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Desenvolvimento de formadores de filmes poliméricos orgânico-inorgânico para liberação controlada de fármacos e tratamento de feridas

Development of organic-inorganic polymeric film formers for controlled drug release and wound care

Resumos

Sistemas poliméricos formadores de filmes representam uma nova e pouco explorada tecnologia em sistemas capazes de proteger a pele ou feridas e ainda liberar fármacos de forma controlada. Este trabalho teve como objetivo estudar o uso de materiais poliméricos híbridos ureasil-poliéter sintetizados pelo processo sol-gel como sistema formador de filmes contendo o fármaco modelo sulfadiazina de prata. O tempo de formação do filme pode ser controlado através da modificação da razão precursor/catalisador utilizada durante as etapas de hidrólise e condensação. Os resultados mostraram que a proporção precursor/catalisador influencia as características visuais do filme e o seu tempo de formação. A proporção precursor/catalisador igual a 20,8 m/v foi considerada ideal por proporcionar a formação de filmes homogêneos e transparentes em um tempo menor que cinco minutos. O perfil de liberação da sulfadiazina de prata é dependente das características das matrizes: matrizes mais hidrofóbicas como ureasil-POP levam a uma liberação lenta, devido principalmente ao baixo intumescimento da matriz. A matriz mais hidrofílica ureasil-POE possui grande capacidade de intumescer o quefavorece uma liberação mais rápida do fármaco. O conjunto de resultados apresentado revela a possibilidade de utilização futura destes sistemas no tratamento de feridas causadas por queimaduras.

híbrido orgânico-inorgânico; formador de filme; liberação controlada; sulfadiazina de prata.


Film forming polymeric systems represents a new and unexplored technology of systems forskin or wounds protection and for controlled drug release. The aim of this work was to study the use of polymeric organic-inorganic ureasil-polyether hybrids synthesized by the sol-gel process as film forming system containing silver sulfadiazine as model drug. The film formationtime can be controlled by changing the precursor/catalyst ratio used during the step of hydrolysis and condensations. The results showed that the precursor/catalyst proportion influences both the visual characteristics and time required to form the film. The precursor/catalyst ratio equal to 20.8 m/v was considered ideal due to promote the homogeneous and transparent film formation in less than 5 minutes. The release profile of sulfadiazine is dependent on the characteristics of the matrixes: matrix more hydrophobic as ureasil-POP provided a slowed released mainly due to the low swelling of the matrix. The more hydrophilic ureasil-POE matrix presents a large capacity to swell and favors the faster release of the drug. The set of results showed the possibility of future use of these systems for treating wounds caused by burns.

Hybrid material; film forming system; treatment of burns; sulfadiazine silver.


1. INTRODUÇÃO

A pele é considerada uma importante via de administração de medicamentos, tanto local quanto sistêmica. Muitas são as vantagens apresentadas por essa via: melhor absorção e concentração plasmática adequada do fármaco, diminuição da toxicidade e aumento da adesão do paciente ao tratamento devido a uma menor frequência de doses administradas[1][1] CHORILLI, M., BRIZANTE, A.C., RODRIGUES, A.C., SALGADO, H.R.N., "Aspectos gerais em sistemas transdérmicos de liberação de fármacos", Revista Brasileira de Farmácia, v. 88, n. 1, pp. 7-13, Jan. 1996..

