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Slow food: a revolução pelo consumo? Sociologia de uma reclassificação de bens alimentares

Slow food : la révolution par la consommation ? Sociologie d’une reclassification des biens alimentaires

Slow food: revolution through consumption? Sociology of a reclassification of food goods

Resumo

O artigo propõe-se analisar o movimento Slow food na França, onde está ativo desde os anos 2000. Surgido na Itália, o Slow Food se define e é percebido pela literatura sociológica como um movimento de consumidores que se propõe a fazer uma crítica da globalização e se preocupa com o meio ambiente e com a justiça social. Apresentando um modo de ação política inspirado em uma moral econômica, (consumir o “bom, limpo e justo”), ele visa à valorização dos produtos locais – ameaçados de desaparecimento graças a uma forte midiatização – e do comércio que privilegia os circuitos curtos, a comunicação e as redes sociais. Diferente de movimentos organizados, tais como a Confédération Paysanne, essa ação individual basta a si própria para assegurar valores igualitários. A pesquisa, realizada em grande parte junto às células de base do movimento, evidenciou que a grande maioria dos membros do Slow Food é constituída de profissionais com interesses diretamente ligados à produção agrícola, à distribuição, à produção jornalística, gastronômica, do marketing e do campo científico (biologia, geografia). A ação nas células de base do movimento, vivida como um prazer da mesa aliado à militância, responde a interesses profissionais, valorizando simbólica e economicamente os produtos alimentícios em vias de desaparecimento. Evidencia-se a importância dos salões que, além de congregar produtores e consumidores, atrai um número elevado de jornalistas, que desempenham um papel de “catalisadores de notoriedade” e, portanto, de valor agregado. Enquanto as denominações de origem protegida (AOP) se legitimam por intermédio do Estado, o Slow Food se legitima principalmente pela utilização da mídia. Com base nessa aliança com a mídia, o movimento integra diferentes tipos de produtores, reunindo desde aqueles que se beneficiam da valorização dos seus produtos graças à sua qualificação pelo movimento, a jovens estudantes que buscam abrir uma distribuidora de produtos de luxo, ou até mesmo um cozinheiro em busca de emprego. Nesse sentido, a rede social do movimento age como uma poderosa ferramenta de valorização de certos produtos no plano nacional e internacional, como demanda para seu escoamento, e como elemento fundamental para estruturação das atividades econômicas.

Palavras-chave
movimento social; consumidor; gastronomia; segurança alimentar

Résumé

L'article vise à analyser le mouvement Slow Food en France, où il est actif depuis les années 2000. Né en Italie, Slow Food se définit et est perçu par la littérature sociologique comme un mouvement de consommateurs qui se propose une critique de la mondialisation, le souci de l’environnement et de la justice sociale. Annonçant un mode d’action politique de morale économique (consommer le « bon », le « propre » et le « juste ») il vise la valorisation des produits locaux menacés de disparaître grâce à une médiatisation et aide à la commercialisation, privilégiant les circuits courts, la communication et les réseaux sociaux. A la différence de mouvements tels la Confédération paysanne, cette action individuelle se suffit pour assurer des valeurs égalitaires. La recherche, réalisée entre autres, auprès des cellules de base, a révélé que la grande majorité des membres de SlowFood sont des professionnels qui ont des intérêts directement liés à la production agricole, à la distribution, aux médias, à la gastronomie, au marketing et au champ scientifique (biologie, géographie notamment). L’action des cellules de base du mouvement, vécue comme un plaisir de la table allié à la militance, répond à des intérêts professionnels, valorisant les produits alimentaires en voie de disparition du point de vue symbolique et économique. On note l’importance des salons, qui rassemblent en plus des acheteurs et producteurs, un nombre élevé de journalistes qui ont un rôle de « catalyseurs de notoriété » et, par conséquent, de valeur ajoutée. Alors que les appellations d’origine se légitiment par l’Etat, Slow Food se légitime principalement par les médias. Sur la base de cette alliance avec les médias, le mouvement intègre différents types de producteurs, réunissant aussi bien ceux qui bénéficient de la valorisation de ses produits grâce à la qualification du mouvement, de jeunes étudiants cherchant à monter une distribution de produits de luxe, voire un cuisinier en recherche d’emploi. Dans ce sens, le réseau agit comme un outil très efficace de valorisation de certains produits sur le plan national et international, comme demande pour son écoulement, et élément fondamental pour la structuration des activités économiques.

Mots clés
mouvement social; consommateur; gastronomie

Abstract

The article aims to analyze the Slow Food movement in France, where it has been active since the 2000s. Born in Italy, Slow Food defines itself and is perceived by sociological literature as a consumer movement that offers a critique of globalization, concern for the environment and social justice. Announcing a mode of political action of economic morality (consuming the “good”, the “clean” and the “fair”), it aims to promote local products threatened with extinction thanks to media coverage and aid for marketing, favoring shorter circuits, communication, and social networks. Unlike movements such as the Confédération Paysanne, this individual action is sufficient to ensure egalitarian values. The research, mostly carried out among grassroots cells, revealed that the vast majority of Slow Food members are professionals whose interests are directly related to agricultural production, distribution, media, gastronomy, marketing, and the scientific field (biology and geography in particular). The action of the movement’s base cells, experienced as pleasure of good food combined with militancy, responds to professional interests, valuing food products that are in danger of disappearing from both a symbolic and economic point of view. We note the importance of trade fairs, which bring together buyers and producers, a large number of journalists who act as “catalysts of visibility and, therefore, of added value” and, therefore, of aggregate value. While designations of origin are legitimized by the State, Slow Food is legitimized mainly by the media. On the basis of this alliance with the media, the movement integrates different types of producers, including those who benefit from the promotion of its products thanks to the qualification of the movement, young students seeking to set up a distribution of luxury products, even a cook in search of employment. In this sense, the network acts as a very effective tool for promoting certain products nationally and internationally, as a demand for its sale, and a fundamental element for the structuring of economic activities.

Keywords
social movement; consumer; gastronomy

Introdução

O predomínio do produtivismo1 1 “Produtivismo” é o nome que atualmente se dá ao conjunto de estratégias implementadas no pós-guerra, sobretudo a partir dos anos 1950, visando ao incremento permanente da produtividade nas técnicas agrícolas, obtido sobretudo graças à mecanização e ao uso intensivo de sementes selecionadas e defensivos agrícolas, assim como pela adoção de cálculos e programações econômicas que privilegiam a rentabilidade dos investimentos. na agricultura está na raiz de uma crítica social ao mercado que se expressa de várias maneiras e busca modificar as modalidades da oferta de bens agrícolas e pecuários (tais como criação de redes de comercialização alternativas, selos de certificação de qualidade etc.), assim como sua demanda (por exemplo, campanhas de conscientização sobre os riscos associados ao consumo de produtos nocivos à saúde, de sensibilização das novas gerações para adoção de hábitos alimentares mais sadios, ou mesmo convite ao boicote a práticas abusivas). Nesse âmbito, observam-se mobilizações que declaram ser movimentos de consumidores de produtos alimentícios, percebidos como novos atores políticos capazes de influenciar o debate público por meio de campanhas simbólicas, constituição de redes de interessados e de “protestos”.2 2 Ver, entre outras publicações, Goodman (2003), Counihan e Siniscalchi (2014) e Dubuisson-Quellier, Lamine e Le Velly (2011). Os termos “cidadão consumidor” e “consumidor-ator” invadiram as publicações de sociologia, e a chegada e multiplicação do consumidor “crítico”, ou “ético”, foi, segundo certos autores, um dos eventos políticos mais significativos dos últimos anos: “[n]um período percebido como de desengajamento político, no qual os cidadãos se tornaram apáticos, isolados dos processos políticos e alienados dos valores de cidadania, o desenvolvimento de consumidores críticos faz exceção à regra” (Micheletti, 200316 MICHELETTI, Michele. Why political consumerism? Political virtue and shopping. Nova York: Palgrave Macmillan, 2003., p. 28, tradução nossa).

Mas quem são esses consumidores? Como menciona Louis Pinto (2018)17 PINTO, Louis. L’invention du consommateur. Paris: PUF, 2018., “longe de ser uma etiqueta colocada num real preexistente o qual se esperaria que o nome permitisse identificar, a categoria de consumidor é uma noção ‘erudita’ cujo surgimento deve muito a um conjunto de profissionais da manipulação do mundo social”. Dentre os múltiplos movimentos que reivindicam esse qualificativo para evocar uma reação aos efeitos negativos do mercado, chama atenção o movimento Slow Food (doravante, SF), que faz uma crítica à mundialização, preocupa-se com o meio ambiente e a justiça social, declara-se, e é percebido, como um movimento de consumidores e cujo líder, Carlos Petrini, prega a “revolução pelo consumo”. O objeto deste artigo consiste em compreender o sentido desse movimento, a sua força de mobilização e a extensão de sua ação, preocupando-se com a identidade social dos agentes envolvidos e não apenas com sua condição de consumidores. Propomo-nos aqui a mostrar que essa redução da qualificação dos adeptos do movimento, aceita pelas ciências sociais e pelo próprio movimento, à condição de consumidores/agentes políticos é particularmente problemática e que, no caso específico, é importante analisar a posição que os indivíduos ocupam no espaço social e no campo profissional para melhor entender as mobilizações a que dão origem.

Num primeiro momento, faremos uma pequena apresentação do movimento e de sua história, para depois centrar nossa análise sobre sua atuação na França, país onde o movimento se desenvolveu a partir dos anos 2000 e onde tivemos a oportunidade de fazer uma pesquisa de campo entre 2012 e 2016. As 30 entrevistas, uma parte delas realizada com membros de células de base do movimento (os chamados convivia,3 3 Convivium é uma palavra de origem latina que significa banquete, ou festim, no plural convivia. O termo está sendo utilizado na França, e cada convivium tem um nome próprio evocando a especificidade do lugar. copiados do modelo italiano e implementadas ali e em outros países), e a outra com lideranças do SF, procuraram cobrir espaços sociais diferentes: da capital, Paris, à província, passando por uma cidade de vocação metropolitana, como Tours. Como veremos, elas permitiram desvendar atuações diferenciadas, assim como a idade dos militantes. Observamos a realização de reuniões de alguns convivia e analisamos documentos produzidos pelos militantes de SF em diferentes níveis. O fato de situar a atuação dos militantes dentro de um perfil mais abrangente dos entrevistados nos permitiu demonstrar que o sucesso dessa mobilização só pode ser entendido integrando o elemento “funcional” da condição de consumidor ao êxito de certas atividades profissionais e sociais de seus membros.

A gênese do movimento

Nascido na Itália, o SF tornou-se um movimento internacional que continua fortemente ancorado nesse país e desenvolve-se de maneira diferenciada no mundo internacional.4 4 Em 2013, o movimento contava 100.000 aderentes no mundo em 150 países. Entre outros, na Alemanha (1992), nos Estados Unidos (2000), no México (no congresso de Puebla em 2007, contavam-se 440 delegados para 48 países), na Coréia, no Brasil e na França.

Para entender a atuação do SF na França, é necessário, num primeiro momento, fazer uma pequena apresentação de sua história e de sua estrutura internacional, sendo que o domínio da organização italiana é muito forte e essencial para entender não somente a que o movimento se propõe, mas suas formas de luta. O SF se constituiu contra a introdução de redes de fast-food de tipo americano e se propõe a redescobrir a riqueza e os sabores das culinárias regionais, ameaçadas por uma produção em massa que prejudica o desfrute do bom gosto dos produtos.5 5 O discurso do líder do SF está muito próximo daquele dos regionalistas franceses dos anos 1930, na Borgonha, e, em especial, do Club des Cents, composto de jornalistas da imprensa parisiense, de políticos e industriais de destaque que estiveram na origem da valorização dos vinhos e dos produtos locais, afirmando-se num discurso que defendia um modo alternativo de desenvolvimento econômico, indo contra a industrialização e urbanização “doentias” (Laferté, 2006). Nos anos trinta na França, defender a culinária regional era equivalente a ajudar os dominados contra Paris e o “internacionalismo”, a tradição ou um passado idealizado opondo-se à modernidade e à indústria, a autenticidade contra a aparência, o campo sadio contra a urbanização e o luxo sofisticado, os particularismos locais contra a uniformização internacional, em suma, algo deveras nacionalista. Contudo, o SF, por sua vez, tem por ambição encarar de maneira positiva as particularidades locais do mundo inteiro. Carlos Petrini, fundador do movimento e seu líder atual, é um jornalista e crítico gastronômico e de produção vinícola que estudou Sociologia. Militante de esquerda, ele fez parte do movimento histórico chamado “restos de 86”, que se afastou da maneira tradicional da esquerda de fazer política.6 6 Pertencia à associação recreativa dos italianos comunistas (Arci Gola) e era crítico do ascetismo da esquerda. Com outras associações, ele fundou, em 1986, “Arcigola”, um movimento gourmet alternativo das Langhe na região piemontesa. Essa associação tinha um caráter comercial, com a venda de guias de turismo, de guias gastronômicos, em especial a respeito dos vinhos, e constituía uma associação de gourmets nacional que lutava em favor das “culinárias nacionais” (Valcheschini, 2014, p. 227). No decorrer da década de 1990, ele lutou contra a aplicação da legislação europeia que ameaçava a produção artesanal.7 7 Em especial no caso do porco (lardo di Collonata), que se tornou símbolo dos produtos ameaçados de desaparecimento por políticas públicas. Assim, não se tratava somente de uma mobilização anti fast-food, mas também de uma luta contra a homogeneização da alimentação que o fast-food promovia e a preocupação com o meio ambiente. Partindo de uma busca hedonista, misturando, desde sua criação, política e business, o SF se estruturou, desde 1989, em uma vasta rede internacional que conta com um número significativo de “chefes de cozinha”, profissionais renomados de restaurantes famosos.8 8 O termo “chefe de cozinha” se refere a quem é responsável pelo processo de elaboração completa dos pratos de uma refeição na cozinha do estabelecimento onde é servida. Ele trabalha só, ou com uma equipe de cozinheiros ou ajudantes, que executam sob suas ordens sua técnica culinária. No fim da década de 1990, a questão do meio ambiente começou a se tornar preocupação dos seus líderes, assim como a biodiversidade, o cosmopolitismo e a herança cultural local. Em 1996, foi criado o Salão do Gosto que, desde então, é realizado a cada dois anos em Turim, dando lugar, como sinaliza Valeria Siniscalchi (2013)20 SINISCALCHI, Valeria. Slow versus fast. Économie et écologie dans le movement slow food. Terrain, n. 60, p. 132-147, 2013., a uma teatralização do terroir (local delimitado que abriga “práticas agrícolas e pecuárias tradicionais”): uma enorme feira de produtos alimentícios que reúne em torno de 200.000 visitantes. Os grandes estandes dos patrocinadores (tais como o Café Lavazza, o consortium do queijo Parmigiano-Reggiano) reinam na entrada. Durante cinco dias, centenas de produtores, em sua maioria italianos, mas também estrangeiros, tornam conhecidos e vendem seus produtos, considerados como paradigmas da qualidade alimentar. Milhares de garrafas de vinho são degustadas numa grande adega, e numerosas “oficinas do gosto” iniciam os apreciadores de vinho e dos bons produtos às “artes da degustação”. O salão goza de grande atenção da mídia e tornou-se um catalisador do valor simbólico dos produtos exibidos e dos participantes da manifestação: foi o elemento que lançou o movimento. Mais tarde, em 2012, esse salão foi realizado junto com a Terra Madre. Palco de debates reunindo grande número de produtores oriundos do mundo inteiro para discutir políticas alimentícias e o futuro da alimentação em mesas redondas, o evento congregou a apresentação de produtos e debates em torno do futuro desejável da alimentação.9 9 Segundo Siniscalchi (2013), este evento contou com 4.000 produtores em 2012. Reivindicava uma ambição política para lutar em prol do direito fundamental à alimentação e à soberania alimentar (Thivet, 201421 THIVET, Delphine. Peasants’ transnational mobilization for food sovereignty in la Via Campesina. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy. Londres: Bloomsburry, 2014. p. 193-209.). Um dos assuntos frequentes das conferências no Salão do Gosto e na Terra Madre, em 2012, por exemplo, versava sobre as crianças e sua relação com mundo e com a comida. Alice Waters, chefe de cozinha e ativista americana, vice-presidente do Slow Food Internacional, pregava que o futuro reside numa “revolução silenciosa” que começaria na escola com a inculcação de bons hábitos alimentares. Outros salões foram criados, ainda na Itália, em torno da criação de peixes em Gênova e da produção de queijos em Bra, e outros ainda em diversos países do mundo, como no México e na França.

O movimento prega uma globalização virtuosa e se propõe a valorizar os produtos locais. Fast remete à globalização que tudo padroniza, enquanto slow remete às especificidades produtivas de diferentes localidades, suas características climáticas e ambientais, consideradas como a base da qualidade dos produtos. Foi instituída a Arca do Gosto, inventário dos produtos locais que mereciam ser preservados “para salvar o planeta dos sabores”, e um prêmio anual para a biodiversidade veio contemplar seus produtores. Em seguida, foi proposta a criação dos presidia (sentinelas, em português) que são ao mesmo tempo produtos e projetos que se propõem a proteger e promover produtos de alta qualidade alimentar ameaçados de desaparecimento, escolhidos pelos membros de um convivium para serem incentivados e consagrados pelo conselho científico do movimento local, a ser confirmado pelo da cúpula do movimento na Itália. O SF se propunha a ajudar os produtores na formalização de regras de produção e do ponto de vista econômico, favorecendo os circuitos curtos de comercialização e a valorização, dando ênfase à comunicação entre as redes sociais e a mídia. A atenção se focalizava não apenas sobre os produtos, mas também sobre os modos de produção, incluindo o contexto ambiental pelo viés de projetos internacionais, em especial na África. Foram também criadas faculdades de gastronomia na Itália.10 10 A universidade oferece em Polenzo e Colorno um programa interdisciplinar com disciplinas tais como: alimentação, nutrição humana, biologia animal, botânica, análise sensorial, comércio internacional, enologia, direito do meio ambiente e alimentar europeu, sistemas e técnicas de restauração. Esse movimento, muitas vezes percebido como elitista, ganhou um caráter mais político ao ser reconhecido pelo então secretário geral da FAO, o agrônomo e economista brasileiro José Graziano da Silva, que esteve na inauguração do Salão do Gosto, assim como Dacian Ciolos, comissário europeu da agricultura.

