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Bases da sustentabilidade para atividade de piscicultura no semiárido de Pernambuco

Foundations of sustainability for fish farming activity in the semiarid region of Pernambuco

Fondations de la durabilité pour l'activité de la pisciculture dans la région semi-aride de Pernambuco

Fundamentos de la sostenibilidad para actividad de la cría de peces en la región semiárida de Pernambuco

Resumo:

A piscicultura destaca-se como uma atividade com potencial de minimizar a insegurança nutricional e alimentar, contudo exibe riscos ambientais. Este estudo pretende analisar, numa abordagem qualitativa, a atividade com base nos princípios da sustentabilidade, a partir de estudo de caso de uma piscicultura de tanque escavado no semiárido de Pernambuco. Visa auxiliar na melhoria da gestão ambiental das atividades produtivas, sobretudo na piscicultura.

Palavras-chave:
aquicultura; desenvolvimento sustentável; Pernambuco

Abstract:

Fish farming stands out as an activity with potential to minimize food insecurity and food, however, displays environmental risks. This study aims to analyze, in a qualitative approach, the activity based on the principles of sustainability, from case study of an excavated tank of fish farms in the semiarid region of Pernambuco, aiming to help to improve the environmental management of production activities, especially in fish farming.

Key words:
aquaculture; sustainable development; Pernambuco

Résumé:

La pisciculture se distingue comme une activité à fort potentiel pour minimiser l'insécurité alimentaire et de la nourriture, cependant, affiche risques environnementaux. Cette étude vise à analyser , dans une approche qualitative , l'activité sur la base des principes de la durabilité , de l'étude d'un réservoir creusé des exploitations piscicoles dans la région semi-aride de Pernambuco de cas . Visa à aider à améliorer la gestion environnementale des activités de production , en particulier dans la pisciculture.

Mots-clés:
l'aquaculture; développement durable; Pernambuco

Resumen:

La piscicultura se destaca como una actividad con potencial para reducir la inseguridad alimentaria y los alimentos, sin embargo, muestra los riesgos ambientales. Este estudio tiene como objetivo analizar, en un enfoque cualitativo, la actividad basada en los principios de sostenibilidad, de estudio de caso de un tanque de excavado de las granjas de peces en la región semiárida de Pernambuco. Con el objetivo de ayudar a mejorar la gestión ambiental de las actividades de producción, especialmente en el cultivo de peces.

Palabras clave:
acuicultura; desarrollo sustentable; Pernambuco

1 INTRODUÇÃO

O semiárido nordestino se caracteriza como área estratégica para gestão sustentável, pois é uma região que apresenta problemas de escassez hídrica e atividades potencialmente produtoras de degradação da qualidade da água. Considerando que há conflitos entre os usos múltiplos e ecológicos da água em meio aos diversos interessados, estes vêm sendo intensificados pelo atual cenário de mudanças climáticas. A piscicultura está dentre os diversos usos, destacando-se como uma atividade com potencial de minimizar a insegurança nutricional e alimentar. No entanto práticas inadequadas podem ser prejudiciais, e uma gestão ineficiente da atividade compromete a sustentabilidade.

De acordo com o Plano de Desenvolvi mento da Aquicultura Brasileira 2015-2020, a produção aquícola foi responsável por 392.492 toneladas em águas continentais em 2013, e o Nordeste foi a região mais representativa no Brasil, com produção de 140.748 toneladas de pescado, com a tilápia (Oreochromus niloticus) constituindo a espécie mais cultivada. A meta para 2020 é de produção de 1.750.000 toneladas de peixe no país (BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Pesca e Aquicultura. Plano de Desenvolvimento da Aquicultura Brasileira - 2015/2020. Brasília, 2015.).