Dentre as formas farmacêuticas convencionais utilizadas para a veiculação de fármacos por via tópica estão as preparações semissólidas (pomadas, emulsões, géis, cremes) e as soluções. Para o tratamento de pequenas feridas causadas por queimaduras existe a possibilidade de utilizar sistemas convencionais transdérmicos (adesivos), entretanto, desvantagens como dor intensa ao colocar ou retirar o adesivo, danos ao processo de cicatrização da ferida no momento da remoção do adesivo e irritação do local de aplicação[2][2] ZHAI, H., MAIBACH, H., "Effects on skin occlusion on percutaneous absorption: an overview", Skin pharmacology and applied skin physicology, v. 14, n. 1, pp. 1-10, Jan-Feb. 2001. fazem com que sejam pouco utilizados. Outra possibilidade é o uso de ataduras oclusivas que podem ser definidas como qualquer material capaz de manter o tecido da ferida hidratado promovendo a cicatrização por via úmida. Entretanto, esse sistema tem a desvantagem de não conter e liberar de forma controlada fármacos que podem auxiliar tanto na diminuição da dor quanto nos processos inflamatórios ou de cicatrização, de apresentar custo elevado e de não permitir a visualização da ferida durante o tratamento sem a retirada da atadura[3][3] WILLIAM, H., EAGLSTEIN, M.D., "Moist Wound Healing with Occlusive Dressings: A Clinical Focus", Dermatologic Surgery, v. 27, n. 2, pp. 175-182, Feb. 2001..

Materiais formadores de filmes representam uma alternativa aos sistemas convencionais e apresentam a vantagem de tornar o tratamento mais confortável e funcional, uma vez que são transparentes, permitindo a visualização da ferida, podem ser aplicados em feridas de maior extensão e podem ser removidos mais facilmente. Além disso, a capacidade de liberar de forma controlada ou prolongada o fármaco utilizado no tratamento diminui o número de vezes necessário para troca do curativo, o que diminui a dose administrada e evita a dor e danos ao processo de cicatrização durante a sua remoção, provendo o aumento da adesão do paciente ao tratamento[4,[4] SOUZA,L.K., BRUNO, C.H., LOPES, L., PULCINELLI, S.H., SANTILLI, C.V., CHIAVACCI, L.A., "Ureasil-polyether hybrid film-forming materials", Colloids and Surfaces B: Biointerfaces, v. 101, pp. 156-161, Jan. 2013. 5][5] SCHOEDER, I.Z., FRANKE, P., SCHAEFER, U.F., LEHR.C., "Development and characterization of film forming polymeric solutions for skin drug delivery", European Journal of Pharmaceutics and Biopharmaceutics, v. 65, pp. 111-121, Apr. 2006..

Especificamente no tratamento de feridas provocadas por queimaduras, a utilização de sistemas capazes de liberar o fármaco de forma controlada é muito importante, já que as infecções microbianas são uma das principais causas de morte nesse tipo de tratamento. Assim sendo, a escolha adequada da terapia tópica é fundamental na prevenção e no tratamento dessas infecções[6][6] MOGHIMO, H.R., MAKHMALZADEH, B.S., MANAFI, A., "Enhancement effect of terpenes on silver sulphadiazine permeation through third-degree burn eschar", Burns, v. 35, n. 8, pp. 1165-1170, Dec. 2009.. Um fármaco muito utilizado no tratamento de queimaduras é a sulfadiazina de prata, apresentando em sua formulação dois agentes microbianos, a prata que possui seu efeito terapêutico na forma iônica e a sulfadiazina que faz parte do grupo das sulfanamidas. A combinação desses dois agentes faz com que o composto possua um grande espectro antimicrobiano além de apresentar um baixo potencial de resistência microbiana[7][7] LANTIS, J., PRICE, P., "The role of ALLEVYNTM Ag in the management of hard-to-heal wounds", Wounds International, v. 2, n. 4, pp. 1-8, 2011..

Materiais híbridos orgânicos inorgânicos do tipo ureasil-poliéter são sistemas poliméricos que associam propriedades de uma fase orgânica e de outra inorgânica no mesmo composto resultando em um material único, que difere do poliéter puro [8][8] JUDEINSTEIN, P., BRIK, M.E., BAYLE, J.P., COURTIEU, J., RAULT, J., "Mobility Range in Hybrid Materials", MRS Proceedings, v. 346, pp. 937-942, 1994., e que reúne características importantes para sistemas formadores de filme tais como: alta flexibilidade, alta transparência, alta resistência mecânica, baixa solubilidade em água e capacidade de controlar o perfil de liberação de fármacos[4][4] SOUZA,L.K., BRUNO, C.H., LOPES, L., PULCINELLI, S.H., SANTILLI, C.V., CHIAVACCI, L.A., "Ureasil-polyether hybrid film-forming materials", Colloids and Surfaces B: Biointerfaces, v. 101, pp. 156-161, Jan. 2013..