O líder do movimento expôs as propostas do movimento num livro intitulado Bom, limpo e justo, traduzido em várias línguas,11 11 Traduzido em vários países, a edição brasileira data de 2009 pela Editora SENAC, instituição envolvida na promoção do comércio e controlada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). que declara assumir seu caráter político.12 12 O jornal Le Monde, de 9 de dez. 2012, no artigo “Slow Food fait de la politique” do Magazine du Monde reproduzia as palavras de Carlo Petrini declarando que sua ação passava do estatuto de curiosidade antropológica ou folclórica ao estatuto de quem faz política, fazendo nuances, contudo: “O palavrão foi dito: Slow Food entra na política. Mas não se trata de criar um partido com carta de aderente, meeting eleitoral e ‘tutti quanti’”. Prefaciado por Alain Ducasse, um dos chefes de cozinha franceses mais reputados do mundo, o texto privilegia a escolha do consumo como “o primeiro ato político forte” que pode se realizar na vida. Propõe-se a promover uma “ética da gastronomia e da soberania alimentar”, um conceito também reivindicado pela Via Campesina (Thivet, 201421 THIVET, Delphine. Peasants’ transnational mobilization for food sovereignty in la Via Campesina. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy. Londres: Bloomsburry, 2014. p. 193-209.). O “bom”, primeira preocupação do movimento, se refere ao ponto de vista gourmet. O “limpo” diz respeito às raças, às espécies vegetais, aos modos de cultivar produtos e aos “meios em que se insere”. O “justo” faz referência a uma retribuição justa aos produtores. O movimento institucionalizou-se de maneira diferenciada nos países em que se implantou (na Itália, por exemplo, tornou-se uma marca) e com sucesso desigual. As considerações que se seguem referem-se à sua presença na França.

Slow Food na França

Na época em que o SF se desenvolveu na França, ou seja, a partir dos anos 2000, outros movimentos de consumidores já estavam atuando no país com o intuito de remediar o que era visto como malefícios da produção em massa (Le Velly, 201715 LE VELLY, Ronan. Sociologie des systèmes alimentaires alternatif. Paris: Les Mines, 2017.), o mais importante deles sendo, talvez, a Associação para Manutenção de uma Agricultura Camponesa (AMAP). As AMAPs são associações que estabelecem uma ligação direta entre produtores e consumidores e tentam atender às demandas destes por alimentos de qualidade, colocando suas expectativas em discussão com os produtores, e que funcionam, ao contrário do SF, em pequenas organizações locais (Lamine, 200514 LAMINE, Claire. “Settling Shared uncertainties: local Partnerships Between Producers and Consumers”. Sociology Ruralis, v. 45, n. 4, 2005, p.324-345.). A estrutura de funcionamento do SF, como mencionamos, é calcada na usada na Itália, e as pessoas estão organizadas em unidades de base, os chamados convivia.13 13 Adotou-se na França a forma jurídica de uma associação lei 1901, ou seja, uma convenção pela qual pessoas diversas colocam em comum seus conhecimentos numa atividade sem fins lucrativos. Eram 42 em 2012, desenvolvendo-se primeiro no Sudoeste da França, onde essas organizações eram mais numerosas, sendo o primeiro convivium criado em 1998 em Perpignan, por Jean Lhéritier, que se tornou o primeiro presidente do Slow Food France. O número de membros variava segundo os convivia. Alguns têm 40 ou 50 participantes, outros, como o do Béarn (Bizi Ona, no País Basco), mais de 100. Suas atividades variam em função do lugar em que são implantados, de seus membros e do perfil social dos seus organizadores. Os convivia se reúnem mais ou menos uma vez por mês para promover a produção tradicional e inscrevem-se na “filosofia” do movimento. A luta em favor da pequena produção pode assumir inúmeras formas, dependendo do momento, do lugar e da sua composição: os convivia são mais frequentes nos territórios montanhosos, onde a agricultura produtivista tem dificuldades em desenvolver-se. As ações harmonizam-se em função de sua situação geográfica, das qualificações específicas de seus membros e do calendário das atividades nacionais e internacionais, em especial a frequência ao Salão de Turim, que ocorre de dois em dois anos. Todos tentam conscientizar as pessoas organizando cursos, debates, degustações, jantares, viagens, apresentando livros e filmes, organizando várias sessões de educação do gosto, visitam outros convivia, promovem produtos locais por meio de visita ao produtor ou da procura de produtos que podem ser objeto de promoção como sentinelas. Participam no nível local das campanhas lançadas pela direção do movimento, assim como dos grandes eventos organizados pelo SF em nível internacional, em especial dos salões da Itália. No campo, eles atuam com o intuito de enriquecer a Arca do Gosto e procuram produtos que podem tornar-se presidia.

Slow Food na província:14 14 A forte centralização política, econômica e cultural em Paris está na origem dessa oposição forte entre a capital e o resto do território. procura e valorização dos produtos em via de desaparecimento

Os convivia reuniam-se, geralmente, nas cidades, em salas de edifícios públicos destinadas à atividade associativa, embora também percorressem o campo em busca de produtos em via de desaparecimento que, aos olhos dos “militantes”, mereceriam ser preservados. Foi o caso, por exemplo, dos nabos pretos de Pardailhan, município do Sudoeste da França. O nabo era consumido e apreciado no começo do século XX, mas a produção pós-guerra levou ao quase abandono desse produto, que deve suas qualidades organolépticas a um clima específico, situado entre o mar e a montanha. A criação do convivium do Languedoc-Roussillon, ao qual pertencia o presidente do Slow Food France,15 15 Ele participou do movimento de maio de 1968 e posteriormente tornou-se professor de economia. foi legitimada pelo conselho científico regional, do qual participava,16 16 O comitê francês da Arca do Gosto era composto, em sua maioria, por pesquisadores membros da associação. Em 2005, reunia 75 produtos. O comitê francês contava com um pesquisador do CIRAD (organismo francês de pesquisa agronômica e de cooperação internacional para o desenvolvimento durável das regiões tropicais e mediterrâneas,), um botânico, um historiador do gosto, um geógrafo, um especialista em marketing, um presidente de cooperativa e um membro da Academia da Agricultura, todos membros do movimento. entre outros, um membro representante da Academia da Agricultura, também membro do SF, antes de ser referenciado pelo conselho científico da direção do SF na Itália.

Note-se que o convivium conta com um produtor de nabos pretos de Pardailhan, ex-agente comercial que trabalhou em banco e, uma vez aposentado, sucedeu seu pai no seu pequeno sítio:17 17 Traduzimos ferme por “sítio”: o termo “fazenda” em português porta uma conotação de grande propriedade. “O Slow Food é internacional, eles têm um potencial de fogo com chefes de cozinha muito reconhecidos mundialmente, e que nos fazem conhecer”.18 18 Chamou-nos atenção a facilidade de perceber os efeitos poderosos dessas instituições e da utilização das redes sociais, atitude que não encontramos com produtores de carneiros do estuário do Rio Garonne, que não mostram nem o mesmo nível de educação, nem o convívio em meio urbano antes de se dedicar à agricultura. O uso diferenciado das redes sociais chamou nossa atenção, sem termos, no entanto, a possibilidade de proceder a esse estudo. Os salões reuniam, além dos produtores e compradores, um grande número de jornalistas, e seu papel de “catalisadores de notoriedade” era regularmente destacado pelos produtores e também pelos participantes do SF. Assim, esse produtor contava que já havia rejeitado até mesmo jornalistas de televisão, de tão procurado, e que recebera telefonemas até de um chefe de cozinha estrangeiro.

Ainda no Sudoeste francês, em 2004, o porco preto de Bigorre tornou-se sentinela do SF: produto reconhecido pelo movimento como merecedor de preservação, beneficiando-se, assim, de ajuda econômica e de importância e reconhecimento junto ao público. O porco preto vivia quase em liberdade, comendo castanhas e frutas, alimentação complementada pela produzida pelo criador. Sua criação foi pouco a pouco desbancada por espécies de animais mais produtivos. Os poucos criadores que restavam recusaram-se a adotar o sistema industrial. Por sua vez, um conselheiro da Câmara de Agricultura,19 19 Ele era filho de um pequeno produtor da região que conhecia o renomado presunto “pata negra” da região espanhola vizinha. contratado para desenvolver uma produção de tipo produtivista, envidou esforços para adequar a criação do porco de Bigorre a esse paradigma e encontrou acolhida à sua proposta no convivium recentemente criado. Outra figura essencial do grupo é Jean Michel, criador de porco preto – seu pai trabalhava na aerospacial de Toulouse, seu avô foi pequeno produtor num charmoso povoado da região, junto a uma estação de esqui e de uma estação termal. Sentindo-se inclinado a se estabelecer no povoado onde passava as férias quando era criança, Jean Michel seguiu os passos do avô, ao invés de tentar uma carreira na aeroespacial. Dotado de um olhar aguçado, Jean Michel percebia as expectativas e demandas das pessoas que iam passar férias ali e, desde cedo, começou a sentir vontade de ter uma produção ajustada às exigências dessa clientela de origem urbana. Começou criando patos para fazer foie gras,20 20 Especialidade culinária francesa feita com fígado de ganso ou de pato submetidos a alimentação forçada. produto altamente valorizado pelos turistas, mas rapidamente se deu conta de que aquilo estava começando a ser produzido em larga escala, passando a investir na criação de porcos pretos. Ambos, o conselheiro da Câmara de Agricultura e o criador de porcos pretos, encontraram no SF o que procuravam.

Os membros do SF fizeram diversos investimentos para tornar a produção de porco preto viável do ponto de vista econômico, conferindo-lhe títulos de distinção para tornar-se o “porco preto de Bigorre”. Apresentaram o porco preto de Bigorre nos salões organizados pelo SF em Turim, Tours, Montpellier, e os criadores do Sudoeste francês receberam as delegações de todas as demais sentinelas francesas. “O Slow Food nos ajudou a trabalhar o gosto”, dizem Jean Michel e o conselheiro da Câmara de Agricultura, os dois líderes desse trabalho de valorização: “é importante achar a palavra certa para valorizar o produto… Era necessário um trabalho de reflexão… Era preciso reintroduzir a cultura, a filosofia e a poesia”. Tiveram ajuda de um historiador para ressaltar a presença do porco preto na História, mais especificamente nas abadias cistercienses, e a frequentação dos salões serviu de formação para habilitar os produtores a apresentar seus produtos.21 21 A respeito do papel dos salões internacionais como elemento formador na comercialização dos produtos, ver Garcia-Parpet, Lecler e Sora (2015). Durante uma oficina que ocorreu no salão de Montpelier, Jean Michel nos relatou: “não sabíamos muito bem falar sobre a gordura. Uma pessoa especialista em azeite que se encontrava presente nos deu explicações sobre o assunto. Depois disso, apresentamos nossos produtos no Senado22 22 Os produtores de vinho costumam também aproveitar seus produtos no local do Senado. e nos encontramos com jornalistas e chefes de cozinha. O porco preto tornou-se uma produção de exceção, que recomendam os chefes de cozinha mais famosos, em particular o líder da “bistronomie” Camdeborde.23 23 A corrente de “bistronomie” (“boteconomia”) é voltada para um caminho intermediário entre gastronomia e comida de boteco e se desenvolveu a partir do começo do século XXI. O presunto foi apresentado como a “star do presunto”, e o jornal l’Obs24 24 Hebdomadário feminino muito difundido, 20 de março de 2015. o apresentou como um produto refinado (as ênfases são minhas), assim como as lentilhas do Puy (outra sentinela do SF), o sal do Himalaya, o sal de Guérande, todos destacados na revista semanal muito difundida Elle.25 25 22 de janeiro de 2016.

Após 13 anos de trabalho coletivo para apresentar um dossiê ao Instituto Nacional das Denominações de Origem (INAO), o porco preto foi reconhecido como merecedor desse certificado de qualidade: uma área 1000 ha foi delimitada com regras de produção a respeito do tempo de criação, da alimentação sem OGMs,26 26 Organismos geneticamente modificados. e o respeito ao animal, limitando a criação a 20 animais por hectare. Atualmente, o presunto e a carne do porco preto de Bigorre são vendidos por toda a França em lojas de produtos finos, inclusive na loja Terre d’avenir,27 27 Um dos donos é membro do SF e o outro é filho de um membro do SF, ponto que retomaremos adiante. frequentada entre outros pelos integrantes dos convivia de Paris.28 28 Podemos mencionar também o convivium Bizi Ona, liderado por um professor de Geografia que escreveu vários livros sobre a qualidade do queijo da região e é conselheiro geral (um cargo administrativo chave para financiamentos) que dinamizou muito a economia local. Aqui podemos reconhecer o processo de deslocamento do produto de uma posição “ordinária” em direção a um status mais distintivo, a respeito do qual se fazem valer diferenças pertinentes para o acréscimo do seu valor, no caso, do ponto de vista organoléptico, do meio ambiente e histórico, como analisam Luc Boltanski e Arnaud Esquerre (2017)2 BOLTANSKI, Luc; ESQUERRE, Arnaud. Enrichissement, une critique de la marchandise. Paris, Gallimard, 2017..

Em outros convivia, a procura por sentinelas ainda não havia chegado a um resultado satisfatório, como era o caso na Alsácia, onde se falava em “salvar a galinha da Alsácia”, espécie muito apreciada pelo chefe, “agraciado com duas estrelas”, Nicolas Stamm, do restaurante La fourchette des Ducs, em Obernai, que a utiliza regularmente nos seus cardápios. Os convivia organizavam visitas aos sítios acompanhadas de rodas de conversa com os produtores, como no caso do sítio Schmit,29 29 Instalado há 30 anos na região, ele vende seus produtos nas feiras de Estrasburgo. O sítio faz a apresentação dos seus produtos nas redes sociais. com discussões sobre o sistema de criação, seguidas de uma oficina de preparação de foie gras, que os participantes podiam levar para casa. Numerosas oficinas culinárias eram organizadas para degustação e/ou preparação do foie gras. Entre 2009 e 2012, Shnaeckele, um dos convivia da região da Alsácia,30 30 Na página de internet do convivium Schnaekele, pode-se ler: “Caderno de endereços da Arca do Saber Gustativo. A arca contém endereços de bons restaurantes alsacianos que compartilham a nossa filosofia. Verdadeira rede de informação gastronômica, ela oferece uma alternativa à publicidade enviesada e sem alma da mídia”. Já o outro convivium alsaciano, o Schnakala, organiza, por exemplo, uma troca de produtos alimentares, reunindo várias associações que mobilizam valores “cidadãos”, organizando as trocas “num ambiente de verdadeira mistura cultural e social” (junho, 2013). cujo animador é um empreendedor do setor do turismo, realizou diversas oficinas culinárias, dentre as quais uma com o convivium de Karlsruhe, na Alemanha, uma conferência debate, uma conferência jantar, um jantar “barroco italiano”, oito visitas a sítios, uma com piquenique, outra com uma degustação de vinhos, e ainda dois jantares geminados com um convivium oriundo da Sicília. Uma maneira de fazer conhecer a produção local e de promover, assim, uma publicidade relacional nos níveis local, regional e internacional.

Ainda mais um exemplo: em um fim de semana de abril de 2013, foi realizado um passeio pelo Vale de Surmelin, no Auberge de l’Omois, para descobrir os produtos de terroir da região da Brie Champenoise, organizado pelo convivium da região, ou ainda um piquenique no sítio do Chamont, que é também uma AMAP31 31 Sigla de Association pour le maintien de l’agriculture paysanne (Associação para Manutenção da Agricultura Familiar). que vende legumes e carne de cordeiro. Os participantes foram convidados a trazer saladas de acompanhamento, assim como bebidas, e a compra do cordeiro era dividida entre os participantes, cujas despesas eram acertadas no lugar. Houve ainda um churrasco, assado na presença dos visitantes e degustado por estes. Vale mencionar, por último, um passeio ao sítio de Truttenhausen, próximo a uma abadia do século XII, como destacado na apresentação de sua página de internet, e onde pratica-se a biodinamia na produção do vinho. Ali pode-se fazer refeições e pernoitar.

Resumindo e apresentando em outras palavras: trata-se de atividades de apoio a um modelo de agricultura menos intensivo, fundado no saber das comunidades locais, associadas a um lazer de baixo custo. Além disso, pode-se observar que, na maioria dos casos, trata-se de pessoas de origem urbana convertidas a pequenos produtores.32 32 Nota-se que esse movimento de ida ao campo é alimentado pela desilusão em relação aos benefícios da cidade (em especial, rejeição do trabalho assalariado e valorização da natureza). Longe dos lugares de produção, sobretudo no seio das grandes metrópoles, as atividades mudam de ênfase e concentram-se em mapear os bons produtos e locais de consumo, assim como divulgar os efeitos negativos da agricultura intensiva por meio da organização de debates.

Slow Food em Paris

Nossa análise põe em foco três convivia situados em bairros da zona leste de Paris que concentram estratos da população de nível superior e médios, incluindo empresários – convivia que, no entanto, não são os que dispõem das rendas mais altas33 33 Para a composição social da cidade de Paris, ver Pinçon e Pinçon (2014). e que diferem entre si. Mouffetard, Bastille e Terroirs du Monde são suas denominações. Concentramos as entrevistas nos dois últimos.

As atividades do Terroir du Monde, que contava com, segundo relatório fornecido por seu secretário, 40 aderentes que pagavam suas cotizações, são muito marcadas pela identidade de seu animador, Pierre Josse, um crítico gastronômico que viajou pelo mundo inteiro e era redator-chefe do conhecidíssimo Guia do Routard.34 34 O guia foi criado nos anos 1970 e destinava-se aos turistas pouco endinheirados, mas com certo capital cultural. A grande maioria das reuniões consistia em jantares temáticos e degustações, nas quais as despesas eram dividias entre os convidados. Em 2012, segundo o relatório supracitado, redigido por um arquiteto, os membros reuniram-se 50 vezes ao longo do ano, a maioria delas na 14ª circunscrição de Paris, onde tem sua sede o convivium, sendo estes encontros dedicados à degustação de produtos ou pratos de origem francesa ou estrangeira. Os demais encontros foram consagrados a visitas a sítios e florestas nos arredores de Paris, bem como à participação em salões, tais como o Salão do Gosto, na Itália, o Eurogosto, em Tours, incluindo ainda a apresentação de livros, como Dinâmicas dos espaços rurais, de Gille Fumey, pesquisador do CNRS,35 35 Sigla de Centre National de la Recherche Scientifique (Centro Nacional de Pesquisa Científica). ou de filmes. Grosso modo, poderíamos tomar emprestadas as palavras de um integrante do convivium Bastille, mais propenso a realizar eventos gratuitos e mais politizados, para definir a vocação da sua congênere: “eles gostam de bons vinhos e apreciam os produtos, gostam de achar restaurantes interessantes e difíceis de se encontrar, fazem jantares nos lugares menos previsíveis. Ele [Pierre Josse] viaja muito, ele conhece os camponeses. Eles organizam temas em torno do vinho [com despesas] de 30 a 40 euros”.

