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Avaliação in vitro do potencial erosivo de bebidas isotônicas

In vitro evaluation of the erosive potential of sports drinks

Resumos

Isotônico é uma bebida destinada a reidratar, bem como repor eletrólitos, carboidratos e outros nutrientes. O objetivo deste estudo in vitro foi avaliar o pH endógeno, a acidez total titulável (ATT) e o teor de sólidos solúveis totais (SST) de nove bebidas isotônicas à temperatura ambiente (±23ºC) e após resfriamento (±9ºC). A avaliação do pH foi feita por potenciometria e a capacidade tampão foi realizada por meio da diluição de cada uma das substâncias. Incrementos de 0,1NKOH foram adicionados até que se atingisse a neutralidade. As leituras dos SST foram feitas por refratometria usando o refratômetro de Abbé. As médias do pH variaram de 2,03 (Gatorade Tangerina®) a 2,93 (Marathon Limão®) e todos as bebidas mostraram pH abaixo do valor crítico de 5,5. As médias da ATT variaram de 0,10 para o Marathon Limão® a 0,32 para o Gatorade Tangerina®. O Gatorade Tangerina® apresentou o menor valor de SST (6,33%) e o Marathon Guaraná e Açaí® mostrou o maior valor de SST (12,50%). Foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre as temperaturas para o pH (G3, G4, G5, G6 e G8), para os SST (G2, G3, G6 e G9) e para a ATT (G2, G3 e G5). Ao se comparar os grupos 1 e 3 (Marathon Guaraná Açaí® x Gatorate Guaraná Açaí®) observou-se diferença estatisticamente significante entre em relação ao pH para a temperatura ambiente, em relação aos SST para as temperaturas ambiente e a ±9ºC e para a ATT na temperatura ambiente. As bebidas analisadas apresentaram baixo pH endógeno, podendo as mesmas serem consideradas potencialmente erosivas aos tecidos dentais se consumidas de modo inadequado e com elevada frequência. Com relação à temperatura, recomenda-se a ingestão dessas bebidas resfriadas.

erosão dentária; esmalte dentário; alimentos para praticantes de atividade física


A sports drink is a beverage made to rehydrate, as well as replace electrolytes, carbohydrates, and other nutrients. The objective of this in vitro study was to evaluate the endogenous pH, total titratable acidity and total soluble solids content (TSSC) of nine sports drinks. pH analysis was performed by potentiometry and buffering capacity was assessed by dilution of each substance. Increments of 0.1 N KOH were titrated until neutrality was reached. TSSC readings were performed by Brix refractometry using the Abbé refractometer. pH values ranged from 2.03 (Gatorade Tangerina®) to 2.93 (Marathon Limão®) and all sports drinks showed pH below the critical value of 5.5. The titratable acidity values ranged from 0.106 (Marathon Limão®) to 0.32 (Gatorade Tangerina®). Gatorade Tangerina® presented the lowest TSSC content (6.33%) and Marathon Guaraná e Açaí® presented the highest TSSC content (12.50%). Statistically significant differences were observed between temperatures for pH (G3, G4, G5, G6 and G8), TSSC (G2, G3, G6 and G9) and TA (G2, G3 and G5). When groups 1 and 3 were compared (Marathon Guaraná Açaí versus Gatorate Guaraná Açaí), statistically significant difference concerning pH at room temperature, concerning TSSC at room and ± 9ºC temperatures and concerning TA at room temperature was seen. The sports drinks evaluated have a high erosive potential to dental hard tissues, as they present low pH. Regarding temperature, it is recommended to intake these beverages chilled.

tooth erosion; dental enamel; food for physical activities practitioners


ARTIGO ORIGINAL

CIÊNCIAS DO EXERCÍCIO E DO ESPORTE

Avaliação in vitro do potencial erosivo de bebidas isotônicas

In vitro evaluation of the erosive potential of sports drinks

Alessandro Leite CavalcantiI; Alidianne Fábia Cabral XavierII; Rafaella Queiroga SoutoIII; Mariana da Costa OliveiraII; Jalber Almeida dos SantosI; Fernando Fernandes VieiraIV

IPrograma de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande, PB, Brasil

