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Estudo da transferência de elementos químicos do fluxo para o metal fundido na soldagem a Arco Submerso

Study of chemical element transfer from flux to weld metal in submerged arc welding

RESUMO

A soldagem a arco submerso é um processo de fabricação bastante utilizado na indústria naval, a qual apresentou um crescimento significativo nos últimos anos no país. Este trabalho apresenta um estudo detalhado da interação química que ocorre entre o metal de base, o metal de adição e o fluxo de soldagem em um caso específico de uniões soldadas, aplicado à indústria naval brasileira. Neste estudo foi observado que durante o processo de soldagem os elementos, Mn e Ni indicaram uma migração do fluxo de soldagem para a poça fundida, enquanto que o Si migrou da poça fundida para o fluxo. Já o carbono foi perdido para a atmosfera. Os outros elementos constituintes do fluxo apresentaram reações entre si, sem envolver o metal fundido. A partir da avaliação das microestruturas e das propriedades mecânicas verificou-se a presença das fases já esperadas para o tipo de aço em estudo, no entanto, há um indicativo de aumento de precipitados na zona fundida, que pode estar relacionado à migração dos elementos químicos do fluxo para a poça fundida. Ainda, se observou que o procedimento de soldagem adotado para este trabalho alcançou todos os requisitos necessários de comportamento mecânico para poder ser aplicado em serviço, na indústria de construção de plataformas, conforme normas utilizadas na área.

Palavras-chave:
Fluxos para SAW; Microestrutura; Propriedades Mecânicas.

ABSTRACT

Submerged arc welding is a production method commonly used in shipbuilding industry, which showed a significant growth in the past decade. The present manuscript shows a study of the chemical interactions that occurs among base metal, weld metal and weld flux to a specific case study applied in the Brazilian shipbuilding industry. The evaluation of such interactions indicated that chemical elements such as Mn and Ni showed a migration from the flux to the weld pool, whereas Si flowed from the weld pool to the flux. In addition, carbon was lost to the atmosphere. Other flux elements constituents showed interaction only among themselves, and no reaction with the weld pool was observed. Microstructural analysis and mechanical properties allowed one to identify the presence of phases already expected for this type of iron, however the images obtained from the weld pool microstructure indicate an increase in precipitates in the weld pool area that may be related to the migration of the flux chemical elements to the weld pool. In addition, the welding proceeding used in this study attained all mechanical behavior requirements to be applied in service, in the shipbuilding constructions.

Keywords:
SAW fluxes; Microstructure; Mechanical Properties.

1. INTRODUÇÃO

Atualmente as plataformas de óleo e gás offshore respondem por aproximadamente 30% da produção de óleo e gás mundial. A tendência no setor petrolífero é de uma expansão maior ainda nesta área, visto que as reservas onshore estão diminuindo e o avanço tecnológico tem possibilitado a exploração em águas profundas.

O crescimento da indústria naval no Brasil impulsionou um grande investimento nas cidades costeiras do país, o que aumentou o interesse científico pela área. A construção de cascos engloba, basicamente, dois processos de fabricação: conformação e soldagem. Dentre estes processos, destaca-se a união de chapas através do processo de soldagem a arco submerso (do inglês, Submerged Arc Welding - SAW). Esse processo permite alto grau de mecanização, conferindo rapidez e economia quando comparado aos demais processos de soldagem com arco elétrico [1[1] WAINER, E., BRANDI, S.D., MELLO, F.D.H., Soldagem - Processos e Metalurgia, 8ed., São Paulo, Edgard Blucher, 2011. ,2[2] HOULDCROFT, P.T., Welding Process Technology, London, Cambridge University Press, 1979.].

