Resumo:
O garimpo se configurou como uma realidade social emblemática na história do Brasil e se tornou um problema público latente na agenda governamental, devido à questão ilegal e informal. Como forma de solução, o Estado priorizou o modelo cooperativo na Permissão de Lavra Garimpeira com a Lei n. 11.685 de 2008, o que resultou num aumento expressivo de constituição de cooperativas minerais. As cooperativas são organizações coletivas que priorizam a autogestão, a cooperação e o respeito ao meio ambiente e à comunidade, princípios distintos do individualismo e dos conflitos que parecem inerentes à atividade garimpeira ilegal. No seio dessa suposta incoerência, surge o seguinte problema de pesquisa: os princípios da doutrina cooperativista são praticados pelas cooperativas de garimpeiros? O objetivo do trabalho consiste em verificar se as cooperativas minerais do estado de Minas Gerais aderem aos princípios propostos pela doutrina do cooperativismo. Para responder a tal inquietude, foram estudadas 11 cooperativas minerais localizadas em nove municípios do estado de Minas Gerais. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com representantes das cooperativas e do poder público local. Os principais achados apontam que a indução da atividade garimpeira em organizações cooperativas não significa a promoção da cooperação e nem a aplicação dos princípios do cooperativismo à atividade garimpeira. A principal conclusão é de que cooperativas minerais evidenciam significativas diferenças dos outros ramos do cooperativismo.
Palavras-chave:
garimpo; cooperativismo; cooperativas minerais; princípios
Abstract:
Small-scale mining has become an emblematic social reality in the history of Brazil and has become a latent public problem on the government's agenda due to the illegal and informal issue. As a form of solution, the State prioritized the cooperative model in the Permission of Mineral Prospector Mining, with Law n. 11.685 of 2008, which resulted in a significant increase in the constitution of mineral cooperatives. Cooperatives are collective organizations that prioritize self-management, cooperation, and respect for the environment and the community, different principles of individualism and conflicts that seem inherent to illegal mining activities. Within this supposed inconsistency, the following research problem arises: principles of cooperative doctrine apply to mineral prospector cooperatives? The objective of the work is to verify if the cooperative minerals of the state of Minas Gerais adhere to the principles proposed by the doctrine of cooperativism. To answer this question, 11 mineral cooperatives located in nine municipalities in the State of Minas Gerais were studied. We conducted semi-structured interviews with representatives of the cooperatives and the local government. The main findings indicate that the induction of mining prospector activity in cooperative organizations does not mean the promotion of cooperation or the application of the principles of cooperativism to mining prospector activity. The main conclusion is that mineral cooperatives show significant differences from other branches of cooperatives
Keywords:
small-scale mining; cooperativism; mineral cooperatives; principles
Resumen:
La minería se ha convertido en una realidad social emblemática en la historia de Brasil y se ha convertido en un problema público latente en la agenda del gobierno, debido a la investigación ilegal e informal. Como una forma de solución, el Estado priorizó el modelo cooperativo en el Permiso de Minería Garimpeiro, con la Ley n. 11.685, de 2008, lo que resulto en un aumento significativo en la constitución de cooperativas minerales. Las cooperativas son organizaciones colectivas que priorizan la autogestión, la cooperación y el respeto por el medio ambiente y la comunidad, diferentes princípios de individualismo y conflictos que parecen inherentes a las actividades garimpeiros ilegales: dentro de esta supuesta inconsistencia, surge el siguiente problema de investigación: ise aplican los princípios de la doctrina cooperativista por las cooperativas de garimpeiros? El objetivo del trabajo es verificar si las cooperativas minerales del estado de Minas Gerais se adhieren a los princípios que propone la doctrina del cooperativismo. Para responder a esta pregunta, se estudiaron 11 cooperativas minerales ubicadas en nuevos municípios del estado de Minas Gerais. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con representantes de las cooperativas y el gobierno local. Las características principales indican que la inducción de la actividad garimpeiro en organizaciones cooperativas no significa la promoción de la cooperación o la aplicación de los princípios del cooperativismo a la actividad garimpeiro. La conclusion principal es que las cooperativas minerales muestran diferencias significativas con respecto a otras ramas del cooperativismo.
