo. Enquanto o uso de TICs tem sido amplamente abordado pela literatura dos movimentos sociais para identificação e explicação das mudanças que as tecnologias - principalmente as redes sociais - causam sobre a ação dos movimentos sociais (Ruskowski et al., 202037 RUSKOWSKI, Bianca O.; SILVA, Camila F.; FERNANDES, Eduardo G.; SILVA, Marcelo K.; PEREIRA, Matheus M. Tecnologias de informação e comunicação, ativismo e movimentos sociais: uma revisão crítica da literatura brasileira (2010-2017) na perspectiva do campo de estudos de movimentos sociais. Compolítica, v. 10, n. 2, p. 43-84, 2020. https://doi.org/10.21878/compolitica.2020.10.2.377
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), o “outro lado”, relativo ao uso das TICs pelas forças da ordem, pode ser mais explorado.

Para analisar os usos das TICs em inquéritos contra ativistas, subdivido o artigo nas seguintes seções: na primeira seção, sintetizo o enquadramento teórico da pesquisa; na segunda seção, descrevo a metodologia aplicada na pesquisa; na terceira seção, desenvolvo a análise empírica; nas considerações finais, explicito os principais resultados e contribuições do artigo.

Criminalização, protestos e tecnologias

A “criminalização dos movimentos sociais” é uma expressão que carrega um forte caráter normativo de denúncia à atuação repressiva das forças da ordem contra os movimentos sociais, sendo recorrentemente mobilizada por representantes de movimentos para criticar “perseguições políticas” das polícias sobre determinados grupos. Analiticamente, é necessário avançar para além dos usos empíricos dessa expressão. Almeida e Lopes (2019, p. 4)1ALMEIDA, Frederico N. R.; LOPES, Rodrigo C. Movimentos sociais, instituições judiciais e instituições políticas nas estratégias de resistência à repressão aos protestos de junho de 2013 em São Paulo. In: ENCONTRO ANUAL ANPOCS, 43., Caxambu, 2019. Anais [...]. São Paulo: ANPOCS, 2019. conceituam a criminalização como “um processo de sucessivas classificações de pessoas e cursos de ação, nas quais conteúdos jurídicos e morais são disputados por atores e instituições envolvidos nesse processo”.

Lacey e Zedner (2012)26 LACEY, Nicola; ZEDNER, Lucia. Legal construction of crime. In: MAGUIRE, M. et al. (ed.). The Oxford Handbook of Criminology. 5. ed. Oxford: Oxford University Press, 2012. pp. 159-181. entendem a criminalização como um fluxo, o qual se desenvolve em diferentes etapas e procedimentos, abrangendo desde o controle policial de protestos nas ruas até a condenação criminal. As autoras também fazem uma distinção entre a construção legal do crime – elementos legais que definem o que é um delito e as normas que ditam o andamento do processo criminal – e a construção social do crime e da criminalidade – práticas sociais e discursos que dão substância e concretude às prescrições legais –, demonstrando como se dá a articulação entre essas dimensões.

Misse (2010)31 MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal. Lua Nova, v. 79, p. 15-38, 2010. diferencia quatro etapas do processo de criminalização: a criminalização propriamente dita, ou seja, a tipificação legal de uma conduta como crime no ordenamento jurídico; a criminação, que se refere ao enquadramento de um fato da realidade como crime; a incriminação, que se refere à responsabilização de um indivíduo ou um conjunto de indivíduos pelo fato criminoso; a sujeição criminal, que significa a tendência à identificação de grupos sociais como mais propensos à realização de condutas criminosas.

Algumas pesquisas têm se centrado na análise da criminalização propriamente dita a partir da promulgação de leis que criam tipos penais potencialmente aplicáveis a ativistas – como a Lei Antiterrorismo (Freitas, 201721 FREITAS, Veronica Tavares de. Quem são os terroristas no Brasil? A Lei Antiterror e a produção política de um “inimigo público”. 2017. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.) – ou que restringem o direito ao protesto – proibição de uso de máscaras, exigência de autorização prévia para realização de protestos de rua etc. (Artigo 19, 20184 ARTIGO 19. 5 anos de junho de 2013. São Paulo: Artigo 19, 2018. https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2018/06/Infogr%c3%a1fico-5-anos-de-junho-de-2013.pdf
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). A análise empírica deste artigo, por outro lado, situa-se centralmente na mobilização das TICs pelas forças policiais nas últimas etapas apontadas por Misse (2010)31 MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal. Lua Nova, v. 79, p. 15-38, 2010. (criminação, incriminação e sujeição criminal).

Busca-se articular esse aparato conceitual à literatura de policiamento a protestos. Dado que parcela significativa dos estudos desse subcampo recai sobre a “repressão situacional” nas ruas (Koopmans, 199725 KOOPMANS, Ruud. Dynamics of repression and mobilization: the German extreme right in the 1990s. Mobilization, v. 2, n. 2, p. 149-164, 1997.; Earl, 200316 EARL, Jennifer. Tanks, tear gas, and taxes: toward a theory of movement repression. Sociological Theory, v. 21, n. 1, p. 44-68, 2003.), faz-se necessário avançar na ampliação do pequeno conjunto de pesquisas que relacionam o campo dos movimentos sociais ao campo do controle social e do sistema de justiça criminal (Barkan, 20069 BARKAN, Steven. Criminal prosecution and the legal control of protest. Mobilization, v. 11, n. 1, p. 181-195, 2006. https://doi.org/10.17813/maiq.11.2.a8671t532kww2722
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; Oliver, 200833 OLIVER, Pamela E. Repression and crime control: why social movement scholars should pay attention to mass incarceration as a form of repression. Mobilization, v. 13, n. 1, p. 1-24, 2008. http://dx.doi.org/10.17813/maiq.13.1.v264hx580h486641
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; Shriver et al., 201838 SHRIVER, Thomas E; BRAY, Laura A.; ADAMS, Alison E. Legal repression of protesters: the case of worker revolt in Czechoslovakia. Mobilization, v. 23, n. 3, p. 307-328, 2018.). Shriver e colegas (2018, p. 308)38 SHRIVER, Thomas E; BRAY, Laura A.; ADAMS, Alison E. Legal repression of protesters: the case of worker revolt in Czechoslovakia. Mobilization, v. 23, n. 3, p. 307-328, 2018. conceituam a “repressão legal” como “o uso da lei como ferramenta para o controle social” sobre manifestantes e eventos de protesto.