O processo de soldagem SAW utiliza-se de um fluxo com função de, entre outras, proteção da poça fundida e do cordão de solda solidificado, estabilidade do arco e, em alguns casos, interação metalúrgica [2[2] HOULDCROFT, P.T., Welding Process Technology, London, Cambridge University Press, 1979.,3[3] KOU, S., Welding Metallurgy, 2ed., New Jersey, John Wiley & Sons Inc., 2003.]. Sabe-se que durante o processo de soldagem, ocorre uma interação entre o metal de base, o metal de adição/eletrodo e o fluxo de soldagem, em função da elevada temperatura que o material é submetido. Já faz algumas décadas que estas interações vem sendo estudadas; dentre os primeiros estudos documentados na área, destaca-se Thier, H. [4[4] THIER, H., Precalculation of weld metal composition in submerged-arc welding, In: Doc. XII-802-83, International Institute of Welding, 1983.], que propôs um método para calcular a composição química da poça de fusão em soldagens SAW. Ainda, além deste trabalho, outros trabalhos foram publicados indicando métodos para o cálculo da composição química resultante de soldas de alta diluição [5[5] OLSON, D.L., LIU, S., FROST, R.H, et al. "Welding Flux: Nature and Behavior", In: Report No. MT-CWR-093-001, Colorado School of Mines: Golden, CO, 1993.,6[6] OLSON, D.L., NORTH, Th.H., "Ferrous Alloy Weldments", Trans Tech Pubn., v. 69-70, 1992.] Estas interações, no entanto, ainda não são completamente compreendidas, não sendo suficiente sua simulação a partir de cálculos pré-estabelecidos. Com o avanço das técnicas de caracterização de materiais, esta área de atuação voltou a despertar o interesse de pesquisadores, que possuem ferramentas para verificar as interações químicas na prática, avaliando caso a caso, a fim de melhorar o desempenho de cada processo de soldagem.

Dentre as pesquisas mais recentes na área, tem-se estudado na prática a influência da composição dos fluxos de soldagem no comportamento mecânico do metal após o processo de solda. Kanjilal, et al. [7[7] KANJILAL, P., PAL, T.K., MAJUMDAR, S.K., "Combined effect of flux and welding parameters on chemical composition and mechanical properties of submerged arc weld metal", Journal of Materials Processing Technology, v.171, p.223-231, 2006.] estudaram a influência de um fluxo com CaO, MgO, CaF2 e Al2O3 e parâmetros de soldagem SAW na composição química e propriedades mecânicas do metal soldado, e observaram uma diferença de tenacidade do cordão de solda para diferentes composições dos fluxos testados. Paniagua-Mercado e Lopez-Hirata [8[8] PANIAGUA-MERCADO, A., LOPEZ-HIRATA, V.M., "Chemical and Physical Properties of Fluxes for SAW of Low-Carbon Steels", Arc Welding, InTech, 1ed., 2011.] avaliaram as propriedades químicas e físicas dos fluxos de SAW utilizados em aço baixo carbono, visando adquirir conhecimento sobre os ânions e cátions que se encontram presente no arco elétrico durante a soldagem. Sui, et al. [9[9] SUI, S-H, CAI, W-W, LIU, Z-Q, et al., "Effect of Submerged Arc Welding Flux Component on Softening Temperature", Journal of Iron and Steel Research, v.13, n.2, p.65-68, 2006.] avaliaram o efeito de sete componentes do fluxo sobre a temperatura de amolecimento do próprio fluxo de soldagem. Paniagua-Mercado et al. [10[10] PANIAGUA-MERCADO, A., LOPEZ-HIRATA, V.M., DORANTES-ROSALES, H.J., et al., "Effect of TiO2-containing fluxes on the mechanical properties and microstructure in submerged-arc weld steels", Materials Characterization, v.60, p.36 - 39, 2009.] avaliaram o efeito do TiO2 em fluxos de soldagem SAW e observaram que aumentando o percentual de Ti nos fluxos a tenacidade e a ductilidade dos metais soldados é aumentada, apresentando uma pequena queda na resistência a tração. Wang, et al. [11[11] WANG, H.-M., YANG, L-l, LI, G-R, et al., "Effects of B203 and CaF2 on Melting Temperatures of CaO-Si02-Fe203 System Fluxes", Journal of Iron and Steel Research, v.20, n.6, p.21-24, 2013.] também avaliaram a influência de dois diferentes componentes em um fluxo cerâmico do sistema ternário CaO-SiO2-Fe2O3, e verificaram que a adição de B2O3 diminui a temperatura de fusão do fluxo enquanto que a adição de CaF2 aumenta a basicidade do mesmo, elevando sua temperatura de fusão.