IIDepartamento de Odontologia da Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande, PB, Brasil

IIIPrograma de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande, PB, Brasil

IVDepartamento de Química Analítica da Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande, PB, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Universidade Estadual da Paraíba – Departamento de Odontologia– Campus Universitário Bodocongó 58109-000 – Campina Grande, PB E-mail: dralessandro@ibest.com.br

RESUMO

Isotônico é uma bebida destinada a reidratar, bem como repor eletrólitos, carboidratos e outros nutrientes. O objetivo deste estudo in vitro foi avaliar o pH endógeno, a acidez total titulável (ATT) e o teor de sólidos solúveis totais (SST) de nove bebidas isotônicas à temperatura ambiente (±23ºC) e após resfriamento (±9ºC). A avaliação do pH foi feita por potenciometria e a capacidade tampão foi realizada por meio da diluição de cada uma das substâncias. Incrementos de 0,1NKOH foram adicionados até que se atingisse a neutralidade. As leituras dos SST foram feitas por refratometria usando o refratômetro de Abbé. As médias do pH variaram de 2,03 (Gatorade Tangerina®) a 2,93 (Marathon Limão®) e todos as bebidas mostraram pH abaixo do valor crítico de 5,5. As médias da ATT variaram de 0,10 para o Marathon Limão® a 0,32 para o Gatorade Tangerina®. O Gatorade Tangerina® apresentou o menor valor de SST (6,33%) e o Marathon Guaraná e Açaí® mostrou o maior valor de SST (12,50%). Foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre as temperaturas para o pH (G3, G4, G5, G6 e G8), para os SST (G2, G3, G6 e G9) e para a ATT (G2, G3 e G5). Ao se comparar os grupos 1 e 3 (Marathon Guaraná Açaí® x Gatorate Guaraná Açaí®) observou-se diferença estatisticamente significante entre em relação ao pH para a temperatura ambiente, em relação aos SST para as temperaturas ambiente e a ±9ºC e para a ATT na temperatura ambiente. As bebidas analisadas apresentaram baixo pH endógeno, podendo as mesmas serem consideradas potencialmente erosivas aos tecidos dentais se consumidas de modo inadequado e com elevada frequência. Com relação à temperatura, recomenda-se a ingestão dessas bebidas resfriadas.

Palavras-chave: erosão dentária, esmalte dentário, alimentos para praticantes de atividade física.

ABSTRACT

A sports drink is a beverage made to rehydrate, as well as replace electrolytes, carbohydrates, and other nutrients. The objective of this in vitro study was to evaluate the endogenous pH, total titratable acidity and total soluble solids content (TSSC) of nine sports drinks. pH analysis was performed by potentiometry and buffering capacity was assessed by dilution of each substance. Increments of 0.1 N KOH were titrated until neutrality was reached. TSSC readings were performed by Brix refractometry using the Abbé refractometer. pH values ranged from 2.03 (Gatorade Tangerina®) to 2.93 (Marathon Limão®) and all sports drinks showed pH below the critical value of 5.5. The titratable acidity values ranged from 0.106 (Marathon Limão®) to 0.32 (Gatorade Tangerina®). Gatorade Tangerina® presented the lowest TSSC content (6.33%) and Marathon Guaraná e Açaí® presented the highest TSSC content (12.50%). Statistically significant differences were observed between temperatures for pH (G3, G4, G5, G6 and G8), TSSC (G2, G3, G6 and G9) and TA (G2, G3 and G5). When groups 1 and 3 were compared (Marathon Guaraná Açaí versus Gatorate Guaraná Açaí), statistically significant difference concerning pH at room temperature, concerning TSSC at room and ± 9ºC temperatures and concerning TA at room temperature was seen. The sports drinks evaluated have a high erosive potential to dental hard tissues, as they present low pH. Regarding temperature, it is recommended to intake these beverages chilled.

Keywords: tooth erosion, dental enamel, food for physical activities practitioners.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, em alguns grupos populacionais, a doença cárie tem mostrado redução em sua prevalência, ao contrário das lesões erosivas, que têm sido observadas em indivíduos de todas as faixas etárias(1). Este fato ocorreu, entre outros fatores, pelas mudanças nos hábitos alimentares da população mundial, que passou a consumir mais produtos industrializados, incluindo refrigerantes e sucos de frutas, muitas vezes já no primeiro ano de vida(1).