Para produzir a repressão legal, as forças policiais dispõem de um “repertório de ação” (Tilly, 200639 TILLY, Charles. Regimes and repertoires. Chicago: University of Chicago Press, 2006.; Fernandes, 202018 FERNANDES, Eduardo G. O repertório da ação policial: contribuições da literatura sobre policiamento a protestos para o estudo da repressão política no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, v. 8, n. 20, p. 102-127, 2020. https://doi.org/10.20336/rbs.742
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), ou seja, um conjunto de táticas que podem ser mobilizadas durante o processo de criminalização (coleta de depoimentos, infiltração em protestos, monitoramento de redes sociais etc.). As escolhas táticas tanto são impactadas pela “construção social da realidade” policial quanto produzem conhecimento policial (Della Porta; Reiter, 199815 DELLA PORTA, Donatella; REITER, Herbert. (ed.). Policing protest: the control of mass demonstrations in Western democracies. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998.) sobre a realidade.

Especificamente, este artigo busca compreender a incorporação das TICs às táticas policiais na produção do inquérito. Tecnologias são aqui entendidas como “todos os artifícios práticos modernos” compostos por “aparatos” - dispositivos físicos, como instrumentos, ferramentas etc. - e “técnicas” - habilidades, métodos, procedimentos e rotinas direcionados a cumprir os fins dos aparatos (Winner, 198043 WINNER, Langdon. Do artifacts have politics? Deadalus, v. 109, n. 1, p. 121-136, 1980., p. 123). As TICs aqui abordadas são centralmente aquelas ligadas aos avanços recentes na Internet e na telefonia móvel.

Figura 2
Modelo de análise

Dados e métodos

Para analisar os usos de novas tecnologias da comunicação e da informação (TICs) em inquéritos contra ativistas, adota-se como principal fonte o inquérito contra manifestantes do Bloco de Lutas por atos ocorridos em 2013 na cidade de Porto Alegre (“inquérito black bloc”). Foram estabelecidos três objetivos específicos: a) identificar quais as táticas policiais adotadas no inquérito; b) verificar como as TICs se incorporam às táticas policiais no inquérito; e c) explicar os efeitos da incorporação das TICs ao processo de criminalização.

O inquérito policial foi acessado por meio de contato com advogados que atuaram na assessoria jurídica a manifestantes indiciados. A categorização do conteúdo se deu em quatro blocos principais. O primeiro bloco referiu-se às informações gerais do inquérito (crimes imputados, dados dos indiciados etc.). O segundo bloco foi relativo ao enquadramento das autoridades policiais sobre os fatos, ou seja, à narrativa policial sobre como teriam ocorrido os crimes. O terceiro bloco de categorias buscou classificar as táticas policiais empregadas no curso das investigações, especificando-se quais dessas táticas utilizaram TICs. O quarto bloco de categorias buscou, a partir do conteúdo mapeado nos blocos anteriores, identificar os efeitos da incorporação das TICs ao inquérito, com foco sobre os impactos da mobilização das TICs para a construção de conhecimento policial sobre os investigados.

Complementarmente, foram realizadas entrevistas com quatro policiais civis que atuaram direta ou indiretamente em inquéritos contra ativistas no ciclo de protestos de 2013 em Porto Alegre. As entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado composto por quatro blocos de perguntas, abordando: a trajetória dos entrevistados; a estrutura institucional e seus aparatos tecnológicos; as táticas policiais para a produção de inquéritos contra ativistas; a conexão entre TICs, táticas policiais e criminalização dos ativistas. Tanto o inquérito quanto as entrevistas tiveram seu conteúdo analisado em categorias (Bardin, 20108 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2010.) com auxílio do software NVivo.

O “inquérito black bloc” contra integrantes do Bloco de Lutas

O procedimento do inquérito foi instaurado para apuração de fatos ocorridos durante protesto de 27 de junho de 2013. Dos sete indiciados, todos eram do gênero masculino e jovens, com idade variando entre 21 e 30 anos à época dos fatos, quatro eram brancos e três eram negros. Dentre todos os investigados, apenas um foi preso em flagrante: o único que não era vinculado ao Bloco de Lutas. A ausência de associação desse indiciado ao Bloco foi confirmada, em depoimento, por todos os outros investigados, os quais declararam nunca o terem visto. Os integrantes do Bloco foram incorporados ao inquérito com o avanço das investigações.

No relatório, foi atribuída aos indiciados a prática dos crimes de furto qualificado, dano qualificado, lesão corporal, emprego de artefato explosivo e/ou incendiário e constituição de milícia armada. Na denúncia posteriormente prolatada pelo MP, foram afastados os crimes de lesão corporal e de constituição de milícia armada, restando a acusação pelos seguintes crimes: associação criminosa armada, dano qualificado, explosão e furto qualificado. A seguir são identificadas as táticas policiais adotadas no inquérito, divididas em dois conjuntos: táticas tradicionais, que não necessariamente envolvem o uso de TICs, e táticas mediadas por TICs.

Táticas tradicionais e a lógica inquisitorial

Infiltrações: a confiança na palavra policial

O procedimento do inquérito foi instaurado a partir da prisão em flagrante do único indiciado que não integrava o Bloco de Lutas. O boletim de ocorrência (BO) da prisão, o qual relacionou o indiciado aos crimes de furto qualificado e de dano qualificado, informa que a prisão foi realizada durante o protesto de 27 de junho de 2013 por um policial civil que monitorava o protesto, infiltrado entre os manifestantes com a finalidade de identificar possíveis lideranças vinculadas a depredações e a “vandalismos”. Além da palavra do policial que realizou a prisão em flagrante, o BO foi fundamentado na oitiva de outra agente da PC que estava infiltrada no protesto e da proprietária de um estabelecimento comercial da região. Após a prisão em flagrante, o indiciado foi conduzido para o Presídio Central de Porto Alegre, mas em seguida lhe foi concedida liberdade provisória, dado não haver argumentos que justificassem a prisão preventiva.

Em seguida, a Divisão de Assessoramento Especial do Departamento de Polícia Metropolitana, vinculada à PC do Rio Grande do Sul, entrou com representação por prisão preventiva, busca e quebra de sigilo. Nesse documento, pela primeira vez foram citados os integrantes do Bloco de Lutas. A Divisão de Assessoramento Especial2 2 Segundo o site da Polícia Civil do estado do Rio Grande do Sul, à Divisão de Assessoramento Especial compete: “assessorar a Direção do DAP [Departamento de Administração Policial] em assuntos pertinentes à administração-geral, planejamento, jurídicos, técnicos, informações e outras atividades atribuídas pelo Diretor do Departamento”. Disponível em: http://dappc.rs.gov.br/conteudo/22086/divisao-de-assessoramento-especial. ficou responsável por apurar eventuais delitos cometidos durante os protestos de 2013, e segundo um dos policiais civis envolvidos nessa divisão o objetivo das operações nos protestos seria identificar “criminosos infiltrados” entre os manifestantes durante os eventos.