A atividade de piscicultura tem potencial impactante negativo, podendo comprometer a qualidade da água e afetar a biodiversidade local, devido à liberação de nutrientes (nitrogênio e fósforo) provenientes da ração e dejetos dos peixes, associado ao uso de antibióticos e hormônios. Por isso a gestão de recursos pesqueiros se faz importante, uma vez que atualmente não vem assegurando o crescimento econômico da atividade simultaneamente à sustentabilidade do uso dos recursos (SOBRAL et al., 2009SOBRAL, Maria do Carmo Martins; CARVALHO, Renata Maria Caminha Mendes de Oliveira; SILVA, Marlene Maria da; MELO, Gustavo Lira de. Uso e ocupação do solo no entorno de reservatórios no semi-árido brasileiro como fator determinante da qualidade da água. CONGRESO INTERAMERICANO DE INGENIERÍA SANITARIA Y AMBIENTAL, ASOCIACIÓN INTERAMERICANA DE INGENIERÍA SANITARIA Y AMBIENTAL - AIDIS. Anais... Punta del Este, Uruguay, 2009.). Dentre os potenciais impactos negativos, a eutrofização é ainda mais agravante na região semiárida, face à baixa disponibilidade hídrica, afetando assim a qualidade de vida das pessoas que dependem desse recurso para seu consumo e sustento.

Visando discutir a sustentabilidade dos recursos naturais, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro - Rio 92, formulou documento com finalidade de nortear os países participantes quanto à reflexão sobre o papel de todas as esferas da sociedade na resolução dos problemas socioambientais globais e locais (DRUNN et al., 2011DRUNN, Kamila Camargo; GARCIA, Hugney Matos; UNIC, Floriano Peixoto. Desenvolvimento sustentável e gestão ambiental nas organizações. Revista Científica Eletrônica de Ciências Sociais Aplicadas da EDUVALE, Jaciara, MT, ano IV, n. 06, 2011.). A partir daí, é cada vez mais recorrente a busca pelo desenvolvimento sustentável nas atividades econômicas e na exploração de recursos.

Estratégias para o planejamento e gestão adequados, que busquem como base os princípios da sustentabilidade, poderão avaliar, de maneira mais eficiente, as ações para minimização do impacto da piscicultura na qualidade da água e contribui como ferramenta no monitoramento da poluição hídrica, atrelado ao fortalecimento sustentável do Arranjo Produtivo Local (APL) da piscicultura no semiárido do Estado de Pernambuco.

Este estudo pretende analisar a atividade de piscicultura com base nos princípios da sustentabilidade, especificamente a autopoiese, resiliência e teoria da complexidade, a partir de estudo de caso de uma piscicultura de tanque escavado implantada no município de Itacuruba, semiárido de Pernambuco (08º 50' 22,50" Sul e 38º 41' 47,38" Oeste), inserido na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (UP-27), situado na mesorregião do São Francisco Pernambucano, pertencente à microrregião de Itaparica e à Região de Desenvolvimento (RD) do Sertão Itaparica.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Delimitação da área de estudo

A bacia do Rio São Francisco, um dos principais rios do Brasil, percorre vários estados. A região do Submédio Rio São Francisco estende-se por 686 km, com desnível de 250m, entre os municípios de Remanso e Paulo Afonso, no estado Bahia, região a qual foi foco para o início de instalação de hidroelétricas. Nessa região, a bacia do Rio São Francisco apresenta represamento por meio da usina Luiz Gonzaga (reservatório de Itaparica) e do Complexo de Paulo Afonso, formado pelas usinas Paulo Afonso I, II, III, IV e Apolônio Sales (Moxotó) (COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO [CHESF], 2010______. 2º Relatório anual dezembro/2008 a novembro/2009. Inventário dos Ecossistemas Aquáticos do Baixo São Francisco. Reservatório Itaparica. Recife, 2010. 331 p.).

O reservatório de Itaparica possui uma capacidade de armazenamento da ordem de 11 bilhões de m³ de água, com profundidade máxima podendo atingir 101 m e média de 21 m. Está situado entre as cidades Belém do São Francisco, PE, e Jatobá, PE, localizada 25 km a montante da cidade de Petrolândia, PE, e 50 km a montante do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso. Esta tem a função de geração de energia elétrica e de regularização das vazões afluentes diárias e semanais das usinas do complexo Paulo Afonso (CHESF, 2010______. 2º Relatório anual dezembro/2008 a novembro/2009. Inventário dos Ecossistemas Aquáticos do Baixo São Francisco. Reservatório Itaparica. Recife, 2010. 331 p.).