Palabras clave:
minería; cooperativismo; cooperativas minerales; princípios
1 INTRODUÇÃO
A mineração em pequena escala (MPE) é uma atividade que representa significativamente a economia brasileira. Segundo Seccatore (2014)SECCATORE, Jacopo et al. Sustainable management of resources and reserves in small-scale mining. 2014. 137 f Tese (Doutorado em Engenharia de Minas e Petróleo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2014., na extração de recursos minerais não metálicos, predominam os pequenos e médios empreendimentos, representando cerca de 73% das empresas mineradoras no Brasil. De acordo com um diagnóstico realizado pela Assistência Técnica dos Setores de Energia e Mineral (META), no Brasil, a MPE representou 25% da mão de obra contratada no setor de mineração. Neste documento, foram registradas 8.827 minas no país, sendo que o micro e pequeno porte correspondem a 86,3% do total.
A mineração é apontada como estratégia de desenvolvimento econômico local devido ao potencial de geração de empregos e renda. Entretanto, a condição de informalidade ainda é um fator relevante quando se trata da atividade mineral, principalmente a mineração artesanal, caracterizada como garimpo (MILANEZ, 2013MILANEZ, Bruno; DE OLIVEIRA, José A. P. Innovation for sustainable development in artisanal mining: advances in a cluster of opal mining in Brazil. Resources Policy, Vigo (Pontevedra), Spain, v. 38, n. 4, p. 427-34, 2013.). A atividade garimpeira, reconhecida como ilegal e informal, configura-se como um problema público iminente na agenda governamental, que busca introduzir meios de controle e regulamentação. Neste sentido, existe uma demanda do Estado de organizar esses trabalhadores e formalizar a atividade garimpeira.
Segundo Coelho, Wanderley e Costa (2017)COELHO, Maria C.; WANDERLEY, Luiz. J.; COSTA, Reinaldo. Garimpeiros de Ouro e Cooperativismo no século XXI. Exemplos nos rios Tapajós, Juma e Madeira no Sudoeste da Amazônia Brasileira. Revue Franco-brésilienne de Géographie/Revista Franco-Brasilera de Geografia, n. 33, p. 2017. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/12445. Acesso em: 10 mar. 2020
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, para regularizar atividades de MPE, incluindo garimpos, o Estado buscou priorizar as empresas privadas e as organizações cooperativas devidamente formalizadas, reduzindo o campo de atuação dos garimpeiros artesanais que estavam na informalidade ou ilegalidade. Devido às exigências regulatórias e ao cumprimento das normas ambientais, os garimpeiros, sem capital e dependentes do garimpo para sobrevivência, foram conduzidos para a condição de informalidade.
No entanto, além da atividade informal, existem aqueles que estão formalizados, que têm a Permissão da Lavra Garimpeira2 2 O Regime de Permissão de Lavra Garimpeira, proposto pela Lei 7.805, de 18 de julho de 1989, delimitou orientações jurídicas sobre o aproveitamento imediato de jazimento mineral, que, por sua natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possa ser lavrado. , organizados de forma individual como microempreendedores ou organizados de maneira coletiva, como é o caso das cooperativas minerais. O cooperativismo mineral é composto por “cooperativas com a finalidade de pesquisar, extrair, lavrar, industrializar, comercializar, importar e exportar produtos minerais, incluindo o artesanato mineral” (BRASIL, 2008, p. 22).
Todavia, uma das soluções empreendidas pelo Estado está descrita na Constituição Federal de 1988, que incentiva a formalização da extração mineral em pequena escala e, com isso, aumenta o controle governamental por meio da prerrogativa da concessão de prioridade de lavra a garimpeiros (e mineradores) que estejam organizados e constituídos em cooperativas. Neste sentido, o Estado adota a premissa de que as sociedades cooperativas seriam um modelo de organização adequado para resolver problemas de ordem legal, social, econômica e, sobretudo, ambiental da garimpagem.
De acordo com o Anuário do Cooperativismo Brasileiro (OCB, 2019), existem apenas três cooperativas licenciadas em Minas Gerais. Mesmo havendo um crescimento no número de cooperados entre os anos de 2014 e 2018, ainda é um ramo que pouco se destaca na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Alves (2017)ALVES, Wellington; FERREIRA, Paula; ARAÚJO, Madalena T. Mining cooperatives in Brazil: an overview. Procedia Manufacturing, Vigo (Pontevedra), Spain, 13, 1026-1033, 2017. explica que esse tipo de cooperativa é marginal nos estudos acadêmicos do cooperativismo e ressalta que a realidade é de que, nessas cooperativas, há pouca formação dos cooperados, desconhecimento do papel do conselho de administração e sobre a organização cooperativa. Esses se tornam fatores determinantes para os cooperados se verem mais como empregados do que como membros de uma cooperativa. Existe, então, uma falta de orientação desses cooperados e uma falta de articulação entre as cooperativas, o que leva à falta de reconhecimento.