O convivium Bastille, por sua vez, recruta seus membros entre a população mais jovem, em sua maioria estudantes com pouco dinheiro no bolso, como o observou um deles. Seu presidente era, na época da pesquisa, um doutorando em geografia, cuja mãe, militante do SF, tinha uma loja de produtos do mundo inteiro36 36 A loja vendia iguarias de várias partes do mundo, em particular o guaraná, que ela havia descoberto durante suas viagens pelo mundo afora, produto sobre o qual o filho, Bastien Beaufort, publicou, em 2008, Le guarana, trésor des Indiens Sateré Mawé. Mythes fondateurs, biodiversité et commerce équitable, na mesma editora onde foram publicados dois livros de Carlo Petrini. perto da Praça da Bastilha. As atividades do grupo se iniciaram no começo do século XXI, encabeçadas por Marion, que criou uma associação do tipo lei 1901 voltada para a gastronomia. Ela era editora e, quando a empresa para a qual trabalhava foi vendida, em 2000, decidiu tornar-se estilista alimentar. Ela queria trabalhar com os japoneses, tendo feito, com esse propósito, um MBA agroalimentar na Escola Superior de Ciências Econômicas e Sociais (ESSEC), uma escola de comércio de muito prestígio na França. Marion nos contou que sempre gostou de cozinhar e de pesquisar temas ligados à gastronomia. Possuía uma rede grande de amigas, formada por pessoas “mais abertas à diversidade, menos conformistas”, uma rede que ela mobilizou quando da criação do grupo que deu origem ao convivium Bastille. Ela trabalha atualmente na OCDE e relembra que começou a se entusiasmar com o conceito de SF num momento em que achava que a qualidade dos alimentos era desconsiderada... e tinha chefes de cozinha “neófitos”:

Voltando de uma viagem para Fez, fui fazer um estágio como cozinheira na Bretanha, na casa de uma pessoa que estava interessada na utilização de algas. Nos primeiros anos, fazíamos viagens culturais sem sair do lugar: a gente chamava alguém do CNRS para falar sobre o Vietnã, pessoas que conheciam bem a cultura e a gastronomia de um país... Eu tinha uma amiga que sabia comprar e a gente cozinhava na casa de uns e de outros... Conhecemos um pequeno restaurante especialista em cozinha vietnamita, o valor simbólico do arroz… A gente se perguntava por que não existiam restaurantes argelinos... Fizemos um trabalho sobre a emigração, a identidade e a cozinha... A gente fazia relatórios, mas nada sistemático. Fizemos isso durante cinco ou seis anos e, aí, teve o ano especial sobre Brillat-Savarin [Autor de Physiologie du goût, em que se misturam filosofia e receitas de cozinha], a pedido de Petrini, ele o adora. Passamos o ano todo seguindo-o. Em Belay, no departamento de Ain, onde Brillat Savarin nascera, fizemos alguma coisa com a prefeitura, no fim de semana. Fomos procurar trufas na floresta... Celebramos Brillat Savarin com Marchenay [antropólogo do CNRS da região da Bresse]. Ele e sua companheira, também do CNRS, eram muito ativos... Muito ligados ao espírito do Slow Food... Viajamos para a Alemanha, para a Suíça, para Nova York.... Participei de todos os eventos americanos.

Entre os membros de seu convivium, encontram-se pesquisadores, editores, estudantes, jovens chefes de cozinha etc. Organizam sessões de cinema ou recomendam filmes que fazem a apologia da pequena produção agrícola. Assim, convidaram-me para assistir a Herbes,37 37 Herbe, dirigido por Mathieu Levain e Olivier Porte, 2008. um documentário que relata o conflito existente entre os que defendem a agroindústria e aqueles que optaram por uma agricultura sustentável. Em determinada ocasião, o convivium associou‑se a ONGs internacionais para alugar 150 lugares numa sala de cinema no Boulevard Saint Michel, situado num bairro onde se concentra um público universitário. Geralmente, indicam documentários críticos à agricultura intensiva,38 38 Tais como Le beurre et l’argent du beurre (A manteiga e também sua renda – filme sobre comércio justo que emprega uma expressão idiomática que sublinha fins contraditórios), de Philippe Baqué e Alidou Badini (2007), ou ainda Les moissons du futur (“As colheitas do futuro”, 1995), ou Notre poison quotidien (“Nosso veneno quotidiano”), O mundo de Monsanto, uma crítica a esta multinacional por utilizar produtos químicos nocivos à saúde, que foi dirigido por Marie Monique Robin (2008). que costumam ser transmitidos num canal de televisão como o Arte, comprometido com programas ligados à questão socioambiental, ou exibidos no Salão Marjolaine (grande evento anual de agricultura orgânica realizado num jardim público de Paris).

Numerosas atividades concentram-se em torno da famosa Feira de Aligre, em Paris, onde são vendidos produtos alimentícios e artigos de brechó e de antiquário. Ela é conhecida por seu caráter popular e atrai muitos turistas, que, na França, costuma-se chamar de “burgueses boêmios”, ou bobos de maneira mais abreviada. Em 2012, por exemplo, o convivium Bastille encampou a palavra de ordem do movimento internacional ao promover o “dia da batata”, evento que queria chamar atenção para o fato de que produtos simples e baratos também fazem parte do raio de ação do SF. Durante este evento, adotaram o estilo de comida de rua: ao redor da feira, serviram pratos confeccionados com batatas provindas da horta da associação de bairro Comuna d’Aligre39 39 Associação de bairro. e colhidas por seus membros, após a projeção do filme Le beurre et l’argent du beurre.

Respondendo à preocupação com o meio ambiente, ainda em 2012, o convivium Bastille lançou o Disco Soup, um movimento contra o desperdício alimentar, iniciado na Alemanha, e que seria adotado em seguida pelo convivium de Tours,40 40 Uma cidade no centro da França, a qual retomaremos mais adiante. em que os excedentes dos produtos recolhidos no fim das feiras, ou nos supermercados, eram cozinhados em praça pública pelos militantes, que convidavam a população para contribuir com o movimento ajudando no preparo dos ingredientes para os pratos servidos ali mesmo, num clima festivo e com música. Ainda em 2012, no dia 13 de outubro, o convivium organizou o “banquete dos 5000”, no Hôtel de Ville (edifício que sedia a prefeitura de Paris), apresentado como uma “manifestação lúdica para protestar contra o desperdício alimentar” promovida por ocasião da estreia do filme Global Gâchis, o escândalo do desperdício alimentar (Global Gâchis, 201210 GLOBAL GÂCHIS : Le Scandale mondial du gaspillage alimentaire. Direção: Olivier Lemaire. Produção: CAPA. Roteiro: Olivier Lemaire, Maha Kharrat, Tristram Stuart. França: Canal+, 2012. Streaming (90 minutos).).

Entre os membros desse convivium, contamos, por exemplo, com um historiador41 41 Pesquisador do CNRS e autor dos livros Histoire des cuisiniers en France e Le mythe de la gastronomie française (Drouard, 2007, 2016), ambos editados pelo CNRS. que frequenta a feira de Aligre e foi várias vezes aos eventos italianos. Seu filho, que conheceu o SF com ele na feira, cursou uma escola de comércio e se lançou numa atividade de distribuição de produtos, após ter feito um trabalho de conclusão de curso sobre o tema. Associando-se a um ex-colega de escola que tinha tido uma experiência de trabalho com finanças em Hong-Kong, eles procuraram fazer a ligação entre os produtores agrícolas e os chefes de cozinha, fazendo chegar a estes últimos produtos naturais ou produtos novos. Eles definem assim suas atividades:

Trata-se de um procedimento... não propriamente alternativo, mas sensível. Passamos oito meses à cata de chefes de cozinha. Ingênuos, procuramos os grandes restaurantes e palácios, mas, na verdade, o que queríamos funcionava com os restaurantes modestos da nouvelle cuisine. Apesar de seus chefes terem aprendido o ofício nos maiores restaurantes, eles sabem fazer uma comida sofisticada com menos presepada, mais “raiz”. Valoriza-se o produto. É diferente da gastronomia que tem um aspecto decorativo. É uma modalidade diferente. Encontramos os produtores, eu não tinha noção de agricultura, eu os encontrei por meio da rede do Slow Food. É hiper denso, uma rede conectando as antenas regionais, faz um efeito bola de neve... O Slow Food na França está mais ligado à parte da gastronomia, esquecendo-se dos produtores: o objetivo da nossa militância é trazer a agricultura para o cotidiano. Nossos produtos são muitas vezes “sentinelas”, e o objetivo é divulgar as variedades. É um procedimento para entreter uma espécie, e isso tem uma verdadeira importância no nível do patrimônio. Nossa ação militante consiste em promover a agricultura no cotidiano... Nós não temos a pretensão de mudar o mundo, ou melhor, só no nosso nível, junto aos “criadores de gado”, que são todos ligados ao Slow Food. Tenho impressão de estar fazendo algo de bom.

Nas cidades de menor porte, os convivia organizam salões, tendo como modelo os salões italianos internacionalizados. Em 2007, o convivium do Languedoc Roussilon organizou o “Salão de gosto e dos sabores de origem”, em Montpellier, e o convivium de Gap, cidade situada perto da fronteira italiana, organizou ali um salão reunindo franceses e italianos, financiado em 30% por fundos europeus. Mas o mais famoso e o maior dentre eles era, sem dúvida, o “Eurogusto”, que pretendia ser uma réplica europeia do Salão do Gosto de Turim.42 42 Na época em que fizemos as entrevistas, o Eurogusto tinha sido suspenso, o prefeito da cidade que o apoiava tendo perdido as eleições. O programa era muito dependente da administração municipal; quando o prefeito perdeu as eleições, houve uma descontinuidade na existência do evento.

O Salão Eurogusto e o convivium de Tours

O convivium de Tours, criado em 2005, contava entre seus membros professores do ensino primário e secundário, pequenos produtores inseridos em circuitos curtos, pescadores de rio e chefes de cozinha dos arredores, em especial Barret, que utilizava produtos locais, indicando no seu menu não apenas sua proveniência, mas também o nome do produtor. Muito ativo no convivium, Barret lançou um convite nas redes sociais em dezembro de 2015, para que as pessoas fossem ao seu restaurante experimentar os pratos preparados com os ingredientes que estavam concorrendo à inscrição na Arca do Gosto.

Entre os pequenos produtores, podemos mencionar Jacques, filho de agricultor, formado em engenharia da computação, que voltou ao campo para tomar conta do sítio dos pais quando eles se aposentaram. Criava gado leiteiro e vendia a carne e os laticínios que ele mesmo preparava na feira de Tours e/ou na AMAP à qual ele pertencia, ou ainda para o chef Barret, já mencionado. Jacques pertencia também à associação De Ferme en Ferme (“De sítio em sítio”44 44 Sigla de Fédération nationale des syndicats d’exploitants agricoles (Federação Nacional dos Sindicatos dos Produtores Rurais). ), mas não acreditava que o sindicato pudesse resolver os problemas da pequena produção agrícola. Ele apostava em pequenas associações de ajuda mútua, compartilhando as mesmas concepções da profissão e fugindo dos empréstimos bancários. A casa dele fora construída segundo regras ecológicas, e a sala de estar estava repleta de livros (a mulher de Jacques era uma escocesa que dava aulas de inglês no Lycée de Tours).

O convivium também era composto por professores universitários, cabendo mencionar o diretor do Instituto Europeu de História e das Culturas da Alimentação, membro fundador da Eurogusto, e por consultores ligados à administração da cidade que tinham por ambição recriar uma bienal europeia do Salão do Gosto, criando uma joint-venture entre a cidade de Tours e o SF. Cidade de mais de 130.000 habitantes, Tours tinha ficado ao largo da industrialização que ocorreu no período do pós-guerra. Cercada de vinhedos e de paisagens valorizadas por castelos renascentistas, conhecida por suas especialidades culinárias, procurava-se fazer dela uma capital gastronômica internacional, e ela era candidata a esse título atribuído pela UNESCO.45 45 É o caso também de Dijon, cidade situada na Borgonha, região de vinhos renomados, que procurava se valorizar enquanto cidade gastronômica, onde existia igualmente um convivium; assim como de Rungis, mercado de atacado de produtos alimentícios em Paris. Com esse intuito, o Eurogusto foi planejado para ocorrer no Centro Histórico da cidade, onde está concentrado o patrimônio natural (com o Rio Loire) e histórico, conjugando gastronomia e cultura. O evento se deu junto com o Terra Madre de Jovens Europeus, organizado pelo SF e pelo movimento Slow Food Jovem (reunindo 300 jovens de 17 países) para discutir “as grandes questões a respeito do futuro da alimentação e da agricultura na Europa”, com a participação de pesquisadores, estudantes, produtores, e chefes de cozinha.

Em novembro de 2009, ocorreu a primeira edição do Eurogusto que, durante três dias, contou com várias conferências, debates e projeção de filmes nos anfiteatros da universidade, cujos quadros contam com vários membros do SF, entre os quais, como já mencionamos, o diretor do Instituto Europeu de História e das Culturas da Alimentação, cujas pesquisas dependiam exclusivamente do financiamento do Conselho Regional. O envolvimento de universitários com o SF era grande. Assim, por exemplo, uma “técnica de nível médio” (ITA) relatou durante sua entrevista que, na hora do concurso para obter um cargo, o fato de ser militante do SF, tendo feito um estágio na Itália, foi-lhe muito favorável. O Salão apresentou produtos em via de desaparecimento de diversos lugares do mundo, considerados “de grande tradição gastronômica” e que faziam parte do programa de “salvaguarda” da Fundação Slow Food, entre outros produtos franceses.[46] O evento também contava com uma feira de produtos selecionados que, embora não fossem sentinelas, eram recomendados pelos convivia, expostos em 40 estandes organizados pelas comunidades locais do SF para dar visibilidade às identidades gastronômicas regionais. Havia ainda uma feira de produtos de origem da França e/ou da Europa. Nessa ocasião, também foram realizadas degustações de vinhos europeus.

Uma vez que, aos olhos de um certo número de militantes que incluía produtores e donos de restaurante locais, os dirigentes do evento não teriam dado espaço significativo para representação da base do convivium, foi criado por esses contestatários um evento alternativo, de envergadura muito menor, ainda assim reunindo um número grande de produtores locais: a Convergência Bio. À beira do Rio Loire, lugar nobre da cidade, produtores locais preocupados com “um meio ambiente”, como dizia o cartaz, expuseram seus produtos em duas datas emblemáticas do mês de setembro: o Dia Nacional do Patrimônio e o dia da Festa da Gastronomia na cidade. Além da venda dos produtos alimentícios, havia também espaços para fazer uma refeição e experimentar as iguarias locais e regionais. Segundo Jacques, pequeno produtor local e um dos organizadores do evento “era um momento militante para defender outra maneira de produzir, de comer… e de viver”. O chefe de cozinha Barret, membro dinâmico do convivium que havia recebido uma grande atenção de um programa de televisão voltado para a valorização das identidades regionais (Des racines et des ailes), defendia uma gastronomia menos convencional do que a dos chefes de cozinha de Tours e esteve, ao lado de Jacques,47 47 Este último, por sinal, após ter ido ao Salão do Gosto, em Turim, considerou que este era uma manifestação por demais “business”. à frente deste evento, cuidando da relação com a mídia. Qual é a relação desses militantes do SF com as demais organizações políticas engajadas numa agricultura sustentável e familiar?

Mudar o mundo? Só em nosso nível...

Se a associação criada em favor da gastronomia adquiriu um caráter mais político, as práticas dos militantes dos convivia, observadas na França, demonstram reticências quanto às formas de luta diferentes das pregadas pelo movimento. Podemos observar ações pontuais, tais como as do convivium da região de Les Landes, que chegou a fazer manifestações contra o uso de aviões para pulverizar pesticidas no município de Losse, em dezembro 2012; ou ainda, encontrar no blogue de um membro do convivium de Bordeaux a reprodução da análise da especulação no preço do trigo, por José Bové, grande figura contestatária da Confederação Camponesa. Bové lutou contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) e ficou famoso por ter feito uma ação muito midiática contra um estabelecimento do McDonald’s em uma cidade do sul, durante a qual ele foi preso.

Mas essa proximidade a outros movimentos está longe de ser a regra. Um investimento mais sistemático de convergência com movimentos políticos voltados para a defesa do meio ambiente nem sempre era bem visto, e a coordenadora de um convivium considerada demasiadamente favorável à luta pela agricultura orgânica foi logo substituída por alguém julgado menos radical. Se o SF privilegia, sem dúvida, a biodiversidade e a produção orgânica, as associações de produtores selecionadas para tornarem-se sentinelas do movimento não reúnem apenas produtores que reivindicam métodos privilegiando a agricultura orgânica: entre os criadores de carneiros do estuário da Gironde, por exemplo, todos os produtores estão preocupados com o meio ambiente, mas não são partidários da agricultura orgânica (no sentido de ter uma produção certificada). Os restaurantes divulgados no site da internet da sentinela da vaca da Bretanha Pie Noire, como paradigmas de valorização dos produtos alimentares, reivindicam, no melhor dos casos, uma gastronomia respeitadora do terroir.48 48 Ou seja, respeitando um certo número de tradições locais, sem, no entanto, preocupar-se com a questão dos insumos químicos. A sentinela Rancio Seco, do convivium Roussillon, valoriza uma maneira de vinificar que foi marginalizada devido ao reconhecimento dos vinhos suaves de Banyuls, consagrados como uma denominação de origem, mas não exige que os produtores adotem práticas orgânicas, ainda que muitos deles tenham manifestado preocupação a respeito do meio ambiente. Um membro do convivium Mouffetard define da seguinte maneira os princípios diretores da ação política do SF:

é diferente do orgânico, é uma ética, são produtos e saberes conservados, é mais a tradição, são bons vivants (pessoas que gostam da vida), chefes de cozinha com estrelas nos guias… é importante. Tem que ver o poder dos seus conhecimentos. Não é a mesma coisa que o orgânico, é um bando de bons vivants.

Se, a partir de 2014, o SF foi ativo na luta contra a multinacional Monsanto, participando da criação de um tribunal, em conjunto com outras associações, que buscou levar a empresa a uma condenação na justiça por prejuízos à saúde de numerosas pessoas, a tonalidade das ações permanece muito tímida. O próprio termo de “militância”, correntemente empregado por organismos rivais, nem sempre é prezado. Um membro do convivium de Bastille, que criou uma distribuidora de produtos, declara a esse respeito:

A nossa ação militante é a de promover a agricultura no cotidiano (via abastecimento de produtos artesanais) ... A gente não tem a pretensão de mudar o mundo, ou melhor, mudá-lo somente em nosso nível, e os pequenos agricultores e pecuaristas estão no Slow Food.... Tenho impressão de que faço algo de bom...