A piscicultura de tanque escavado está situada no município de Itacuruba, PE, na Região de Desenvolvimento Itaparica, semiárido nordestino. Está situada às margens do reservatório de Itaparica, na bacia do rio São Francisco. O empreendimento aquícola possui em média três viveiros de tanque escavado para cultivo de Tambaquis e 17 viveiros de cultivo de tanque escavado para cultivo de juvenis de Tilápia, com capacidade de suporte para cultivo de tilápias, de aproximadamente de 28.200 unidades. Nesses tanques, são inseridos diariamente um total aproximado de 10 a 12 refeições a base de ração, contabilizando 13.500 kg por mês.

Os tanques de cultivo possuem área de 1.800 m3, suporta até 75 mil litros de água por tanque, com profundidades que variam de 1,5 m a 1,8 m e renovação da água entre 10 a 15 dias.

Além dos tanques escavados para cultivo de juvenis, a piscicultura também possui tanque viveiros para criação de alevinos de Tilápia. Nestes, ocorrem adição de ração, hormônios, como o Metil-testosterona, e antibióticos, como o Permanganato de Potássio, além de antifúngicos. Em média, os alevinos passam de 60 a 65 dias nesses viveiros antes de irem para os tanques-escavados para juvenis. A adição de hormônios ocorre nos primeiros 24 dias, e estes permanecem em dois viveiros de profundidade igual a 1,5 m, nos 45 dias restantes, vão para viveiros de profundidade menor, aproximadamente 1,0 m.

2.2 Procedimento metodológicos

O método de abordagem utilizado na pesquisa teve como base a abordagem qualitativa, dentro do método dialético, caracterizada como exploratória e conduzida sob a forma de estudo de caso. Segundo Prodanov e Freitas (2013)PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2013., a dialética entende que, na natureza, tudo interage simultaneamente, o tempo todo, e essas interações levam continuamente a novas mudanças. De acordo com os autores, para a compreensão de determinado fenômeno se faz necessário buscar e entender todas as conexões possíveis e suas consequentes transformações, privilegiando as mudanças qualitativas e considerando os contextos social, ambiental, econômico, político etc.

A pesquisa qualitativa tem a possibilidade de abordar elementos que interagem com a realidade social, econômica e ambiental, as quais não podem ser quantificadas (MINAYO, 2011MINAYO, Maria Cecília de Souza. Importância da avaliação qualitativa combinada com outras modalidades de avaliação. Saúde & Transformação Social, Florianópolis, SC, v. 1, n. 3, p. 02-11, 2011.).

O presente artigo é de caráter exploratório por utilizar o método de pesquisa bibliográfica e visita a campo para observação e coleta de informações pertinentes, através de entrevista com piscicultores no empreendimento, tendo em vista um aprofundamento e discussão crítica acerca da problemática do uso sustentável dos recursos hídricos e sua relação com a atividade de piscicultura no semiárido pernambucano.

Desse modo, refere-se a um artigo teórico, em que os dados secundários foram obtidos a partir de levantamento bibliográfico sobre o tema, correlacionando a atividade de piscicultura com os princípios da sustentabilidade. O procedimento metodológico adotado faz referência a uma pesquisa realizada a partir da base em documentos já elaborados, tais como: livros, dicionários, enciclopédias, periódicos, como jornais e revistas, além de publicações, como comunicação e artigos científicos (SANTOS, 2013SANTOS, I. E. Manual de métodos e técnicas de pesquisa cientifica. 9. ed. rev., atual. e ampl. Niterói, RJ: Impetus, 2013.).

A presente pesquisa foi dividida em três fases: a fase exploratória, o trabalho de campo e a análise e tratamento do material empírico e documental.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com o advento da revolução industrial, intensificaram-se as necessidades cotidianas da população mundial. Com ampliação dessa demanda, em diversos setores, desde alimentício, e de bens de consumo em geral, aumentou também a exploração dos recursos naturais. Tal exploração, em muitos casos, vem extrapolando o limite de resiliência dos ecossistemas, comprometendo assim a sustentabilidade destes e das atividades humanas.