O modelo cooperativo objetiva-se em um sistema de gestão em que a figura hierárquica do supremo não existe e que a busca por lucros deva ser substituída pela distribuição das sobras. Todavia, tais características, somadas a outras de mesmo cunho ideológico, tornam as cooperativas uma interessante forma organizacional, pelo seu caráter democratizante e igualitário (ZEULI; RADEL, 2005). No Brasil, a Lei 5.764/71, denominada Lei Geral do Cooperativismo3 3 A Lei do Cooperativismo no Brasil, 5.764, de dezembro de 1971, define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências. , institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, estabelece parâmetros e regulamenta o funcionamento das cooperativas brasileiras.
Contudo, o empreendimento cooperativo tem sete princípios que foram estruturados para serem norteadores deste modelo organizacional, sendo sempre baseados em cooperação e valores humanos. São eles: Adesão Livre e Voluntária; Controle Democrático dos Membros; Participação Econômica dos Membros; Autonomia e Independência; Educação, Formação e Informação; Intercooperação e Interesse pela Comunidade (GAWLAK; RATZKE, 2007GAWLAK„ Albino; Fabiane Ratzke. Cooperativismo: primeiras lições. 3. ed. Brasília: Sescoop, 2007).
Entretanto, contrapondo os ideais cooperativistas, temos a vivência no garimpo. Segundo Costa (2002; 2007), o setor garimpeiro vive intensamente com instabilidade na relação entre os garimpeiros: por um lado, um ambiente de confiança reduzida e elevado potencial de conflito; por outro, a própria natureza da atividade supõe elevado grau de cooperação, os diversos grupos se unem quando ocorre uma ameaça externa por parte de uma companhia de mineração ou do Estado.
Portanto, diante desses perfis diferentes, em que, por um lado, temos os princípios cooperativistas, norteadores de uma gestão sustentável e colaborativa, e, por outro, existe a questão da realidade do garimpo, marcada de desconfiança e pelo individualismo, a presente pesquisa levanta o seguinte questionamento: os princípios cooperativistas são praticados pelas cooperativas do setor mineral? As cooperativas minerais constroem suas estratégias de ação de acordo com os princípios norteadores da doutrina cooperativista? Para responder a esses questionamentos, o trabalho objetivou verificar se as cooperativas minerais do Estado de Minas Gerais aderem aos princípios propostos pela doutrina do cooperativismo. Para isso, foram mapeadas e estudadas 11 cooperativas em diferentes regiões do Estado de Minas Gerais, onde entrevistas com gestores foram realizadas.
A justificativa para esta pesquisa parte do hiato analítico presente na literatura brasileira sobre a temática do cooperativismo mineral. Essa lacuna se amplia quando se avalia a relação dos princípios orientadores da doutrina cooperativista com a prática da atividade garimpeira. O pressuposto geral que conduz este estudo está associado com a dificuldade de operacionalização dos princípios do cooperativismo na cultura da atividade garimpeira.
O presente artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução. A próxima seção aborda elementos conceituais teóricos inerentes à necessidade analítica e argumentativa levantada pela pesquisa, refletindo sobre o cooperativismo, os princípios cooperativistas e a atividade de garimpagem. Posteriormente, são apresentadas as estratégias metodológicas empregadas para analisar as cooperativas minerais do Estado de Minas Gerais e, em seguida, os resultados especificando alguns importantes achados da pesquisa. Por fim, são elencadas as conclusões. Ressalta-se que este trabalho é pioneiro no campo do cooperativismo ao refletir a adaptação dos princípios da doutrina em múltiplos casos de cooperativas minerais. Não se tem a pretensão de esgotar as possibilidades analíticas, mas, por outro lado, ampliar o debate brasileiro sobre o cooperativismo mineral.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 O cooperativismo no garimpo
A noção de empreendimentos cooperativistas surgiu em 1844, na Inglaterra, e ainda vem se desenvolvendo, como ressalta Schneider (2015). O modelo surgiu com uma necessidade de as pessoas conquistarem bem-estar social, econômico e humano, sem ter como principal objetivo o acúmulo de riquezas. Trata-se de um movimento social e político implicando a identificação, comunicação e participação de todos os associados para um resultado efetivo (SCHNEIDER, 2015).