As reuniões dos convivia são ao mesmo tempo um momento de prazer compartilhado e uma forma de acessar uma rede de contatos suscetíveis de favorecer a atividade profissional dos seus membros. Tendo perdido a oportunidade de participar de uma reunião do convivium Terroir du Monde, seu animador me afirmou que eu havia perdido umas das melhores reuniões e assim a resumiu:

Descobrimos um produto estranho. Um membro do convivium Mouffetard nos fez degustar um vinho chinês com um queijo de cabra. Também havia um negociante de vinho grego que aprecia a biodinâmica e que nos fez degustar vinhos de Cefalônia e de Santorini. A história desses vinhos era muito poética: o indivíduo não estava nem aí para fazer dinheiro, ele não estava ali para faturar... Para ele, não era isso o que o motivava. Esse indivíduo não estava nem aí para o lucro… ficamos três horas, tinha entusiasmo e garrafas bonitas! Nós não vimos o tempo passar, a gente se sentiu bem juntos, era um momento de graça... é o que fica ... ridículo em relação aos problemas do mundo... Da última vez, descobrimos uma comida marroquina num restaurante da 9ª circunscrição… é um cozinheiro desinteressado para fazer o cuscuz... as técnicas são muito variadas de um restaurante a outro... ele faz seu próprio harissa [molho], ele tem óleos magníficos, o “Arganier” produz um óleo muito perfumado, um óleo de luxo, é três vezes mais caro que o azeite de oliva, ele deixa os clientes felizes.... Fiz uma ficha para o Guia do Routard. Os restaurantes escolhidos pelo Routard são slow food. Como é que eu os acho? A gente fica em rede... No boca a boca, a gente fica sabendo dos programas, tem oito pessoas do Mouffetard e outras do Bastille.

Da mesma forma, a procura por novas adesões não parece ser objeto de um esforço particularmente assíduo, mas a condição de referência em matéria gastronômica parece ser fundamental:

O engajamento no Slow Food difere muito de uma pessoa a outra, dependendo da história de cada uma, nenhum pela mesma razão. No meu caso, eu tenho uma profissão, sou autor de um guia turístico gastronômico, sensível ao lado alegre, hedonista da comida, sensível à qualidade do gosto... Mas não sou um slow food por lazer, é uma batalha feroz pela qualidade da comida e para parar com a exploração do terceiro mundo… Tem amigos que recusam o lado político; de cinquenta aderentes, tem vinte que são mais ou menos ativos, e tem aquela cota de pessoas que nunca aparecem... Tem gente que só vem para descoberta da comida estrangeira, para o lado convivial. A gente aguenta, mas a gente gosta de pessoas que investem na descoberta das comidas em relação estreita com as culturas (não no sentido agrícola).

“Não se procura os aderentes”, afirma ainda a animador do convivium Bastille: “O Slow Food não é uma agência de turismo gastronômico, é uma ‘casa da Mãe Joana’, (vem quem quiser) e não importa não ser aderente”. E, quando perguntei a uma militante o que significava SF para ela, sua resposta foi: “Uma maneira de refazer o mundo e construir o vínculo social; é igual a uma família... A gente está numa época de ruptura de laços sociais”. Pegando seu celular, mostrou uma mensagem de agradecimento armazenada ali pelo “convite para ir ao seu paraíso”, enviada por produtores de um pão particularmente valorizado, que foi exposto num estande no Salão Marjolaine, que ela havia recebido em sua casa durante o evento. “Tem coisa melhor do que isso?”, disse ela.

Assim, forma-se nas reuniões, ou nos salões e exposições, uma rede social na qual se encontram pessoas que possuem competências e interesses complementares, como um pescador de rio, profissão em via de desaparecimento, querendo valorizar seus produtos e à procura de um cineasta para fazer um documentário sobre ele e sua produção. Ou ainda o caso dos criadores de porcos de Bigorre que, no decorrer de um salão, ficaram sem jeito quando uma pessoa perguntou a respeito da qualidade da gordura do porco, tendo ficado gratificados com a resposta de uma pessoa que fez um mestrado em agroalimentação sobre azeite de oliva, com quem fizeram depois uma atividade de formação. Formações que deixam os produtores mais seguros para apresentar seu produto nos eventos de que participam, conquistar novos clientes, como no Senado e produtos alimentícios, porque ali podem organizar facilmente degustações para uma clientela apreciadora de produtos finos. Ou podemos mencionar ainda um jovem interessado em tornar-se chefe de cozinha, à procura de um emprego e que, chegando a Paris, inscreveu-se no convivium Bastille, onde encontrou dois jovens distribuidores de produtos destinados à restauração gastronômica, encontro que lhe propiciou acesso a um restaurante onde iria trabalhar nos meses seguintes. A constituição de um capital social a ser mobilizado para profissões bem diferentes, regra geral no espaço da gastronomia, é um dos resultados concretos da participação em convivia.

Da extinção à exceção

Como o assinala Valeria Siniscalchi (2014)19 SINISCALCHI, Valeria. Food activism between politics and economy. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy. Londres: Bloomsburry, 2014. p. 225-242., o interesse econômico, ou mesmo mercantil, não está banido das ações do movimento, seja no nível das sentinelas, seja no nível da organização dos salões: o Salão do Gosto é financiado, entre outros, por Lavazza, torrefador italiano reconhecido como primeiro fabricante de café do mundo, cujos produtos estão presentes em 90 países. O SF tem por ambição abraçar de uma maneira positiva as particularidades locais do mundo inteiro e não, como mencionou um de seus militantes, que já participou do Greenpeace, de se confrontar às grandes empresas. As ações do SF não visam proteger produtos que já possuem visibilidade, como o fazem as denominações de origem protegida,49 49 Para análise das denominações de origem de vinhos, ver Laferté (2006). Às vezes, o SF intervinha quando uma denominação de origem se afastava das práticas tradicionais, favorecendo as empresas de laticínios, revalorizando assim a produção dos pequenos produtores que permaneciam fieis às práticas “tradicionais” (Garcia Parpet, 2009). mas contribuir para a valorização de um produto estimulando e apoiando a associação de vários produtores e/ou suscitando novas vocações.

Os produtos são selecionados em função de suas qualidades organolépticas e pelo fato de serem propícios ao meio ambiente, além de sua viabilidade econômica. Uma vez promovido um produto ao estatuto de sentinela, é fornecida aos produtores e às eventuais pessoas interessadas em adotar essa produção uma ajuda financeira para se enquadrar a certas regras de produção. Após o ajuste, o produto é inserido na extensa rede do SF, de âmbito internacional: ele passará a ser objeto de diversas visitas de pessoas vindas de outros convivia, e os produtores, por sua vez, podem se deslocar para outros convivia para apresentar seu produto. Os convivia estão frequentemente em contato com inúmeras associações em que circulam as informações, como, por exemplo, a rede de distribuição de circuitos curtos (AMAPs), restaurantes, outros produtores ou outros movimentos associativos, ou ainda outros convivia nacionais ou internacionais, e os produtos se beneficiam assim de uma publicidade relacional. Estão também presentes nas redes sociais.

Mas, sobretudo, os produtores de sentinelas são convidados a expor seus produtos em salões, o que aumenta muito a sua visibilidade, sendo que o maior de todos é, como vimos, o Salão do Gosto, em Turim, onde a mídia tem um papel poderoso na promoção dos bens que ali são expostos. Enquanto as denominações de origem protegidas (AOP) se legitimam pela ação do Estado,50 50 Mas não somente, com o ressalta muito bem Gilles Laferté, que fala da importância do folklore commercial que revaloriza o vinho (Laferté, 2006). o Slow Food se legitima principalmente pela promoção de encontros de vários formatos. Os salões, além de produtores e compradores, congregam um número elevado de jornalistas e de chefes de cozinha de grande reputação e que cumprem um papel de “catalisadores de notoriedade e, portanto, de valor agregado”.

Em suma, tudo é feito para singularizar os produtos vindos de um local específico, produzidos de uma determinada maneira, adquirindo assim uma qualidade gustativa, mas também cultural, um ponto que atraiu fortemente a atenção do presidente do Slow Food da França, na entrevista a mim concedida, assinalando a importância desse caráter único durante as oficinas realizadas.

A imensa maioria dos membros dos convivia do SF é constituída de profissionais que ali encontram um interesse mais ou menos intenso em função de suas atividades: produtores de bens alimentares em pequena escala, chefes de cozinha e donos de restaurantes, críticos gastronômicos, sommeliers, pesquisadores diversos cujos interesses acadêmicos tenham uma ligação com a produção alimentar: geógrafos, historiadores do gosto, microbiologistas, geneticistas, agentes públicos de desenvolvimento regional ou municipal, distribuidores de produtos alimentares, jornalistas gastronômicos, consultores em marketing que contribuem, cada um na sua especialidade, para valorização dos produtos.

Assim, por exemplo, no domínio da ciência, mostramos como se desenvolveu o convivium de Clermont-Ferrand, capital da região montanhosa da Auvergne, onde se concentram várias unidades de pesquisa sobre a qualidade dos queijos da região, com pesquisadores atuando na legitimação das DOC. Entre os militantes do SF, encontra-se uma pesquisadora do INRA vinculada à ecologia microbiana dos queijos e que milita em favor dos queijos de leite cru, participando de um projeto que visa reforçar a ligação dos bens com seu terroir valendo-se “de microrganismos-assinatura”, termo utilizado por outra cientista da universidade de Caen, que trabalha também com os integrantes das DOC de Normandie (Bertussi, 20203 BERTUSSI, Mayra L. A qualidade dos queijos da região de Auvergne: um estudo sobre as relações entre expertise científica e o fomento das appellations d’origine controlée (AOC). Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020., p.195). Outro membro desse convivium é um geógrafo, pesquisador do CIRAD, especialista em sociologia da qualificação alimentar e consultor de Michel Bras (chefe de cozinha cujo restaurante era classificado como um dos cinquenta melhores do mundo), que organizou um curso de verão na Universidade de Clermond-Ferrand, a respeito do leite cru.

Há ainda um caso que vale a pena chamar a atenção pelos êxitos alcançados: trata-se do sucesso do convivium da região do Béarn, que conta com o maior número de militantes e uma grande quantidade de produtos sentinelas, resultado da atuação do seu presidente e fundador, vice-presidente nacional do SF, um professor de geografia que publicou vários livros sobre os queijos da região e ocupava um cargo de conselheiro geral e de diretor da agência pública de organização e desenvolvimento territorial da região. Muitos agentes de desenvolvimento regional encontraram no SF uma via mais eficaz para valorizar a pequena produção do que os incentivos estatais ou ainda como complemento a eles. Em 2008, a secretária geral do Slow Food France assinalava a presença de um senador, de um conselheiro regional para agricultura e do presidente da Câmara de Agricultura da região dos Pirineus, no evento Terra Madre, todos eles apostando na promoção das pequenas produções de qualidade.

Com o impulso da mídia, o movimento integra diferentes tipos de produtores, desde aqueles que se beneficiam da valorização dos seus produtos graças à qualificação do movimento a jovens estudantes procurando abrir uma distribuidora de produtos de luxo, ou até mesmo um cozinheiro em busca de emprego. Nesse sentido, a rede social do SF funciona como uma poderosa ferramenta de valorização de certos produtos no plano nacional e internacional, como fator de incremento da demanda para seu escoamento e elemento fundamental para estruturação das atividades econômicas. Nota-se a importância da produção acadêmica para nova configuração dos parâmetros da produção agrícola a ser valorizada e o papel relevante de agentes de organismos de implementação de decisões sobre políticas agrícolas numa posição peculiar nesses diversos campos.

Pode-se considerar que esse movimento, visto a partir da França, contribui para construir uma via alternativa ao modelo agroindustrial em vigor? Essa escolha de produtos, manifestação silenciosa que atua na demanda, como o menciona Hirschman (1995)12 HIRSCHMAN, Albert O. Défection et prise de parole. Paris: Fayard, 1995., atende às pretensões políticas explícitas do movimento e altera significativamente a qualidade da oferta dos produtos? Sem dúvida, o movimento procede a uma restruturação da qualificação dos produtos no sentido de valorizar a produção no que diz respeito às suas propriedades organolépticas e a sua relação com o meio ambiente. Essa revalorização simbólica dos produtos é acompanhada, evidentemente, de valorização monetária. Caso considerássemos apenas a condição de consumidores, estaríamos longe de perceber todas as tramas de interesses profissionais que encontram nas redes construídas sua razão de ser. Seria redutor ver esse tipo de movimento social apenas pelo seu aspecto de reunir também consumidores de várias origens.

A natureza do movimento faz com que, em vez de ser uma ação que se opõe aos produtores, como no caso dos produtos industriais como Nike, ou mesmo como nas AMAPs, nas quais consumidores e produtores têm reuniões para chegarem a um acordo sobre a qualidade dos produtos e/ou do preço, o ajuste se faz num trabalho coletivo em direção a uma visão compartilhada e consensual acerca da qualidade dos bens. Contudo, os militantes estão ainda envolvidos, em sua atividade profissional, com a qualificação dos produtos e modalidades de sua produção. E, se os produtos selecionados pelo SF eram, a princípio, simples e não figuravam entre os alimentos de luxo, como o caviar e os vinhos mais renomados, com sua reclassificação e mediatização, eles chegaram a alcançar frequentemente preços bastante altos e fora do alcance da população de menor poder aquisitivo. Dessa forma, se a soberania alimentar e a questão da fome no mundo ou a qualidade de alimentação do cotidiano não constituem a preocupação maior do movimento, isso não quer dizer que os efeitos das ações coletivas deixem de exercer influência nos padrões de excelência dos bens alimentares. A competição pelos valores a serem consagrados ao comer e ao beber tem nessas redes uma componente nova e de grande repercussão.

Introdução

O predomínio do produtivismo1 1 “Produtivismo” é o nome que atualmente se dá ao conjunto de estratégias implementadas no pós-guerra, sobretudo a partir dos anos 1950, visando ao incremento permanente da produtividade nas técnicas agrícolas, obtido sobretudo graças à mecanização e ao uso intensivo de sementes selecionadas e defensivos agrícolas, assim como pela adoção de cálculos e programações econômicas que privilegiam a rentabilidade dos investimentos. na agricultura está na raiz de uma crítica social ao mercado que se expressa de várias maneiras e busca modificar as modalidades da oferta de bens agrícolas e pecuários (tais como criação de redes de comercialização alternativas, selos de certificação de qualidade etc.), assim como sua demanda (por exemplo, campanhas de conscientização sobre os riscos associados ao consumo de produtos nocivos à saúde, de sensibilização das novas gerações para adoção de hábitos alimentares mais sadios, ou mesmo convite ao boicote a práticas abusivas). Nesse âmbito, observam-se mobilizações que declaram ser movimentos de consumidores de produtos alimentícios, percebidos como novos atores políticos capazes de influenciar o debate público por meio de campanhas simbólicas, constituição de redes de interessados e de “protestos”.2 2 Ver, entre outras publicações, Goodman (2003), Counihan e Siniscalchi (2014) e Dubuisson-Quellier, Lamine e Le Velly (2011). Os termos “cidadão consumidor” e “consumidor-ator” invadiram as publicações de sociologia, e a chegada e multiplicação do consumidor “crítico”, ou “ético”, foi, segundo certos autores, um dos eventos políticos mais significativos dos últimos anos: “[n]um período percebido como de desengajamento político, no qual os cidadãos se tornaram apáticos, isolados dos processos políticos e alienados dos valores de cidadania, o desenvolvimento de consumidores críticos faz exceção à regra” (Micheletti, 200316 MICHELETTI, Michele. Why political consumerism? Political virtue and shopping. Nova York: Palgrave Macmillan, 2003., p. 28, tradução nossa).

Mas quem são esses consumidores? Como menciona Louis Pinto (2018)17 PINTO, Louis. L’invention du consommateur. Paris: PUF, 2018., “longe de ser uma etiqueta colocada num real preexistente o qual se esperaria que o nome permitisse identificar, a categoria de consumidor é uma noção ‘erudita’ cujo surgimento deve muito a um conjunto de profissionais da manipulação do mundo social”. Dentre os múltiplos movimentos que reivindicam esse qualificativo para evocar uma reação aos efeitos negativos do mercado, chama atenção o movimento Slow Food (doravante, SF), que faz uma crítica à mundialização, preocupa-se com o meio ambiente e a justiça social, declara-se, e é percebido, como um movimento de consumidores e cujo líder, Carlos Petrini, prega a “revolução pelo consumo”. O objeto deste artigo consiste em compreender o sentido desse movimento, a sua força de mobilização e a extensão de sua ação, preocupando-se com a identidade social dos agentes envolvidos e não apenas com sua condição de consumidores. Propomo-nos aqui a mostrar que essa redução da qualificação dos adeptos do movimento, aceita pelas ciências sociais e pelo próprio movimento, à condição de consumidores/agentes políticos é particularmente problemática e que, no caso específico, é importante analisar a posição que os indivíduos ocupam no espaço social e no campo profissional para melhor entender as mobilizações a que dão origem.

Num primeiro momento, faremos uma pequena apresentação do movimento e de sua história, para depois centrar nossa análise sobre sua atuação na França, país onde o movimento se desenvolveu a partir dos anos 2000 e onde tivemos a oportunidade de fazer uma pesquisa de campo entre 2012 e 2016. As 30 entrevistas, uma parte delas realizada com membros de células de base do movimento (os chamados convivia,3 3 Convivium é uma palavra de origem latina que significa banquete, ou festim, no plural convivia. O termo está sendo utilizado na França, e cada convivium tem um nome próprio evocando a especificidade do lugar. copiados do modelo italiano e implementadas ali e em outros países), e a outra com lideranças do SF, procuraram cobrir espaços sociais diferentes: da capital, Paris, à província, passando por uma cidade de vocação metropolitana, como Tours. Como veremos, elas permitiram desvendar atuações diferenciadas, assim como a idade dos militantes. Observamos a realização de reuniões de alguns convivia e analisamos documentos produzidos pelos militantes de SF em diferentes níveis. O fato de situar a atuação dos militantes dentro de um perfil mais abrangente dos entrevistados nos permitiu demonstrar que o sucesso dessa mobilização só pode ser entendido integrando o elemento “funcional” da condição de consumidor ao êxito de certas atividades profissionais e sociais de seus membros.

A gênese do movimento

Nascido na Itália, o SF tornou-se um movimento internacional que continua fortemente ancorado nesse país e desenvolve-se de maneira diferenciada no mundo internacional.4 4 Em 2013, o movimento contava 100.000 aderentes no mundo em 150 países. Entre outros, na Alemanha (1992), nos Estados Unidos (2000), no México (no congresso de Puebla em 2007, contavam-se 440 delegados para 48 países), na Coréia, no Brasil e na França.