O termo clínico erosão dental é usado para descrever os efeitos físicos de uma perda localizada, crônica e patológica de tecido mineral que é removido quimicamente da superfície do dente por meio de ácido ou substâncias quelantes, sem envolvimento bacteriano(2). A erosão, portanto, é uma condição multifatorial, cujas interações químicas, biológicas e comportamentais ajudam a explicar porque alguns indivíduos possuem mais manifestações desta patologia que outros(3,4). Sua prevalência pode variar de 5,5%(5) a 29,4%(6) em adolescentes e adultos jovens.

Devido ao fato de o potencial hidrogeniônico (pH) crítico do esmalte dentário ser de 5,5, qualquer solução com pH inferior a esse poderá causar erosão, particularmente se o ataque for de longa duração e repetir-se frequentemente(7). Assim, quanto maior for o tempo e quanto mais ácido for o pH bucal, maior será a quantidade de apatita dissolvida(8).

A grande variedade, o fácil acesso, o baixo custo e a comodidade são fatores que levam a população a um consumo acentuado de bebidas industrializadas de possível caráter ácido, o que favorece a solubilização da hidroxiapatita e consequente desmineralização(2,8,9).

Bebidas isotônicas são repositores hidroeletrolíticos formulados a partir da concentração variada de eletrólitos, associada a concentrações variadas de carboidratos, com o objetivo de reposição hídrica e eletrolítica decorrentes da prática de atividade física(10). O consumo voluntário dessas bebidas é maior do que o de água, por causa de sua palatabilidade(11). Características como temperatura da bebida, "doçura", sabor e intensidade do gosto na boca e acidez influenciam a aceitabilidade, estimulando, portanto, o consumo de líquidos durante o exercício(11).

Os isotônicos, ou bebidas esportivas, são bastante consumidos pela população, principalmente por atletas profissionais e por pessoas que praticam esportes(12), com uma frequência que varia de 12%(13) a 27,7%(14). As bebidas esportivas possuem essa denominação por apresentar osmolaridade similar a do sangue.

Todavia, a despeito de suas propriedades hidroeletrolíticas, apresentam efeito danoso sobre os dentes, devido ao seu baixo pH e presença de ácido cítrico em sua composição(15). Essas características fazem com que apresentem elevado potencial erosivo aos tecidos duros dentais, especialmente quando consumidas de forma excessiva e/ou por períodos prolongados(16).

Pessoas que consomem bebidas isotônicas mais que duas vezes ao dia apresentam um risco quatro vezes maior de desenvolverem lesões por erosão dental do que aquelas que não consomem(15). Deste modo, diferentes pesquisadores brasileiros(17,18) e estrangeiros(3,12,19-21) avaliaram o efeito erosivo de bebidas esportivas, concluindo que as mesmas possuem significativo efeito erosivo sobre o esmalte dental(9,22).

Face ao exposto, diante do elevado consumo de bebidas esportivas por adolescentes e adultos jovens e da ausência de estudos nacionais e internacionais que tenham avaliado as propriedades físico-químicas das bebidas isotônicas, este estudo teve como objetivo analisar o pH endógeno, a acidez total titulável e o teor de sólidos solúveis totais dessas bebidas. A hipótese adotada neste estudo é a de que existem diferenças significativas sob ponto de vista estatístico entre o pH, a ATT e os SST dos produtos em relação à variação de temperatura.

MÉTODOS

O estudo caracterizou-se como sendo experimental in vitro e a técnica de pesquisa foi a observação direta em laboratório. Foram avaliadas nove bebidas isotônicas (tabela 1) adquiridas em estabelecimentos comerciais do município de Campina Grande, PB, no período de agosto a setembro de 2009. Para a realização do experimento foram adquiridas embalagens de cada um dos produtos, sendo um grupo mantido à temperatura ambiente (±23ºC) e outro grupo resfriado a temperatura de ±9ºC.