Sendo assim, este trabalho visa analisar detalhadamente a interação química que ocorre entre o metal de base, o metal de adição e o fluxo durante a soldagem, em um caso específico aplicado à indústria naval brasileira, visando um melhor entendimento das interações envolvidas neste processo. Este estudo conta com a utilização de ferramentas de caracterização de materiais que proporcionaram visualizar o comportamento de cada fase e elemento presentes no fluxo, na chapa sendo soldada e no arame de solda, durante o processo de soldagem. Ainda, o procedimento de soldagem adotado para o desenvolvimento deste trabalho não é qualificado para ser utilizado na indústria de construção naval; no momento é necessário uma geometria de junta com chanfro, para que este procedimento seja autorizado para construção de plataformas. O presente trabalho propõe a utilização de uma junta sem chanfro para esta solda. Sendo assim, o segundo objetivo consiste na avaliação da geometria proposta, a partir do estudo das propriedades mecânicas e possíveis falhas que o componente possa apresentar.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Para o desenvolvimento deste trabalho chapas de 25 mm de espessura foram soldadas pelo processo SAW Tandem, sem chanfro e sem abertura de raiz. O aço utilizado foi o ASTM A131 Grau EH36, considerado um aço estrutural de alta resistência. O processo de soldagem SAW Tandem foi realizado com o auxílio de uma empresa local.

O processo de soldagem SAW Tandem foi realizado com um passe de solda de cada lado da chapa, a corrente utilizada no primeiro arame foi CC+ de 960 a 980A; e no segundo arame foi CA de 600 A, ambos com tensão entre 34 e 36 V, a velocidade de soldagem utilizada foi de 30 cm/min. A distância bico de contato - peça foi ajustada em 32 mm, o diâmetro do bocal do fluxo é de aproximadamente 35 mm. Previamente à soldagem, as chapas foram submetidas ao processo de escovação e esmerilhamento para limpeza e eliminação de possíveis imperfeições superficiais, como óxidos. O fluxo utilizado para a realização da solda foi o ESAB - OK FLUX 10.71 e o arame AWS de classificação F7A4 EM12K e diâmetro de 4 mm, ambos fornecidos pelas empresa ESAB.

Para a definição do corpo de prova (CP) a ser soldado para a realização dos ensaios utilizou-se normas da American Welding Society - AWS [12[12] AMERICAN WELDING SOCIETY, Structural Welding Code - Steel. D1.1 ], conforme especificado pela American Boureau of Shipping - ABS [13[13] AMERICAN BUREAU OF SHIPPING, Rules for Materials and Welding - Part 2, Houston, 2010.], norma padrão para a construção naval. Esta norma identifica, também, as dimensões dos CPs e os locais de onde devem ser retirados os CPs para realizar os ensaios mecânicos. As dimensões dos CPs a serem soldados foram definidas conforme norma ABS [13[13] AMERICAN BUREAU OF SHIPPING, Rules for Materials and Welding - Part 2, Houston, 2010.], que indica a utilização de CPs com 380 mm de comprimento e 180 mm de largura para cada chapa, apresentando um total de 360 mm de largura

Uma vez soldadas as chapas, estas foram cortadas nas dimensões especificadas por norma, para seus respectivos ensaios. A diluição de soldagem também foi calculada, considerando a parcela fundida do metal base, na área fundida total.