Para entender a atuação do SF na França, é necessário, num primeiro momento, fazer uma pequena apresentação de sua história e de sua estrutura internacional, sendo que o domínio da organização italiana é muito forte e essencial para entender não somente a que o movimento se propõe, mas suas formas de luta. O SF se constituiu contra a introdução de redes de fast-food de tipo americano e se propõe a redescobrir a riqueza e os sabores das culinárias regionais, ameaçadas por uma produção em massa que prejudica o desfrute do bom gosto dos produtos.5 5 O discurso do líder do SF está muito próximo daquele dos regionalistas franceses dos anos 1930, na Borgonha, e, em especial, do Club des Cents, composto de jornalistas da imprensa parisiense, de políticos e industriais de destaque que estiveram na origem da valorização dos vinhos e dos produtos locais, afirmando-se num discurso que defendia um modo alternativo de desenvolvimento econômico, indo contra a industrialização e urbanização “doentias” (Laferté, 2006). Nos anos trinta na França, defender a culinária regional era equivalente a ajudar os dominados contra Paris e o “internacionalismo”, a tradição ou um passado idealizado opondo-se à modernidade e à indústria, a autenticidade contra a aparência, o campo sadio contra a urbanização e o luxo sofisticado, os particularismos locais contra a uniformização internacional, em suma, algo deveras nacionalista. Contudo, o SF, por sua vez, tem por ambição encarar de maneira positiva as particularidades locais do mundo inteiro. Carlos Petrini, fundador do movimento e seu líder atual, é um jornalista e crítico gastronômico e de produção vinícola que estudou Sociologia. Militante de esquerda, ele fez parte do movimento histórico chamado “restos de 86”, que se afastou da maneira tradicional da esquerda de fazer política.6 6 Pertencia à associação recreativa dos italianos comunistas (Arci Gola) e era crítico do ascetismo da esquerda. Com outras associações, ele fundou, em 1986, “Arcigola”, um movimento gourmet alternativo das Langhe na região piemontesa. Essa associação tinha um caráter comercial, com a venda de guias de turismo, de guias gastronômicos, em especial a respeito dos vinhos, e constituía uma associação de gourmets nacional que lutava em favor das “culinárias nacionais” (Valcheschini, 2014, p. 227). No decorrer da década de 1990, ele lutou contra a aplicação da legislação europeia que ameaçava a produção artesanal.7 7 Em especial no caso do porco (lardo di Collonata), que se tornou símbolo dos produtos ameaçados de desaparecimento por políticas públicas. Assim, não se tratava somente de uma mobilização anti fast-food, mas também de uma luta contra a homogeneização da alimentação que o fast-food promovia e a preocupação com o meio ambiente. Partindo de uma busca hedonista, misturando, desde sua criação, política e business, o SF se estruturou, desde 1989, em uma vasta rede internacional que conta com um número significativo de “chefes de cozinha”, profissionais renomados de restaurantes famosos.8 8 O termo “chefe de cozinha” se refere a quem é responsável pelo processo de elaboração completa dos pratos de uma refeição na cozinha do estabelecimento onde é servida. Ele trabalha só, ou com uma equipe de cozinheiros ou ajudantes, que executam sob suas ordens sua técnica culinária. No fim da década de 1990, a questão do meio ambiente começou a se tornar preocupação dos seus líderes, assim como a biodiversidade, o cosmopolitismo e a herança cultural local. Em 1996, foi criado o Salão do Gosto que, desde então, é realizado a cada dois anos em Turim, dando lugar, como sinaliza Valeria Siniscalchi (2013)20 SINISCALCHI, Valeria. Slow versus fast. Économie et écologie dans le movement slow food. Terrain, n. 60, p. 132-147, 2013., a uma teatralização do terroir (local delimitado que abriga “práticas agrícolas e pecuárias tradicionais”): uma enorme feira de produtos alimentícios que reúne em torno de 200.000 visitantes. Os grandes estandes dos patrocinadores (tais como o Café Lavazza, o consortium do queijo Parmigiano-Reggiano) reinam na entrada. Durante cinco dias, centenas de produtores, em sua maioria italianos, mas também estrangeiros, tornam conhecidos e vendem seus produtos, considerados como paradigmas da qualidade alimentar. Milhares de garrafas de vinho são degustadas numa grande adega, e numerosas “oficinas do gosto” iniciam os apreciadores de vinho e dos bons produtos às “artes da degustação”. O salão goza de grande atenção da mídia e tornou-se um catalisador do valor simbólico dos produtos exibidos e dos participantes da manifestação: foi o elemento que lançou o movimento. Mais tarde, em 2012, esse salão foi realizado junto com a Terra Madre. Palco de debates reunindo grande número de produtores oriundos do mundo inteiro para discutir políticas alimentícias e o futuro da alimentação em mesas redondas, o evento congregou a apresentação de produtos e debates em torno do futuro desejável da alimentação.9 9 Segundo Siniscalchi (2013), este evento contou com 4.000 produtores em 2012. Reivindicava uma ambição política para lutar em prol do direito fundamental à alimentação e à soberania alimentar (Thivet, 201421 THIVET, Delphine. Peasants’ transnational mobilization for food sovereignty in la Via Campesina. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy. Londres: Bloomsburry, 2014. p. 193-209.). Um dos assuntos frequentes das conferências no Salão do Gosto e na Terra Madre, em 2012, por exemplo, versava sobre as crianças e sua relação com mundo e com a comida. Alice Waters, chefe de cozinha e ativista americana, vice-presidente do Slow Food Internacional, pregava que o futuro reside numa “revolução silenciosa” que começaria na escola com a inculcação de bons hábitos alimentares. Outros salões foram criados, ainda na Itália, em torno da criação de peixes em Gênova e da produção de queijos em Bra, e outros ainda em diversos países do mundo, como no México e na França.

O movimento prega uma globalização virtuosa e se propõe a valorizar os produtos locais. Fast remete à globalização que tudo padroniza, enquanto slow remete às especificidades produtivas de diferentes localidades, suas características climáticas e ambientais, consideradas como a base da qualidade dos produtos. Foi instituída a Arca do Gosto, inventário dos produtos locais que mereciam ser preservados “para salvar o planeta dos sabores”, e um prêmio anual para a biodiversidade veio contemplar seus produtores. Em seguida, foi proposta a criação dos presidia (sentinelas, em português) que são ao mesmo tempo produtos e projetos que se propõem a proteger e promover produtos de alta qualidade alimentar ameaçados de desaparecimento, escolhidos pelos membros de um convivium para serem incentivados e consagrados pelo conselho científico do movimento local, a ser confirmado pelo da cúpula do movimento na Itália. O SF se propunha a ajudar os produtores na formalização de regras de produção e do ponto de vista econômico, favorecendo os circuitos curtos de comercialização e a valorização, dando ênfase à comunicação entre as redes sociais e a mídia. A atenção se focalizava não apenas sobre os produtos, mas também sobre os modos de produção, incluindo o contexto ambiental pelo viés de projetos internacionais, em especial na África. Foram também criadas faculdades de gastronomia na Itália.10 10 A universidade oferece em Polenzo e Colorno um programa interdisciplinar com disciplinas tais como: alimentação, nutrição humana, biologia animal, botânica, análise sensorial, comércio internacional, enologia, direito do meio ambiente e alimentar europeu, sistemas e técnicas de restauração. Esse movimento, muitas vezes percebido como elitista, ganhou um caráter mais político ao ser reconhecido pelo então secretário geral da FAO, o agrônomo e economista brasileiro José Graziano da Silva, que esteve na inauguração do Salão do Gosto, assim como Dacian Ciolos, comissário europeu da agricultura.

O líder do movimento expôs as propostas do movimento num livro intitulado Bom, limpo e justo, traduzido em várias línguas,11 11 Traduzido em vários países, a edição brasileira data de 2009 pela Editora SENAC, instituição envolvida na promoção do comércio e controlada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). que declara assumir seu caráter político.12 12 O jornal Le Monde, de 9 de dez. 2012, no artigo “Slow Food fait de la politique” do Magazine du Monde reproduzia as palavras de Carlo Petrini declarando que sua ação passava do estatuto de curiosidade antropológica ou folclórica ao estatuto de quem faz política, fazendo nuances, contudo: “O palavrão foi dito: Slow Food entra na política. Mas não se trata de criar um partido com carta de aderente, meeting eleitoral e ‘tutti quanti’”. Prefaciado por Alain Ducasse, um dos chefes de cozinha franceses mais reputados do mundo, o texto privilegia a escolha do consumo como “o primeiro ato político forte” que pode se realizar na vida. Propõe-se a promover uma “ética da gastronomia e da soberania alimentar”, um conceito também reivindicado pela Via Campesina (Thivet, 201421 THIVET, Delphine. Peasants’ transnational mobilization for food sovereignty in la Via Campesina. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy. Londres: Bloomsburry, 2014. p. 193-209.). O “bom”, primeira preocupação do movimento, se refere ao ponto de vista gourmet. O “limpo” diz respeito às raças, às espécies vegetais, aos modos de cultivar produtos e aos “meios em que se insere”. O “justo” faz referência a uma retribuição justa aos produtores. O movimento institucionalizou-se de maneira diferenciada nos países em que se implantou (na Itália, por exemplo, tornou-se uma marca) e com sucesso desigual. As considerações que se seguem referem-se à sua presença na França.

Slow Food na França

Na época em que o SF se desenvolveu na França, ou seja, a partir dos anos 2000, outros movimentos de consumidores já estavam atuando no país com o intuito de remediar o que era visto como malefícios da produção em massa (Le Velly, 201715 LE VELLY, Ronan. Sociologie des systèmes alimentaires alternatif. Paris: Les Mines, 2017.), o mais importante deles sendo, talvez, a Associação para Manutenção de uma Agricultura Camponesa (AMAP). As AMAPs são associações que estabelecem uma ligação direta entre produtores e consumidores e tentam atender às demandas destes por alimentos de qualidade, colocando suas expectativas em discussão com os produtores, e que funcionam, ao contrário do SF, em pequenas organizações locais (Lamine, 200514 LAMINE, Claire. “Settling Shared uncertainties: local Partnerships Between Producers and Consumers”. Sociology Ruralis, v. 45, n. 4, 2005, p.324-345.). A estrutura de funcionamento do SF, como mencionamos, é calcada na usada na Itália, e as pessoas estão organizadas em unidades de base, os chamados convivia.13 13 Adotou-se na França a forma jurídica de uma associação lei 1901, ou seja, uma convenção pela qual pessoas diversas colocam em comum seus conhecimentos numa atividade sem fins lucrativos. Eram 42 em 2012, desenvolvendo-se primeiro no Sudoeste da França, onde essas organizações eram mais numerosas, sendo o primeiro convivium criado em 1998 em Perpignan, por Jean Lhéritier, que se tornou o primeiro presidente do Slow Food France. O número de membros variava segundo os convivia. Alguns têm 40 ou 50 participantes, outros, como o do Béarn (Bizi Ona, no País Basco), mais de 100. Suas atividades variam em função do lugar em que são implantados, de seus membros e do perfil social dos seus organizadores. Os convivia se reúnem mais ou menos uma vez por mês para promover a produção tradicional e inscrevem-se na “filosofia” do movimento. A luta em favor da pequena produção pode assumir inúmeras formas, dependendo do momento, do lugar e da sua composição: os convivia são mais frequentes nos territórios montanhosos, onde a agricultura produtivista tem dificuldades em desenvolver-se. As ações harmonizam-se em função de sua situação geográfica, das qualificações específicas de seus membros e do calendário das atividades nacionais e internacionais, em especial a frequência ao Salão de Turim, que ocorre de dois em dois anos. Todos tentam conscientizar as pessoas organizando cursos, debates, degustações, jantares, viagens, apresentando livros e filmes, organizando várias sessões de educação do gosto, visitam outros convivia, promovem produtos locais por meio de visita ao produtor ou da procura de produtos que podem ser objeto de promoção como sentinelas. Participam no nível local das campanhas lançadas pela direção do movimento, assim como dos grandes eventos organizados pelo SF em nível internacional, em especial dos salões da Itália. No campo, eles atuam com o intuito de enriquecer a Arca do Gosto e procuram produtos que podem tornar-se presidia.

Slow Food na província:14 14 A forte centralização política, econômica e cultural em Paris está na origem dessa oposição forte entre a capital e o resto do território. procura e valorização dos produtos em via de desaparecimento

Os convivia reuniam-se, geralmente, nas cidades, em salas de edifícios públicos destinadas à atividade associativa, embora também percorressem o campo em busca de produtos em via de desaparecimento que, aos olhos dos “militantes”, mereceriam ser preservados. Foi o caso, por exemplo, dos nabos pretos de Pardailhan, município do Sudoeste da França. O nabo era consumido e apreciado no começo do século XX, mas a produção pós-guerra levou ao quase abandono desse produto, que deve suas qualidades organolépticas a um clima específico, situado entre o mar e a montanha. A criação do convivium do Languedoc-Roussillon, ao qual pertencia o presidente do Slow Food France,15 15 Ele participou do movimento de maio de 1968 e posteriormente tornou-se professor de economia. foi legitimada pelo conselho científico regional, do qual participava,16 16 O comitê francês da Arca do Gosto era composto, em sua maioria, por pesquisadores membros da associação. Em 2005, reunia 75 produtos. O comitê francês contava com um pesquisador do CIRAD (organismo francês de pesquisa agronômica e de cooperação internacional para o desenvolvimento durável das regiões tropicais e mediterrâneas,), um botânico, um historiador do gosto, um geógrafo, um especialista em marketing, um presidente de cooperativa e um membro da Academia da Agricultura, todos membros do movimento. entre outros, um membro representante da Academia da Agricultura, também membro do SF, antes de ser referenciado pelo conselho científico da direção do SF na Itália.

Note-se que o convivium conta com um produtor de nabos pretos de Pardailhan, ex-agente comercial que trabalhou em banco e, uma vez aposentado, sucedeu seu pai no seu pequeno sítio:17 17 Traduzimos ferme por “sítio”: o termo “fazenda” em português porta uma conotação de grande propriedade. “O Slow Food é internacional, eles têm um potencial de fogo com chefes de cozinha muito reconhecidos mundialmente, e que nos fazem conhecer”.18 18 Chamou-nos atenção a facilidade de perceber os efeitos poderosos dessas instituições e da utilização das redes sociais, atitude que não encontramos com produtores de carneiros do estuário do Rio Garonne, que não mostram nem o mesmo nível de educação, nem o convívio em meio urbano antes de se dedicar à agricultura. O uso diferenciado das redes sociais chamou nossa atenção, sem termos, no entanto, a possibilidade de proceder a esse estudo. Os salões reuniam, além dos produtores e compradores, um grande número de jornalistas, e seu papel de “catalisadores de notoriedade” era regularmente destacado pelos produtores e também pelos participantes do SF. Assim, esse produtor contava que já havia rejeitado até mesmo jornalistas de televisão, de tão procurado, e que recebera telefonemas até de um chefe de cozinha estrangeiro.

Ainda no Sudoeste francês, em 2004, o porco preto de Bigorre tornou-se sentinela do SF: produto reconhecido pelo movimento como merecedor de preservação, beneficiando-se, assim, de ajuda econômica e de importância e reconhecimento junto ao público. O porco preto vivia quase em liberdade, comendo castanhas e frutas, alimentação complementada pela produzida pelo criador. Sua criação foi pouco a pouco desbancada por espécies de animais mais produtivos. Os poucos criadores que restavam recusaram-se a adotar o sistema industrial. Por sua vez, um conselheiro da Câmara de Agricultura,19 19 Ele era filho de um pequeno produtor da região que conhecia o renomado presunto “pata negra” da região espanhola vizinha. contratado para desenvolver uma produção de tipo produtivista, envidou esforços para adequar a criação do porco de Bigorre a esse paradigma e encontrou acolhida à sua proposta no convivium recentemente criado. Outra figura essencial do grupo é Jean Michel, criador de porco preto – seu pai trabalhava na aerospacial de Toulouse, seu avô foi pequeno produtor num charmoso povoado da região, junto a uma estação de esqui e de uma estação termal. Sentindo-se inclinado a se estabelecer no povoado onde passava as férias quando era criança, Jean Michel seguiu os passos do avô, ao invés de tentar uma carreira na aeroespacial. Dotado de um olhar aguçado, Jean Michel percebia as expectativas e demandas das pessoas que iam passar férias ali e, desde cedo, começou a sentir vontade de ter uma produção ajustada às exigências dessa clientela de origem urbana. Começou criando patos para fazer foie gras,20 20 Especialidade culinária francesa feita com fígado de ganso ou de pato submetidos a alimentação forçada. produto altamente valorizado pelos turistas, mas rapidamente se deu conta de que aquilo estava começando a ser produzido em larga escala, passando a investir na criação de porcos pretos. Ambos, o conselheiro da Câmara de Agricultura e o criador de porcos pretos, encontraram no SF o que procuravam.

Os membros do SF fizeram diversos investimentos para tornar a produção de porco preto viável do ponto de vista econômico, conferindo-lhe títulos de distinção para tornar-se o “porco preto de Bigorre”. Apresentaram o porco preto de Bigorre nos salões organizados pelo SF em Turim, Tours, Montpellier, e os criadores do Sudoeste francês receberam as delegações de todas as demais sentinelas francesas. “O Slow Food nos ajudou a trabalhar o gosto”, dizem Jean Michel e o conselheiro da Câmara de Agricultura, os dois líderes desse trabalho de valorização: “é importante achar a palavra certa para valorizar o produto… Era necessário um trabalho de reflexão… Era preciso reintroduzir a cultura, a filosofia e a poesia”. Tiveram ajuda de um historiador para ressaltar a presença do porco preto na História, mais especificamente nas abadias cistercienses, e a frequentação dos salões serviu de formação para habilitar os produtores a apresentar seus produtos.21 21 A respeito do papel dos salões internacionais como elemento formador na comercialização dos produtos, ver Garcia-Parpet, Lecler e Sora (2015). Durante uma oficina que ocorreu no salão de Montpelier, Jean Michel nos relatou: “não sabíamos muito bem falar sobre a gordura. Uma pessoa especialista em azeite que se encontrava presente nos deu explicações sobre o assunto. Depois disso, apresentamos nossos produtos no Senado22 22 Os produtores de vinho costumam também aproveitar seus produtos no local do Senado. e nos encontramos com jornalistas e chefes de cozinha. O porco preto tornou-se uma produção de exceção, que recomendam os chefes de cozinha mais famosos, em particular o líder da “bistronomie” Camdeborde.23 23 A corrente de “bistronomie” (“boteconomia”) é voltada para um caminho intermediário entre gastronomia e comida de boteco e se desenvolveu a partir do começo do século XXI. O presunto foi apresentado como a “star do presunto”, e o jornal l’Obs24 24 Hebdomadário feminino muito difundido, 20 de março de 2015. o apresentou como um produto refinado (as ênfases são minhas), assim como as lentilhas do Puy (outra sentinela do SF), o sal do Himalaya, o sal de Guérande, todos destacados na revista semanal muito difundida Elle.25 25 22 de janeiro de 2016.

