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Gestão do desenvolvimento econômico local: algumas considerações

Gestion du développement économique local: quelques considérations

Administration of the local economic development: some considerations

Gestión del desarrollo económico local: algunas consideraciones

Resumos

O objetivo deste trabalho é discutir alguns limites e oportunidades das estratégias de desenvolvimento econômico para a gestão local. O trabalho resgata a origem do debate no cenário internacional; apresenta como esse tema é incorporado na agenda de discussão política no Brasil; aponta a importância de uma das perspectivas analíticas da Geografia para a compreensão do tema, que é a valorização do espaço e sugere um modelo metodológico para o estudo da gestão do desenvolvimento local.

Gestão do desenvolvimento econômico local; município; território


L'objectif de ce travail c'est de discuter sur quelques limites et opportunités des stratégies de développement économique pour la gestion locale. Le travail reprend l'origine du débat dans le scénario international, il présente comment ce thème est incorporé dans l'agenda de discussion politique au Brésil, il montre l'importance d'une des perspectives analytiques de la Géographie dans la compréhension du thème, qui est la valorisation de l'espace et il suggère un modèle méthodologique pour l'étude de la gestion du développement local.

Gestion du développement économique local; municipe; territoire


This paper objectifies to argue some limits and scopes of the local economic development strategies to local management. The paper intends to contextualize the emergence of the thematic in central countries; it shows how the theme is incorporated in politic agend in Brazil, it points out one of the most importants analytical perspectives in Geography for the theme's compreension that is the space's valorization and it suggests a methodological model for studies of local economic development management.

Local economic development management; municipal district; territory


El objetivo de este trabajo es discutir algunos límites y oportunidades de las estrategias de desarrollo económico para la gestión local. El trabajo rescata el origen del debate en el escenario internacional; como ese tema es incorporado en la agenda de discusión política en Brasil; apunta la importancia de una de las perspectivas analíticas de la Geografía para la comprensión del tema, que es la valorización del espacio y sugiere un modelo metodológico para el estudio de la gestión del desarrollo local.

Gestión del desarrollo económico local; municipio; territorio


ARTIGOS

Gestão do desenvolvimento econômico local: algumas considerações

Administration of the local economic development: some considerations

Gestion du développement économique local: quelques considérations

Gestión del desarrollo económico local: algunas consideraciones

Claudete de Castro Silva Vitte

Professora do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. (clavitte@ige.unicamp.br)

RESUMO

O objetivo deste trabalho é discutir alguns limites e oportunidades das estratégias de desenvolvimento econômico para a gestão local. O trabalho resgata a origem do debate no cenário internacional; apresenta como esse tema é incorporado na agenda de discussão política no Brasil; aponta a importância de uma das perspectivas analíticas da Geografia para a compreensão do tema, que é a valorização do espaço e sugere um modelo metodológico para o estudo da gestão do desenvolvimento local.

Palavras-chave: Gestão do desenvolvimento econômico local; município; território.

ABSTRACT

This paper objectifies to argue some limits and scopes of the local economic development strategies to local management. The paper intends to contextualize the emergence of the thematic in central countries; it shows how the theme is incorporated in politic agend in Brazil, it points out one of the most importants analytical perspectives in Geography for the theme's compreension that is the space's valorization and it suggests a methodological model for studies of local economic development management.

Key words: Local economic development management; municipal district; territory.

RÉSUMÉ

L'objectif de ce travail c'est de discuter sur quelques limites et opportunités des stratégies de développement économique pour la gestion locale. Le travail reprend l'origine du débat dans le scénario international, il présente comment ce thème est incorporé dans l'agenda de discussion politique au Brésil, il montre l'importance d'une des perspectives analytiques de la Géographie dans la compréhension du thème, qui est la valorisation de l'espace et il suggère un modèle méthodologique pour l'étude de la gestion du développement local.

Mots-clé: Gestion du développement économique local; municipe; territoire.

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es discutir algunos límites y oportunidades de las estrategias de desarrollo económico para la gestión local. El trabajo rescata el origen del debate en el escenario internacional; como ese tema es incorporado en la agenda de discusión política en Brasil; apunta la importancia de una de las perspectivas analíticas de la Geografía para la comprensión del tema, que es la valorización del espacio y sugiere un modelo metodológico para el estudio de la gestión del desarrollo local.

Palabras clave: Gestión del desarrollo económico local; municipio; territorio.

Introdução

O fenômeno da reestruturação capitalista e a crise dos Estados nacionais, ocorridas a partir da década de 1970 influenciaram nas discussões sobre os rumos dos processos de desenvolvimento no mundo e no Brasil.

Muitos estudiosos da temática do desenvolvimento começaram a avaliar os resultados das políticas de desenvolvimento em curso nos paises capitalistas do pós-guerra, quando os modelos de desenvolvimento e as práticas de planejamento da vida econômica eram realizados de cima para baixo, ou seja, conduzidos pelos Estados nacionais.

O momento atual tem a peculiaridade de ser marcado por fortes transformações e turbulências que condicionam os mecanismos de tomada de decisão por parte dos gestores públicos. É justamente nesse contexto que estudos locais ganham interesse, com o município assumindo funções que antes eram de responsabilidade de instâncias de poder superiores. Desta forma, cada vez mais os municípios ou cidades (como muitos os denominam no Brasil) constituem-se em um espaço estratégico para o desenvolvimento (A.V. BARQUERO, 1993, p.72), muitas vezes com profundas conseqüências econômicas, sociais e espaciais.

O desenvolvimento econômico local pode ser visto como um dos campos de investigação da escala local. Nas últimas décadas, por causa das transformações na economia mundial, do aprofundamento dos processos de democratização nos países europeus e da redemocratização nos países latinos-americanos, a instância local de poder emergiu como tema, caracterizando um saber que converge na análise de relações concretas, socialmente construídas e territorialmente localizadas.