O termo sustentabilidade está relacionado à conservação, ao ato de sustentar, conservar, manter, e no contexto exposto, visa especialmente à preservação dos recursos naturais, controle e manutenção do uso, a fim de suprir as necessidades humanas nas esferas sociais, econômicas, ecológicas, geográficas e culturais (SICHE et al., 2007SICHE, Raul; AGOSTINHO, Feni; ORTEGA, Enrique; ROMEIRO, Ademar. Índices versus indicadores: precisões conceituais na discussão da sustentabilidade de países. Revista Ambiente & Sociedade, Campinas, SP, v. X, n. 2, p. 137-148, 2007.). A partir de 1968, as inquietações a respeito da problemática ambiental começaram a ter vulto. Anos à frente, em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou evento internacional conhecido como Conferência de Estocolmo, para discutir os problemas enfrentados pela degradação e propor iniciativas para preservação do meio ambiente. Essa conferência deu origem à ideia que serviu de modelo para um novo conceito, o que viria ser desenvolvimento sustentável (GOMES et al., 2005GOMES, Patrícia Pereira Vasques; BERNARDO, André; BRITO, Gilson. Princípios de sustentabilidade: uma abordagem histórica. ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 25., 29 out. - 1º nov. 2005. Anais... Porto Alegre, RS. Disponível em: <http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2005_Enegep1005_0803.pdf>.
http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEG...
). Esse termo surgiu pela primeira vez durante a World Commission of Environment and Development (WCED) em 1987, e define-se como a exploração dos recursos naturais de modo equilibrado, para suprir as necessidades do presente, garantindo que as futuras gerações também possam utilizá-los.

O desenvolvimento sustentável é composto por três principais dimensões inter-relacionadas, a esfera econômica, a ambiental e a social. De acordo com Gomes et al. (2005)GOMES, Patrícia Pereira Vasques; BERNARDO, André; BRITO, Gilson. Princípios de sustentabilidade: uma abordagem histórica. ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 25., 29 out. - 1º nov. 2005. Anais... Porto Alegre, RS. Disponível em: <http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2005_Enegep1005_0803.pdf>.
http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEG...
, essas dimensões são conhecidas como Tripple Botton Line. Desse modo, a sustentabilidade visa ao equilíbrio entre a proteção ambiental, com o crescimento econômico, atrelado a transformações sociais, numa abordagem interdisciplinar, em que as questões ambientais sejam incorporadas em todos os setores da sociedade.

A aquicultura, atividade de importância econômica e social, constitui uma alternativa na produção de proteína animal, sendo uma aposta para atender à demanda nutricional (CASTAGNOLLI, 1992CASTAGNOLLI, N. Criação de peixes de água doce. Jaboticabal, SP: FUNEP, 1992. 189p.; MATIAS, 2015MATIAS, João Felipe Nogueira. Aquicultura e os desafios de produzir com sustentabilidade. CONGRESSO BRASILEIRO DE ZOOTECNIA - ZOOTEC, 25. Fortaleza, CE. Anais... Fortaleza: Associação Brasileira de Zootecnistas, 2015.). A fim de garantir maior eficiência na produção, a máxima utilização dos recursos pode ser imperativa. Contudo esse modelo de desenvolvimento está em contradição com as bases da sustentabilidade dos recursos naturais.

A sustentabilidade está ancorada em duas visões; a da Ecologia, quanto à interação pautada no equilíbrio dinâmico das feições biológica e abiótica, e da Economia, quanto à alocação dos recursos naturais. Partindo dos princípios da sustentabilidade, o conceito de resiliência refere-se à capacidade que tem um sistema de enfrentar distúrbios, mantendo suas funções e estrutura (VEIGA, 2010VEIGA, José Eli da. Indicadores de sustentabilidade. Estudos Avançados, v. 24, n. 68, p. 39-52, 2010.). A partir dessa visão, pondera-se até que ponto a atividade de piscicultura pode transformar o meio ambiente através da demanda por recursos naturais, do risco e dos impactos ambientais causados, interferindo na estrutura do sistema, mudando assim o ponto de resiliência.

Segundo Veiga (2010)VEIGA, José Eli da. Indicadores de sustentabilidade. Estudos Avançados, v. 24, n. 68, p. 39-52, 2010., para se pensar em resiliência de um sistema deverá ser prioritário repensar o modelo de desenvolvimento econômico atual capitalista, atrelado a questões sociais que incorporem o bem-estar das pessoas.