Como ressalta Valadares (2002)VALADARES, José. H. Moderna administração de cooperativas. [Apostila FORMACOOP-Mód.l-SESCOOP/ GO]. Goiânia: Farmacoop, 2002., o sistema cooperativista é gerido por metas inicialmente individuais, que, quando se tornam interesse de outras pessoas, passam a ser metas coletivas e organizacionais. Esse momento é crucial para o desenvolvimento da organização, pois a cooperativa deve conciliar o interesse de cada um com o interesse coletivo, para que ela seja competitiva e se insira no mercado. Para Valadares (2015), os empreendimentos cooperativos visam a satisfazer cada vez mais, e de forma equitativa, as necessidades de todas as pessoas que participam do empreendimento coletivo, buscando contribuir para a sua dignidade e o seu bem-estar material, social e humano.
O interesse pelo desenvolvimento local, nos âmbitos econômicos, sociais, ambientais e mercadológicos, tem impulsionado o reconhecimento e a criação de novas cooperativas. De acordo com o Anuário da OCB 2019, há, em 150 países, atuação de cooperativas nas mais diversificadas áreas, gerando desenvolvimento, emprego e renda. No Brasil, em 2018, as cooperativas somavam 6.828, estando presentes em todos os estados e gerando emprego e renda, sendo que a maior concentração estava em São Paulo e Minas Gerais. Entre essas cooperativas, existem as cooperativas minerais, que têm apontado um crescimento exponencial nos últimos anos e se destacam por organizar e formalizar o trabalho no garimpo e na pequena mineração.
Segundo o diagnóstico do ramo mineral (OCB, 2016), as cooperativas minerais tiveram seu início no começo do século XX, como meio de organizar a extração, a pesquisa de lavra, a industrialização e a comercialização dos produtos minerais, além de legitimar os trabalhadores, gerando emprego e renda para os garimpeiros. Dessa forma, seria possível contribuir para o desenvolvimento social das cidades que dependem do garimpo e têm essa atividade como sua principal fonte de receita.
Visando a legalizar de forma efetiva o maior número de garimpos que estavam na informalidade, no ano de 1989, foi editada a Lei n. 7.805, que criou o Regime de Permissão de Lavra Garimpeira, a fim de organizar essa atividade. Com isso, foi facilitada a formalização dos garimpeiros, simplificando a obtenção do direito minerário para a exploração de determinada área. Entretanto, em 2008, o Estado criou o Estatuto do Garimpeiro, Lei n. 11.685, classificando as modalidades de trabalho em que esses trabalhadores poderão realizar a atividade de extração de minerais. Esta Lei coloca o modelo cooperativo como prioridade para a obtenção da permissão da lavra garimpeira nas áreas em que ele esteja atuando.
Segundo Milanez (2013)MILANEZ, Bruno; DE OLIVEIRA, José A. P. Innovation for sustainable development in artisanal mining: advances in a cluster of opal mining in Brazil. Resources Policy, Vigo (Pontevedra), Spain, v. 38, n. 4, p. 427-34, 2013., as leis orientadas para a pequena mineração no Brasil foram formuladas para que fosse estimulada a criação de cooperativas buscando reduzir o número de garimpeiros na informalidade. Porém a experiência tem mostrado que a criação de cooperativas pode ser apenas um ato burocrático que não tem relação alguma com o trabalho dentro dessas organizações.
2.2 Princípios cooperativistas
As sociedades cooperativas, diferentemente das demais tipologias de sociedades, orientam-se por princípios, os quais se constituem em linhas orientadoras que conduzem as cooperativas à prática de valores cooperativistas. Esses princípios, ao contrário da lógica jurídica, não têm influência normativa, não se encontram (todos eles) positivados explicitamente em nossas legislações.
Desde a primeira experiência cooperativa, que ficou também conhecida como “Cooperativa dos Probos Pioneiros Equitativos de Rochdale”, em 1844, essas organizações já continham, em seu Estatuto, a consagração de “regras de ouro”, ou seja, os princípios norteadores desta sociedade. Com a propagação do movimento cooperativista pelo mundo, esses princípios passaram a nortear não só as organizações cooperativas, mas o movimento como um todo, assim como também as legislações cooperativas dos países, estando insculpidas de forma mais explícita, em alguns casos, e de forma mais implícita, em outros.