Após 13 anos de trabalho coletivo para apresentar um dossiê ao Instituto Nacional das Denominações de Origem (INAO), o porco preto foi reconhecido como merecedor desse certificado de qualidade: uma área 1000 ha foi delimitada com regras de produção a respeito do tempo de criação, da alimentação sem OGMs,26 26 Organismos geneticamente modificados. e o respeito ao animal, limitando a criação a 20 animais por hectare. Atualmente, o presunto e a carne do porco preto de Bigorre são vendidos por toda a França em lojas de produtos finos, inclusive na loja Terre d’avenir,27 27 Um dos donos é membro do SF e o outro é filho de um membro do SF, ponto que retomaremos adiante. frequentada entre outros pelos integrantes dos convivia de Paris.28 28 Podemos mencionar também o convivium Bizi Ona, liderado por um professor de Geografia que escreveu vários livros sobre a qualidade do queijo da região e é conselheiro geral (um cargo administrativo chave para financiamentos) que dinamizou muito a economia local. Aqui podemos reconhecer o processo de deslocamento do produto de uma posição “ordinária” em direção a um status mais distintivo, a respeito do qual se fazem valer diferenças pertinentes para o acréscimo do seu valor, no caso, do ponto de vista organoléptico, do meio ambiente e histórico, como analisam Luc Boltanski e Arnaud Esquerre (2017)2 BOLTANSKI, Luc; ESQUERRE, Arnaud. Enrichissement, une critique de la marchandise. Paris, Gallimard, 2017..

Em outros convivia, a procura por sentinelas ainda não havia chegado a um resultado satisfatório, como era o caso na Alsácia, onde se falava em “salvar a galinha da Alsácia”, espécie muito apreciada pelo chefe, “agraciado com duas estrelas”, Nicolas Stamm, do restaurante La fourchette des Ducs, em Obernai, que a utiliza regularmente nos seus cardápios. Os convivia organizavam visitas aos sítios acompanhadas de rodas de conversa com os produtores, como no caso do sítio Schmit,29 29 Instalado há 30 anos na região, ele vende seus produtos nas feiras de Estrasburgo. O sítio faz a apresentação dos seus produtos nas redes sociais. com discussões sobre o sistema de criação, seguidas de uma oficina de preparação de foie gras, que os participantes podiam levar para casa. Numerosas oficinas culinárias eram organizadas para degustação e/ou preparação do foie gras. Entre 2009 e 2012, Shnaeckele, um dos convivia da região da Alsácia,30 30 Na página de internet do convivium Schnaekele, pode-se ler: “Caderno de endereços da Arca do Saber Gustativo. A arca contém endereços de bons restaurantes alsacianos que compartilham a nossa filosofia. Verdadeira rede de informação gastronômica, ela oferece uma alternativa à publicidade enviesada e sem alma da mídia”. Já o outro convivium alsaciano, o Schnakala, organiza, por exemplo, uma troca de produtos alimentares, reunindo várias associações que mobilizam valores “cidadãos”, organizando as trocas “num ambiente de verdadeira mistura cultural e social” (junho, 2013). cujo animador é um empreendedor do setor do turismo, realizou diversas oficinas culinárias, dentre as quais uma com o convivium de Karlsruhe, na Alemanha, uma conferência debate, uma conferência jantar, um jantar “barroco italiano”, oito visitas a sítios, uma com piquenique, outra com uma degustação de vinhos, e ainda dois jantares geminados com um convivium oriundo da Sicília. Uma maneira de fazer conhecer a produção local e de promover, assim, uma publicidade relacional nos níveis local, regional e internacional.

Ainda mais um exemplo: em um fim de semana de abril de 2013, foi realizado um passeio pelo Vale de Surmelin, no Auberge de l’Omois, para descobrir os produtos de terroir da região da Brie Champenoise, organizado pelo convivium da região, ou ainda um piquenique no sítio do Chamont, que é também uma AMAP31 31 Sigla de Association pour le maintien de l’agriculture paysanne (Associação para Manutenção da Agricultura Familiar). que vende legumes e carne de cordeiro. Os participantes foram convidados a trazer saladas de acompanhamento, assim como bebidas, e a compra do cordeiro era dividida entre os participantes, cujas despesas eram acertadas no lugar. Houve ainda um churrasco, assado na presença dos visitantes e degustado por estes. Vale mencionar, por último, um passeio ao sítio de Truttenhausen, próximo a uma abadia do século XII, como destacado na apresentação de sua página de internet, e onde pratica-se a biodinamia na produção do vinho. Ali pode-se fazer refeições e pernoitar.

Resumindo e apresentando em outras palavras: trata-se de atividades de apoio a um modelo de agricultura menos intensivo, fundado no saber das comunidades locais, associadas a um lazer de baixo custo. Além disso, pode-se observar que, na maioria dos casos, trata-se de pessoas de origem urbana convertidas a pequenos produtores.32 32 Nota-se que esse movimento de ida ao campo é alimentado pela desilusão em relação aos benefícios da cidade (em especial, rejeição do trabalho assalariado e valorização da natureza). Longe dos lugares de produção, sobretudo no seio das grandes metrópoles, as atividades mudam de ênfase e concentram-se em mapear os bons produtos e locais de consumo, assim como divulgar os efeitos negativos da agricultura intensiva por meio da organização de debates.

Slow Food em Paris

Nossa análise põe em foco três convivia situados em bairros da zona leste de Paris que concentram estratos da população de nível superior e médios, incluindo empresários – convivia que, no entanto, não são os que dispõem das rendas mais altas33 33 Para a composição social da cidade de Paris, ver Pinçon e Pinçon (2014). e que diferem entre si. Mouffetard, Bastille e Terroirs du Monde são suas denominações. Concentramos as entrevistas nos dois últimos.

As atividades do Terroir du Monde, que contava com, segundo relatório fornecido por seu secretário, 40 aderentes que pagavam suas cotizações, são muito marcadas pela identidade de seu animador, Pierre Josse, um crítico gastronômico que viajou pelo mundo inteiro e era redator-chefe do conhecidíssimo Guia do Routard.34 34 O guia foi criado nos anos 1970 e destinava-se aos turistas pouco endinheirados, mas com certo capital cultural. A grande maioria das reuniões consistia em jantares temáticos e degustações, nas quais as despesas eram dividias entre os convidados. Em 2012, segundo o relatório supracitado, redigido por um arquiteto, os membros reuniram-se 50 vezes ao longo do ano, a maioria delas na 14ª circunscrição de Paris, onde tem sua sede o convivium, sendo estes encontros dedicados à degustação de produtos ou pratos de origem francesa ou estrangeira. Os demais encontros foram consagrados a visitas a sítios e florestas nos arredores de Paris, bem como à participação em salões, tais como o Salão do Gosto, na Itália, o Eurogosto, em Tours, incluindo ainda a apresentação de livros, como Dinâmicas dos espaços rurais, de Gille Fumey, pesquisador do CNRS,35 35 Sigla de Centre National de la Recherche Scientifique (Centro Nacional de Pesquisa Científica). ou de filmes. Grosso modo, poderíamos tomar emprestadas as palavras de um integrante do convivium Bastille, mais propenso a realizar eventos gratuitos e mais politizados, para definir a vocação da sua congênere: “eles gostam de bons vinhos e apreciam os produtos, gostam de achar restaurantes interessantes e difíceis de se encontrar, fazem jantares nos lugares menos previsíveis. Ele [Pierre Josse] viaja muito, ele conhece os camponeses. Eles organizam temas em torno do vinho [com despesas] de 30 a 40 euros”.

O convivium Bastille, por sua vez, recruta seus membros entre a população mais jovem, em sua maioria estudantes com pouco dinheiro no bolso, como o observou um deles. Seu presidente era, na época da pesquisa, um doutorando em geografia, cuja mãe, militante do SF, tinha uma loja de produtos do mundo inteiro36 36 A loja vendia iguarias de várias partes do mundo, em particular o guaraná, que ela havia descoberto durante suas viagens pelo mundo afora, produto sobre o qual o filho, Bastien Beaufort, publicou, em 2008, Le guarana, trésor des Indiens Sateré Mawé. Mythes fondateurs, biodiversité et commerce équitable, na mesma editora onde foram publicados dois livros de Carlo Petrini. perto da Praça da Bastilha. As atividades do grupo se iniciaram no começo do século XXI, encabeçadas por Marion, que criou uma associação do tipo lei 1901 voltada para a gastronomia. Ela era editora e, quando a empresa para a qual trabalhava foi vendida, em 2000, decidiu tornar-se estilista alimentar. Ela queria trabalhar com os japoneses, tendo feito, com esse propósito, um MBA agroalimentar na Escola Superior de Ciências Econômicas e Sociais (ESSEC), uma escola de comércio de muito prestígio na França. Marion nos contou que sempre gostou de cozinhar e de pesquisar temas ligados à gastronomia. Possuía uma rede grande de amigas, formada por pessoas “mais abertas à diversidade, menos conformistas”, uma rede que ela mobilizou quando da criação do grupo que deu origem ao convivium Bastille. Ela trabalha atualmente na OCDE e relembra que começou a se entusiasmar com o conceito de SF num momento em que achava que a qualidade dos alimentos era desconsiderada... e tinha chefes de cozinha “neófitos”:

Voltando de uma viagem para Fez, fui fazer um estágio como cozinheira na Bretanha, na casa de uma pessoa que estava interessada na utilização de algas. Nos primeiros anos, fazíamos viagens culturais sem sair do lugar: a gente chamava alguém do CNRS para falar sobre o Vietnã, pessoas que conheciam bem a cultura e a gastronomia de um país... Eu tinha uma amiga que sabia comprar e a gente cozinhava na casa de uns e de outros... Conhecemos um pequeno restaurante especialista em cozinha vietnamita, o valor simbólico do arroz… A gente se perguntava por que não existiam restaurantes argelinos... Fizemos um trabalho sobre a emigração, a identidade e a cozinha... A gente fazia relatórios, mas nada sistemático. Fizemos isso durante cinco ou seis anos e, aí, teve o ano especial sobre Brillat-Savarin [Autor de Physiologie du goût, em que se misturam filosofia e receitas de cozinha], a pedido de Petrini, ele o adora. Passamos o ano todo seguindo-o. Em Belay, no departamento de Ain, onde Brillat Savarin nascera, fizemos alguma coisa com a prefeitura, no fim de semana. Fomos procurar trufas na floresta... Celebramos Brillat Savarin com Marchenay [antropólogo do CNRS da região da Bresse]. Ele e sua companheira, também do CNRS, eram muito ativos... Muito ligados ao espírito do Slow Food... Viajamos para a Alemanha, para a Suíça, para Nova York.... Participei de todos os eventos americanos.

Entre os membros de seu convivium, encontram-se pesquisadores, editores, estudantes, jovens chefes de cozinha etc. Organizam sessões de cinema ou recomendam filmes que fazem a apologia da pequena produção agrícola. Assim, convidaram-me para assistir a Herbes,37 37 Herbe, dirigido por Mathieu Levain e Olivier Porte, 2008. um documentário que relata o conflito existente entre os que defendem a agroindústria e aqueles que optaram por uma agricultura sustentável. Em determinada ocasião, o convivium associou‑se a ONGs internacionais para alugar 150 lugares numa sala de cinema no Boulevard Saint Michel, situado num bairro onde se concentra um público universitário. Geralmente, indicam documentários críticos à agricultura intensiva,38 38 Tais como Le beurre et l’argent du beurre (A manteiga e também sua renda – filme sobre comércio justo que emprega uma expressão idiomática que sublinha fins contraditórios), de Philippe Baqué e Alidou Badini (2007), ou ainda Les moissons du futur (“As colheitas do futuro”, 1995), ou Notre poison quotidien (“Nosso veneno quotidiano”), O mundo de Monsanto, uma crítica a esta multinacional por utilizar produtos químicos nocivos à saúde, que foi dirigido por Marie Monique Robin (2008). que costumam ser transmitidos num canal de televisão como o Arte, comprometido com programas ligados à questão socioambiental, ou exibidos no Salão Marjolaine (grande evento anual de agricultura orgânica realizado num jardim público de Paris).

Numerosas atividades concentram-se em torno da famosa Feira de Aligre, em Paris, onde são vendidos produtos alimentícios e artigos de brechó e de antiquário. Ela é conhecida por seu caráter popular e atrai muitos turistas, que, na França, costuma-se chamar de “burgueses boêmios”, ou bobos de maneira mais abreviada. Em 2012, por exemplo, o convivium Bastille encampou a palavra de ordem do movimento internacional ao promover o “dia da batata”, evento que queria chamar atenção para o fato de que produtos simples e baratos também fazem parte do raio de ação do SF. Durante este evento, adotaram o estilo de comida de rua: ao redor da feira, serviram pratos confeccionados com batatas provindas da horta da associação de bairro Comuna d’Aligre39 39 Associação de bairro. e colhidas por seus membros, após a projeção do filme Le beurre et l’argent du beurre.

Respondendo à preocupação com o meio ambiente, ainda em 2012, o convivium Bastille lançou o Disco Soup, um movimento contra o desperdício alimentar, iniciado na Alemanha, e que seria adotado em seguida pelo convivium de Tours,40 40 Uma cidade no centro da França, a qual retomaremos mais adiante. em que os excedentes dos produtos recolhidos no fim das feiras, ou nos supermercados, eram cozinhados em praça pública pelos militantes, que convidavam a população para contribuir com o movimento ajudando no preparo dos ingredientes para os pratos servidos ali mesmo, num clima festivo e com música. Ainda em 2012, no dia 13 de outubro, o convivium organizou o “banquete dos 5000”, no Hôtel de Ville (edifício que sedia a prefeitura de Paris), apresentado como uma “manifestação lúdica para protestar contra o desperdício alimentar” promovida por ocasião da estreia do filme Global Gâchis, o escândalo do desperdício alimentar (Global Gâchis, 2012).

Entre os membros desse convivium, contamos, por exemplo, com um historiador41 41 Pesquisador do CNRS e autor dos livros Histoire des cuisiniers en France e Le mythe de la gastronomie française (Drouard, 2007, 2016), ambos editados pelo CNRS. que frequenta a feira de Aligre e foi várias vezes aos eventos italianos. Seu filho, que conheceu o SF com ele na feira, cursou uma escola de comércio e se lançou numa atividade de distribuição de produtos, após ter feito um trabalho de conclusão de curso sobre o tema. Associando-se a um ex-colega de escola que tinha tido uma experiência de trabalho com finanças em Hong-Kong, eles procuraram fazer a ligação entre os produtores agrícolas e os chefes de cozinha, fazendo chegar a estes últimos produtos naturais ou produtos novos. Eles definem assim suas atividades:

Trata-se de um procedimento... não propriamente alternativo, mas sensível. Passamos oito meses à cata de chefes de cozinha. Ingênuos, procuramos os grandes restaurantes e palácios, mas, na verdade, o que queríamos funcionava com os restaurantes modestos da nouvelle cuisine. Apesar de seus chefes terem aprendido o ofício nos maiores restaurantes, eles sabem fazer uma comida sofisticada com menos presepada, mais “raiz”. Valoriza-se o produto. É diferente da gastronomia que tem um aspecto decorativo. É uma modalidade diferente. Encontramos os produtores, eu não tinha noção de agricultura, eu os encontrei por meio da rede do Slow Food. É hiper denso, uma rede conectando as antenas regionais, faz um efeito bola de neve... O Slow Food na França está mais ligado à parte da gastronomia, esquecendo-se dos produtores: o objetivo da nossa militância é trazer a agricultura para o cotidiano. Nossos produtos são muitas vezes “sentinelas”, e o objetivo é divulgar as variedades. É um procedimento para entreter uma espécie, e isso tem uma verdadeira importância no nível do patrimônio. Nossa ação militante consiste em promover a agricultura no cotidiano... Nós não temos a pretensão de mudar o mundo, ou melhor, só no nosso nível, junto aos “criadores de gado”, que são todos ligados ao Slow Food. Tenho impressão de estar fazendo algo de bom.

Nas cidades de menor porte, os convivia organizam salões, tendo como modelo os salões italianos internacionalizados. Em 2007, o convivium do Languedoc Roussilon organizou o “Salão de gosto e dos sabores de origem”, em Montpellier, e o convivium de Gap, cidade situada perto da fronteira italiana, organizou ali um salão reunindo franceses e italianos, financiado em 30% por fundos europeus. Mas o mais famoso e o maior dentre eles era, sem dúvida, o “Eurogusto”, que pretendia ser uma réplica europeia do Salão do Gosto de Turim.42 42 Na época em que fizemos as entrevistas, o Eurogusto tinha sido suspenso, o prefeito da cidade que o apoiava tendo perdido as eleições. O programa era muito dependente da administração municipal; quando o prefeito perdeu as eleições, houve uma descontinuidade na existência do evento.

O Salão Eurogusto e o convivium de Tours

O convivium de Tours, criado em 2005, contava entre seus membros professores do ensino primário e secundário, pequenos produtores inseridos em circuitos curtos, pescadores de rio e chefes de cozinha dos arredores, em especial Barret, que utilizava produtos locais, indicando no seu menu não apenas sua proveniência, mas também o nome do produtor. Muito ativo no convivium, Barret lançou um convite nas redes sociais em dezembro de 2015, para que as pessoas fossem ao seu restaurante experimentar os pratos preparados com os ingredientes que estavam concorrendo à inscrição na Arca do Gosto.

Entre os pequenos produtores, podemos mencionar Jacques, filho de agricultor, formado em engenharia da computação, que voltou ao campo para tomar conta do sítio dos pais quando eles se aposentaram. Criava gado leiteiro e vendia a carne e os laticínios que ele mesmo preparava na feira de Tours e/ou na AMAP à qual ele pertencia, ou ainda para o chef Barret, já mencionado. Jacques pertencia também à associação De Ferme en Ferme (“De sítio em sítio”44 44 Sigla de Fédération nationale des syndicats d’exploitants agricoles (Federação Nacional dos Sindicatos dos Produtores Rurais). ), mas não acreditava que o sindicato pudesse resolver os problemas da pequena produção agrícola. Ele apostava em pequenas associações de ajuda mútua, compartilhando as mesmas concepções da profissão e fugindo dos empréstimos bancários. A casa dele fora construída segundo regras ecológicas, e a sala de estar estava repleta de livros (a mulher de Jacques era uma escocesa que dava aulas de inglês no Lycée de Tours).