Para Alessandra Massolo, há um crescente interesse pelo tema nos países latino-americanos. Segundo a autora:

a complexa transição democrática com o fim das ditaduras, as críticas e polêmicas sobre as concepções, táticas e estratégias da esquerda têm obrigado a que se repense e recoloque os enfoques sobre o problema e a natureza da democracia, do Estado e do poder. Dentro desse contexto global está se verificando um movimento de descoberta e reflexão em direção às bases, ou seja, em direção aos espaços locais municipais enquanto territórios políticos, étnico-culturais, sociais e econômicos que devem ser conhecidos, reconhecidos e reconsiderados para a luta democrática no campo popular (A. MASSOLO, 1988, p.46).

Assim, diferentes atores estatais e sociais, além de uma série de pesquisadores, passaram a ampliar seus interesses por temas e problemas locais, com um crescente número de estudos e análises concretas e territorialmente localizadas.

Os estudos da escala local remetem ao estudo sobre o poder local, visto como relação de forças, das quais se processam alianças e confrontos entre atores sociais em um espaço delimitado, com formação de identidades e práticas políticas específicas. Neste trabalho, este espaço específico, enquanto escala de análise, refere-se à noção de município. O município é entendido como o espaço político local que permite discussões de diversos enfoques: pautas de convivência e cooperação entre membros da sociedade, competição, conflito, herança política local e formas de exercício do poder, não apenas fisicamente localizado mas socialmente construído (cf. T. FISCHER, 1993, p.10-12).

O tema desenvolvimento econômico local pode ser inserido no debate sobre gestão local, de práticas políticas específicas. Este tema tem ganhado destaque à medida que se discute o papel dos municípios como agentes de promoção e ativação do desenvolvimento econômico.

Uma perspectiva teórica possível para a análise do desenvolvimento econômico local é a do institucionalismo político, que centra a sua atenção no papel das instituições, dentre as quais destaca-se a administração pública municipal, como agente do desenvolvimento por meio de políticas, estratégias e alianças. Este tipo de abordagem permite enxergar a emergência de um dado fenômeno, no caso o desenvolvimento econômico local, e apontar o papel determinante da dimensão política (cf. G. COCCO, 1996, p.39). Uma outra perspectiva é a da gestão territorial local, no caso gestão municipal, considerando que há uma impactação em duplo sentido dos territórios e dos modelos de desenvolvimento, pelos atributos ou carências dos territórios e pelas estratégias de desenvolvimento implementadas, e que será melhor discutida abaixo

A relevância da atual discussão sobre novos (e velhos) papéis do município deve ser imputada ao fato de, até as últimas décadas do século XX, a instância nacional ser a referência para a análise, por causa da centralização do poder ocorrida principalmente no período autoritário (1964-85). Daí a importância de resgatar o significado do papel do município no Brasil como agente do desenvolvimento econômico, apontando quais os seus desafios recentes em face às transformações ocorridas na economia capitalista e do papel desempenhado pelos Estados nacionais, dentre as quais a descentralização do poder coloca-se como uma característica fundamental.

Conforme lembram Giuseppe Cocco e Alexander P. Galvão,

o "local" parece estar se constituindo na tônica geral de definição dos novos rumos das políticas públicas ativas de desenvolvimento econômico e social no Brasil nesta virada de século. Do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro, do ABC paulista ao Ceará, do BNDES à Caixa Econômica Federal, passando pela Finep, do Sebrae ao Senai, há uma multiplicação generalizada de instituições, projetos, pesquisas, seminários e experiências que visam o "desenvolvimento local" (G. COCCO & A. P. GALVÃO, 2001, p.69).

Desenvolvimento econômico local: algumas definições e suas limitações

O desenvolvimento econômico local pode ser definido como o conjunto de estratégias e ações para a (re)construção da base produtiva local (para a ativação da economia local) (cf. C. C. SILVA, 1998b) e pode provocar impactos no território. Ele não deve ser confundido com desenvolvimento urbano. O desenvolvimento urbano dá-se a partir de um projeto físico para uma cidade e de políticas de controle do uso do solo, resultando na ordenação do território e de equipamentos coletivos.

A idéia de local, por sua vez, pode ser entendida como um município, parte de município, um conjunto de municípios, um estado (UF) ou mesmo uma região. Neste trabalho a idéia de local confunde-se com a de município, a mais localizada instância de poder no Brasil. O município é uma instância de poder político e é um recorte territorial. É uma das formas de domínio territorial-estatal. Na gestão política há uma hierarquização territorial na qual o município é um dos níveis hierárquicos, que coincide com a escala intranacional relativa à localidade, correspondente ao lugar da vida e da experiência cotidiana.

A gestão do desenvolvimento local pode ser diferenciada e discutida por meio da análise das ações e estratégias de desenvolvimento implementadas por vários agentes, em especial o Estado, permitindo avaliar seus resultados sócio-econômicos e também observar como ocorre a materialização dessas estratégias no espaço (ou no ambiente construído), que resultam em alterações do conteúdo e do significado desse espaço.

Essas ações e estratégias ocorrem em um espaço herdado, que é constituído por uma história local, um padrão de organização do território e da força de trabalho e por um dado grau de desigualdades sociais (cf. F.D. COELHO, 1996). A execução de estratégias sobre o espaço herdado promove impactos e possibilita a construção de um espaço projetado ou não, mas certamente transformado.

No Brasil há diversas experiências em curso de estratégias de desenvolvimento local, em um cenário de experimentalismo difuso, provavelmente sem grandes conexões entre si, conforme afirmam pesquisadores do Instituto Pólis 1 1 Conforme apresentação de Eduardo de Lima Caldas feita no workshop "O desenvolvimento econômico local em regiões metropolitanas", promovido pelo Instituto Polis, em São Paulo em 26 de maio de 2003. . As práticas de desenvolvimento local assumem variadas dimensões e significados, com a implementação de diversas políticas como as de economia solidária, dos arranjos produtivos locais, dos sistemas locais de inovação, do desenvolvimento local integrado e sustentável (DLIS), dentre outras, ora sendo visto como uma nova política social, ora como um novo paradigma econômico2 2 Segundo Franklin Dias Coelho, um dos estudiosos pioneiros sobre desenvolvimento econômico local no Brasil, é possível identificar três modalidades de ação local, a saber: .