Considerando a dinâmica social e os novos tipos cooperativos, os princípios foram revisitados em 1937, 1966 e 1995, em congressos coordenados pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI). Segundo Schneider (1999, p. 56), “a Aliança Cooperativa Internacional, munida de subsídios históricos e inspirada na experiência cooperativa em vários países, passou a assumir formal e explicitamente o legado de Rochdale”. Para Cançado e Gontijo (2003, p. 3), “a ACI passa a ser, então, a entidade responsável pela discussão dos princípios cooperativistas”.
Atualmente, há sete princípios cooperativistas vigentes, conforme alinhamento e definição da ACI em 1995: (i) Adesão Voluntária e Livre; (ii) Gestão Democrática e Livre; (iii) Participação Econômica dos Cooperados; (iv) Autonomia e Independência; (v) Educação, Formação e Informação; (vi) Intercooperação; e (vii) Interesse pela Comunidade. Eles estão destrinchados a seguir, da seguinte forma:
Adesão Voluntária e Livre: as cooperativas têm adesão voluntária e livre, ou seja, todas as pessoas que tenham interesse podem fazer parte da organização, desde que estejam aptas a utilizar os serviços e assumir as responsabilidades como associadas. A Lei 5.764/71 ressalta a sociedade como sendo de adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços.
Controle Democrático pelos Membros: a característica principal é que todo membro tem total e igual direito de participar (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo [SESCOOP], 2010). Nas sociedades cooperativistas, cada associado tem direito a um voto, assegurando a participação e que as tomadas de decisões feitas em assembleias sejam respeitadas.
Participação Econômica dos Associados: o princípio ressalta que os membros contribuem equitativamente para o capital da cooperativa, a partir do momento que o cooperado integraliza o capital social por meio de “quotas-partes”, e o controlam democraticamente. Os cooperados recebem, se houver saldo positivo, as denominadas “sobras” no final do exercício social (SESCOOP, 2010).
Autonomia e Independência: o quarto princípio assegura a autonomia da cooperativa como organização. A cooperativa tem o direito de fazer parcerias com outras instituições, desde que não criem obrigações que conflitem com as decisões e os interesses dos associados, assegurando a gestão democrática dos membros, como ressaltado no segundo princípio (SESCOOP, 2010).
Educação, Formação e Informação: este princípio objetiva o desenvolvimento profissional e educacional do associado, da diretoria, dos funcionários e do público em geral, para que esses possam contribuir de forma eficiente para o desenvolvimento da cooperativa em que faz parte (ACI, 2020). Dessa forma, este princípio é capaz de fomentar todos os outros princípios se feito de forma eficaz.
Intercooperação: visa a fortalecer o cooperativismo, de forma que as organizações se auxiliem, contratando serviços de outras cooperativas e valorizando esse movimento em nível regional, nacional e internacional (ACI, 2020). A intercooperação pode ser promovida das seguintes formas: entre cooperativas do mesmo ramo, entre cooperativas de ramos diferentes e mobilizando diversos setores em prol do movimento cooperativista.
Interesse pela comunidade: as cooperativas emergem e estão enraizadas nas comunidades em que conduzem suas operações comerciais. Assim, elas devem trabalhar para o desenvolvimento sustentável do local em que estão inseridas, por meio de políticas aprovadas por seus membros (ACI, 2020) que contribuam para o desenvolvimento do associado, das famílias, dos funcionários e da comunidade como um todo. Uma iniciativa promovida pelo cooperativismo é o Dia C, com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento social das comunidades, elevando a qualidade de vida das pessoas e reunindo cooperados, funcionários, parceiros e comunidades.
Esses princípios não têm influência normativa, tampouco se encontram (todos eles) positivados explicitamente em nossas legislações. “Adesão livre e voluntária” e “participação econômica dos cooperados” são aqueles em que encontramos correlação com sua expressão na legislação vigente brasileira. Para os demais, tem-se um consenso entre as organizações e dirigentes cooperativistas de que estes princípios são exercidos de forma clara e plena no dia a dia da atividade cooperativada.