O primeiro integrante do Bloco de Lutas citado no procedimento foi identificado por um policial civil. Este afirmou que o indiciado estaria entre os que teriam participado, em 27 de junho, de depredações e “vandalismos”. O indiciamento foi fundamentado pelo fato de o manifestante, segundo a autoridade policial, supostamente ter se envolvido em depredações à Prefeitura de Porto Alegre em março de 2013 e por sua vinculação a movimentos anarquistas.

Também no documento juntado pela Divisão de Assessoramento Especial citou-se que um policial militar que foi atingido por pedradas no dia 27 de junho foi ouvido e afirmou que os manifestantes que o agrediram seriam “punks” e indivíduos com roupas pretas que carregavam uma bandeira com o símbolo do anarquismo. O policial militar atingido declarou ainda ter conhecimento, por conversas com outros policiais, que um grupo se reunia antes dos protestos para planejar atos de depredação. Esse policial afirmou também ter comparecido a uma palestra no seu batalhão, na qual foi informado de que dois outros integrantes do Bloco de Lutas seriam “lideranças”. O mesmo policial militar identificou, por reconhecimento fotográfico, outros integrantes do Bloco de Lutas que participavam frequentemente dos protestos.

O modo como se deu o indiciamento dos integrantes do Bloco de Lutas reproduz uma lógica inquisitorial, com centralidade para a palavra policial na condução das investigações (Kant de Lima, 199224 KANT DE LIMA, Roberto. Tradição inquisitorial no Brasil, da Colônia à República: da devassa ao inquérito policial. Religião e Sociedade, v. 16, p. 94-113, 1992.; Misse, 201129 MISSE, Michel. O papel do inquérito policial no processo de incriminação no Brasil: algumas reflexões a partir de uma pesquisa. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 15-27, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000100002
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; Ratton et al., 201134 RATTON, José Luiz; TORRES, Valéria; BASTOS, Camila. Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da Governança. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 29-58, 2011.). Os depoimentos do policial civil e do policial militar foram os únicos elementos que embasaram o início da investigação contra os integrantes do Bloco. Alguns manifestantes passaram a ser investigados por serem participantes frequentes de protestos, sem indícios de que eles teriam participado de atos de depredação além da própria participação nos eventos.

O policial civil entrevistado Miguel, por outro lado, afirma que a investigação do caso partiu do fato criminoso, e não das pessoas:

Miguel: A gente verificava os fatos criminosos. A gente sempre partia do fato criminoso. [...]. Aí a partir do evento criminoso, nós chegaremos nas pessoas. Uma lógica inversa de um trabalho de inteligência pura. O trabalho de inteligência parte da pessoa. Quer saber o que que a pessoa faz, o que que a pessoa pensa. Nosso trabalho de investigação criminal é um trabalho que parte do fato. Então, o trabalho de investigação, ele é um pouco diferente do trabalho de inteligência, porque o trabalho de investigação, aquele que é correto, ele parte do fato criminoso. E o inquérito que foi o inquérito central onde a gente debruçou as maiores forças para investigar a organização criminosa foi um fato que foi de depredação do Palácio da Justiça.

Porém, o conteúdo do inquérito contradiz essa fala. Como ficará mais evidente a seguir, o indiciamento e a investigação dos integrantes do Bloco apresentaram pouca conexão com os fatos delituosos do dia 27 de junho. Pelo contrário: a incriminação deu-se com base exclusiva em depoimentos policiais (Kant de Lima, 199224 KANT DE LIMA, Roberto. Tradição inquisitorial no Brasil, da Colônia à República: da devassa ao inquérito policial. Religião e Sociedade, v. 16, p. 94-113, 1992.; Misse, 201129 MISSE, Michel. O papel do inquérito policial no processo de incriminação no Brasil: algumas reflexões a partir de uma pesquisa. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 15-27, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000100002
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; Ratton et al., 201134 RATTON, José Luiz; TORRES, Valéria; BASTOS, Camila. Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da Governança. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 29-58, 2011.), a partir da ideia de que os indiciados seriam “lideranças” dos protestos.

Estigmatização: enquadrando os “maus” manifestantes

Durante o desenvolvimento do inquérito, as autoridades policiais responsáveis pela investigação construíram uma linha narrativa que expressa determinado enquadramento a respeito de quem eram os indiciados e de como eles agiam. Ao invés de um grupo que se reunia para se manifestar, os investigados foram enquadrados como indivíduos que intencionalmente se associariam para a prática de crimes. Partindo da ideia de que haveria uma “predisposição” de alguns manifestantes a praticar atos de depredação e a entrar em confronto com as forças policiais, o inquérito busca evidenciar como essas dinâmicas se desenvolviam nos protestos.

Para tanto, partiu-se do que a literatura denomina de distinção entre “bons” e “maus” manifestantes (Della Porta; Atak, 201514 DELLA PORTA, Donatella; ATAK, Kivanc. The police. In: DUYVENDAK, J. W.; JASPER, J. M. (ed.). Breaking down the state. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2015. Cap. 5.; De Fazio, 200713 DE FAZIO, Gianluca. Police knowledge revised: insights from the policing of the civil rights movement in Northern Ireland. Research in Social Movements, Conflict and Change, v. 27, p. 63-87, 2007.). Entende-se no inquérito que, em meio a uma maioria de manifestantes pacíficos, haveria um grupo “de segurança”, formado por pessoas geralmente mascaradas e identificadas com ideias anarquistas. Esse grupo estaria colocando em risco a segurança das pessoas que iriam se manifestar pacificamente, o que justificaria a atuação do Estado para preservar a ordem pública. Essa divisão entre manifestantes pacíficos e “vândalos” produziu a estigmatização de um tipo social específico, processo que também estava em curso principalmente nos enquadramentos das mídias corporativas (Fernandes, 201619 FERNANDES, Eduardo G. Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. 2016. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.). O inquérito recepciona esse tipo de enquadramento e articula tal estigma à sujeição criminal (Misse, 201430 MISSE, Michel. Sujeição criminal. In: LIMA, R. S. et al. (ed.). Crime, polícia e justiça criminal no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; Almeida, 20202 ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. “Vândalos”, “trabalhadores” e “cidadãos”: sujeição criminal e legitimidade política na criminalização dos protestos de junho de 2013. Dados, v. 36, n. 4, p. 1-35, 2020. https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.218
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), vinculando determinado grupo social a uma propensão ao crime.