A técnica de Difração de raios X (DRX) foi utilizada para caracterizar a composição química do fluxo de soldagem como fornecido (identificado como PreSolda) e do fluxo de soldagem fundido (identificado como PosSolda). Para a análise de DRX foi necessário fracionar os fluxos em moinho de bolas, e peneirá-los em peneira de malha #325. O difratrômetro utilizado foi um D8 Advance da Bruker, passo de 0,02º varredura de 5 a 95°; a análise dos dados obtidos por DRX foi realizada no software EVA comercializado pela Bruker. Já as composições químicas do metal de base, do cordão de solda e do metal de adição/eletrodo foram obtidas a partir da técnica de espectroscopia de emissão óptica (EEO). Um espectrômetro da Oxford, modelo Foundry-Master Pro foi utilizado nestes experimentos.

Para o preparo dos CPs para o ensaio de tração utilizou-se as medidas padrões, conforme norma da ABS [13[13] AMERICAN BUREAU OF SHIPPING, Rules for Materials and Welding - Part 2, Houston, 2010.]. O teste foi realizado em uma máquina de ensaios universal, com capacidade máxima de carga de 300 kN à temperatura ambiente de 21ºC e umidade relativa do ar de 60%.

Os ensaios de impacto Charpy foram realizados a temperatura de -20 °C; foram usinados 3 CPs para cada região testada. As regiões testadas foram (i) centro da solda (CS); (ii) linha de fusão (LF); (iii) 5 mm afastados da linha de fusão (LF5); e (iv) 2 mm afastados da linha de fusão (LF2).

Para os ensaios de microdureza Vickers, foi utilizado o equipamento Micromet 2001 da marca Buehler. As amostras preparadas para avaliação microestrutural e ensaio de microdureza passaram pelos processos de lixamento, polimento e ataque químico com Nital 5% para revelação da microestrutura. Foram realizadas identações a aproximadamente 1,5 mm de espaçamento entre elas, mantendo uma linha reta a 1mm da superfície e no centro da chapa soldada.

Foi realizado, também, ensaio de dobramento lateral em 4 amostras. O ensaio e as dimensões do CP seguiram as normas da ABS [13[13] AMERICAN BUREAU OF SHIPPING, Rules for Materials and Welding - Part 2, Houston, 2010.]. Estes testes foram conduzidos em um ambiente com temperatura de 25ºC, em uma máquina da marca Instron 5585 H.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A partir da inspeção visual da solda, pôde-se observar que a amostra não apresentou nenhum defeito superficial, conforme visualizado na Figura 1.

Figura 1:
Imagem de um CP soldado, apresentando o cordão de solda para análise visual.

A composição química do fluxo utilizado na soldagem dos CPs foi avaliada em sua forma comercial, ou seja, antes de ser utilizado no processo (PreSolda), e na forma de escória fundida e solidificada, quando retirado da chapa soldada (PosSolda). A Figura 2 apresenta os difratogramas obtidos para o fluxo antes e depois de fundido.

Figura 2:
Difratogramas obtidos para os fluxos antes de fundido (PreSolda/azul) e após fundido (PosSolda/vermelho), bem como as fases identificadas nestes fluxos.

A partir da análise dos dados obtidos pelo DRX, as fases identificadas no fluxo PreSolda foram Al2O3, MgO, CaF2, NiO, Mn (beta), SiO2, Si e TiO2 (rutilo). Já no fluxo PosSolda, as fases identificadas foram o espinélio (MgAl2O4), Al2O3, MgO, CaF2, NiO, Mn (beta), SiO2, Mn3Si e TiO2. Observa-se, então, que durante o processo de soldagem teve-se a eliminação de algumas fases (neste caso o Si) e formação de outras (no caso o espinélio e o Mn3Si). Estas transformações de fases ocorrem devido a elevada temperatura de trabalho, a alta taxa de resfriamento, além da interação com o meio que, neste caso é a poça fundida. Considerando o elevado número de fases encontradas no material, os autores se limitaram a indicar, na Figura 2, os picos mais relevantes de cada fase. Na Figura 3 pode ser identificado o comportamento de cada uma destas fases no fluxo, para o procedimento de soldagem realizado.