Se analisada a piscicultura à luz resiliência e da autopoiese, terá que ser realizada análise das correlações dos organismos. A autopoiese parte da ideia de auto-organização dos sistemas autônomos. Como a atividade de piscicultura conseguirá progredir sem alterar o sistema de forma negativa, para o próprio sistema e para atividade em si? Pois o manejo ineficiente das suas transformações no sistema, como exemplo os resíduos gerados, poderá acarretar numa indisponibilidade ambiental saudável dos recursos hídricos para as populações aquáticas, para o homem e para o desenvolvimento da aquicultura. As consequências se estendem nas esferas social, econômica, política e ambiental. Pois, a partir da degradação do recurso hídrico, a economia local e global dependente é prejudicada, a falta de recurso limita o homem no meio social e econômico.

De acordo com Andrade (2012)ANDRADE, Claudia Castro de. A fenomenologia da percepção a partir da autopoiesis de Humberto Maturana e Francisco Varela. Griot - Revista de Filosofia, Amargosa, BA, v. 6, n. 2, 2012. , a forma como ocorrem essas interações depende do meio e do contexto em que se vive. O cenário atual no qual se enquadra a atividade de piscicultura no Nordeste pernambucano, sobretudo no reservatório de Itaparica, vê-se num panorama de mudanças climáticas, escassez de recursos hídricos, numa área propensa a conflitos por usos múltiplos da água, baixos índices pluviométricos, os quais levam à redução frequente da vazão dos reservatórios a montante, e num risco de diminuição da qualidade da água pelo grande aporte de nutrientes disponibilizados no ecossistema aquático, oriundos de atividades agrícolas, aquícolas e efluentes domésticos.

Diante da grande demanda pelo recurso hídrico na região, a capacidade de suporte precisa ser considerada, a fim de prever se o ambiente conseguirá manter a capacidade de resiliência e autopoiese (FRANCELINO et al., 2005FRANCELINO, Márcio R.; FERNANDES-FILHO, Elpídio I.; RESENDE, Mauro. Elaboração de um sistema de classificação da capacidade de suporte em ambiente semi-árido. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, PB, v. 9, n. 1, p. 83-91, 2005.). Para tal, índices e indicadores, como pegada ecológica, poderão servir como ferramenta para revelar a condição atual e monitorar a qualidade ambiental (SICHE et al., 2007SICHE, Raul; AGOSTINHO, Feni; ORTEGA, Enrique; ROMEIRO, Ademar. Índices versus indicadores: precisões conceituais na discussão da sustentabilidade de países. Revista Ambiente & Sociedade, Campinas, SP, v. X, n. 2, p. 137-148, 2007.). Também é relevante analisar se a disponibilidade hídrica será satisfatória para atender as necessidades humanas e manter o ecossistema natural no pleno exercício de suas funções e composições.

Segundo Brasil (2015)BRASIL. Ministério da Pesca e Aquicultura. Plano de Desenvolvimento da Aquicultura Brasileira - 2015/2020. Brasília, 2015., dados da Agência Nacional de Águas relatam que o país possui uma capacidade de suporte sustentável de dois milhões de toneladas por ano de peixes em água doce. Contudo elementos como a capacidade limite de produção não podem ser considerados isoladamente como parâmetros para o desenvolvimento da atividade.

Dados da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) nos anos de 2010 e 2013 mostram o declínio do nível da água no reservatório de Itaparica nesse intervalo de tempo. Em 2010, a média da profundidade no reservatório era de aproximadamente 21 m, e em 2013, a média caiu para aproximadamente 15 m (CHESF, 2010; 2014). Essas informações evidenciam o cenário hídrico atual na região do semiárido e o nos traz à luz as reflexões acerca da capacidade de suporte desse recurso frente às mudanças climáticas e aos seus usos múltiplos.

Considerando que a capacidade de suporte de um corpo hídrico dependerá da vulnerabilidade do sistema, dos fatores impactantes ao qual se encontram submetidos e à capacidade de resiliência, a atividade de piscicultura está diretamente atrelada pela qualidade do afluente, o qual, num entendimento sistêmico, está correlacionado às demais atividades da região. Dessa maneira, a visão de sustentabilidade não pode se limitar apenas a uma atividade, isolando-a do ambiente, mas compreendê-la como componente de um todo, como parte dos processos cíclicos da natureza, assim como explanado por CAPRA (1996)CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996., parte de uma teia de interações.