Neste trabalho materiais híbridos ureasil-polieter foram utilizados com o objetivo de obter sistemas formadores de filme contendo sulfadiazina de prata capazes de promover o controle da liberação deste fármaco.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Obtenção dos sistemas formadores de filmes híbridos ureasil-poliéter

Os materiais poliméricos híbridos orgânico-inorgânicos foram obtidos pelo processo sol-gel a partir de uma rota de síntese bem descrita na literatura[9,[9] GONÇALVES, M.C., DE ZEA BERMUDEZ, V., SÁ FERREIRA, R.A., CARLOS, L.D., OSTROVSKII, D., ROCHA, J., "Optically functional di-urethanesil nanohybrids containing Eu3+Íons", Chemistry of Materials, v. 16, pp. 2530-2543, Jan. 2004. 10][10]. GONÇALVES, M.C,. DE ZEA BERMUDEZ, V,. OSTROVSKII, D,. CARLOS, L.D, "Cationic and anionic environments in mono-urethanesil hybrids doped with magnesium triflate", Solid State Ionics, v. 166, n. 1-2, pp. 103-114, Jan. 2004.. Na síntese do precursor utilizou-se um polieter funcionalizado a base de polióxido de etileno (NH2-POE-NH2) com massa molar de 1900 gmol-1 ou a base polióxido de propileno (NH2-POP-NH) com massa molecular de 2000 gmol-1 dissolvidos em etanol. A essa solução foi adicionado o alcoóxido modificado, o 3-isocianatopropiltrietoxisilano (IsoTrEOS) na razão molar polímero/alcóxido de 1:2. A mistura permaneceu sobre fluxo por 24h à temperatura de 80°C[11][11]. DE ZEA BERMUDEZ, V, ALCACER, L., ACOSTA, J.L., "Synthesis and characterization of novel urethane cross-linked ormolytes for solid-state lithium batteries", Solid State Ionics, v. 116, n. 3-4, pp. 197-209, Jan. 1999. para promover a formação do precursor híbrido (EtO)3Si-(CH2)3NHC(=O)NHCHCH3CH2-(polyether)-CH2CH3CHNH(O=)-NHC(CH2)3Si(OEt)3[12][12]. SANTILLI, C.V,. CHIAVACCI, L.A,. LOPES, L, PULCINELLI, S.V., OLIVEIRA, A.G., "Controlled drug release from ureasil-polyether hybrid materials", Chemistry of Materials, v. 23, n. 3, pp. 463-467, Jan. 2009.. Após a síntese essa mistura foi colocada em um rota-evaporador sobre aquecimento e pressão reduzida e o solvente presente do processo da síntese foi eliminado obtendo-se assim o polímero precursor.

Para obtenção do sistema formador de filme foram misturados 0,75g do polímero precursor, 500µL de etanol absoluto, 50 µL de água mili-Q e diferentes quantidades de ácido clorídrico 2M(ver tabela 1), utilizado como catalisador das reações de hidrólise e condensação que levam à formação do filme. A adição das moléculas do fármaco foi efetuada simultaneamente à adição de água e álcool, ou seja, durante a etapa de hidrólise e condensação. Imediatamente após a mistura os componentes foram espalhados com o auxilio de um extensor de filme com cavidade 10 mils sobre uma placa de teflon conforme ilustra a Figura 1 para obtenção de filmes não suportados.