Quanto aos investigados, há no inquérito diversas informações sobre o comparecimento deles em protestos, bem como conteúdo relacionando tais indivíduos entre si e indicando o vínculo deles a grupos anarquistas e a outras organizações políticas. Por exemplo, são enfatizadas situações em que os investigados estariam portando máscaras ou estariam próximos a pessoas mascaradas durante os eventos. Performances típicas dos protestos, como o porte de bandeiras pelos investigados, tendem a ser interpretadas como indício de que os investigados usariam esses objetos como armas. É comum também serem apresentadas imagens dos investigados próximos a situações de “tumulto”, interpretando-se que tais situações por si só seriam indício do cometimento de delitos.

A consulta pelas 100 palavras mais frequentes no inquérito sistematiza resultados sobre a “construção social da realidade” pelos policiais:

Figura 3
Nuvem de frequência de palavras no inquérito

A nuvem de palavras indica que o inquérito foi centrado na investigação do “bando” ou do “grupo de segurança”. Esse “bando” seria formado por pessoas predispostas a adotar táticas “black bloc” nos protestos - sendo estas vinculadas às depredações. Há ainda alta frequência de citação a palavras relativas ao anarquismo, como “bandeira negra” e o próprio termo “anarquista”. Outro elemento marcante no documento é a ideia de que os indiciados seriam “agitadores” de massas, o que reproduz um enquadramento de que eventos de protesto seriam constituídos por massas relativamente irracionais, comandadas por lideranças que romperiam a ordem (Atak, 20157 ATAK, Kivanc. Encouraging coercive control: militarization and classical crowd theory in Turkish protest policing. Policing and Society, v. 27, n. 7, p. 693-711, 2015. https://doi.org/10.1080/10439463.2015.1040796
https://doi.org/10.1080/10439463.2015.10...
; Hoggett; Stott, 201022 HOGGETT, James; STOTT, Clifford. The role of crowd theory in determining the use of force in public order policing. Policing and Society, v. 20, n. 2 p. 223-236, 2010. https://doi.org/10.1080/10439461003668468
https://doi.org/10.1080/1043946100366846...
). A desordem (tumulto, confusão etc.) causada pelo protesto, assim, legitimaria o controle estatal nas ruas e nos inquéritos.

Coleta de depoimentos: cooperação interorganizacional

Uma tática tradicionalmente utilizada em inquéritos criminais é a oitiva de depoimentos. Os indiciados responderam a perguntas sobre os seguintes temas: se participaram e como participaram do protesto de 27 de junho de 2013; se conheciam os demais investigados e quais os vínculos que tinham com eles; se praticavam atos de depredação em protestos; se achavam que esse tipo de tática era legítimo e se sabiam da existência grupos “black blocs” nos protestos.

Além dos investigados, foram ouvidas testemunhas. Algumas dessas testemunhas eram policiais – civis, militares e guardas municipais – que estavam infiltrados no protesto de 27 de junho ou em outros protestos do ciclo. Os relatos dos policiais, de modo geral, confirmaram o enquadramento de que haveria grupos organizados nos protestos para realização de atos ilícitos, agindo segundo um modus operandi já estabelecido e seguindo determinadas lideranças. Alguns dos policiais relataram um sentimento de medo em relação aos manifestantes, reproduzindo a interpretação de que os protestos constituiriam “massas irracionais” e perigosas (Atak, 20157 ATAK, Kivanc. Encouraging coercive control: militarization and classical crowd theory in Turkish protest policing. Policing and Society, v. 27, n. 7, p. 693-711, 2015. https://doi.org/10.1080/10439463.2015.1040796
https://doi.org/10.1080/10439463.2015.10...
; Hoggett; Stott, 201022 HOGGETT, James; STOTT, Clifford. The role of crowd theory in determining the use of force in public order policing. Policing and Society, v. 20, n. 2 p. 223-236, 2010. https://doi.org/10.1080/10439461003668468
https://doi.org/10.1080/1043946100366846...
).

Uma testemunha específica chama a atenção e tem um papel destacado no inquérito: um jornalista do Grupo RBS3 3 O Grupo RBS é um conglomerado de mídia brasileiro atuante no sul do país e vinculado, nacionalmente, ao Grupo Globo. que participou de uma reunião do Bloco de Lutas em 18 de junho de 2013. A testemunha afirmou que foi à reunião sem revelar sua real identidade, pois haveria uma espécie de grupo de segurança formado por pessoas com o rosto coberto as quais, aleatoriamente, revistavam as pessoas que entravam na reunião. Essa desconfiança dos manifestantes, a qual se mostraria coerente dada a cooperação do jornalista com a PC, era direcionada tanto às polícias quanto a algumas mídias: segundo a testemunha, foi afirmado na reunião que pessoas do Grupo RBS e de outras mídias deveriam se acusar e se retirar do local. O jornalista informou à PC quais os grupos políticos presentes no evento, identificou pessoas investigadas que estavam na reunião e afirmou que não eram discutidas ações ilícitas eventualmente adotadas, mas que tais conversas poderiam estar ocorrendo de forma paralela à pauta central da reunião. Esses testemunhos indicam a cooperação entre forças da ordem (PM e PC) e integrantes da mídia corporativa na articulação entre sujeição criminal e incriminação.

As novas tecnologias entram em cena

Uso de imagens: amplificação da visibilidade sobre manifestantes e apropriação de conteúdo

Um dos aspectos centrais do inquérito analisado é o amplo uso de imagens. No documento constam, ao total, 197 imagens, e algumas delas aparecerem diversas vezes ao longo do documento. Quase todas as imagens foram juntadas pela Divisão de Assessoramento Especial da PC – as exceções são aquelas relativas a procedimentos de perícia, juntadas pelo Instituto Geral de Perícias (IGP).