Os compostos químicos estão presentes na natureza e fazem parte do metabolismo dos seres vivos, entretanto, o que vai os tornar nocivos é a concentração e o tempo de exposição. Os compostos nitrogenados decorrentes da alimentação à base de ração são adicionados à água, sobretudo na piscicultura intensiva, esses compostos após o processo de catabolismo de proteínas geram a amônia, que pode variar sua concentração na água de acordo o modelo e intensidade da utilização de ração nas criações de peixes, além do controle apropriado do fluxo de água (PEREIRA; MERCANTE, 2005PEREIRA, Lilian Paulo Faria; MERCANTE, Cacilda Thais Janson. A amônia nos sistemas de criação de peixes e seus efeitos sobre a qualidade da água. Uma revisão. Boletim do Instituto de Pesca, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 81-88, 2005.). De acordo com os autores, os compostos nitrogenados podem ser fatores limitantes a produção primária, bem como tóxicos para os organismos aquáticos, influenciar na dinâmica do oxigênio dissolvido, interferir no desenvolvimento dos peixes e diminuir a tolerância a doenças.

Os rejeitos oriundos dos tanques escavados podem ser somados aos despejos de esgotos domésticos e de atividades agrícolas. Portanto ações que se comprometam com a qualidade dos efluentes gerados pela piscicultura e pelas atividades circundantes a um corpo hídrico precisam ser implementadas e fiscalizadas, assim como ações de manejo adequado dentro dos seus processos.

Em estudo realizado por Serva et al. (2010)SERVA, Maurício; DIAS, Taisa; ALPERSTEDT, Graziela Dias. Paradigma da complexidade e teoria das organizações: uma reflexão episte mo lógica. RAE - Revista de Administração de Em presas, São Paulo, v. 50, n. 3, p. 276-287, 2010., explanam sobre outro princípio da sustentabilidade, a teoria da complexidade. Esta é compreendida como uma ciência que busca um novo pensamento sistêmico, o qual entende o ambiente como organização individual, mas também parte do sistema através das interações, conectadas através das unidades. Nesse contrassenso, a teoria da complexidade aborda a autonomia e a dependência entre as unidades, considerando-as individualmente, assim como as interações existentes entre estas.

Utilizando esse princípio da sustentabilidade como apoio no planejamento adequado da piscicultura, algumas práticas podem ser ponderadas e adotadas de acordo com seu entorno, desde a escolha do local para o cultivo, considerando a localização, os níveis de profundidade, qualidade da água, riscos ambientais locais, o acesso e a capacidade de diluição dos nutrientes. Da mesma foram, podem planejar adequadamente o manejo, o armazenamento, o transporte e a qualidade do alimento usado no cultivo; gerenciar corretamente os resíduos gerados e seus possíveis impactos na região; controlar os produtos químicos aplicados; garantir treinamento técnico sobre boas práticas de manejo aos colaboradores; adotar plano de preservação das comunidades aquáticas e adjacentes ao empreendimento; monitorar os parâmetros da qualidade da água exigidos pela legislação vigente; e priorizar a geração de trabalho e renda local.

Nesse sentido, as normas legais que norteiam a qualidade das águas no país, levam em consideração a saúde e o bem-estar humano, bem como o equilíbrio ecológico aquático; entretanto, de modo equivocado, podemos estar considerando que essas mesmas condições para os múltiplos usos do homem sejam também adequadas para a preservação de todos os organismos aquáticos. Uma vez que os nichos ecológicos são distintos, parâmetros com ênfase nos múltiplos usos destinados ao homem, o qual não pertence diretamente ao nicho ecológico aquático, não são indicadores apropriados para ponderar a complexidade da qualidade dos recursos hídricos como um todo (BERTOLETTI, 2012). Diante disso, fica evidente que, durante a elaboração de normas e padrões relacionados aos recursos naturais, é de extrema importância o estudo e aplicação das bases da sustentabilidade, dialogando com a dinâmica desses ecossistemas, para que possamos cada vez mais alcançar o equilíbrio natural.

A atividade de piscicultura, por meio do uso dos recursos naturais, pode ser considerada potencialmente causadora de variadas interferências no meio aquático, tais como modificações na qualidade da água e na biodiversidade. No entanto o cultivo de peixes em tanques escavados tem a vantagem da utilização da produtividade primária como fonte nutricional, proporcionando a possibilidade de diminuir o consumo de ração nesses viveiros, trazendo benefícios como melhor conversão alimentar (BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Pesca e Aquicultura. Plano de Desenvolvimento da Aquicultura Brasileira - 2015/2020. Brasília, 2015.) e diminuição de adição de compostos fosfatados e nitrogenados no ambiente.