Figura 3:
Fases cristalinas identificadas nos fluxos antes (PreSolda) e após (PosSolda) a soldagem.

Nos resultados obtidos por DRX observa-se uma diminuição das fases Al2O3 e MgO que pode ser atribuída a geração da fase MgAl2O4 (espinélio) após a soldagem. A fluorita (CaF2) é comumente utilizada como fundente na indústria siderúrgica por ter a capacidade de tornar a escória mais fluida [14[14] SAMPAIO, J.A., ANDRADE, M.C., BALTAR, C.A. M, Fluorita, CT2005-135-00, Rio de Janeiro, 2005. ]. No caso do fluxo, também apresenta esta função e, uma vez aquecida, acredita-se que parte da fluorita venha a se decompor e evaporar, já que a temperatura de evaporação destes elementos é relativamente baixa. Isto explica sua considerável redução, após a soldagem.

Observa-se, ainda, que a quantidade de Mn e NiO diminuem uma vez que o fluxo de soldagem é fundido. O Si desaparece e a fase de SiO2 aumenta seu percentual. A diminuição de parte do Mn e do Si pode ser explicada pelo surgimento da fase Mn3Si. O aumento de SiO2 no PosSolda também pode ser atribuído à diminuição do Si anteriormente presente no PreSolda. No entanto, cabe salientar que a análise de fases realizada pelo software EVA realiza uma análise semi-quantitativa e esta avaliação deve ser concluída em conjunto com os dados de composição química obtidos da poça de fusão, para avaliar possíveis interações que tenham ocorrido.

Para a avaliação de composição dos materiais metálicos envolvidos, com o auxílio das faixas de composição fornecidas pelos fabricantes adicionado aos resultados obtidos por EEO, foi possível identificar as composições química do metal de base (Tabela 1), do metal de adição (Tabela 2) e do cordão de solda (Tabela 4).

Tabela 1:
Composição química do metal de base obtida por EEO.

Tabela 2:
Composição química do metal de adição utilizado no processo, obtida por EEO.

Tabela 3:
Composição química esperada para o cordão de solda, segundo análise de diluição e composição do metal de base e metal de adição.

Tabela 4:
Composição química do cordão de solda obtida por EEO. As setas indicam a variação da composição química, em relação ao esperado conforme calculo de diluição (apresentado na Tabela 3).

A diluição desta solda foi de aproximadamente 87%; utilizando-se a diluição para calcular a composição do cordão de solda e considerando que não houve interação entre o fluxo e a poça de fusão, deveria se esperar que a composição química do cordão de solda apresentasse os valores elucidados na Tabela 3. No entanto, os valores identificados por EEO para a composição do cordão de solda (Tabela 4), apresentaram valores diferentes do esperado pelo cálculo de diluição. Observa-se que apesar de similares, os elementos Mn, Ni e Cu apresentaram um valor consideravelmente acima do calculado a partir da diluição do material. Já o C e o Ti apresentaram valores abaixo do esperado. Outros elementos também apresentaram alguma modificação, no entanto, não são expressivos a ponto de demandar estudo mais aprofundado.

Avaliando os valores obtidos para a composição química do cordão de solda junto com as fases identificadas na análise de DRX, se observa que o aumento de Mn e Ni no cordão de solda (poça fundida) pode estar relacionado com a diminuição das fases MnO e NiO no fluxo PosSolda. Já o aumento no valor do Cu não está relacionado ao fluxo. Acredita-se, neste caso, que o Cu em excesso pode ser atribuído ao recobrimento de Cu que os arames sofrem durante sua fabricação, para que este seja preservado durante seu armazenamento. Ainda, a diminuição de C identificada no cordão de solda pode ser atribuída à perda do mesmo para a atmosfera, na forma de gás.