As imagens foram utilizadas para reafirmar a narrativa textual anteriormente descrita, servindo para ilustrar o conteúdo do texto. Para análise das imagens, elas foram aqui classificadas segundo os seguintes critérios: de quais fontes são provenientes; a quais eventos se referem; qual o conteúdo central representado. O gráfico a seguir demonstra qual a fonte das imagens juntadas ao inquérito:

Gráfico 1
Fontes das imagens do inquérito policial

É possível apontar que a proliferação de imagens, quase todas relativas a eventos de protesto nas ruas, indica a amplificação da visibilidade sobre os manifestantes, como resultante de um processo de aumento da produção do acesso a conteúdo imagético mediado por TICs (Cardoso, 201512 CARDOSO, Bruno V. Todos os olhos: videovigilâncias, vouyerismos e (re)produção imagética. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.; Trottier, 201242 TROTTIER, Daniel. Policing social media. Canadian Review of Sociology, v. 49, n. 4, p. 411-425, 2012., 201740 TROTTIER, Daniel. Digital vigilantism as weaponisation of visibility. Philosophy & Technology, v. 30, n. 1, p. 55-75, 2017. https://doi.org/10.1007/s13347-016-0216-4
https://doi.org/10.1007/s13347-016-0216-...
). A quantidade de imagens no inquérito aponta para uma facilitação das táticas policiais pela proliferação das TICs, uma vez que são diversas as fontes das quais as imagens podem ser extraídas.

A maior parte das imagens (112 ocorrências) foi juntada ao inquérito sem que tenha sido informada a fonte. A falta dessa informação é indício do baixo nível de transparência e da “cultura do segredo” (Artigo 19, 20175 ARTIGO 19. Repressão às escuras – uma análise sobre transparência em assuntos de segurança pública e protestos. Artigo 19, 31 mar. 2017. https://artigo19.org/?p=11270
https://artigo19.org/?p=11270...
) que permeiam a lógica inquisitorial, causando dificuldades de controle sobre os fundamentos das práticas policiais. Após pesquisa em notícias de jornais de Porto Alegre à época, identificou-se que uma significativa parcela das imagens é proveniente dessas notícias. Esse dado é confirmado pelo policial entrevistado Miguel: “como era um evento que estava sendo, muito, muito noticiado na época, o principal assunto na imprensa era esse, então a gente tinha toda uma informação vinda da própria imprensa. Inúmeras fotos de jornalistas” (grifo meu).

A comparação das imagens no inquérito com as notícias apresenta um elemento peculiar. Diversas imagens coletadas nas mídias foram provenientes da cobertura do jornal Sul21. Em estudo anterior, profissionais que trabalharam na cobertura do Sul21 aos protestos de 2013 afirmaram que esse veículo jornalístico tinha o objetivo de produzir uma espécie de “contrainformação” à cobertura da mídia corporativa, principalmente com foco sobre a visibilização das ações policiais e de eventuais atos de violência policial (Fernandes, 201619 FERNANDES, Eduardo G. Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. 2016. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.). Porém, as notícias do Sul21 publicaram diversas fotografas das dinâmicas das ruas, inclusive situações de depredação por parte de manifestantes; assim, o conteúdo publicado pelo jornal foi apropriado pela PC no inquérito para reforçar a incriminação dos indiciados. Esse tipo de apropriação de conteúdo é também identificado no uso de imagens publicadas pelos próprios ativistas, como aquelas provenientes do blog do Bloco de Lutas.

Por outro lado, uma quantidade relevante de imagens (30 ocorrências) é proveniente da atuação de agentes policiais infiltrados em eventos de protesto. Essa tática, mesmo que tenha sido aqui classificada no conjunto de práticas tradicionais, foi em alguns momentos mediada por TICs, com a produção de imagens por aparatos portáveis - câmeras de celular e câmeras GoPro. Algumas imagens (seis ocorrências) são também de fotografias tiradas por agentes policiais em situações de busca e apreensão na residência de investigados. Há ainda imagens proveniente do diálogo com a Brigada Militar (duas imagens do setor de Comunicação do 9º BPM).

Algumas imagens são oriundas de sistemas de videomonitoramento - 11, do Circuito de Câmeras da Prefeitura Municipal, oito, do Setor de Segurança do TJRS e seis, do CEIC. Esses dados apontam para o relativamente baixo protagonismo dos sistemas de videomonitoramento (Byrne; Marx, 201111 BYRNE, James; MARX, Gary T. Technological innovations in crime prevention and policing. A review of the research on implementation and impact. Cahiers Politiestudies, v. 3, n. 20, p. 17-40, 2011.) no caso, pois a quantidade e importância narrativa de imagens provenientes de outras fontes - mídias alternativas e corporativas, infiltração policial - é marcadamente superior no inquérito. A coleta de imagens publicadas nas redes por mídias alternativas, por exemplo, envolve custos menores e é mais amplamente utilizada na investigação. Outra classificação das imagens foi relativa à identificação dos eventos aos quais se refere cada imagem:

Gráfico 2
Eventos aos quais se referem as imagens do inquérito policial

A grande maioria das imagens do inquérito refere-se a eventos de protesto. A maioria expressiva também se concentra sobre eventos realizados no ano de 2013. Ainda assim, algumas imagens tratam de protestos ocorridos em anos anteriores (2011 e 2012). O total das imagens evidencia que, apesar de os fatos investigados no inquérito estarem restritos a situações ocorridas em 27 de junho de 2013, a PC coletou e utilizou como indícios diversas imagens relativas a outros eventos de protesto, sem conexão direta com os fatos investigados. É marcante identificar que, do total de imagens classificadas quanto ao evento a que se referem, apenas cerca de 8% são relativas à data dos fatos, ou seja, ao protesto de 27 de junho de 2013.

Essa constatação reafirma que o foco da investigação se direcionou para a coleta de informações sobre os investigados, sobre a participação destes em eventos de protestos e sobre seus vínculos organizativos, sem, por outro lado, ser estabelecido o nexo causal entre a ação dos indiciados e os supostos delitos cometidos. O conteúdo das imagens foi também codificado segundo as temáticas que prevalecem nelas:4 4 Para uma mesma imagem mais de uma temática pode ter sido codificada.

Gráfico 3
Conteúdo das imagens do inquérito policial

O resultado da codificação do conteúdo das imagens demonstra que a preocupação central das autoridades policiais no inquérito foi a identificação dos indiciados em eventos de protestos (138 ocorrências), com algumas das imagens demonstrando os investigados em posição de destaque (33 ocorrências). Algumas das fotografias apenas apresentam imagens de protestos, mapeando-se pessoas e organizações presentes sem ser feita uma vinculação direta com os investigados (61 ocorrências). Além disso, um conjunto de imagens busca identificar os vínculos entre os investigados e organizações políticas (24 ocorrências) ou os vínculos pessoais e políticos entre os investigados (24 ocorrências).

Ao mesmo tempo, há um conjunto de imagens que busca demonstrar a presença de simbologia anarquista – principalmente bandeiras – (84 ocorrências), de “grupos de segurança” ou “black blocs” (72 ocorrências) e de manifestante(s) não identificado(s) com o rosto coberto (26 ocorrências) nos protestos. A essa simbologia tendeu a ser associada, no inquérito, à prática de atos de depredação por manifestante(s) não identificado(s) (55 ocorrências). São apresentadas, ainda, imagens de objetos e prédios depredados (28 ocorrências), de pichações (14 ocorrências) e de policiais agredidos (nove ocorrências) como resultados dessas ações.