Mensuração do pH endógeno

A verificação dos valores de pH foi feita utilizando-se pH-metro digital Q400-A (Quimis Aparelhos Científicos Ltda., Diadema, SP). Após a calibração do aparelho foram transferidos 50ml de cada bebida para um copo de polietileno, sendo realizada a imersão do eletrodo, seguida da leitura e do registro em ficha específica.

Mensuração da acidez total titulável

Utilizou-se para esta finalidade o método adotado pela Association of Official Analytical Chemists(23). Por meio de uma pipeta volumétrica pipetou-se 25ml da solução, a qual foi acrescida de um total de 75ml de água destilada, sendo colocada em um Erlenmeyer. A etapa seguinte consistiu na utilização de hidróxido de potássio (KOH) a 0,1N para que a solução alcançasse um pH de valor entre 8,2 e 8,4 que corresponde ao ponto de viragem da fenoftaleína. Ao atingir esse valor, observou-se o volume de KOH gasto e então se calculou o percentual de acidez da substância por meio de fórmula específica que expressa o resultado em percentagem de ácido cítrico correspondente.

Determinação do teor de sólidos solúveis totais (SST)

As leituras foram feitas por refratometria, utilizando o refratômetro de Abbé (PZO-RL1, Warszawa, Polônia), que foi calibrado à temperatura ambiente com água destilada (índice de refração = 1,3330 e 0º Brix a 20ºC). As escalas em percentagem de Brix apresentam as concentrações percentuais dos sólidos solúveis contidos em uma amostra. Estes representam o total de todos os sólidos dissolvidos na água, como açúcar, sais, proteínas e ácidos. A leitura do valor medido é a soma total desses constituintes.

Análise estatística

Os dados foram expressos em médias e desvios padrões e submetidos à análise descritiva e analítica. Foram utilizados o teste de dispersão de Kolmogorov-Smirnov para avaliar a distribuição das variáveis, teste de homoscedasticidade (Levene –l), teste t pareado e a ANOVA. A significância utilizada foi de 5% (p < 0,05) com 95% de grau de confiança. O banco de dados e as análises estatísticas foram realizados no software SPSS 13 (Statistical Package for the Social Sciences).

RESULTADOS

As médias e respectivos desvios padrões do pH endógeno, da ATT e dos SST das bebidas isotônicas estão expressos na tabela 2. Para o pH, o menor valor foi registrado para o G5 (2,03), enquanto o maior valor foi para o G2 (2,93). Os valores da ATT variaram de 0,11 a 0,32% para temperatura ambiente, enquanto que para temperatura de 9ºC a variação observada foi de 0,10 a 0,18%. Em relação aos sólidos solúveis totais, o G5 apresentou a menor média (6,33%), enquanto o G1 revelou possuir a maior (12,50%).

Os resultados da comparação entre as temperaturas de ±23ºC e ±9ºC em cada grupo em relação ao pH, ATT e SST são apresentados na tabela 2. É possível verificar que existem diferenças estatísticas entre as temperaturas para o pH [G3 (p = 0,01), G4 (p = 0,03), G5 (p = 0,00), G6 (p = 0,02) e G8 (p = 0,02)], para a ATT [G2 (p = 0,03), G3 (p = 0,02) e G5 (p = 0,01)] e para os SST [G2 (p = 0,00) e G9 (p = 0,03)].

A tabela 3 mostra os resultados dos testes t pareados realizados entre os mesmos sabores com marcas diferentes. Observa-se que existe diferença estatisticamente significativa entre os grupos 1 e 3 (Marathon Guaraná Açaí x Gatorade Guaraná Açaí) em temperatura ambiente em relação ao pH, entre os grupos 1 e 3 (Marathon Guaraná Açaí x Gatorade Guaraná Açaí) em temperatura ambiente e a ±9ºC em relação aos SST e entre os mesmos grupos em temperatura ambiente em relação à ATT.

Os resultados mostram que não houve diferença significativa do ponto de vista estatístico entre as temperaturas (±23ºC e ±9ºC) em relação ao pH e aos SST. Contudo, verificou-se diferença estatisticamente significante em relação à ATT (p = 0,00), conforme demonstrado na tabela 4.