Figura 1:
Espalhamento da solução formadora de filme utilizando um extensor de filme (cavidade 0.254mm).

2.2 Determinação do tempo visual dos filmes

O tempo necessário para formação do filme para os materiais ureasil-poliéter com ou sem adição do fármaco foram analisados visualmente seguindo metodologia descrita na literatura[5][5] SCHOEDER, I.Z., FRANKE, P., SCHAEFER, U.F., LEHR.C., "Development and characterization of film forming polymeric solutions for skin drug delivery", European Journal of Pharmaceutics and Biopharmaceutics, v. 65, pp. 111-121, Apr. 2006.. Uma lamínula de vidro foi colocada em contato com a superfície do filme a cada 15 segundos sem aplicação de pressão. Após a remoção da lamínula observou-se a existência ou não de material líquido e considerou-se que o filme estava formado e seco quando não houve visualmente a presença de material líquido aderido à lamínula.

2.3 Espalhamentos de Raios-X a baixo ângulo (SAXS)

Radiação Síncrotron gerada pelos anéis de armazenamento do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) foram empregadas na caracterização estrutural e nanoestrutural das amostras. Medidas de espalhamento de raios X a baixo ângulo (SAXS) in situ foram efetuadas durante o processo de contato dos filmes com os meios de liberação visando correlacionar o perfil de intumescimento com os mecanismos de liberação do fármaco.

2.4 Avaliação do perfil de liberação "in vitro" da sulfadiazina de prata

Os filmes não suportados foram imersos em 500 ml de solução de acetonitrila e ácido fosfórico em água numa proporção volumétrica acetonitrila/ácido fosfórico/água = 80:1:419. Essa solução foi mantida a 37 (± 0,5°C) e agitada com pás em uma velocidade constante de 50 rpm seguindo o método preconizado pela farmacopeia americana (USP). Em intervalos determinados, 5 ml do meio de liberação foram coletados, filtrados e a concentração de sulfadiazina de prata nesta alíquota foi quantificada. Para quantificação do fármaco sulfadiazina de prata liberado utilizou-se o espectrofotômetro ultravioleta Agilent Technologies Cary 60 UV-Vis em comprimento de onda 265nm foi utilizado.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para ser utilizado como sistema polimérico formador de filme, além de ser transparente o filme deve ser visualmente homogêneo e se formar em um intervalo de tempo adequado, que segundo a literatura científica varia de aproximadamente 2 a 5 minutos. A homogeneidade do filme é importante uma vez que sua atratividade estética (sistema quase invisível) aumenta a adesão dos pacientes ao tratamento. Depois de formado o filme deve apresentar características mecânicas adequadas para não aderir às roupas do paciente e não se romper com os movimentos naturais do corpo. Desta forma, na primeira etapa deste trabalho foi avaliada a possibilidade de formar filmes poliméricos visualmente homogêneos e em tempo adequado a partir dos materiais híbridos orgânico-inorgânicos ureasil-poliéter contendo sulfadiazina de prata. Os filmes poliméricos híbridos orgânico-inorgânicos são formados pelo processo sol-gel, que envolve reações de hidrólise e condensação. A velocidade dessas reações (e o tempo de formação do filme) é controlada pela variação da proporção precursor/catalisador. Assim sendo, foram preparados filmes com diferentes proporções precursor /catalisador. O tempo de formação do filme foi visualmente determinado para os filmes híbridos contendo ou não o fármaco. A Tabela 1 apresenta o tempo de formação dos filmes em função das proporções precursor/catalisador.

Tabela1:
Determinação do tempo de formação dos filmes híbridos ureasil-POE e ureasil-POP com fármaco e sem fármaco utilizando catalisador ácido (HCl 2M).