Esse conteúdo confirma, de modo geral, a estigmatização e a sujeição criminal dessa categoria social (Misse, 201430 MISSE, Michel. Sujeição criminal. In: LIMA, R. S. et al. (ed.). Crime, polícia e justiça criminal no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014.; Almeida 20202 ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. “Vândalos”, “trabalhadores” e “cidadãos”: sujeição criminal e legitimidade política na criminalização dos protestos de junho de 2013. Dados, v. 36, n. 4, p. 1-35, 2020. https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.218
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). Embora a grande maioria das imagens de atos de depredação mostre indivíduos não identificados, a autoridade policial infere que os investigados, por serem “lideranças” do movimento, estariam de alguma forma relacionados aos atos de depredação. Nesse sentido, imagens dos investigados portando objetos - como bandeiras – (24 ocorrências) e com o rosto coberto (12 ocorrências) foram interpretados como um indício de que eles fariam parte do grupo de depredadores. Há apenas um conjunto pouco representativo (oito ocorrências) de imagens que foram interpretadas pelas autoridades policiais como um efetivo ataque a objeto ou pessoa por algum dos investigados.

Buscas, apreensões e monitoramento de redes: legitimação tática

Outra tática adotada no inquérito foi a realização de buscas e apreensões nas residências dos investigados. Essas buscas foram baseadas na identificação de indícios materiais e virtuais contra os investigados. Quanto aos indícios materiais, de modo geral o inquérito apresenta fotografias das residências de alguns entrevistados, buscando vinculá-los à ideologia anarquista: parede pintada com o símbolo anarquista, bandeiras com as cores anarquistas (preto e vermelho) e lenços como os utilizados por alguns manifestantes para cobrir o rosto.

Quanto ao conteúdo virtual, novamente fica evidente a relevância das TICs, com a apreensão dos computadores de alguns dos investigados. Foram feitas cópias dos discos rígidos desses computadores, e as autoridades policiais procederam à busca de arquivos que pudessem ser indícios contra os investigados. Foram encontrados conteúdos que confirmavam o que já estava sendo argumentado: material de militância política (relatos e encaminhamentos de reuniões, panfletos, cartas para a mídia etc.), fotografias de ocupação da Câmara de Vereadores, fotografias que demonstravam vínculos pessoais e políticos entre os investigados, áudios e vídeos de entrevistas concedidas pelos investigados para a imprensa sobre os protestos; enfim, todos conteúdos que confirmavam a militância política dos indiciados.

Além disso, foi realizado o monitoramento das redes. Em documento anexado pelo Gabinete de Inteligência e Assuntos Estratégicos da PC, foram incorporadas algumas informações a respeito dos investigados e de outros manifestantes. O conteúdo desse documento foi resultante de pesquisa nos bancos de dados da agência de inteligência e em fontes abertas (Trottier, 201541 TROTTIER, Daniel. Open source intelligence, social media and law enforcement: Visions, constraints and critiques. European Journal of Cultural Studies, v. 18, n. 4-5, p. 530-547, 2015. https://doi.org/10.1177/1367549415577396
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) sobre a reunião do Bloco de Lutas realizada em 18 de junho de 2013 – a mesma em que houve a infiltração do jornalista. Sem informar como foi feita a coleta de informações sobre o que ocorreu na reunião de 18 de junho, o Gabinete de Inteligência afirmou que os temas centrais da reunião teriam envolvido a definição de alvos para os próximos eventos, o enquadramento da polícia como inimiga, o incentivo a atos de depredação e ao comparecimento em delegacias para prestar auxílio a manifestantes eventualmente presos nos protestos.

A pesquisa em fontes abertas foi realizada tanto nos veículos de mídia corporativa quanto nas redes sociais. Quanto às mídias corporativas, foram citados links para notícias dos jornais Zero Hora e Correio do Povo sobre a reunião acima mencionada e sobre as reivindicações dos manifestantes naquele momento. Quanto às redes sociais, foi feita uma pesquisa nos perfis de Facebook de pessoas que teriam participado da referida reunião, apresentando-se uma lista dessas pessoas com as seguintes informações: foto, nome, número de registro civil, função exercida no Bloco de Lutas, vínculos organizativos e link para o perfil do Facebook. Nessa lista foram incluídos diversos ativistas – não apenas aqueles que estavam sendo investigados no inquérito. Ainda, no documento há a cópia de uma postagem de um dos investigados no seu perfil do Facebook criticando a ação da polícia e do governo estadual nos protestos. O monitoramento das redes, porém, não foi feito de forma sistemática, nem utilizou softwares para coleta ou análise dos dados, de modo que esse tipo de informação assume uma função residual no inquérito, se comparado à importância atribuída a outras informações – principalmente o depoimento dos policiais.

Nesse sentido, o policial entrevistado Miguel enfatiza a importância das TICs como forma de legitimação da ação policial perante o público: ele afirma que a principal eficácia das TICs, no caso de inquéritos policiais, mais do que agregar novo ou mais sofisticado conteúdo probatório, é legitimar o próprio inquérito. A coleta de informações provenientes de diversas mídias serviria como forma de confirmar a narrativa policial dos fatos, diversificando as fontes de dados do inquérito:

Miguel: Mais do que eficácia da investigação eu vejo uma eficácia da legitimidade do trabalho feito. [...] Então, é importante, quanto mais científico for o procedimento, quanto mais estribado em prova científica for o procedimento, ou em mídias, em tecnologia, mais legitimidade vai ter a polícia para trabalhar. Porque a polícia ela faz um trabalho que é indispensável. Indispensável. Mas que tem a sua legitimidade questionada como história. [...] E a gente tem que saber criar ferramentas para trazer a legitimidade daquilo que a gente está fazendo. Então a tecnologia, as ferramentas tecnológicas, o incremento da ciência na investigação criminal, mais do que trazer eficácia pra investigação, ela traz um conteúdo probatório muito bom, óbvio, porque ela confirma o que os agentes viram em campo, mas também proporciona uma legitimidade maior ao trabalho policial, porque daí tu consegue demonstrar de forma cabal que aquilo que tu fez é isento (grifo meu).