DISCUSSÃO

Os hábitos alimentares da população têm-se modificado gradualmente ao longo dos anos, de modo que a alimentação vem sendo guiada pela comodidade e pelas formas de apresentação dos produtos, tendo pouca importância seu valor nutricional(1). Essa postura vem trazendo consequências em todo o organismo, inclusive no meio bucal, onde têm sido observados cada vez mais casos de erosão dentária, fato comprovado por estudos epidemiológicos(5,6), evidenciando que, enquanto a doença cárie apresenta uma tendência de redução em alguns grupos populacionais, a erosão revela-se cada vez mais presente(1,6).

Na cavidade bucal, os dentes são protegidos pela película salivar, de modo que se observa a existência dos efeitos remineralizadores e a bebida também pode sofrer uma ação tamponante(24). A função de limpeza da cavidade bucal da saliva é alcançada durante a estimulação máxima, a qual é observada após a ingestão de alimentos e bebidas. Portanto, no momento da ingestão de bebida após a prática de atividade física, a pessoa pode ter uma redução no fluxo salivar. Assim, a frequência de consumo de bebidas potencialmente erosivas durante a prática prolongada de exercícios pode também contribuir para reduzir a ação de limpeza da bebida. Logo, uma redução no fluxo salivar e um prolongado tempo de contato entre a bebida e os dentes poderia aumentar o risco de erosão(3).

Quando se estuda a erosão dentária, é importante verificar as propriedades das bebidas ingeridas, como também sua interação com o organismo(9,25,26). O valor de pH de 5,5, no qual os cristais de hidroxiapatita começam a se dissolver, é conceituado como pH crítico para a desmineralização dentária, de modo que, abaixo desse valor, o esmalte está em risco de sofrer descalcificação(9). Portanto, em tese, uma bebida com pH abaixo desse valor será capaz de causar erosão no esmalte dentário, mesmo que grande parte da solução seja deglutida e pouco fique misturado com a saliva(25). Tipicamente, isotônicos são bebidas não carbonatadas, de elevada acidez(27).

Nesta pesquisa, foram avaliadas nove bebidas isotônicas de diferentes sabores de duas distintas marcas comerciais. Todas apresentaram um pH ácido (tabela 1), com menor e maior valor de, respectivamente, 2,03 (sabor tangerina) e 2,93 (sabor limão). Nos estudos realizados por Buratto et al.(17) e por Zandim et al.(12), o pH das bebidas esportivas analisadas apresentaram uma variação de 2,92 a 3,38 e de 3,02 a 3,08 respectivamente, valores estes que diferem dos encontrados na presente pesquisa, mas que corroboram a constatação de que essas bebidas possuem pH abaixo do considerado crítico e, portanto, têm a capacidade de produzir efeito erosivo sobre a superfície do esmalte dental. Confirmando esta assertiva, Xavier et al.(28) verificaram a diminuição dos valores de microdureza do esmalte dentário após a exposição a diferentes bebidas isotônicas, comprovando a perda mineral do tecido dentário.

No presente estudo, ocorreram mudanças nos valores do pH das bebidas isotônicas à temperatura ambiente e à temperatura de 9ºC, existindo diferenças estatisticamente significantes entre alguns grupos. Desse modo, quatro das bebidas analisadas tiveram o seu pH endógeno aumentado quando foram resfriadas. Resultado semelhante foi verificado por Corso et al.(18) e Xavier et al.(28) que constataram ser a temperatura um fator influenciador no pH dessas bebidas. A taxa de dissolução do esmalte tem demonstrado ser dependente da temperatura em razão da sua influência na velocidade de difusão de elementos químicos através do esmalte(24).

Além do pH, outras propriedades como o tipo de ácido presente (cítrico, láctico, maleico e fosfórico) e sua concentração, a acidez titulável, o potencial quelante e a presença de açúcares podem influenciar o efeito dos ácidos na superfície dentinária(3,29).

As médias de acidez total titulável (em % de ácido cítrico) diferiram entre si neste estudo. Esta propriedade está diretamente relacionada ao potencial erosivo de uma bebida, pois corresponde à quantidade de íons hidrogênio disponível para reagir com a superfície dental. Assim, quanto maior for o volume da solução de KOH necessária para neutralizar uma solução, maior será a quantidade de íons hidrogênio disponível nessa solução e maior será seu potencial erosivo(30,31). Foram encontradas diferenças estatisticamente significantes para a ATT para os grupos G2, G3 e G5, sendo recomendável ingerir essas bebidas geladas.