A esfera local é o campo prioritário da ação política, muitas vezes desdobrando-se no que Carlos Vainer denomina de patriotismo de cidade, uma pretensa capacidade extraordinária dos governos locais de cumprir, de maneira mais eficaz e eficiente, as funções até então tradicionais aos governos nacionais, como as de acumulação e de legitimação.

O ponto fundamental deste debate refere-se às possibilidades e limites destas estratégias de indução do desenvolvimento em reduzir as desigualdades sociais e melhorar as condições de vida das classes trabalhadoras e dos estratos economicamente mais vulneráveis, bem como sua capacidade em fazer avançar a democracia e permitir o direito à cidade para todos.

Um primeiro aspecto a ser considerado é quem são os agentes das ações de desenvolvimento local. Muitas instituições, grupos e indivíduos podem estar envolvidos: cooperativas, as agências de desenvolvimento, associações industriais e comerciais, entidades empresariais, sindicatos, governos locais e de outras instâncias de poder3 3 Neste trabalho o interesse primordial é pelo Estado em nível local, melhor explicitando, pelos governos locais. Mas, não se nega a importância de diversos outros atores. Mesmo considerando que as ações dos entes não-estatais assumem muitas vezes caráter público que afetam direta ou indiretamente a sociedade e que por isto são ações que dizem respeito ao interesse público, a opção é por priorizar as políticas de desenvolvimento local tributárias principalmente das ações de governo, que por meio da administração pública e suas instituições intervém marcadamente nos processos territoriais. .

Mas, o mais relevante aspecto que envolve a temática diz respeito aos resultados sociais obtidos: pode-se falar em avanços sociais resultantes das práticas de desenvolvimento local? As conquistas econômicas são significativas ou pífias? Elas apontam para a autonomização dos indivíduos ou só reforçam a apartação social? Não seria o desenvolvimento local uma panacéia, cabendo perguntar como Carlos Vainer (2002): afinal, o que pode o poder local? E ainda: "é possível ir além de uma ação governamental cuja virtude máxima seja a de apaziguar localmente conflitos sociais engendrados pela estrutura social e agravados pela ofensiva neoliberal?4 4 Um aspecto que é importante frisar pode ser revelado pelos dizeres de Joan-Eugeni Sánchez: "o que ocorre em um território [no caso, em um município] não é exclusivamente resultado de decisões, atuações e processos que ocorrem no seu interior, mas estas decisões, atuações e processos serão afetados, em maior ou menor grau, por decisões e atuações exteriores ao território considerado" [original em espanhol] (J.E. SÁNCHEZ, 1992, p.66). " (C. VAINER, 2002, p.13).

Desenvolvimento econômico local: algumas possibilidades

A partir da vigência da Constituição de 1988, o Brasil tem vivido um redesenho de seu sistema federativo, com o fortalecimento da capacidade decisória das instâncias subnacionais de governo, ou seja, está em curso a descentralização político-administrativa.

A idéia de descentralização implica em aumentar o poder, a autonomia de decisão, o controle sobre os recursos e as responsabilidades dos níveis subnacionais. Como idéia, a descentralização logra alguns objetivos nobres, como facilitar a democratização, a participação popular nos processos decisórios e o alcance da justiça social, podendo assumir uma feição progressista por ampliar e aprofundar a democracia. Assim, a Constituição de 1988 assegurou maior autonomia de decisões aos estados e municípios, tendo presente o ideário da descentralização, da democracia e da participação da população, vistos como condições de cidadania, como uma reação ao autoritarismo e a possibilidade de institucionalização de novas práticas políticas.

Nesse sentido,

... a Constituição de 1988 deve ser considerada parte de um processo mais amplo de mudanças sociais e políticas ocorridas na sociedade e da ressignificação do poder local no Brasil. Isso fica evidente quando se faz uma rápida recuperação histórica do estatuto jurídico-político do município nas Constituições brasileiras [anteriores]... (J. B. ARAÚJO DA COSTA, 1996, p.115).

As mudanças trazidas pela nova Constituição têm possibilitado que municipalidades conseqüentes avancem no campo do desenvolvimento econômico local e na implementação de políticas sociais. Em tese são possíveis iniciativas que resultem em melhoria dos serviços públicos, já que há maior acesso a recursos tributários. O município pode assumir e atuar em áreas onde a presença da União ocorria tradicionalmente. Tem havido no país algumas experiências municipais comprometidas com a modernização econômica e social, com o reaparelhamento institucional, com a democracia participativa e com critérios descentralizadores.

Muitos municípios têm introduzido outros temas e demandas como objeto de política pública local, como o combate ao desemprego e à pobreza, além dos chamados serviços urbanos (água, luz, esgoto, saneamento, transporte, moradia em sentido amplo) e outros serviços de âmbito local (saúde e educação). Não fazem, assim, distinção entre política econômica e política social nem quanto ao papel a ser desempenhado por esta instância de governo.

A discussão do papel dos municípios na promoção do desenvolvimento aponta para o crescimento de suas responsabilidades em relação às iniciativas voltadas para a melhoria das condições de vida e à busca de soluções dos problemas urbanos e, enfim, da gestão local. No entanto, conforme fala Franklin Dias Coelho,

... a administração municipal brasileira encontra-se diante de uma potencialidade de ações de desenvolvimento econômico ainda não exploradas na medida em que estas têm sido consideradas como funções e competência do Estado e da União. Atuando mais na área de políticas de uso do solo, os Municípios não têm conseguido integrar política urbana e desenvolvimento econômico [sendo que] as definições presentes na Constituição de 1988 – votada sob influência de idéias municipalistas e de descentralização – necessitam ganhar uma dinâmica própria e se materializar em projetos e arranjos institucionais específicos no interior do Executivo [já que] os municípios não têm se assumido enquanto um agente de desenvolvimento econômico" (F. D. COELHO, 1994, p.24).

Assim, há a necessidade do nível local desempenhar um novo papel, vinculado ao desenvolvimento econômico e social.