A partir destas análises, pode-se concluir que houve uma interação química entre o fluxo de solda e a poça fundida com migração dos elementos Ni e Mn. Conclui-se que parte do Ni e do Mn migrou para a poça fundida. Os outros elementos do fluxo obtiveram interação somente entre eles. Contudo, este estudo só pode ser concluído se a microestrutura da solda for analisada, conforme apresentado a seguir.

Para a análise da microestrutura, as chapas soldadas foram, então, cortada de forma transversal e avaliadas. Uma vez cortada a amostra, foi possível observar que a seção inspecionada (ZF e ZTA) apresentou fusão completa, ausência de trincas, penetração até a raiz e ausência de mordeduras conforme mostrado na Figura 4.

Figura 4:
Macrografia da seção transversal de um CP soldado (ataque com Nital 5%).

A Figura 5 mostra micrografias obtidas na linha de centro da chapa soldada. Em (a) e (b) o metal de base (MB) apresenta uma microestrutura típica de um aço com esta classificação, com estrutura granular ferrítica alongada, típica de aços laminados, com perlita e precipitados nos contornos de grão, reflexo dos microligantes adicionados. Em (c) vê-se a transição entre MB e zona termicamente afetada (ZTA) e em (d) a transição entre ZTA e zona fundida (ZF), onde se observa uma microestrutura mais refinada, porém com precipitados de tamanho consideravelmente maior. Em (e) é mostrada a zona parcialmente fundida (ZPF), onde se pode observar grãos na forma de agulhas, que indicam a presença de bainita nesta região. A bainita é obtida a partir de tratamentos térmicos de resfriamento rápido, e tem como consequência um aumento na resistência mecânica do material. No processo de soldagem é comum encontrar esta fase em função da elevada taxa de resfriamento que algumas regiões do metal soldado sofrem [3[3] KOU, S., Welding Metallurgy, 2ed., New Jersey, John Wiley & Sons Inc., 2003.].

Figura 5:
Micrografias obtidas na linha de centro do CP soldado, sendo (a) e (b) MB, (c) a transição entre MB e ZTA, (d) a transição entre ZTA e ZF, e (e) detalhe da zona de transição ente a ZTA e a ZF. A linha de fusão é mostrada em preto na imagem.

O aço utilizado na realização do trabalho foi um aço microligado de baixo teor de carbono. Conforme literatura consultada, este material possui em torno de 0,18% de carbono e 0,9 a 1,6% de manganês e mais alguns elementos de liga que totalizam menos de 0,4% [15[15] CHIAVERINI, V., Aços e Ferros Fundidos, 7ed., Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais, ABM, 2002.]. Segundo análise realizada por EEO, o aço utilizado contém 0,155% de C, e 1,23% de Mn, corroborando com os valores indicados na literatura. Os aços microligados se diferenciam dos aços de baixo carbono devido a adição de manganês (até 2%) além de outros elementos em menor percentual, melhorando assim, a resistência mecânica deste aço, além de manter a boa ductilidade e soldabilidade. De uma forma geral, esses tipos de aço proporcionam uma grande economia de material visto que, assim, se pode diminuir a seção e a quantidade de material a ser utilizado e aumentar a capacidade de carga de uma mesma estrutura.

Na soldagem de aços estruturais espera-se que, próximo à linha de fusão, ocorra um crescimento significativo de grãos [12[12] AMERICAN WELDING SOCIETY, Structural Welding Code - Steel. D1.1 ] além da formação de bainita. No entanto, o crescimento de grãos para este aço na ZPF foi menor que o habitualmente visualizado. Isto pode ser explicado pela presença dos microligantes. Estes resultados podem ser relacionados com o perfil de microdureza que é apresentado na Figura 6.

Figura 6:
Perfil de microdureza Vickers na seção transversal do CP. MB: metal de base; ZTA: zona termicamente afetada; ZF: zona fundida.