Observando os dados da tabela 1 verificamos que não há diferença significativa no tempo de formação do filme para os materiais híbridos testados na presença ou na ausência do fármaco. À medida que a quantidade de catalisador aumentou ocorreu a diminuição do tempo de formação do filme como já era esperado. Para o híbrido ureasil-POE o tempo de formação dos filmes foi adequado para todas as proporções precursor/catalisador avaliadas. Já para o híbrido ureasil-POP o tempo de formação foi adequado apenas para as proporções precursor/catalisador 40,6 e 20,8 m/v. Entretanto, tanto para os híbridos ureasil-POE quanto ureasil-POP apenas os filmes obtidos com uma proporção de precursor/ catalisador de 20,8m/v apresentaram-se visualmente homogêneos. Estes resultados podem ser explicados porque altas concentrações de catalisador promovem uma gelatinização muito rápida do material não permitindo que este se espalhe adequadamente o que leva à formação de filmes irregulares. Já no caso dos filmes formados com baixas proporções precursor/catalisador pode ocorrer a evaporação do etanol utilizado como agente hidrolisante durante as reações de hidrólise e condensação que são mais lentas neste caso, causando a formação de um gel irregular. Tanto os resultados relacionados ao tempo de formação quanto ao aspecto homogêneo dos filmes revelaram que a proporção precursor/catalisador mais adequada foi a de 20,8m/v.

As figuras 2 e 3 mostram a evolução temporal das curvas de SAXS coletadas "in situ" durante o contato com o meio de liberação utilizado nos ensaios de liberação "in vitro" da sulfadiazina de prata para os filmes ureasil-POE1900 e ureasil-POP2000, respectivamente. As curvas de SAXS apresentam um pico alargado característico de objetos espalhadores com forte correlação espacial. No caso dos materiais híbridos ureasil-poliéter esse pico revela uma forte correlação espacial entre os "nós" de silício presentes em cada extremidade da cadeia polimérica[11,[11]. DE ZEA BERMUDEZ, V, ALCACER, L., ACOSTA, J.L., "Synthesis and characterization of novel urethane cross-linked ormolytes for solid-state lithium batteries", Solid State Ionics, v. 116, n. 3-4, pp. 197-209, Jan. 1999. 12[12]. SANTILLI, C.V,. CHIAVACCI, L.A,. LOPES, L, PULCINELLI, S.V., OLIVEIRA, A.G., "Controlled drug release from ureasil-polyether hybrid materials", Chemistry of Materials, v. 23, n. 3, pp. 463-467, Jan. 2009. ,14][14] MOLINA, E.F.,. PULCINELLI, S.H,. SANTILLI, C.V, BLANCHANDIN, S., BRIOIS, V.,"Controlled Cisplatin Delivery from Ureasil-PEO1900 Hybrid Matrix", The Journal of physical chemistry, v. 114, n. 10, pp. 3461-3466, Mar. 2010.. A partir do valor máximo do pico do vetor de espalhamento

é possível calcular a distancia de correlação entre os "nós" de silício, utilizando a relação d=
Desta forma podemos avaliar a evolução dessa distância em função do tempo de imersão do filme no meio de liberação. Quando ocorre um intumescimento das cadeias observa-se um deslocamento na posição do pico de correlação para valores mais baixos de q[12,[12]. SANTILLI, C.V,. CHIAVACCI, L.A,. LOPES, L, PULCINELLI, S.V., OLIVEIRA, A.G., "Controlled drug release from ureasil-polyether hybrid materials", Chemistry of Materials, v. 23, n. 3, pp. 463-467, Jan. 2009. 14][14] MOLINA, E.F.,. PULCINELLI, S.H,. SANTILLI, C.V, BLANCHANDIN, S., BRIOIS, V.,"Controlled Cisplatin Delivery from Ureasil-PEO1900 Hybrid Matrix", The Journal of physical chemistry, v. 114, n. 10, pp. 3461-3466, Mar. 2010..