As prefeituras municipais compõem a esfera de governo responsável pela administração dos municípios. Elas são bastante solicitadas a encontrar respostas concretas para os problemas locais. Assim, aumentou as possibilidades dos municípios de atuar no campo do desenvolvimento econômico e urbano, enquanto a União e os estados reduziram, por força da escassez de recursos e do ajustamento econômico, a execução de programas de financiamentos e de assistência técnica ao urbano local. Mas, o retraimento das duas instâncias superiores é prejudicial às sociedades locais, de forma que a cooperação intergovernamental é necessária para o enfrentamento de várias questões urbanas não resolvidas ou de difícil resolução por parte das municipalidades, principalmente em um contexto de país extremamente diverso, com mais de 5500 municípios, cuja maior parte deles tem sérios problemas econômicos e gerenciais para fomentar o desenvolvimento econômico local, o que faz a discussão assumir elevado grau de complexidade.

Faltam regras claras que definam a cooperação intergovernamental, que fortaleçam a idéia de federação e da participação da sociedade na formulação e controle das políticas públicas urbanas e de desenvolvimento local, o que não obscurece o fato de que estão tornando-se comuns novos padrões de relacionamento entre o Estado e a sociedade, mais descentralizados, democráticos e participativos.

A gênese do debate sobre o desenvolvimento econômico local

O debate sobre o desenvolvimento local pode ser resgatado em duas vertentes. Primeiramente, no desdobramento das abordagens tradicionais de desenvolvimento econômico, já que em décadas recentes, outras concepções de desenvolvimento como o desenvolvimento sustentado, o desenvolvimento humano e o desenvolvimento local endógeno, vêm sendo consideradas. Uma outra vertente é a evolução das políticas urbanas5 5 Em seu trabalho "Paradigmas e problemas das políticas urbanas", Edmond Preteceille, pensando o caso francês, apresenta uma análise de como as políticas urbanas têm evoluído, a ponto de nas últimas décadas terem passado por marcantes transformações. Tomando como ponto de partida a década de 1950, quando, segundo ele, a política urbana realmente passou a se constituir como um campo unificado de intervenção, podemos observar quatro grandes conjuntos de grandes temas dominando a discussão: .

Na vertente do desenvolvimento econômico e suas abordagens, o desenvolvimento local também se tornou tributário do debate sobre o desenvolvimento regional que foi reavivado, motivado pela constatação de que cidades e regiões anteriormente de economia dinâmica estavam em declínio, enquanto ocorria a ascensão de outras áreas por motivos diversos. Na crítica teórica fortaleceram-se as abordagens a partir de modelos denominados de baixo para cima e a valorização de elementos endógenos (cf. J. AMARAL FILHO, 1996; S. BOISIER & V. SILVA, 1990).

Nos estudos de diversas experiências de desenvolvimento regional e local, passou-se a observar que fatores antes considerados secundários ao crescimento e com forte diferenciação local eram importantes na explicação do sucesso de certas localidades. Esses fatores, quando estimulados, permitiam melhorar a produtividade e possibilitavam uma melhor distribuição de renda (cf. J. AMARAL FILHO, 1996).

Ganhou corpo o discurso de que uma localidade ou região poderia passar por um processo de transformação e qualificação, tornando o ambiente atrativo, de forma a facilitar a implantação de novas atividades econômicas em um contexto de economia globalizada, utilizando-se de recursos endógenos e/ou exógenos.

David Harvey, refletindo sobre os EUA, aponta o final da década de 1970 como sendo o período em que um novo debate sobre a gestão local iniciou-se naquele país e que acabou por influenciar as estratégias de desenvolvimento local, debate esse que se consolidou em meados dos anos 1980.

A passagem da década de 1970 para a de 1980 pode ser considerada o ponto de inflexão na reorientação das atitudes das administrações urbanas, alterando-se a abordagem do que ele chamou de managerialism, típica dos anos 1960, para o entrepreneurialism dos anos 1970 e 1980. Com essa reorientação, cada vez mais as autoridades locais passaram a se envolver em atividades econômicas diretamente ligadas à produção e ao investimento, de forma que se tornou cada vez mais freqüente o apoio público a empresas, as parcerias público-privadas, as doações, isenções fiscais e subvenções ao capital privado, enquanto que o típico das décadas anteriores era a subvenção ao trabalho, com predomínio de gastos sociais6 6 Ver também M. GOTTDIENER, 1990. . A gestão local incorporou a temática de desenvolvimento econômico na sua agenda.

Para David Harvey, essa maior ênfase da ação local em atividades vinculadas à produção foi uma estratégia para combater as dificuldades oriundas da crise capitalista que provocaram impactos também nas cidades. Tem também uma relação direta com a crise do modelo de Estado keynesiano (cf. D. HARVEY, 1996:48-50), cujas causas e conseqüências não serão apresentadas, mas já foram discutidas em outras oportunidades7 7 Em duas outras oportunidades foram analisados os aspectos marcantes da gestão urbana nos países de capitalismo avançado desde a 2º G. M. até os anos 70/80, período da hegemonia desse modelo de Estado (cf. C.C. SILVA, 1998a e 1998b). .

O desenvolvimento econômico local no Brasil

Alterando o foco da discussão para a realidade brasileira, deve-se lembrar que o Brasil vem sendo fustigado por forte crise econômica desde o inicio dos anos 1980. Os impactos negativos da crise tornaram-se bastantes evidentes na década de noventa, principalmente nas grandes cidades e nas metrópoles que, por concentrarem mais pessoas, acabaram, em tese, por concentrar problemas sócio-econômicos.

Desde os anos 1990, o Brasil também vem enfrentando uma crise federativa8 8 Para maiores esclarecimentos sobre o modelo federativo brasileiro e sua crise ver VITTE, 1999. que afeta os municípios. Nesse período também começaram a surtir os primeiros efeitos das mudanças trazidas pela Constituição de 1988 que incumbiu os municípios de maiores recursos, mas também de maiores responsabilidades.

A competição por maiores recursos e investimentos acirrou-se entre os entes federativos, sendo a faceta mais conhecida dessa competição a chamada guerra fiscal. Com isto, muitas municipalidades buscam obter maiores investimentos, tentando atenuar alguns de seus problemas econômicos e sociais, outras vezes buscando valorizar atributos internos como forma de gerar um novo tipo de dinamismo, ora baseado em elementos endógenos ora exógenos.