Vale destacar pontos positivos da atividade de piscicultura como o fato de que, para o bom funcionamento do cultivo dos peixes, é necessário o uso de água de boa qualidade, assim os piscicultores podem ser um dos principais atores na busca pela conservação do meio hídrico, além de isso representar continuidade para espécies que se encontram ameaçadas pela sobrepesca, sobretudo quando há prática de uso de espécies endêmicas na aquicultura.

Considerando essa unidade produtiva dentro de um sistema maior, pode-se verificar que, para manutenção da autoprodução do sistema, que interferirá diretamente na cadeia produtiva aquícola, no bem-estar dos usuários do recurso hídrico, o que irá garantir a capacidade de suporte do ambiente, são imprescindíveis o planejamento e a gestão adequados, que venham a atender um novo modelo de desenvolvimento. Visando ao uso sustentável dos recursos hídricos, sobretudo aqueles classificados como de usos múltiplos, compreender e associar os princípios da sustentabilidade ao planejamento estratégico dessa atividade é imprescindível, no sentido de garantir o desenvolvimento da atividade no âmbito social, econômico e ambiental. Dessa forma, estudos devem nortear ações que levem à melhoria da fiscalização dos empreendimentos, visando racionalizar o uso da água, tratar os resíduos gerados, fiscalizar a aplicação de xenobióticos, normatizar o uso e a ocupação do solo no entorno, realizar o monitoramento ambiental e promover práticas de reúso da água.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disseminação de práticas sustentáveis direcionadas para os recursos naturais no semiárido tem finalidade de promover a melhoria da gestão ambiental e, em particular, nos reservatórios, a adoção de práticas sustentáveis. Estas podem auxiliar na mitigação dos impactos ambientais das atividades produtivas, especialmente na piscicultura.

A problemática ambiental, associada aos modelos técnico-científicos aplicados no monitoramento ambiental, exerce função importante na ampliação do Arranjo Produtivo Local da piscicultura, uma vez que esses modelos podem subsidiar a formulação de políticas públicas ambientais. Estas devem buscar a melhoria contínua da produção sustentável de alimentos. Ressalta-se que essa atividade está expandindo-se no país, auxiliando na geração de trabalho e renda, assim como elevando a segurança alimentar e nutricional.

Considerando que a piscicultura envolve inter-relações com outras atividades, faz-se necessária uma integração entre os diversos fatores de influência, como a sociedade civil, o corpo técnico ambiental, o legislativo, o administrativo, os órgãos públicos e privados envolvidos, os usuários diretos e indiretos do recurso hídrico e os gestores do corpo hídrico onde a atividade está instalada, para garantir uma gestão participativa, socialmente responsável e sustentável, garantindo viabilidade econômica. Por fim, recomenda-se que estudos adicionais venham a complementar os pensamentos iniciais deste artigo buscando uma melhor compreensão entra as forças correlativas da atividade de piscicultura e seu entorno.

A sustentabilidade, sobretudo, quando relacionada a atividades que utilizam os recursos hídricos, demanda um empenho interdisciplinar, sendo um desafio que significa ultrapassar uma tradição cartesiana, em que as ciências naturais e sociais passam a analisar toda a complexidade das inter-relações que compõem o "meio ambiente". A técnica se faz necessária, mas só é eficaz quando interage ambiente, homem e suas inter-relações socioambientais. Para promover um diálogo sobre sustentabilidade voltado a uma atividade de produção capitalista, faz-se necessário apreciar os saberes tradicionais dos seus atores diretos e sua identidade geográfica regional, pois suas relações ambiente/trabalho e suas posturas frente à natureza serão fundamentais para manter uma melhor gestão socioambiental sustentável na piscicultura.

REFERÊNCIAS

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  • CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.
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  • COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF). 1º Relatório quadrimestral 2013/2014 - Relatório 1A. Programa de Monitoramento dos Ecossistemas Aquáticos do Reservatório de Itaparica. Recife, 2014. 284 p.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2016
  • Revisado
    22 Ago 2016
  • Aceito
    17 Out 2016
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