Podemos observar pela figura 2 um deslocamento na posição do pico de correlação relacionado a uma expansão nos valores da distancia de correlação entre os "nós" de silício do filme ureasil-POE de 5,10nm no inicio do processo para 5,92nm após 30 minutos. Esses dados revelam um alto grau de intumescimento para esse material. Já para o filme ureasil-POP (Figura 3) não observamos deslocamento na posição do pico de correlação indicando que a distância de correlação entre os "nós" de silício permaneceu constante e igual a 3,95nm durante todo o experimento.

Essa diferença ocorre pelo fato do híbrido ureasil-POP apresentar um caráter mais hidrofóbico devido à proteção exercida pelos grupos CH3 no oxigênio do tipo éter, o que não ocorre no híbrido ureasil-POE. O caráter hidrofóbico do híbrido ureasil-POP faz com que o filme apresente menor afinidade pela água e consequentemente menor capacidade de intumescer. As características hidrofílicas/hidrofóbicas dos polímeros híbridos, assim como a solubilidade do fármaco e sua afinidade pela matriz são fatores que também influem no perfil de liberação do fármaco. A Figura 4 apresenta os perfis de liberação da sulfadiazina de prata a partir dos filmes híbridos ureasil-POP e ureasil-POE. Podemos observar uma diferença no perfil de liberação para os dois materiais estudados.

Figura 2:
Curvas de SAXS coletadas durante o intumescimento para as membranas ureasil-POE1900.

Figura 3:
Curvas de SAXS coletadas durante o intumescimento para as membranas ureasil-POP2000.

Figura 4:
Comparação do perfil de liberação dos filmes híbridos ureasil-POP e ureasil-POE.

Podemos observar uma diferença no perfil de liberação para os dois materiais estudados. Para o filme híbrido ureasil-POP um tempo maior para o inicio do processo de liberação é necessário. Este comportamento pode ser explicado tanto pelo caráter hidrofílico/hidrofóbico da cadeia polimérica quanto pelo caráter pouco solúvel em meio polar apresentado pelo fármaco. O híbrido ureasil-POP apresenta um caráter mais hidrofóbico que o ureasil-POE e a alta afinidade entre as cadeias poliméricas hidrofóbicas e o fármaco dificultam a saída do mesmo. Além disso, a hidrofobicidade da cadeia diminui a afinidade do ureasil-POP com o meio de dissolução resultando em um menor relaxamento das cadeias poliméricas e redução no grau de intumescimento da matriz. O perfil de intumescimento dos filmes híbridos está intimamente relacionado com o perfil de dissolução e difusão do fármaco para fora da matriz [12,[12]. SANTILLI, C.V,. CHIAVACCI, L.A,. LOPES, L, PULCINELLI, S.V., OLIVEIRA, A.G., "Controlled drug release from ureasil-polyether hybrid materials", Chemistry of Materials, v. 23, n. 3, pp. 463-467, Jan. 2009. 14][14] MOLINA, E.F.,. PULCINELLI, S.H,. SANTILLI, C.V, BLANCHANDIN, S., BRIOIS, V.,"Controlled Cisplatin Delivery from Ureasil-PEO1900 Hybrid Matrix", The Journal of physical chemistry, v. 114, n. 10, pp. 3461-3466, Mar. 2010.. Para o filme híbrido ureasil-POE, altamente hidrofílico, um alto grau de intumescimento nos primeiros minutos pode ser observado, o que facilita a difusão e a dissolução e do fármaco [12,[12]. SANTILLI, C.V,. CHIAVACCI, L.A,. LOPES, L, PULCINELLI, S.V., OLIVEIRA, A.G., "Controlled drug release from ureasil-polyether hybrid materials", Chemistry of Materials, v. 23, n. 3, pp. 463-467, Jan. 2009. 14][14] MOLINA, E.F.,. PULCINELLI, S.H,. SANTILLI, C.V, BLANCHANDIN, S., BRIOIS, V.,"Controlled Cisplatin Delivery from Ureasil-PEO1900 Hybrid Matrix", The Journal of physical chemistry, v. 114, n. 10, pp. 3461-3466, Mar. 2010. no início do processo. Entretanto, observa-se tanto para os filmes ureasil-POE quanto ureasil-POP que apenas uma pequena porcentagem do fármaco é liberada durante todo o processo. A figura 5 apresenta as fórmulas estruturais das moléculas dos híbridos ureasil-POE e ureasil-POP e os possíveis sítios de interação dessas moléculas com a sulfadiazina de prata.