A partir dos anos 1990, convive-se no Brasil com muitas inovações e transformações nas gestões das cidades, quando comparadas com décadas anteriores recentes, ao mesmo tempo em que práticas tradicionais ainda persistem.

.O desenvolvimento econômico local e o território: Uma perspectiva geográfica

Um outro aspecto importante envolve os impactos espaciais das estratégias de desenvolvimento local. Para esta discussão a referência é a contribuição analítica de Antonio Carlos Robert Moraes, que será feita sucintamente na seqüência.

A temática do desenvolvimento não é um tema alheio ao debate geográfico. Apesar das discussões sobre o desenvolvimento envolver a análise de aspectos tangíveis e intangíveis, são principalmente os aspectos tangíveis, os processos de produção material do espaço, que interessam à análise geográfica.

O desenvolvimento está vinculado à noção de modelo territorial, cuja compreensão é um dos objetivos da análise territorial e de ordenação do território, visando compreender as formas de ocupação e utilização do espaço. "O modelo territorial é a expressão espacial de um modelo de sociedade" (A. SERRANO apud TRIGAL & DEL POZO, 1999, p.259), sendo seus elementos dominantes as esferas econômica, administrativa e política.

Há, assim, uma impactação em duplo sentido dos territórios e dos modelos de desenvolvimento, pelos atributos ou carências dos territórios e pelas estratégias de desenvolvimento implementadas.

A ocupação e a utilização do território depende da configuração do sistema de assentamentos, da utilização do meio físico e dos processos de transformação desse meio (infra-estrutura, tipos de ocupação, de aproveitamento etc) (cf. L. L. TRIGAL & P. B. DEL POZO, 1999, p.259). Assim, o modelo territorial expressa parte da materialidade dos projetos de desenvolvimento executados pelos Estados e pelos governos e se dão no âmbito dos processos sociais vigentes.

Desta forma, a Geografia é uma ciência afeita à espacialidade de processos sociais e históricos, espacialidade esta resultante da dinâmica geral do capitalismo condicionada pelas especificidades locais9 9 Neste ponto coloca-se a questão das escalas de análise geográfica, entendidas como um dos instrumentos interpretativos do processo de desenvolvimento desigual do capitalismo em sua dimensão territorial. Atente-se que há necessidade de distinguir as escalas geográficas (os níveis de análise espacial), bem como de estabelecer relações entre elas, pois cada nível de análise observado em separado só permite uma visão parcial da realidade. Assim, as escalas não devem ser consideradas como dadas. É preciso resgatar suas origens, a determinação e diferenciação de cada nível (cf. C. EGLER, 1991). Há diversos autores que propõem diferentes níveis escalares. Neste trabalho se adotará para fins de análise três níveis: o espaço global ou escala do Sistema-Mundo, o nível nacional e o nível local (cuja polissemia já foi assinalada neste trabalho e aqui é sinônimo de município). .

Definido o objeto geográfico como um processo social no qual particulariza-se o processo universal de valorização do espaço, conforme fala Antonio Carlos Robert Moraes (2000a)10 10 Ressalte-se que o mesmo autor lembra que "o processo de valorização do espaço não é fruto de determinações econômicas tout court, ele é antes o instituidor de condições necessárias para a fluência dos processos econômicos, condições muitas vezes mais dependentes das decisões políticas do que da economia" (A.C.R. MORAES, 2002, p.59). , revela-se uma interlocução da Geografia com a Economia. Nesta interlocução o objetivo é a compreensão da espacialidade da vida econômica, ou seja, dos processos econômicos envolvidos na relação da sociedade com o espaço.

A valorização do espaço é o nível de abordagem das determinações gerais que delineiam longos períodos. Na análise da valorização do espaço devem ser considerados: a lógica que a presidiu, o processo que a engendrou e o uso social da valorização gerada. Há um processo universal que corresponde à lógica da acumulação capitalista na escala do Sistema-Mundo, conforme definido por Immanuel Wallerstein.

Concomitante ao acontecer desta lógica, há as particularizações e singularidades dos lugares. À dinâmica local associam-se estímulos exteriores, sendo o território condição, meio e produto da reprodução da vida social11 11 Neste trabalho assume-se a interdependência das escalas territoriais, considerando a escala do Estado-nação como unidade de referência, mesmo porque muitos dos principais problemas focados pelo debate sobre desenvolvimento local têm abrangência nacional, caso do desemprego, cujas causas transcendem ao nível local. Por isto concorda-se com a proposta de análise transescalar feita por Carlos Vainer, admitindo que a "escala local não encerra em si senão parte dos desafios a serem enfrentados" (C.B. VAINER, 2002, p.29). Assim, o enfoque deste trabalho é no nível local, mas a análise não pode prescindir de considerar a escala do Sistema-Mundo e a escala nacional. (cf. A. C. R. MORAES, 2000a).

Nos parágrafos acima foi assinalada a interlocução da Geografia e da Economia. Mas, é preciso considerar que a espacialidade da vida centra-se na relação entre o espaço (ou um dado território) e o poder. Nessa perspectiva, tem-se a interlocução da Geografia com a Política. Dentre as formas de domínio dos lugares, destacam-se as formas estatais (em suas diversas instâncias), sendo o Estado um ator que tende a monopolizar as ações básicas do processo de formação territorial (Cf. A.C.R. MORAES, 2002).

Assim, na contemporaneidade, os territórios estão vinculados ao domínio estatal do espaço; eles constituem o âmbito espacial de exercício do poder de um Estado12 12 Como é sabido, há diversas definições de território. Neste projeto assume, baseado em A.C.R. Moraes, território como o exercício do poder sobre um dado espaço. . As sociedades para se reproduzirem criam formas, que obedecem a um dado ordenamento sóciopolítico dos grupos que as constroem, respondendo a uma sociabilidade vigente e a uma dada regulação do uso do espaço e dos recursos nele contidos. O território expressa as disputas e antagonismos entre interesses e projetos sociais, não sendo apenas o depositário de valores econômicos, "mas também de diferentes projetos que por diferentes vias se hegemonizaram na sociedade em foco" (A.C.R. MORAES, 2002, p.59-60). Desta forma, os processos sociais qualificam os lugares e os lugares compõem o território em nível local. Segundo Antonio Carlos Robert Moraes,

na historicidade dos processos singulares ocorridas nos lugares, torna-se possível identificar os agentes do processo, os sujeitos da produção do espaço. Assim, como resultado, verifica-se que os usos do solo, as formas de ocupação, os estabelecimentos e as hierarquias dos lugares expressam os resultados de hegemonias, alianças, interesses, conflitos, lutas, violências: são atos políticos (cf. A. C. R. MORAES, 2000b).