O convivium também era composto por professores universitários, cabendo mencionar o diretor do Instituto Europeu de História e das Culturas da Alimentação, membro fundador da Eurogusto, e por consultores ligados à administração da cidade que tinham por ambição recriar uma bienal europeia do Salão do Gosto, criando uma joint-venture entre a cidade de Tours e o SF. Cidade de mais de 130.000 habitantes, Tours tinha ficado ao largo da industrialização que ocorreu no período do pós-guerra. Cercada de vinhedos e de paisagens valorizadas por castelos renascentistas, conhecida por suas especialidades culinárias, procurava-se fazer dela uma capital gastronômica internacional, e ela era candidata a esse título atribuído pela UNESCO.45 45 É o caso também de Dijon, cidade situada na Borgonha, região de vinhos renomados, que procurava se valorizar enquanto cidade gastronômica, onde existia igualmente um convivium; assim como de Rungis, mercado de atacado de produtos alimentícios em Paris. Com esse intuito, o Eurogusto foi planejado para ocorrer no Centro Histórico da cidade, onde está concentrado o patrimônio natural (com o Rio Loire) e histórico, conjugando gastronomia e cultura. O evento se deu junto com o Terra Madre de Jovens Europeus, organizado pelo SF e pelo movimento Slow Food Jovem (reunindo 300 jovens de 17 países) para discutir “as grandes questões a respeito do futuro da alimentação e da agricultura na Europa”, com a participação de pesquisadores, estudantes, produtores, e chefes de cozinha.

Em novembro de 2009, ocorreu a primeira edição do Eurogusto que, durante três dias, contou com várias conferências, debates e projeção de filmes nos anfiteatros da universidade, cujos quadros contam com vários membros do SF, entre os quais, como já mencionamos, o diretor do Instituto Europeu de História e das Culturas da Alimentação, cujas pesquisas dependiam exclusivamente do financiamento do Conselho Regional. O envolvimento de universitários com o SF era grande. Assim, por exemplo, uma “técnica de nível médio” (ITA) relatou durante sua entrevista que, na hora do concurso para obter um cargo, o fato de ser militante do SF, tendo feito um estágio na Itália, foi-lhe muito favorável. O Salão apresentou produtos em via de desaparecimento de diversos lugares do mundo, considerados “de grande tradição gastronômica” e que faziam parte do programa de “salvaguarda” da Fundação Slow Food, entre outros produtos franceses.[46] O evento também contava com uma feira de produtos selecionados que, embora não fossem sentinelas, eram recomendados pelos convivia, expostos em 40 estandes organizados pelas comunidades locais do SF para dar visibilidade às identidades gastronômicas regionais. Havia ainda uma feira de produtos de origem da França e/ou da Europa. Nessa ocasião, também foram realizadas degustações de vinhos europeus.

Uma vez que, aos olhos de um certo número de militantes que incluía produtores e donos de restaurante locais, os dirigentes do evento não teriam dado espaço significativo para representação da base do convivium, foi criado por esses contestatários um evento alternativo, de envergadura muito menor, ainda assim reunindo um número grande de produtores locais: a Convergência Bio. À beira do Rio Loire, lugar nobre da cidade, produtores locais preocupados com “um meio ambiente”, como dizia o cartaz, expuseram seus produtos em duas datas emblemáticas do mês de setembro: o Dia Nacional do Patrimônio e o dia da Festa da Gastronomia na cidade. Além da venda dos produtos alimentícios, havia também espaços para fazer uma refeição e experimentar as iguarias locais e regionais. Segundo Jacques, pequeno produtor local e um dos organizadores do evento “era um momento militante para defender outra maneira de produzir, de comer… e de viver”. O chefe de cozinha Barret, membro dinâmico do convivium que havia recebido uma grande atenção de um programa de televisão voltado para a valorização das identidades regionais (Des racines et des ailes), defendia uma gastronomia menos convencional do que a dos chefes de cozinha de Tours e esteve, ao lado de Jacques,47 47 Este último, por sinal, após ter ido ao Salão do Gosto, em Turim, considerou que este era uma manifestação por demais “business”. à frente deste evento, cuidando da relação com a mídia. Qual é a relação desses militantes do SF com as demais organizações políticas engajadas numa agricultura sustentável e familiar?

Mudar o mundo? Só em nosso nível...

Se a associação criada em favor da gastronomia adquiriu um caráter mais político, as práticas dos militantes dos convivia, observadas na França, demonstram reticências quanto às formas de luta diferentes das pregadas pelo movimento. Podemos observar ações pontuais, tais como as do convivium da região de Les Landes, que chegou a fazer manifestações contra o uso de aviões para pulverizar pesticidas no município de Losse, em dezembro 2012; ou ainda, encontrar no blogue de um membro do convivium de Bordeaux a reprodução da análise da especulação no preço do trigo, por José Bové, grande figura contestatária da Confederação Camponesa. Bové lutou contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) e ficou famoso por ter feito uma ação muito midiática contra um estabelecimento do McDonald’s em uma cidade do sul, durante a qual ele foi preso.

Mas essa proximidade a outros movimentos está longe de ser a regra. Um investimento mais sistemático de convergência com movimentos políticos voltados para a defesa do meio ambiente nem sempre era bem visto, e a coordenadora de um convivium considerada demasiadamente favorável à luta pela agricultura orgânica foi logo substituída por alguém julgado menos radical. Se o SF privilegia, sem dúvida, a biodiversidade e a produção orgânica, as associações de produtores selecionadas para tornarem-se sentinelas do movimento não reúnem apenas produtores que reivindicam métodos privilegiando a agricultura orgânica: entre os criadores de carneiros do estuário da Gironde, por exemplo, todos os produtores estão preocupados com o meio ambiente, mas não são partidários da agricultura orgânica (no sentido de ter uma produção certificada). Os restaurantes divulgados no site da internet da sentinela da vaca da Bretanha Pie Noire, como paradigmas de valorização dos produtos alimentares, reivindicam, no melhor dos casos, uma gastronomia respeitadora do terroir.48 48 Ou seja, respeitando um certo número de tradições locais, sem, no entanto, preocupar-se com a questão dos insumos químicos. A sentinela Rancio Seco, do convivium Roussillon, valoriza uma maneira de vinificar que foi marginalizada devido ao reconhecimento dos vinhos suaves de Banyuls, consagrados como uma denominação de origem, mas não exige que os produtores adotem práticas orgânicas, ainda que muitos deles tenham manifestado preocupação a respeito do meio ambiente. Um membro do convivium Mouffetard define da seguinte maneira os princípios diretores da ação política do SF:

é diferente do orgânico, é uma ética, são produtos e saberes conservados, é mais a tradição, são bons vivants (pessoas que gostam da vida), chefes de cozinha com estrelas nos guias… é importante. Tem que ver o poder dos seus conhecimentos. Não é a mesma coisa que o orgânico, é um bando de bons vivants.

Se, a partir de 2014, o SF foi ativo na luta contra a multinacional Monsanto, participando da criação de um tribunal, em conjunto com outras associações, que buscou levar a empresa a uma condenação na justiça por prejuízos à saúde de numerosas pessoas, a tonalidade das ações permanece muito tímida. O próprio termo de “militância”, correntemente empregado por organismos rivais, nem sempre é prezado. Um membro do convivium de Bastille, que criou uma distribuidora de produtos, declara a esse respeito:

A nossa ação militante é a de promover a agricultura no cotidiano (via abastecimento de produtos artesanais) ... A gente não tem a pretensão de mudar o mundo, ou melhor, mudá-lo somente em nosso nível, e os pequenos agricultores e pecuaristas estão no Slow Food.... Tenho impressão de que faço algo de bom...

As reuniões dos convivia são ao mesmo tempo um momento de prazer compartilhado e uma forma de acessar uma rede de contatos suscetíveis de favorecer a atividade profissional dos seus membros. Tendo perdido a oportunidade de participar de uma reunião do convivium Terroir du Monde, seu animador me afirmou que eu havia perdido umas das melhores reuniões e assim a resumiu:

Descobrimos um produto estranho. Um membro do convivium Mouffetard nos fez degustar um vinho chinês com um queijo de cabra. Também havia um negociante de vinho grego que aprecia a biodinâmica e que nos fez degustar vinhos de Cefalônia e de Santorini. A história desses vinhos era muito poética: o indivíduo não estava nem aí para fazer dinheiro, ele não estava ali para faturar... Para ele, não era isso o que o motivava. Esse indivíduo não estava nem aí para o lucro… ficamos três horas, tinha entusiasmo e garrafas bonitas! Nós não vimos o tempo passar, a gente se sentiu bem juntos, era um momento de graça... é o que fica ... ridículo em relação aos problemas do mundo... Da última vez, descobrimos uma comida marroquina num restaurante da 9ª circunscrição… é um cozinheiro desinteressado para fazer o cuscuz... as técnicas são muito variadas de um restaurante a outro... ele faz seu próprio harissa [molho], ele tem óleos magníficos, o “Arganier” produz um óleo muito perfumado, um óleo de luxo, é três vezes mais caro que o azeite de oliva, ele deixa os clientes felizes.... Fiz uma ficha para o Guia do Routard. Os restaurantes escolhidos pelo Routard são slow food. Como é que eu os acho? A gente fica em rede... No boca a boca, a gente fica sabendo dos programas, tem oito pessoas do Mouffetard e outras do Bastille.

Da mesma forma, a procura por novas adesões não parece ser objeto de um esforço particularmente assíduo, mas a condição de referência em matéria gastronômica parece ser fundamental:

O engajamento no Slow Food difere muito de uma pessoa a outra, dependendo da história de cada uma, nenhum pela mesma razão. No meu caso, eu tenho uma profissão, sou autor de um guia turístico gastronômico, sensível ao lado alegre, hedonista da comida, sensível à qualidade do gosto... Mas não sou um slow food por lazer, é uma batalha feroz pela qualidade da comida e para parar com a exploração do terceiro mundo… Tem amigos que recusam o lado político; de cinquenta aderentes, tem vinte que são mais ou menos ativos, e tem aquela cota de pessoas que nunca aparecem... Tem gente que só vem para descoberta da comida estrangeira, para o lado convivial. A gente aguenta, mas a gente gosta de pessoas que investem na descoberta das comidas em relação estreita com as culturas (não no sentido agrícola).

“Não se procura os aderentes”, afirma ainda a animador do convivium Bastille: “O Slow Food não é uma agência de turismo gastronômico, é uma ‘casa da Mãe Joana’, (vem quem quiser) e não importa não ser aderente”. E, quando perguntei a uma militante o que significava SF para ela, sua resposta foi: “Uma maneira de refazer o mundo e construir o vínculo social; é igual a uma família... A gente está numa época de ruptura de laços sociais”. Pegando seu celular, mostrou uma mensagem de agradecimento armazenada ali pelo “convite para ir ao seu paraíso”, enviada por produtores de um pão particularmente valorizado, que foi exposto num estande no Salão Marjolaine, que ela havia recebido em sua casa durante o evento. “Tem coisa melhor do que isso?”, disse ela.

Assim, forma-se nas reuniões, ou nos salões e exposições, uma rede social na qual se encontram pessoas que possuem competências e interesses complementares, como um pescador de rio, profissão em via de desaparecimento, querendo valorizar seus produtos e à procura de um cineasta para fazer um documentário sobre ele e sua produção. Ou ainda o caso dos criadores de porcos de Bigorre que, no decorrer de um salão, ficaram sem jeito quando uma pessoa perguntou a respeito da qualidade da gordura do porco, tendo ficado gratificados com a resposta de uma pessoa que fez um mestrado em agroalimentação sobre azeite de oliva, com quem fizeram depois uma atividade de formação. Formações que deixam os produtores mais seguros para apresentar seu produto nos eventos de que participam, conquistar novos clientes, como no Senado e produtos alimentícios, porque ali podem organizar facilmente degustações para uma clientela apreciadora de produtos finos. Ou podemos mencionar ainda um jovem interessado em tornar-se chefe de cozinha, à procura de um emprego e que, chegando a Paris, inscreveu-se no convivium Bastille, onde encontrou dois jovens distribuidores de produtos destinados à restauração gastronômica, encontro que lhe propiciou acesso a um restaurante onde iria trabalhar nos meses seguintes. A constituição de um capital social a ser mobilizado para profissões bem diferentes, regra geral no espaço da gastronomia, é um dos resultados concretos da participação em convivia.

Da extinção à exceção

Como o assinala Valeria Siniscalchi (2014)19 SINISCALCHI, Valeria. Food activism between politics and economy. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy. Londres: Bloomsburry, 2014. p. 225-242., o interesse econômico, ou mesmo mercantil, não está banido das ações do movimento, seja no nível das sentinelas, seja no nível da organização dos salões: o Salão do Gosto é financiado, entre outros, por Lavazza, torrefador italiano reconhecido como primeiro fabricante de café do mundo, cujos produtos estão presentes em 90 países. O SF tem por ambição abraçar de uma maneira positiva as particularidades locais do mundo inteiro e não, como mencionou um de seus militantes, que já participou do Greenpeace, de se confrontar às grandes empresas. As ações do SF não visam proteger produtos que já possuem visibilidade, como o fazem as denominações de origem protegida,49 49 Para análise das denominações de origem de vinhos, ver Laferté (2006). Às vezes, o SF intervinha quando uma denominação de origem se afastava das práticas tradicionais, favorecendo as empresas de laticínios, revalorizando assim a produção dos pequenos produtores que permaneciam fieis às práticas “tradicionais” (Garcia Parpet, 2009). mas contribuir para a valorização de um produto estimulando e apoiando a associação de vários produtores e/ou suscitando novas vocações.

Os produtos são selecionados em função de suas qualidades organolépticas e pelo fato de serem propícios ao meio ambiente, além de sua viabilidade econômica. Uma vez promovido um produto ao estatuto de sentinela, é fornecida aos produtores e às eventuais pessoas interessadas em adotar essa produção uma ajuda financeira para se enquadrar a certas regras de produção. Após o ajuste, o produto é inserido na extensa rede do SF, de âmbito internacional: ele passará a ser objeto de diversas visitas de pessoas vindas de outros convivia, e os produtores, por sua vez, podem se deslocar para outros convivia para apresentar seu produto. Os convivia estão frequentemente em contato com inúmeras associações em que circulam as informações, como, por exemplo, a rede de distribuição de circuitos curtos (AMAPs), restaurantes, outros produtores ou outros movimentos associativos, ou ainda outros convivia nacionais ou internacionais, e os produtos se beneficiam assim de uma publicidade relacional. Estão também presentes nas redes sociais.

Mas, sobretudo, os produtores de sentinelas são convidados a expor seus produtos em salões, o que aumenta muito a sua visibilidade, sendo que o maior de todos é, como vimos, o Salão do Gosto, em Turim, onde a mídia tem um papel poderoso na promoção dos bens que ali são expostos. Enquanto as denominações de origem protegidas (AOP) se legitimam pela ação do Estado,50 50 Mas não somente, com o ressalta muito bem Gilles Laferté, que fala da importância do folklore commercial que revaloriza o vinho (Laferté, 2006). o Slow Food se legitima principalmente pela promoção de encontros de vários formatos. Os salões, além de produtores e compradores, congregam um número elevado de jornalistas e de chefes de cozinha de grande reputação e que cumprem um papel de “catalisadores de notoriedade e, portanto, de valor agregado”.

Em suma, tudo é feito para singularizar os produtos vindos de um local específico, produzidos de uma determinada maneira, adquirindo assim uma qualidade gustativa, mas também cultural, um ponto que atraiu fortemente a atenção do presidente do Slow Food da França, na entrevista a mim concedida, assinalando a importância desse caráter único durante as oficinas realizadas.

A imensa maioria dos membros dos convivia do SF é constituída de profissionais que ali encontram um interesse mais ou menos intenso em função de suas atividades: produtores de bens alimentares em pequena escala, chefes de cozinha e donos de restaurantes, críticos gastronômicos, sommeliers, pesquisadores diversos cujos interesses acadêmicos tenham uma ligação com a produção alimentar: geógrafos, historiadores do gosto, microbiologistas, geneticistas, agentes públicos de desenvolvimento regional ou municipal, distribuidores de produtos alimentares, jornalistas gastronômicos, consultores em marketing que contribuem, cada um na sua especialidade, para valorização dos produtos.

Assim, por exemplo, no domínio da ciência, mostramos como se desenvolveu o convivium de Clermont-Ferrand, capital da região montanhosa da Auvergne, onde se concentram várias unidades de pesquisa sobre a qualidade dos queijos da região, com pesquisadores atuando na legitimação das DOC. Entre os militantes do SF, encontra-se uma pesquisadora do INRA vinculada à ecologia microbiana dos queijos e que milita em favor dos queijos de leite cru, participando de um projeto que visa reforçar a ligação dos bens com seu terroir valendo-se “de microrganismos-assinatura”, termo utilizado por outra cientista da universidade de Caen, que trabalha também com os integrantes das DOC de Normandie (Bertussi, 20203 BERTUSSI, Mayra L. A qualidade dos queijos da região de Auvergne: um estudo sobre as relações entre expertise científica e o fomento das appellations d’origine controlée (AOC). Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020., p.195). Outro membro desse convivium é um geógrafo, pesquisador do CIRAD, especialista em sociologia da qualificação alimentar e consultor de Michel Bras (chefe de cozinha cujo restaurante era classificado como um dos cinquenta melhores do mundo), que organizou um curso de verão na Universidade de Clermond-Ferrand, a respeito do leite cru.

Há ainda um caso que vale a pena chamar a atenção pelos êxitos alcançados: trata-se do sucesso do convivium da região do Béarn, que conta com o maior número de militantes e uma grande quantidade de produtos sentinelas, resultado da atuação do seu presidente e fundador, vice-presidente nacional do SF, um professor de geografia que publicou vários livros sobre os queijos da região e ocupava um cargo de conselheiro geral e de diretor da agência pública de organização e desenvolvimento territorial da região. Muitos agentes de desenvolvimento regional encontraram no SF uma via mais eficaz para valorizar a pequena produção do que os incentivos estatais ou ainda como complemento a eles. Em 2008, a secretária geral do Slow Food France assinalava a presença de um senador, de um conselheiro regional para agricultura e do presidente da Câmara de Agricultura da região dos Pirineus, no evento Terra Madre, todos eles apostando na promoção das pequenas produções de qualidade.

Com o impulso da mídia, o movimento integra diferentes tipos de produtores, desde aqueles que se beneficiam da valorização dos seus produtos graças à qualificação do movimento a jovens estudantes procurando abrir uma distribuidora de produtos de luxo, ou até mesmo um cozinheiro em busca de emprego. Nesse sentido, a rede social do SF funciona como uma poderosa ferramenta de valorização de certos produtos no plano nacional e internacional, como fator de incremento da demanda para seu escoamento e elemento fundamental para estruturação das atividades econômicas. Nota-se a importância da produção acadêmica para nova configuração dos parâmetros da produção agrícola a ser valorizada e o papel relevante de agentes de organismos de implementação de decisões sobre políticas agrícolas numa posição peculiar nesses diversos campos.