No ensaio de microdureza foram realizadas em média três identações em cada região da solda, procurando realizar medições em todas as zonas térmicas, como a ZTA e ZF, bem como nas linhas de transição entre estas zonas, para se obter um perfil de dureza no cordão de solda. Foi levantado o perfil de dureza em duas localizações: (i) a 1 mm da superfície da chapa, e (ii) aproximadamente no centro da seção transversal, mostrado na Figura 6.

A 1 mm da superfície ao longo da seção transversal da junta pode-se observar que houve uma elevação no valor de dureza na região da ZTA. Já na linha de centro foi notada uma redução relativamente significativa da microdureza em um dos lados do MB, ou seja, fora do cordão de solda. Para o tipo de aço testado, é esperado um aumento na dureza tanto na ZTA quanto na ZF [16[16] COLPAERT, H., Metalografia dos produtos siderúrgicos comuns, 4ed., São Paulo, Edgard Blucher , 2008. ]. Isto pode ser associado à formação de grãos refinados que precipitaram na ZTA e a formação da fase bainita na ZPF do aço. Já na ZF o aumento de dureza pode ser relacionado à presença de grãos finos colunares, conforme visualizado na figura 7a. Este aumento de dureza foi, então, evidenciado no perfil de dureza realizado a 1 mm da superfície, porém no centro da solda o perfil de dureza obtido foi diferente, apresentando uma queda significativa. Para analisar as possíveis causas deste decaimento, foi realizado um estudo microestrutural das fases presentes no material, que é apresentado e discutido a seguir.

Figura 7:
Micrografias da zona fundida, na região central da seção transversal.

A Figura 7 mostra as micrografias obtidas do cordão de solda na região central da seção transversal, onde foi observada uma queda no valor de dureza ao se aproximar do MB. Em 7a e 7b vê-se micrografias obtidas na ZF do metal soldado; esta microestrutura está de acordo com a esperada, apresentando grãos finos colunares. Já a Figura 7c apresenta uma micrografia do centro da região soldada, no meio da seção transversal do CP; esta região sofreu 2 ciclos térmicos durante a soldagem (devido a 2 passes de soldagem, um de cada lado da chapa), e observa-se mais de um crescimento/direção de microestrutura. Parte desta microestrutura é a original do MB, apresentando grãos alongados do processo de fabricação da chapa; no entanto, há regiões onde os grãos deixam de apresentar o aspecto colunar. Esta característica pode ter influenciado no resultado obtido para o ensaio de microdureza no centro da solda, que apresentou valores mais baixos de dureza no MB, quando comparado com os valores obtidos para o MB na 1mm da superfície. Ainda, como se trata de chapa laminada relativamente espessa (25mm) pode-se esperar uma dureza inferior no centro da chapa em função da menor deformação sofrida nessa região durante a sua laminação.

Ainda, as imagens obtidas na ZF (Figura 7b) indicam um percentual considerável de precipitados nos contornos de grão, o que pode estar relacionado à migração de alguns elementos químicos à poça fundida, vindos do fluxo de soldagem, que são o Ni e o Mn. Apesar de não identificado, acredita-se que um dos precipitados que pode estar presente é o Mn3Si, composto encontrado no fluxo de soldagem após a realização da solda.

Na indústria da construção naval, para se qualificar um procedimento de soldagem, é necessário que a solda apresente um desempenho mínimo em alguns ensaios mecânicos. Sendo assim, como complementação do trabalho, os CPs soldados foram, também, avaliados quanto suas propriedades mecânicas, conforme normativa da ABS [13[13] AMERICAN BUREAU OF SHIPPING, Rules for Materials and Welding - Part 2, Houston, 2010.].

Os CPs de tração foram usinados de tal forma que a região soldada se localizasse exatamente no centro do CP. Nos ensaios de tração em ambos os testes, os CPs romperam fora da área soldada. A Figura 8 evidencia o local de rompimento dos CPs ensaiados.