Assim, o lugar ou o local reproduz as desigualdades da estrutura social que podem ser aprofundadas e atenuadas, sendo que a luta contra a desigualdade deve começar principalmente no âmbito da esfera local, missão muitas vezes impossível para muitos governos locais no Brasil.

Tendo as considerações acima como pressuposto, as rápidas transformações ocorridas no mundo com a globalização econômica permitem questionar qual o território resultante da reorganização do capitalismo, da revolução tecnológica em curso e dos novos papéis desempenhados pelo Estado. Estas transformações alteram profundamente o mercado de trabalho e o espaço local, suscitando a indagação de como as localidades estão respondendo às mudanças e qual a intensidade das forças reativas locais.

Uma proposta metodológica de estudo sobre a gestão do desenvolvimento econômico local

A definição de uma metodologia é um dos aspectos mais complexos relativos a tal tema. As experiências internacionais esbarram em peculiaridades (como a questão do uso de alta tecnologia) que muitas vezes são inaplicáveis à realidade brasileira. Mas, dentre as diversas propostas metodológicas ressaltem-se as sugeridas por Valére OTH (1997), Jair do AMARAL FILHO (1996), David HARVEY (1996) e Antonio BARQUERO (1993).

Antonio Barquero (1993) sugere o Modelo Pentágono para avaliação das ações de desenvolvimento local. Resumidamente, ele pode ser explicitado na consideração dos fatores considerados críticos, para o êxito da intervenção dos gestores locais, a saber:

1. Hardware do desenvolvimento local: infra-estruturas essenciais para o funcionamento do sistema produtivo (redes de transportes e comunicações, distritos industriais, parques tecnológicos, centros de convenções etc.), bem como do "capital humano" (hospitais, escolas);

2. Software do desenvolvimento local: fatores qualitativos, de caráter imaterial que melhoram a qualificação dos recursos humanos e impulsionam as inovações produtivas, capacidade empreendedora e a informação acumulada nas organizações e empresas;

3. Orgware do desenvolvimento local: capacidade de organização que permite dar resposta aos desafios da competitividade e do desenvolvimento. Inclui formação de redes de agentes e de instituições para a organização do desenvolvimento;

4. Finware do desenvolvimento local: conjunto de instrumentos financeiros a serem utilizados no desenvolvimento local. Medidas de investimentos em projetos de infraestrutura e melhora do software do desenvolvimento, bem como recursos privados aplicados nos projetos de investimentos e de parcerias público-privadas;

5. Ecoware do desenvolvimento local: conjunto de instrumentos que organizam o uso adequado dos recursos naturais existentes. A sustentabilidade do ambiente, bem como o patrimônio artístico e cultural com põem uma das dimensões estratégicas do desenvolvimento, porque propiciam melhora na qualidade de vida da população e é considerada uma vantagem competitiva para a localização de empresas13 13 Relação da sociedade com o espaço, seu relacionamento com a natureza (ver A.C.R. MORAES, 2002, p.53). .

O modelo acima pode ser uma referência para o estudo da gestão do desenvolvimento local, ressaltando-se os principais aspectos a serem considerados nas políticas de desenvolvimento local14 14 De maneira geral, os principais elementos considerados na discussão do desenvolvimento local de caráter endógeno são: .

Dentre as possibilidades para a exploração de vantagens específicas na produção de bens e serviços poderiam ser lembradas, conforme propõe David Harvey (1996):

1 Aproveitamento de recursos naturais básicos (como o petróleo, a floresta);

2 Localização (acesso privilegiado, entroncamento);

3 Vantagens criadas por investimentos (públicos ou privados):

3.1 Infra-estrutura física;

3.2 Infra-estrutura social (universidades, hospitais);

3.3 Estímulo a:

3.3.1 Novas tecnologias;

3.3.2 Novos produtos;

3.3.3 Capital de risco para novos empreendimentos (como as cooperativas, incubadoras, "banco do povo");

3.3.4 Subsídios (isenções, créditos baratos, terrenos);

3.4 Mão-de-obra (quantidade, qualidade e custo);

3.5 Economias de aglomeração (agrupamento de diversas atividades em mesmo espaço para facilitar sistemas produtivos eficientes e interativos);

3.6 Divisão espacial de consumo15 15 O conceito de divisão espacial do consumo, David Harvey trabalha em seu livro The urban experience, editado pela Oxford em 1989 (apud Harvey, 1996). ;

3.6.1 Atrativos turísticos;

3.6.2 Qualidade de vida e do meio urbano (valorização do espaço);

3.6.3 Inovação cultural (por meio de festivais, eventos culturais, artísticos, exposições);

3.6.4 Atrativos de consumo (como centros de convenções, shoppings centers, marinas, praças de alimentação);

3.6.5 Entretenimento (como estádios, parques temáticos, espetáculos temporários ou permanentes, feiras);

3.7 Gestão, comando e controle de:

3.7.1 Operações financeiras (bancos, bolsas de valores);

3.7.2 Empresas;

3.7.3 Mídia;

3.8 Investimentos federais e estaduais de diversas ordens (como em refinaria de petróleo, centro de pesquisa indústria militar);

3.9 Agricultura:

3.9.1 Aumento de escala e organização da produção (por meio de cooperativas, produção familiar);

3.9.2 Nichos específicos (como agricultura orgânica, prodlutos da floresta, "selo verde");

3.9.3 Agroturismo e turismo ecológico.

Dentre os aspectos lembrados por David Harvey ressaltem-se os da chamada divisão espacial de consumo como importantes de serem investigados no âmbito do estudo de estratégias de desenvolvimento econômico local.