Pode-se considerar que esse movimento, visto a partir da França, contribui para construir uma via alternativa ao modelo agroindustrial em vigor? Essa escolha de produtos, manifestação silenciosa que atua na demanda, como o menciona Hirschman (1995)12 HIRSCHMAN, Albert O. Défection et prise de parole. Paris: Fayard, 1995., atende às pretensões políticas explícitas do movimento e altera significativamente a qualidade da oferta dos produtos? Sem dúvida, o movimento procede a uma restruturação da qualificação dos produtos no sentido de valorizar a produção no que diz respeito às suas propriedades organolépticas e a sua relação com o meio ambiente. Essa revalorização simbólica dos produtos é acompanhada, evidentemente, de valorização monetária. Caso considerássemos apenas a condição de consumidores, estaríamos longe de perceber todas as tramas de interesses profissionais que encontram nas redes construídas sua razão de ser. Seria redutor ver esse tipo de movimento social apenas pelo seu aspecto de reunir também consumidores de várias origens.

A natureza do movimento faz com que, em vez de ser uma ação que se opõe aos produtores, como no caso dos produtos industriais como Nike, ou mesmo como nas AMAPs, nas quais consumidores e produtores têm reuniões para chegarem a um acordo sobre a qualidade dos produtos e/ou do preço, o ajuste se faz num trabalho coletivo em direção a uma visão compartilhada e consensual acerca da qualidade dos bens. Contudo, os militantes estão ainda envolvidos, em sua atividade profissional, com a qualificação dos produtos e modalidades de sua produção. E, se os produtos selecionados pelo SF eram, a princípio, simples e não figuravam entre os alimentos de luxo, como o caviar e os vinhos mais renomados, com sua reclassificação e mediatização, eles chegaram a alcançar frequentemente preços bastante altos e fora do alcance da população de menor poder aquisitivo. Dessa forma, se a soberania alimentar e a questão da fome no mundo ou a qualidade de alimentação do cotidiano não constituem a preocupação maior do movimento, isso não quer dizer que os efeitos das ações coletivas deixem de exercer influência nos padrões de excelência dos bens alimentares. A competição pelos valores a serem consagrados ao comer e ao beber tem nessas redes uma componente nova e de grande repercussão.

  • 1
    “Produtivismo” é o nome que atualmente se dá ao conjunto de estratégias implementadas no pós-guerra, sobretudo a partir dos anos 1950, visando ao incremento permanente da produtividade nas técnicas agrícolas, obtido sobretudo graças à mecanização e ao uso intensivo de sementes selecionadas e defensivos agrícolas, assim como pela adoção de cálculos e programações econômicas que privilegiam a rentabilidade dos investimentos.
  • 2
    Ver, entre outras publicações, Goodman (2003)11 GOODMAN, David. “The Quality’turn’and alternative food practices: reflections and agenda”.. Journal of Rural Studies, v. 19, n. 1, p.1-7, 2003., Counihan e Siniscalchi (2014)4 COUNIHAN, Carole; SINISCALCHI, Valeria. Food Activism, Agency, Democracy and Economy. London/New York: Bloomsburry, 2014. e Dubuisson-Quellier, Lamine e Le Velly (2011)5 DUBUISSON-QUELLIER, Sophie; LAMINE, Claire; LE VELLY, Ronan. Citizenship and consumption: Mobilisation in alternative food systems in France. Sociologia Ruralis, v. 51, n. 3, July 2011, p.304-323..
  • 3
    Convivium é uma palavra de origem latina que significa banquete, ou festim, no plural convivia. O termo está sendo utilizado na França, e cada convivium tem um nome próprio evocando a especificidade do lugar.
  • 4
    Em 2013, o movimento contava 100.000 aderentes no mundo em 150 países. Entre outros, na Alemanha (1992), nos Estados Unidos (2000), no México (no congresso de Puebla em 2007, contavam-se 440 delegados para 48 países), na Coréia, no Brasil e na França.
  • 5
    O discurso do líder do SF está muito próximo daquele dos regionalistas franceses dos anos 1930, na Borgonha, e, em especial, do Club des Cents, composto de jornalistas da imprensa parisiense, de políticos e industriais de destaque que estiveram na origem da valorização dos vinhos e dos produtos locais, afirmando-se num discurso que defendia um modo alternativo de desenvolvimento econômico, indo contra a industrialização e urbanização “doentias” (Laferté, 200613 LAFERTÉ, Gilles. La Bourgogne et ses vins: image d’origine contrôlée. Paris: Belin: 2006.). Nos anos trinta na França, defender a culinária regional era equivalente a ajudar os dominados contra Paris e o “internacionalismo”, a tradição ou um passado idealizado opondo-se à modernidade e à indústria, a autenticidade contra a aparência, o campo sadio contra a urbanização e o luxo sofisticado, os particularismos locais contra a uniformização internacional, em suma, algo deveras nacionalista. Contudo, o SF, por sua vez, tem por ambição encarar de maneira positiva as particularidades locais do mundo inteiro.
  • 6
    Pertencia à associação recreativa dos italianos comunistas (Arci Gola) e era crítico do ascetismo da esquerda. Com outras associações, ele fundou, em 1986, “Arcigola”, um movimento gourmet alternativo das Langhe na região piemontesa. Essa associação tinha um caráter comercial, com a venda de guias de turismo, de guias gastronômicos, em especial a respeito dos vinhos, e constituía uma associação de gourmets nacional que lutava em favor das “culinárias nacionais” (Valcheschini, 2014, p. 227).
  • 7
    Em especial no caso do porco (lardo di Collonata), que se tornou símbolo dos produtos ameaçados de desaparecimento por políticas públicas.
  • 8
    O termo “chefe de cozinha” se refere a quem é responsável pelo processo de elaboração completa dos pratos de uma refeição na cozinha do estabelecimento onde é servida. Ele trabalha só, ou com uma equipe de cozinheiros ou ajudantes, que executam sob suas ordens sua técnica culinária.
  • 9
    Segundo Siniscalchi (2013)20 SINISCALCHI, Valeria. Slow versus fast. Économie et écologie dans le movement slow food. Terrain, n. 60, p. 132-147, 2013., este evento contou com 4.000 produtores em 2012.
  • 10
    A universidade oferece em Polenzo e Colorno um programa interdisciplinar com disciplinas tais como: alimentação, nutrição humana, biologia animal, botânica, análise sensorial, comércio internacional, enologia, direito do meio ambiente e alimentar europeu, sistemas e técnicas de restauração.
  • 11
    Traduzido em vários países, a edição brasileira data de 2009 pela Editora SENAC, instituição envolvida na promoção do comércio e controlada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
  • 12
    O jornal Le Monde, de 9 de dez. 2012, no artigo “Slow Food fait de la politique” do Magazine du Monde reproduzia as palavras de Carlo Petrini declarando que sua ação passava do estatuto de curiosidade antropológica ou folclórica ao estatuto de quem faz política, fazendo nuances, contudo: “O palavrão foi dito: Slow Food entra na política. Mas não se trata de criar um partido com carta de aderente, meeting eleitoral e ‘tutti quanti’”.
  • 13
    Adotou-se na França a forma jurídica de uma associação lei 1901, ou seja, uma convenção pela qual pessoas diversas colocam em comum seus conhecimentos numa atividade sem fins lucrativos.
  • 14
    A forte centralização política, econômica e cultural em Paris está na origem dessa oposição forte entre a capital e o resto do território.
  • 15
    Ele participou do movimento de maio de 1968 e posteriormente tornou-se professor de economia.
  • 16
    O comitê francês da Arca do Gosto era composto, em sua maioria, por pesquisadores membros da associação. Em 2005, reunia 75 produtos. O comitê francês contava com um pesquisador do CIRAD (organismo francês de pesquisa agronômica e de cooperação internacional para o desenvolvimento durável das regiões tropicais e mediterrâneas,), um botânico, um historiador do gosto, um geógrafo, um especialista em marketing, um presidente de cooperativa e um membro da Academia da Agricultura, todos membros do movimento.
  • 17
    Traduzimos ferme por “sítio”: o termo “fazenda” em português porta uma conotação de grande propriedade.
  • 18
    Chamou-nos atenção a facilidade de perceber os efeitos poderosos dessas instituições e da utilização das redes sociais, atitude que não encontramos com produtores de carneiros do estuário do Rio Garonne, que não mostram nem o mesmo nível de educação, nem o convívio em meio urbano antes de se dedicar à agricultura. O uso diferenciado das redes sociais chamou nossa atenção, sem termos, no entanto, a possibilidade de proceder a esse estudo.
  • 19
    Ele era filho de um pequeno produtor da região que conhecia o renomado presunto “pata negra” da região espanhola vizinha.
  • 20
    Especialidade culinária francesa feita com fígado de ganso ou de pato submetidos a alimentação forçada.
  • 21
    A respeito do papel dos salões internacionais como elemento formador na comercialização dos produtos, ver Garcia-Parpet, Lecler e Sora (2015)8 GARCIA-PARPET, Marie-France; LECLER, Romain; SORA, Gustavo. Foires, salons et marchés internationaux. Circulation des biens symboliques et mondialisation des places marchandes. In: SIMÉANT, J. (coord.). Guide de l’enquête globale en sciences sociales. Paris: CNRS Éditions, 2015. p. 95-114..
  • 22
    Os produtores de vinho costumam também aproveitar seus produtos no local do Senado.
  • 23
    A corrente de “bistronomie” (“boteconomia”) é voltada para um caminho intermediário entre gastronomia e comida de boteco e se desenvolveu a partir do começo do século XXI.
  • 24
    Hebdomadário feminino muito difundido, 20 de março de 2015.
  • 25
    22 de janeiro de 2016.
  • 26
    Organismos geneticamente modificados.
  • 27
    Um dos donos é membro do SF e o outro é filho de um membro do SF, ponto que retomaremos adiante.
  • 28
    Podemos mencionar também o convivium Bizi Ona, liderado por um professor de Geografia que escreveu vários livros sobre a qualidade do queijo da região e é conselheiro geral (um cargo administrativo chave para financiamentos) que dinamizou muito a economia local.
  • 29
    Instalado há 30 anos na região, ele vende seus produtos nas feiras de Estrasburgo. O sítio faz a apresentação dos seus produtos nas redes sociais.
  • 30
    Na página de internet do convivium Schnaekele, pode-se ler: “Caderno de endereços da Arca do Saber Gustativo. A arca contém endereços de bons restaurantes alsacianos que compartilham a nossa filosofia. Verdadeira rede de informação gastronômica, ela oferece uma alternativa à publicidade enviesada e sem alma da mídia”. Já o outro convivium alsaciano, o Schnakala, organiza, por exemplo, uma troca de produtos alimentares, reunindo várias associações que mobilizam valores “cidadãos”, organizando as trocas “num ambiente de verdadeira mistura cultural e social” (junho, 2013).
  • 31
    Sigla de Association pour le maintien de l’agriculture paysanne (Associação para Manutenção da Agricultura Familiar).
  • 32
    Nota-se que esse movimento de ida ao campo é alimentado pela desilusão em relação aos benefícios da cidade (em especial, rejeição do trabalho assalariado e valorização da natureza).
  • 33
    Para a composição social da cidade de Paris, ver Pinçon e Pinçon (2014)18 PINÇON, Michel; PINÇON, Monique. Sociologie de Paris. Paris: La Découverte, 2014..
  • 34
    O guia foi criado nos anos 1970 e destinava-se aos turistas pouco endinheirados, mas com certo capital cultural.
  • 35
    Sigla de Centre National de la Recherche Scientifique (Centro Nacional de Pesquisa Científica).
  • 36
    A loja vendia iguarias de várias partes do mundo, em particular o guaraná, que ela havia descoberto durante suas viagens pelo mundo afora, produto sobre o qual o filho, Bastien Beaufort1BEAUFORT, Sébastien. Le guarana, trésor des Indiens Sateré Mawé. Mythes fondateurs, biodiversité et commerce équitable. Gap: Editions Yves Michel, 2008., publicou, em 2008, Le guarana, trésor des Indiens Sateré Mawé. Mythes fondateurs, biodiversité et commerce équitable, na mesma editora onde foram publicados dois livros de Carlo Petrini.
  • 37
    Herbe, dirigido por Mathieu Levain e Olivier Porte, 2008.
  • 38
    Tais como Le beurre et l’argent du beurre (A manteiga e também sua renda – filme sobre comércio justo que emprega uma expressão idiomática que sublinha fins contraditórios), de Philippe Baqué e Alidou Badini (2007), ou ainda Les moissons du futur (“As colheitas do futuro”, 1995), ou Notre poison quotidien (“Nosso veneno quotidiano”), O mundo de Monsanto, uma crítica a esta multinacional por utilizar produtos químicos nocivos à saúde, que foi dirigido por Marie Monique Robin (2008).
  • 39
    Associação de bairro.
  • 40
    Uma cidade no centro da França, a qual retomaremos mais adiante.
  • 41
    Pesquisador do CNRS e autor dos livros Histoire des cuisiniers en France e Le mythe de la gastronomie française (Drouard, 20077 DROUARD, Alain. Histoire des cuisiniers en France. Paris: CNRS Éditions, 2007., 20166 DROUARD, Alain. Le mythe de la gastronomie français. Paris: CNRS Éditions, 2016.), ambos editados pelo CNRS.
  • 42
    Na época em que fizemos as entrevistas, o Eurogusto tinha sido suspenso, o prefeito da cidade que o apoiava tendo perdido as eleições. O programa era muito dependente da administração municipal; quando o prefeito perdeu as eleições, houve uma descontinuidade na existência do evento.
  • 43
    Os sítios pertencentes a essa associação são mencionando no Guia do Routard como local de passeio onde se pode degustar iguarias locais.
  • 44
    Sigla de Fédération nationale des syndicats d’exploitants agricoles (Federação Nacional dos Sindicatos dos Produtores Rurais).
  • 45
    É o caso também de Dijon, cidade situada na Borgonha, região de vinhos renomados, que procurava se valorizar enquanto cidade gastronômica, onde existia igualmente um convivium; assim como de Rungis, mercado de atacado de produtos alimentícios em Paris.
  • 46
    O porco preto de Bigorre, a galinha da Gasconha, o carneiro de Barèges-Gavarnie, a vaca irlandesa, o pélardon affiné, entre outros.
  • 47
    Este último, por sinal, após ter ido ao Salão do Gosto, em Turim, considerou que este era uma manifestação por demais “business”.
  • 48
    Ou seja, respeitando um certo número de tradições locais, sem, no entanto, preocupar-se com a questão dos insumos químicos.
  • 49
    Para análise das denominações de origem de vinhos, ver Laferté (2006)13 LAFERTÉ, Gilles. La Bourgogne et ses vins: image d’origine contrôlée. Paris: Belin: 2006.. Às vezes, o SF intervinha quando uma denominação de origem se afastava das práticas tradicionais, favorecendo as empresas de laticínios, revalorizando assim a produção dos pequenos produtores que permaneciam fieis às práticas “tradicionais” (Garcia Parpet, 20099 GARCIA-PARPET, Marie-France. Le marché de l’excellence: les grands crus à l’épreuve de la mondialisation. Paris: Seuil, 2009.).
  • 50
    Mas não somente, com o ressalta muito bem Gilles Laferté, que fala da importância do folklore commercial que revaloriza o vinho (Laferté, 200613 LAFERTÉ, Gilles. La Bourgogne et ses vins: image d’origine contrôlée. Paris: Belin: 2006.).

Referências

  • 1
    BEAUFORT, Sébastien. Le guarana, trésor des Indiens Sateré Mawé Mythes fondateurs, biodiversité et commerce équitable. Gap: Editions Yves Michel, 2008.
  • 2
    BOLTANSKI, Luc; ESQUERRE, Arnaud. Enrichissement, une critique de la marchandise Paris, Gallimard, 2017.
  • 3
    BERTUSSI, Mayra L. A qualidade dos queijos da região de Auvergne: um estudo sobre as relações entre expertise científica e o fomento das appellations d’origine controlée (AOC) Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.
  • 4
    COUNIHAN, Carole; SINISCALCHI, Valeria. Food Activism, Agency, Democracy and Economy London/New York: Bloomsburry, 2014.
  • 5
    DUBUISSON-QUELLIER, Sophie; LAMINE, Claire; LE VELLY, Ronan. Citizenship and consumption: Mobilisation in alternative food systems in France. Sociologia Ruralis, v. 51, n. 3, July 2011, p.304-323.
  • 6
    DROUARD, Alain. Le mythe de la gastronomie français Paris: CNRS Éditions, 2016.
  • 7
    DROUARD, Alain. Histoire des cuisiniers en France Paris: CNRS Éditions, 2007.
  • 8
    GARCIA-PARPET, Marie-France; LECLER, Romain; SORA, Gustavo. Foires, salons et marchés internationaux. Circulation des biens symboliques et mondialisation des places marchandes. In: SIMÉANT, J. (coord.). Guide de l’enquête globale en sciences sociales Paris: CNRS Éditions, 2015. p. 95-114.
  • 9
    GARCIA-PARPET, Marie-France. Le marché de l’excellence: les grands crus à l’épreuve de la mondialisation. Paris: Seuil, 2009.
  • 10
    GLOBAL GÂCHIS : Le Scandale mondial du gaspillage alimentaire. Direção: Olivier Lemaire. Produção: CAPA. Roteiro: Olivier Lemaire, Maha Kharrat, Tristram Stuart. França: Canal+, 2012. Streaming (90 minutos).
  • 11
    GOODMAN, David. “The Quality’turn’and alternative food practices: reflections and agenda”.. Journal of Rural Studies, v. 19, n. 1, p.1-7, 2003.
  • 12
    HIRSCHMAN, Albert O. Défection et prise de parole Paris: Fayard, 1995.
  • 13
    LAFERTÉ, Gilles. La Bourgogne et ses vins: image d’origine contrôlée. Paris: Belin: 2006.
  • 14
    LAMINE, Claire. “Settling Shared uncertainties: local Partnerships Between Producers and Consumers”. Sociology Ruralis, v. 45, n. 4, 2005, p.324-345.
  • 15
    LE VELLY, Ronan. Sociologie des systèmes alimentaires alternatif Paris: Les Mines, 2017.
  • 16
    MICHELETTI, Michele. Why political consumerism? Political virtue and shopping. Nova York: Palgrave Macmillan, 2003.
  • 17
    PINTO, Louis. L’invention du consommateur Paris: PUF, 2018.
  • 18
    PINÇON, Michel; PINÇON, Monique. Sociologie de Paris Paris: La Découverte, 2014.
  • 19
    SINISCALCHI, Valeria. Food activism between politics and economy. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy Londres: Bloomsburry, 2014. p. 225-242.
  • 20
    SINISCALCHI, Valeria. Slow versus fast. Économie et écologie dans le movement slow food. Terrain, n. 60, p. 132-147, 2013.
  • 21
    THIVET, Delphine. Peasants’ transnational mobilization for food sovereignty in la Via Campesina. In: COUNIHAN, C.; SINISCALCHI, V. (ed.). Food activism, agency, democracy and economy Londres: Bloomsburry, 2014. p. 193-209.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2022
  • Aceito
    19 Set 2023
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