Figura 8:
Imagem dos CPs de tração fraturados.

Os resultados obtidos no ensaio de tração estão apresentados na Tabela 5, junto com os valores de referência indicados por norma [13[13] AMERICAN BUREAU OF SHIPPING, Rules for Materials and Welding - Part 2, Houston, 2010.], para este tipo de procedimento de soldagem e aplicação. Observa-se que os valores obtidos estão de acordo com o exigido por norma.

Tabela 5:
Resultados obtidos no ensaio mecânico de tração.

Os ensaios Charpy foram realizados na temperatura de -20 °C pois para a aplicação visada, é necessário avaliar a tenacidade do material soldado a esta temperatura e os resultados obtidos estão apresentados na Tabela 6. Observam-se maiores valores de tenacidade na linha de fusão, e menor valor no centro da solda. Para a aplicação em questão, o valor exigido por norma é de mínimo de 34 J para todos os ensaios.

Tabela 6:
Resultados do ensaio Charpy, realizados a -20°C.

O ensaio de dobramento lateral foi realizado em quatro CPs. Após o ensaio, pôde-se verificar que não houve nenhum defeito ou trincas entre a solda e o metal de base, caracterizando assim uma solda com total fusão entre os materiais. A Figura 9 apresenta os CPs ensaiados.

Figura 9:
CPs após o ensaio de dobramento.

Em suma, com base nos resultados obtidos a partir dos ensaios mecânicos e nos valores de referência, indicados por norma, se observa que o procedimento adotado para soldagem está de acordo com as exigências da aplicação.

4. CONCLUSÕES

A partir deste estudo foi possível avaliar a interação entre o metal de base, o metal de adição e o fluxo de soldagem em uma aplicação direcionada à construção naval. Observou-se uma migração dos elementos químicos Mn e Ni do fluxo para a poça fundida, bem como uma perda de carbono para a atmosfera.

Nos ensaios macrografico e microdureza Vickers, a solda apresentou excelente qualidade. Os e valores de microdureza estão entre 170 HV e 205 HV no centro da solda.

As micrografias apresentaram ferrita com pequeno percentual de perlita no MB, fases típicas deste tipo de aço, além de alguns precipitados nos contornos de grão oriundos dos microligantes adicionados ao aço. Na junta soldada das chapas obteve-se refinamento da microestrutura na ZTA, formação de bainita na ZPF, e grãos finos colunares na ZF, além da presença de precipitados nos contornos de grão da ZF que pode ser atribuída aos elementos químicos que migraram do fluxo para a poça fundida, durante o processo de soldagem.

Os ensaios mecânicos apresentaram valores médios de 353 MPa para a tensão de escoamento, 531 MPa para a tensão máxima e 34% de alongamento. No ensaio de impacto a -20°C obteve-se tenacidade de 68 J no centro da solda, 97 J na linha de fusão e 77 J e 87 J a 2 e 5 mm da linha de fusão, respectivamente. Estes valores atendem as especificações exigidas por norma para a aplicação em estudo.

O procedimento adotado para a soldagem avaliada atendeu todos os pré-requisitos exigidos por norma para a aplicação em questão, sendo este procedimento adequado para sua utilização na construção de plataformas, o que implica em uma redução de custo de produção, devido a simplificação da geometria atualmente utilizada para este procedimento na indústria naval.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer a empresa ESAB, pelo fornecimento dos materiais de soldagem. Às empresa certificadoras DNV GL e ABS (American Bureau of Shipping), pelo auxílio na soldagem com equipamento Tandem e no desenvolvimento de alguns ensaios mecânicos. E por último, os autores gostariam de agradecer ao CEME-Sul, da FURG que disponibilizou seus equipamentos de caracterização para o desenvolvimento do presente trabalho.

6. BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2015
  • Aceito
    04 Fev 2016
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