Também deverá ser considerada a questão do discurso que acompanha as práticas de gestão. Valére Oth sugere que se faça uma análise das representações mentais do desenvolvimento local, que pode ser considerada a partir do discurso sobre o desenvolvimento: qual a concepção hegemônica de desenvolvimento local para os principais atores e instituições envolvidas, perspectivas, ênfases, propostas etc.

Um outro aspecto do debate sobre desenvolvimento local refere-se aos fatores culturais do desenvolvimento, discussão que faz emergir a preocupação com a identidade da coletividade, a qualidade de vida, os tipos de empregos gerados e a integração social (concernente também à intercomunalidade, à moda de Robert Putnam, em seu livro Comunidade e Democracia). Discutem-se, inclusive, os papéis econômicos da cultura dentre os quais se destacam as questões da imagem construída, do marketing público e da economia induzida pela cultura.

Um outro parâmetro da análise é buscar qual a ótica dos gestores públicos sobre o desenvolvimento local, ressaltando-se o Estado em ação16 16 A análise de gestão do desenvolvimento local necessita de parâmetros. Uma alternativa de método, mediante algumas adaptações, baseia-se na análise de práticas de gestão política municipal, conforme proposto por Klaus Frei (1996). Tal autor sugere analisar: . É a observação da visão predominante, dos elementos prioritariamente focalizados, das potencialidades endógenas a serem trabalhadas e valorizadas. Enfim, quais são os pontos considerados fortes e débeis da cidade (quais os atributos importantes nos quais a cidade obtém um rendimento baixo e quais os atributos importantes nos quais a cidade é forte) que foram considerados ou deixados em segundo plano.

Alguns elementos do sistema funcional urbano sobre os quais a administração local tem capacidade de atuação direta devem ser considerados. Esses elementos podem ter sido evidenciados como pontos fortes ou podem ter sido ignorados, sendo que essa discussão permitirá apontar aqueles que merecem investimentos. É pertinente também referenciar os impactos que as políticas de desenvolvimento local vêm causando na estrutura espacial ou urbana dos municípios17 17 Muitas estratégias e intervenções, ao alterarem atributos de elementos do desenvolvimento local, resultam naquilo que Carlos A. Mattos, ao discutir o caso de Santiago do Chile, chamou de artefatos da globalização e que constituem marcos urbanos relevantes e podem representar importante papel na estruturação de uma metrópole, de uma região e na revalorização de sua imagem frente a outras metrópoles ou regiões (cf. C. A. MATTOS, 2000, p.142-143). .

Considerações Finais

Cabe frisar a importância do tema em questão, já que a adoção de algumas estratégias de desenvolvimento econômico pode auxiliar na atenuação de problemas derivados das desigualdades econômicas, típicas de economias capitalistas. Essas desigualdades não estão apenas relacionadas à pobreza e à vulnerabilidade social. O desenvolvimento econômico em qualquer instância (nacional, regional ou local) deve almejar não só a provisão de condições materiais mínimas, mas também bem-estar.

Como nos diz Amartya Sen, os seres humanos devem ser agentes, beneficiários e juízes do progresso e não apenas meios primários de produção, devendo a vida das pessoas ser a finalidade última da produção e da prosperidade e não a produção em si mesma. Sendo a vida das pessoas uma combinação de efetivações, seu bem-estar deve-se basear no aprimoramento dessas efetivações, que se transformam em conquistas. As maneiras as quais as capacidades serão desenvolvidas refletirão as atividades e o modo de ser que uma pessoa pode alcançar. Este é o verdadeiro desenvolvimento. Se não dá para falar em desenvolvimento sem prosperidade material, este não é mais do que um meio para enriquecer a vida das pessoas (cf. A. SEN, 1993, p.313-318).

Tal análise reveste-se de importância porque permite incorporar o conceito de qualidade de vida, que pode ser um excelente parâmetro para que governos locais referenciem suas ações de desenvolvimento econômico. Além da situação socioeconômica, também devem ser consideradas as condições gerais do meio urbano (a cidade, com seu planejamento físico, a infra-estrutura e os serviços urbanos), bem como as relações de sociabilidade, para que os habitantes de uma dada sociedade sintam-se felizes em suas vidas cotidianas. Assim, a construção e execução de um projeto de felicidade coletiva é que deveria ser o objetivo das políticas públicas e das práticas de gestão.

Notas

- uma modalidade que é um desdobramento modernizador de formas de atuação mais tradicionais na área urbanística ou político-administrativa;

- a segunda modalidade corresponde às experiências que se apóiam nas ações locais de geração de emprego e renda e

- a terceira modalidade refere-se às experiências de constituição de pactos territoriais e de redes de desenvolvimento econômico local.

Para esse autor, a terceira modalidade é aquela que está mais próxima do que ele define como experiências de desenvolvimento econômico local, sendo nela possível de observar a presença de elementos como a existência de redes econômicas, formas de integração horizontal e vertical de cadeias produtivas, parcerias entre atores públicos e privados, serviços especializados para microempreendedores e a institucionalidade dessa ambiência produtiva (cf. F. D. COELHO, 2001, p.57).

1) Dos anos 1950 aos primórdios dos 1960: a habitação;

2) Até início dos anos 1970: planejamento urbano, organização do território e equipamentos coletivos;

3) Nos anos 1970: meio ambiente e qualidade de vida e no final dos anos 1970: o desenvolvimento local (cf. E. PRETECEILLE, 1990, p.54-55).

1) Formação de "capital humano": educação, saúde, segurança alimentar, formação de mão de obra;

2) Pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico: de competência tanto do setor público quanto do privado;

3) Informação e conhecimento: formas de circulação rápida de informações relevantes que ajudem na consolidação de um "clima local" positivo;

4) Fortalecimento de instituições públicas e privadas de apoio e fomento das atividades econômicas;

5) Meio ambiente: racionalização do uso de recursos e baixa impactação no ambiente, resultando em crescimento sustentável e qualidade de vida;

6) Infra-estrutura de qualidade (cf. AMARAL FILHO, 1996).