Figura 5:
Fórmula estrutural dos híbridos ureasil-POP e ureasil-POE e os possíveis sítios de ligações com a molécula da sulfadiazina de prata.

Observa-se que essas moléculas possuem dois tipos de sítios de ligação eletronegativos, os oxigênios do tipo éter da cadeia polimérica e oxigênios do grupo ureia localizado na interface siloxano-polímero, que podem solvatar moléculas eletropositivas como a sulfadiazina de prata, impedindo a sua saída da matriz híbrida, o que explica a liberação de uma pequena quantidade do fármaco.

Para descrever o mecanismo de transporte envolvido na cinética de liberação, vários modelos matemáticos podem ser utilizados[15][15] LOPES, C.M.L., LOBO, J.M.S., COSTA, P., "Formas Farmacêuticas de liberação modificada: Polímeros hidrofílicos", Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 41, n. 2, pp. 143-154, Jul. 2005.. O modelo matemático que melhor se ajustou às curvas experimentais de liberação da sulfadiazina de prata a partir dos filmes poliméricos híbridos ureasil-POP e ureasil-POE foi o descrito por Korsmeyer[15][15] LOPES, C.M.L., LOBO, J.M.S., COSTA, P., "Formas Farmacêuticas de liberação modificada: Polímeros hidrofílicos", Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 41, n. 2, pp. 143-154, Jul. 2005..

Sendo que Mt é a quantidade de fármaco liberada por área em um tempo t, M∞ é a quantidade total do fármaco liberado em um tempo infinito, k é a constante de liberação que considera características estruturais e geométricas dos sistemas e o valor do expoente né o que define o mecanismo de liberação.

No caso de filmes poliméricos valores de n˂0,5 caracterizam mecanismo de liberação por difusão Fickiana, valores de 0,5˂n˂1caracterizam mecanismo de liberação por transporte anômalo e valores de n˂1 caracterizam mecanismo de transporte caso II[16][16] KORSMEYER, R. W., GURNY, R., DOELKER, E., BURI, P., PEPPAS, N. A., "E.;. BURI, P, PEPPAS, N. A . "Mechanisms of solute release from porous hydrophilic polymers", International Journal Pharmaceutical, v. 15, n. 1, pp. 25-35, 1983..

A tabela 2 apresenta os valores do expoente n calculado para os perfis de liberação da sulfadiazina de prata a partir dos filmes ureasil-POP e ureasil-POE.

Tabela 2:
Valores do expoente n calculado para as curvas de liberação da sulfadiazina de prata a partir dos filmes híbridos ureasil-POP e ureasil-POE.

Observa-se pelos valores de n que no filme ureasil-POE o mecanismo de transporte predominante é o anômalo, onde o fenômeno de relaxamento das cadeias poliméricas durante o processo de intumescimento e a difusão são os principais mecanismos responsáveis pela liberação do fármaco[16][16] KORSMEYER, R. W., GURNY, R., DOELKER, E., BURI, P., PEPPAS, N. A., "E.;. BURI, P, PEPPAS, N. A . "Mechanisms of solute release from porous hydrophilic polymers", International Journal Pharmaceutical, v. 15, n. 1, pp. 25-35, 1983.. Enquanto que para o filme ureasil-POP o mecanismo de transporte predominante foi o transporte caso II, a diferença em relação ao transporte anômalo é ocasionada pela ordem de velocidade dos processos de liberação em relação ao transporte anômalo. Neste caso a velocidade de difusão do fármaco é muito maior que o relaxamento das cadeias do material (intumescimento)[17][17] SUJJA-AREEVATH, J., MUNDAY, D. L., COX, P. J., KHAN, K. A., "Relationship between swelling, erosion and drug release in hydrophilic natural gum mini-matrix formulations", European Journal Pharmaceutical Sciences, v. 6, n. 1, pp. 207-217, 1998.. Esses mecanismos corroboram com os resultados apresentados pelo SAXS.