Os sólidos solúveis são os compostos que se misturam ou se dissolvem na fruta, formados principalmente por açúcares, que dão o sabor doce, e ácidos, que resultam no gosto azedo. Com relação ao teor de sólidos solúveis, verificou-se uma variação de 6,33% a 12,50% para os produtos estudados, estando, portanto, em concordância com resultados anteriores os quais revelaram um valor médio de 6% para bebidas isotônicas(27). O teor de SST tem relação direta com a viscosidade dos alimentos ingeridos, podendo facilitar a retenção de componentes da dieta nas estruturas dentárias. Os grupos G2 e G9 mostraram diferenças estatisticamente significantes em relação a esta propriedade físico-química, sendo, portanto, recomendável ingerir essas bebidas geladas.

Duas das bebidas analisadas (Marathon Guaraná e Açaí® e Gatorade Guaraná e Açaí®) continham guaraná em sua composição. O guaraná (Paullinia cupana) é uma planta nativa da América do Sul, encontrada principalmente na Venezuela e Brasil. O seu fruto possui grande quantidade de cafeína e, devido a suas propriedades estimulantes, é usada na fabricação de xaropes, barras, pós e refrigerantes(32). A análise das propriedades químicas revelou que o Marathon Guaraná e Açaí® apresentou o maior teor de sólidos solúveis (12,50%) concordando, portanto, com os achados descritos por outros pesquisadores(32). Foram constatadas diferenças estatisticamente significantes entre esses produtos para as variáveis pH e ATT à temperatura ambiente, e para os SST em ambas as temperaturas (ambiente e a ±9ºC). Desse modo, sendo o pH fator influenciador no potencial erosivo à estrutura dentária(28), à temperatura ambiente é recomendável a ingestão do Marathon Guaraná e Açaí®.

A prática da atividade física progressiva sob condições de temperatura elevada ocasiona diminuição do fluxo salivar e um aumento da concentração de proteína total salivar, em consequência de um estado de desidratação durante a atividade física(33). Deste modo, é importante que o cirurgião-dentista promova a adoção de práticas saudáveis entre os usuários de bebidas isotônicas, sejam eles atletas profissionais, amadores ou apenas praticantes regulares de atividades físicas, tais como a diminuição do tempo em que as mesmas permanecem em contato com os elementos dentários e a redução na frequência de uso dessas bebidas, principalmente entre aqueles indivíduos que possuem o hábito de ingerir outras bebidas consideradas ácidas, como os refrigerantes, sucos de frutas e energéticos.

Os resultados sugerem que as bebidas avaliadas podem causar erosão dental, em virtude dos baixos valores de pH encontrados. Os estudos realizados em laboratório apresentam maior controle de possíveis variáveis que possam interferir na pesquisa. Todavia, é relevante destacar que, dentre as limitações deste tipo de estudo, está a impossibilidade de extrapolação dos achados para seres humanos, posto que fatores como a composição da saliva e o seu potencial remineralizador, a capacidade tampão e o fluxo salivar podem atuar como fatores protetores dos tecidos dentais. É mister ressaltar a importância e a necessidade da realização de estudos adicionais in situ a fim de que se possa conhecer o real efeito nocivo destas bebidas sobre o esmalte dentário.

CONCLUSÃO

As bebidas analisadas apresentaram baixo pH endógeno, podendo as mesmas serem consideradas potencialmente erosivas aos tecidos dentais se consumidas de modo inadequado e com elevada frequência. Por conseguinte, embasados nos atuais achados, recomenda-se a ingestão de bebidas isotônicas resfriadas, visando reduzir os potenciais efeitos deletérios aos dentes.

Todos os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses referente a este artigo.

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  • Endereço para correspondência:
    Universidade Estadual da Paraíba – Departamento de Odontologia– Campus Universitário
    Bodocongó
    58109-000 – Campina Grande, PB
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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