1) O pensamento político que embasa dada gestão (verificação das principais "bandeiras" ou os carros-chefes da gestão);

2) O estilo político que a permeia (alguns aspectos a serem observados são se a gestão é de conciliação frente aos conflitos entre classes sociais ou de embate, se as decisões são tomadas mediante consultas aos grupos populares ou sem consulta, se há a preocupação em mostrar resultados rapidamente, se prima pelo discurso de eficiência técnica, ou se divide responsabilidades com fóruns populares);

3) Os arranjos político-institucionais priorizados (pressupõem as relações do governo com o legislativo, com outras instâncias de poder e com a sociedade); e

4) Os grupos sociais privilegiados pelas políticas públicas.

Recebido em 11/11/2005; revisado e aprovado em 9/12/2005; aceito em 10/6/2006

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  • 1
    Conforme apresentação de Eduardo de Lima Caldas feita no workshop "O desenvolvimento econômico local em regiões metropolitanas", promovido pelo Instituto Polis, em São Paulo em 26 de maio de 2003.
  • 2
    Segundo Franklin Dias Coelho, um dos estudiosos pioneiros sobre desenvolvimento econômico local no Brasil, é possível identificar três modalidades de ação local, a saber:
  • 3
    Neste trabalho o interesse primordial é pelo Estado em nível local, melhor explicitando, pelos governos locais. Mas, não se nega a importância de diversos outros atores. Mesmo considerando que as ações dos entes não-estatais assumem muitas vezes caráter público que afetam direta ou indiretamente a sociedade e que por isto são ações que dizem respeito ao interesse público, a opção é por priorizar as políticas de desenvolvimento local tributárias principalmente das ações de governo, que por meio da administração pública e suas instituições intervém marcadamente nos processos territoriais.
  • 4
    Um aspecto que é importante frisar pode ser revelado pelos dizeres de Joan-Eugeni Sánchez: "o que ocorre em um território [no caso, em um município] não é exclusivamente resultado de decisões, atuações e processos que ocorrem no seu interior, mas estas decisões, atuações e processos serão afetados, em maior ou menor grau, por decisões e atuações exteriores ao território considerado" [original em espanhol] (J.E. SÁNCHEZ, 1992, p.66).
  • 5
    Em seu trabalho "Paradigmas e problemas das políticas urbanas", Edmond Preteceille, pensando o caso francês, apresenta uma análise de como as políticas urbanas têm evoluído, a ponto de nas últimas décadas terem passado por marcantes transformações. Tomando como ponto de partida a década de 1950, quando, segundo ele, a política urbana realmente passou a se constituir como um campo unificado de intervenção, podemos observar quatro grandes conjuntos de grandes temas dominando a discussão:
  • 6
    Ver também M. GOTTDIENER, 1990.
  • 7
    Em duas outras oportunidades foram analisados os aspectos marcantes da gestão urbana nos países de capitalismo avançado desde a 2º G. M. até os anos 70/80, período da hegemonia desse modelo de Estado (cf. C.C. SILVA, 1998a e 1998b).
  • 8
    Para maiores esclarecimentos sobre o modelo federativo brasileiro e sua crise ver VITTE, 1999.
  • 9
    Neste ponto coloca-se a questão das escalas de análise geográfica, entendidas como um dos instrumentos interpretativos do processo de desenvolvimento desigual do capitalismo em sua dimensão territorial. Atente-se que há necessidade de distinguir as escalas geográficas (os níveis de análise espacial), bem como de estabelecer relações entre elas, pois cada nível de análise observado em separado só permite uma visão parcial da realidade. Assim, as escalas não devem ser consideradas como dadas. É preciso resgatar suas origens, a determinação e diferenciação de cada nível (cf. C. EGLER, 1991). Há diversos autores que propõem diferentes níveis escalares. Neste trabalho se adotará para fins de análise três níveis: o espaço global ou escala do Sistema-Mundo, o nível nacional e o nível local (cuja polissemia já foi assinalada neste trabalho e aqui é sinônimo de município).
  • 10
    Ressalte-se que o mesmo autor lembra que "o processo de valorização do espaço não é fruto de determinações econômicas tout court, ele é antes o instituidor de condições necessárias para a fluência dos processos econômicos, condições muitas vezes mais dependentes das decisões políticas do que da economia" (A.C.R. MORAES, 2002, p.59).
  • 11
    Neste trabalho assume-se a interdependência das escalas territoriais, considerando a escala do Estado-nação como unidade de referência, mesmo porque muitos dos principais problemas focados pelo debate sobre desenvolvimento local têm abrangência nacional, caso do desemprego, cujas causas transcendem ao nível local. Por isto concorda-se com a proposta de análise transescalar feita por Carlos Vainer, admitindo que a "escala local não encerra em si senão parte dos desafios a serem enfrentados" (C.B. VAINER, 2002, p.29). Assim, o enfoque deste trabalho é no nível local, mas a análise não pode prescindir de considerar a escala do Sistema-Mundo e a escala nacional.
  • 12
    Como é sabido, há diversas definições de território. Neste projeto assume, baseado em A.C.R. Moraes, território como o
    exercício do poder sobre um dado espaço.
  • 13
    Relação da sociedade com o espaço, seu relacionamento com a natureza (ver A.C.R. MORAES, 2002, p.53).
  • 14
    De maneira geral, os principais elementos considerados na discussão do desenvolvimento local de caráter endógeno são:
  • 15
    O conceito de divisão espacial do consumo, David Harvey trabalha em seu livro The urban experience, editado pela Oxford em 1989 (apud Harvey, 1996).
  • 16
    A análise de gestão do desenvolvimento local necessita de parâmetros. Uma alternativa de método, mediante algumas adaptações, baseia-se na análise de práticas de gestão política municipal, conforme proposto por Klaus Frei (1996). Tal autor sugere analisar:
  • 17
    Muitas estratégias e intervenções, ao alterarem atributos de elementos do desenvolvimento local, resultam naquilo que Carlos A. Mattos, ao discutir o caso de Santiago do Chile, chamou de artefatos da globalização e que constituem marcos urbanos relevantes e podem representar importante papel na estruturação de uma metrópole, de uma região e na revalorização de sua imagem frente a outras metrópoles ou regiões (cf. C. A. MATTOS, 2000, p.142-143).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      10 Jun 2006
    • Recebido
      11 Nov 2005
    • Revisado
      09 Dez 2005
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