A articulação entre o conteúdo do inquérito e a fala do entrevistado indica que um dos principais papéis das TICs no inquérito é conferir legitimidade à ação policial. Como afirma Cardoso (2015)12 CARDOSO, Bruno V. Todos os olhos: videovigilâncias, vouyerismos e (re)produção imagética. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015., às tecnologias tende a ser associado um imaginário de eficácia, racionalidade e modernidade, elementos que podem conferir legitimidade à ação dos atores que as empregam, mesmo que, como no caso aqui analisado, o conteúdo produzido pela mediação das tecnologias tenda a reforçar as narrativas oriundas de fontes tradicionais.

Inquérito policial como tática de vigilância

Em suma, as táticas policiais utilizadas no inquérito foram as seguintes: infiltração em eventos de protesto; estigmatização de manifestantes; coleta de depoimentos; uso de imagens; buscas e apreensões; monitoramento das redes. As TICs foram mobilizadas principalmente nas últimas três táticas. Ainda assim, os argumentos centrais do inquérito se basearam principalmente em táticas tradicionais, típicas da lógica inquisitorial e relacionadas à confiança no depoimento de policiais infiltrados (Kant de Lima, 199224 KANT DE LIMA, Roberto. Tradição inquisitorial no Brasil, da Colônia à República: da devassa ao inquérito policial. Religião e Sociedade, v. 16, p. 94-113, 1992.; Misse, 201129 MISSE, Michel. O papel do inquérito policial no processo de incriminação no Brasil: algumas reflexões a partir de uma pesquisa. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 15-27, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000100002
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; Ratton et al., 201134 RATTON, José Luiz; TORRES, Valéria; BASTOS, Camila. Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da Governança. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 29-58, 2011.). O enquadramento policial dos fatos girou em torno da ideia de que os indiciados seriam “lideranças” dos protestos, dada a sua participação frequente nos eventos. Os atos de “vandalismo” foram vinculados à simbologia anarquista, operando-se a incriminação de forma articulada à sujeição criminal no tipo social “vândalo”.

O uso das TICs não produziu alterações substantivas na lógica do inquérito, dado que o conteúdo produzido pela mediação das tecnologias foi mobilizado no sentido de reafirmar a narrativa acima sintetizada. As TICs tiveram como principais efeitos a amplificação da visibilidade sobre manifestantes (Trottier, 201541 TROTTIER, Daniel. Open source intelligence, social media and law enforcement: Visions, constraints and critiques. European Journal of Cultural Studies, v. 18, n. 4-5, p. 530-547, 2015. https://doi.org/10.1177/1367549415577396
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; 201740 TROTTIER, Daniel. Digital vigilantism as weaponisation of visibility. Philosophy & Technology, v. 30, n. 1, p. 55-75, 2017. https://doi.org/10.1007/s13347-016-0216-4
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), com a profusão de informações a respeito de suas ações e vínculos organizativos, e a legitimação tática da ação policial, recorrendo ao uso das TICs para conferir uma ideia de “isenção” perante a opinião pública.

Por outro lado, a construção de um inquérito no qual há um amplo conjunto de informações sobre os investigados e sobre eventos de protesto - muitas delas sem conexão com os supostos fatos criminosos - coloca uma última questão, qual seja, o caráter de vigilantismo do inquérito. Em entrevista, o policial Miguel confirma que parte do trabalho investigativo, envolvendo tanto as infiltrações quanto o monitoramento de mídias e de redes sociais, consistiu em pesquisar e entender o que estava acontecendo diante das surpresas dos protestos:

Miguel: A gente conseguia monitorar [os protestos] pela mídia. E também a gente participava de algumas, ia lá para ver o que estava acontecendo, para ver a realidade mesmo do evento. Então a gente também foi a campo para fazer esse tipo de trabalho também, até para entender o que estava acontecendo. Porque o início do trabalho foi exatamente entender o que estava acontecendo. Por que, como é que explodiu esse tipo de movimento? As manifestações estavam acontecendo, e em dado momento aconteciam depredações. Aconteciam ataques a prédios públicos, privados, enfim. E a partir dali a coisa descambava de um jeito que ninguém entendia o que estava acontecendo, ou quem seria o responsável. Se isso seria orquestrado ou não, se isso seria aleatório ou não. Então no início foi um trabalho de entendimento mesmo do que está acontecendo, qual a pauta, qual o perfil de quem está indo (grifo meu).

A análise empreendida neste artigo aponta que a ação da PC, mais do que apurar delitos (e dada a inconsistência probatória contra os indiciados), tendeu a se focar sobre a ampla produção de informações sobre os manifestantes e os protestos com fins de aprimoramento do conhecimento policial sobre o fenômeno. Nesse sentido, no caso analisado, o instrumento jurídico do inquérito, em si, operou como uma tática de vigilância, a qual pode ser conceituada como um “esforço para alcançar e subsequentemente gerenciar, em uma forma de rotina, a visibilidade de várias identidades, condutas e eventos em benefício do agente ou agência que promove a atividade de vigilância” (Brighenti, 201010 BRIGHENTI, Andrea. Visibility in social theory and social research. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010., p. 148-149). A vigilância, a qual pode ter efeitos de intimidação e/ou desmobilização sobre ativistas, manifestantes e organizações de movimentos sociais (Emsley, 199717 EMSLEY, Clive. Introduction: Political police and the European Nation-State in the 19th century. In: MAZOWER, M. (ed.). The policing of politics in the Twentieth Century: historical perspectives. Providence: Berghahn Books, 1997.; Holm; Roth, 201023 HOLM, Andrej; ROTH, Anne. Anti-terror investigations against social movements: a personal experience of a preventive threat. In: HESSDÖRFER, F. et al. (ed.). Prevent and tame: protest under (self-)control. Berlim: Rosa-Luxemburg-Stiftung, 2010. pp. 50-54.; Reznik, 200435 REZNIK, Luís. Democracia e segurança nacional: a polícia política no pós-guerra. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.), foi potencializada – e legitimada – pelo o uso das TICs.