Os resultados apresentados acima destacam a influência da natureza química das cadeias poliméricas assim como da nanoestrutura dos filmes tanto nas características visuais quanto nos perfis de liberação da sulfadiazina de prata e revelam a possibilidade desses sistemas serem utilizados como uma nova plataforma tecnológica de sistemas formadores de filme com possível aplicação no tratamento de feridas causadas por queimadura.

4. CONCLUSÕES

Materiais híbridos ureasil-POP e ureasil-POE tem um grande potencial para desenvolvimento de sistemas formadores de filmes para aplicação em feridas tópicas causada por queimaduras, uma vez que reúnem características como homogeneidade, formação de filmes transparente em tempo adequado e capacidade de incorporar e liberar de forma prolongada o fármaco de primeira escolha no tratamento das queimaduras, a sulfadiazina de prata. A adequação da proporção precursor/catalisador permitiu a obtenção de filmes homogêneos em tempo adequado para uso como sistema formador de filme. Testes de intumescimento e de dissolução do fármaco a partir dos filmes híbridos revelou a forte influência da natureza química das cadeias poliméricas assim como da nanoestrutura dos filmes nos perfis de liberação da sulfadiazina de prata e revelam a possibilidade desses sistemas serem utilizados como uma nova plataforma tecnológica de sistemas formadores de filme com possível aplicação no tratamento de feridas causadas por queimadura.

AGRADECIMENTOS

FAPESP, LNLS, CAPES e PADC/FCF.

  • [1] CHORILLI, M., BRIZANTE, A.C., RODRIGUES, A.C., SALGADO, H.R.N., "Aspectos gerais em sistemas transdérmicos de liberação de fármacos", Revista Brasileira de Farmácia, v. 88, n. 1, pp. 7-13, Jan. 1996.
  • [2] ZHAI, H., MAIBACH, H., "Effects on skin occlusion on percutaneous absorption: an overview", Skin pharmacology and applied skin physicology, v. 14, n. 1, pp. 1-10, Jan-Feb. 2001.
  • [3] WILLIAM, H., EAGLSTEIN, M.D., "Moist Wound Healing with Occlusive Dressings: A Clinical Focus", Dermatologic Surgery, v. 27, n. 2, pp. 175-182, Feb. 2001.
  • [4] SOUZA,L.K., BRUNO, C.H., LOPES, L., PULCINELLI, S.H., SANTILLI, C.V., CHIAVACCI, L.A., "Ureasil-polyether hybrid film-forming materials", Colloids and Surfaces B: Biointerfaces, v. 101, pp. 156-161, Jan. 2013.
  • [5] SCHOEDER, I.Z., FRANKE, P., SCHAEFER, U.F., LEHR.C., "Development and characterization of film forming polymeric solutions for skin drug delivery", European Journal of Pharmaceutics and Biopharmaceutics, v. 65, pp. 111-121, Apr. 2006.
  • [6] MOGHIMO, H.R., MAKHMALZADEH, B.S., MANAFI, A., "Enhancement effect of terpenes on silver sulphadiazine permeation through third-degree burn eschar", Burns, v. 35, n. 8, pp. 1165-1170, Dec. 2009.
  • [7] LANTIS, J., PRICE, P., "The role of ALLEVYNTM Ag in the management of hard-to-heal wounds", Wounds International, v. 2, n. 4, pp. 1-8, 2011.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2013
  • Aceito
    30 Jun 2014
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