2.3 O garimpo no Brasil
No Brasil, o garimpo é conhecido, de maneira geral, como uma atividade praticada em unidades independentes, por meio de um modelo familiar e de subsistência, muitas vezes informais, sem títulos ou licenças. De modo geral, é caracterizado por se estabelecer em locais associados a riquezas, conflitos e relações marcadas por confiança ou desconfiança, como ressalta o diagnóstico socioeconômico e ambiental da mineração em pequena escala (MPE) no Brasil (2012).
Reconhecendo a existência de tais relações, Costa (2007) destaca que o setor mineral vive intensamente com instabilidade na relação entre os garimpeiros: por um lado, um ambiente de confiança reduzida e elevado potencial de conflito; por outro, a própria natureza da atividade supõe elevado grau de cooperação, pois os diversos grupos se unem quando ocorre uma ameaça externa por parte de uma companhia de mineração ou do Estado.
De acordo com Coelho (2017)COELHO, Maria C.; WANDERLEY, Luiz. J.; COSTA, Reinaldo. Garimpeiros de Ouro e Cooperativismo no século XXI. Exemplos nos rios Tapajós, Juma e Madeira no Sudoeste da Amazônia Brasileira. Revue Franco-brésilienne de Géographie/Revista Franco-Brasilera de Geografia, n. 33, p. 2017. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/12445. Acesso em: 10 mar. 2020
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, a classe garimpeira representa um grupo de trabalhadores que teve um papel fundamental para a formação social do território brasileiro, tanto pelo desbravamento quanto pelo povoamento do país. Desta forma, o marco regulatório foi importante para a normatização da atividade garimpeira, em que empresas e cooperativas foram então priorizadas, enquanto os garimpeiros artesanais, informais e ilegais tiveram seu campo de atuação restringido.
Levando em consideração o perfil dessas pessoas, Veiga (2002) ressalta que a estrutura econômica destes garimpeiros não é muito diferente de outro trabalho capitalista, em que se busca um maior lucro sobre um mínimo de investimento. Independentemente do tamanho do garimpo, sempre existirá uma hierarquia com regras e deveres para cada trabalhador. Existem muitas razões que levam uma pessoa para o garimpo, mas a ideia de se tornar rico rapidamente é um fator de grande relevância. Entretanto, a maioria desses garimpeiros vem de uma marginalização social e sofre com a falta de uma política rural estruturada, levando muitas pessoas do meio rural que têm uma grande vulnerabilidade econômica à atividade do garimpo, para obtenção de renda.
Os garimpeiros artesanais, em geral, são pobres ou empobrecidos, e atuam de maneira informal. Diferentemente das empresas mineradoras, essas pessoas estão longe da produção e do mercado formal. A visão dessas pessoas que trabalham de maneira artesanal está limitada ao curto prazo, direcionado para o sustento imediato de sua família. Os garimpeiros costumam ter pouco capital, contando com pouco recurso próprio e com um acesso limitado a tecnologias, ao apoio político e ao auxílio do poder público. Diante disso, utilizam-se da força de trabalho familiar ou informal e de ferramentas simples de baixo custo (COELHO, 2017COELHO, Maria C.; WANDERLEY, Luiz. J.; COSTA, Reinaldo. Garimpeiros de Ouro e Cooperativismo no século XXI. Exemplos nos rios Tapajós, Juma e Madeira no Sudoeste da Amazônia Brasileira. Revue Franco-brésilienne de Géographie/Revista Franco-Brasilera de Geografia, n. 33, p. 2017. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/12445. Acesso em: 10 mar. 2020
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).
3 PERCURSO METODOLÓGICO
Esta pesquisa é caracterizada como teórico-empírico, do tipo exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa, método documental e estudo de casos (PEREIRA, 2018PEREIRA, Adriana S. et al. Metodologia da pesquisa científica. 2018., PÁDUA, 2019). Na pesquisa de campo, foi possível realizar observação não participante e entrevistas semiestruturadas destinadas aos membros do conselho de administração da cooperativa, associados que participaram do processo de constituição da cooperativa, autoridades locais, como secretários municipais, entre outros atores envolvidos com a mineração em pequena escala.
O estado de Minas Gerais, MG, foi escolhido como elemento empírico, pois é um estado rico em minérios, responsável por 15% da média brasileira, além de ser historicamente conhecido pela mineração e pelo garimpo. Outros fatores determinantes para a escolha desse contexto foram a proximidade geográfica e a limitação de recursos. Para tanto, em termos gerais, foi possível analisar as legislações que envolvem os garimpeiros e as cooperativas. Já em termos específicos, analisaremos as atas de assembleias gerais, reuniões dos conselhos de administração e estatutos.