Figura 4
Síntese da análise

Considerações finais

O artigo centrou-se na análise do papel das TICs no inquérito contra ativistas do Bloco de Lutas. Identificou-se o uso de uma multiplicidade de táticas policiais no inquérito: infiltração; estigmatização; coleta de depoimentos; uso de imagens; buscas e apreensões; monitoramento das redes. O inquérito reproduz a lógica inquisitorial (Kant de Lima, 199224 KANT DE LIMA, Roberto. Tradição inquisitorial no Brasil, da Colônia à República: da devassa ao inquérito policial. Religião e Sociedade, v. 16, p. 94-113, 1992.; Misse, 201129 MISSE, Michel. O papel do inquérito policial no processo de incriminação no Brasil: algumas reflexões a partir de uma pesquisa. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 15-27, 2011. https://doi.org/10.1590/S0102-69922011000100002
https://doi.org/10.1590/S0102-6992201100...
; Ratton et al., 201134 RATTON, José Luiz; TORRES, Valéria; BASTOS, Camila. Inquérito policial, Sistema de Justiça Criminal e políticas públicas de segurança: dilemas e limites da Governança. Revista Sociedade e Estado, v. 26, n. 1, p. 29-58, 2011.), com provas amplamente baseadas no depoimento de agentes policiais, além da construção da narrativa de que os indiciados seriam “lideranças” dos protestos e estariam “predispostos” ao cometimento de delitos. A narrativa incide sobre o tipo social do “vândalo”, o qual foi associado às táticas “black bloc” e à simbologia anarquista (Almeida, 20202 ALMEIDA, Frederico Normanha Ribeiro de. “Vândalos”, “trabalhadores” e “cidadãos”: sujeição criminal e legitimidade política na criminalização dos protestos de junho de 2013. Dados, v. 36, n. 4, p. 1-35, 2020. https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4.218
https://doi.org/10.1590/dados.2020.63.4....
).

As TICs foram mobilizadas para reforçar essa narrativa, sendo adotadas principalmente nas táticas de uso de imagens, buscas e apreensões e monitoramento das redes. A grande quantidade de imagens do inquérito teve o efeito de ampliar a visibilidade sobre os manifestantes (Trottier, 201541 TROTTIER, Daniel. Open source intelligence, social media and law enforcement: Visions, constraints and critiques. European Journal of Cultural Studies, v. 18, n. 4-5, p. 530-547, 2015. https://doi.org/10.1177/1367549415577396
https://doi.org/10.1177/1367549415577396...
; 201740 TROTTIER, Daniel. Digital vigilantism as weaponisation of visibility. Philosophy & Technology, v. 30, n. 1, p. 55-75, 2017. https://doi.org/10.1007/s13347-016-0216-4
https://doi.org/10.1007/s13347-016-0216-...
) por meio de apropriação de conteúdo das mídias alternativas e dos canais de comunicação dos próprios ativistas. Ainda, as TICs foram mobilizadas para legitimação tática das forças policiais, dada a ideia de que as tecnologias confeririam legitimidade à ação policial perante a opinião pública (Cardoso, 201512 CARDOSO, Bruno V. Todos os olhos: videovigilâncias, vouyerismos e (re)produção imagética. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.).

Diante desse processo que perpassou incriminação e a sujeição criminal, conclui-se que o inquérito foi centralmente mobilizado para coleta massiva de informações sobre os ativistas, constituindo-se como uma tática de vigilância (Brighenti, 201010 BRIGHENTI, Andrea. Visibility in social theory and social research. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010.). O policiamento de protestos é uma das práticas que indicam as características do atual paradigma da visibilidade (Trottier, 201242 TROTTIER, Daniel. Policing social media. Canadian Review of Sociology, v. 49, n. 4, p. 411-425, 2012.). Esse paradigma é marcado, entre outros elementos, pela quantidade massiva de dados online (especialmente em fontes abertas – Trottier, 201541 TROTTIER, Daniel. Open source intelligence, social media and law enforcement: Visions, constraints and critiques. European Journal of Cultural Studies, v. 18, n. 4-5, p. 530-547, 2015. https://doi.org/10.1177/1367549415577396
https://doi.org/10.1177/1367549415577396...
), pela descentralização na produção desses dados (dada a multiplicidade de fontes de informação, incluindo o conteúdo produzido pelos próprios ativistas e organizações de movimento social) e pelo protagonismo dos elementos visuais nas relações de poder (Brighenti, 201010 BRIGHENTI, Andrea. Visibility in social theory and social research. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2010.; Melgaço; Monaghan, 201828 MELGAÇO, Lucas; MONAGHAN, Jeffrey. (ed.). Protests in the information age: social movements, digital practices and surveillance. Londres: Routledge, 2018.). As configurações da “sociedade da vigilância” (Lyon, 200127 LYON, David. Surveillance society: monitoring everyday life. Oxford: Open University Press, 2001.) amplificam as possibilidades do exercício do controle pelas forças da ordem, mas se articulam a práticas tradicionais do inquérito policial no Brasil (como a lógica inquisitorial e a confiança nos agentes policiais).

Diante desse contexto, novas questões emergem para pesquisas futuras: quais as consequências dos “inquéritos black bloc” sobre a (des)mobilização dos ativistas indiciados? Como se dá o desenvolvimento do uso de TICs em inquéritos policiais contra ativistas pós-2013? Como as TICs têm sido mobilizadas para vigilância de ativistas nas ruas, pelas Polícias Militares? Esses e outros questionamentos são caminhos para o desenvolvimento da agenda de pesquisa sobre policiamento a protestos no Brasil.

  • 1
    Agradeço às pareceristas da revista Sociologias pelos comentários ao texto. O artigo baseia-se na pesquisa realizada para a elaboração da tese “Entre ruas, câmeras e redes: as transformações das táticas policiais de controle à ação coletiva contestatória em Porto Alegre (2013-2014)”, de Eduardo Georjão Fernandes, defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2020. A tese recebeu a menção honrosa para teses em ciências sociais no Concurso Brasileiro ANPOCS de Obras Científicas e Teses Universitárias em Ciências Sociais – Edição 2021.
  • 2
    Segundo o site da Polícia Civil do estado do Rio Grande do Sul, à Divisão de Assessoramento Especial compete: “assessorar a Direção do DAP [Departamento de Administração Policial] em assuntos pertinentes à administração-geral, planejamento, jurídicos, técnicos, informações e outras atividades atribuídas pelo Diretor do Departamento”. Disponível em: http://dappc.rs.gov.br/conteudo/22086/divisao-de-assessoramento-especial.
  • 3
    O Grupo RBS é um conglomerado de mídia brasileiro atuante no sul do país e vinculado, nacionalmente, ao Grupo Globo.
  • 4
    Para uma mesma imagem mais de uma temática pode ter sido codificada.

ERRATA

  • No artigo “Inquérito policial como tática de vigilância: novas tecnologias e a criminalização dos protestos de 2013”, com número de DOI: 10.1590/18070337-121116, publicado no periódico Sociologias, 25: e-soc121116, na nota de rodapé da página 1:
    Onde se lia:
    Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, MG, Brasil
    Leia-se:
    Universidade Vila Velha, Vila Velha, ES, Brasil

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2021
  • Aceito
    20 Fev 2023
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