Para fazer o mapeamento dessas cooperativas minerais, foram consultados os registros da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (JUCEMG) no ano de 2019, que apontaram a existência de 18 organizações ativas; porém, ao realizar a pesquisa de campo, foi possível encontrar 11 cooperativas. O Quadro 1 demonstra as cooperativas que foram visitadas, com as respectivas situações de “ativa”, para aquelas que estão exercendo suas atividades, e “inativa”, para aquelas que, por algum motivo, não estão mais exercendo suas atividades.
A pesquisa de campo foi realizada no período de junho a dezembro de 2019, sendo selecionado um representante de cada uma das 11 cooperativas analisadas no Estado de Minas Gerais para serem entrevistados. As cooperativas estão localizadas em 9 municípios distintos do estado. Nesses mesmos municípios, foram entrevistados os representantes públicos municipais, totalizando 9 entrevistas com esses atores. Os entrevistados foram escolhidos por meio da técnica amostragem por bola de neve, por meio da qual um entrevistado vai indicando outro que se adéque ao perfil da pesquisa, para ser realizada nova entrevista, assim sucessivamente, até saturar as informações. Nesse sentido, foi possível alcançar um montante de 20 entrevistas.
Após essa coleta de informações, foi feita uma “Análise Temática” do conteúdo, para verificar se as cooperativas estão aplicando ou não os sete princípios, seguindo os passos do método criado por Virginia Braun e Victoria Clarke e apresentado por Souza (2019)SOUZA, Luciana. K. P Com análise qualitativa de dados: conhecendo a Análise Temática. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 71, n. 2, p. 51-67, 2019. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180952672019000200005&lng=pt&nrm=iso . Acesso em: 6 mar. 2020.
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. Na análise aqui desenvolvida, os temas buscados foram os próprios princípios do cooperativismo, ou seja, buscou-se identificar, na fala dos entrevistados, pontos relacionados a eles.
As cooperativas entrevistadas que estão localizadas em Minas Gerais trabalham principalmente com a extração e o beneficiamento de pedras preciosas, semipreciosas, cascalho, quartzo, esmeralda, entre outras. As vendas desses minérios são destinadas para diversos estados do país. Essas cooperativas têm em média entre 20 e 150 cooperados, apesar de haver casos de cooperativas com as atividades paradas com menos de 20 cooperados. Durante da discussão e apresentação dos resultados da pesquisa, os nomes das cooperativas serão resguardados e apresentados de maneira anônima. Para apresentar os resultados, citaremos as cooperativas de forma numérica, sendo: cooperativa 1, cooperativa 2 etc.
4 DISCUSSÃO E RESULTADOS
De um modo geral, ao analisarmos as cooperativas minerais atendidas e entrevistadas, observamos que não há uma evidenciação clara quanto à prática dos princípios cooperativistas, nem sequer uma evidenciação clara desses em suas atas e estatutos. O uso dos princípios cooperativistas por essas organizações tem um importante papel, que é de orientá-las para a compreensão do modelo cooperativo, a fim de aproximar a gestão dessas organizações de um modelo ideal e da lógica diretiva dessa tipologia de organização em detrimento das outras. O Quadro 2 revela a relação dos princípios da doutrina cooperativista com a prática das cooperativas minerais analisadas.
Em relação aos princípios pontuados, tem-se como o primeiro deles a prática da adesão livre e voluntária. Pode-se observar, nas entrevistas, que uma pequena parte dessas cooperativas permite a entrada de novos membros, sendo que a maioria (64%) delas não permite a admissão de novas pessoas, pela impossibilidade técnica de atendimento ou pelo fato de os novos entrantes não se enquadrarem no perfil estatutário. Segundo o entrevistado da Cooperativa 9, elas são entendidas como “cooperativas fechadas”, como mencionado: “A cooperativo é uma cooperativo fechada, e na verdade, só é cooperado, os micros mineradores que possuem área dentro do polígono mineral, onde também está o polígono” (Secretário da Cooperativa 9).
A passagem mencionada informa que o requisito se dá pelo enquadramento como minerador situado especificamente dentro da área mineral da cooperativa. Entretanto, há cooperativas que admitem cooperados que nem sempre fazem parte da cadeia produtiva do minério extraído; dessa forma, destaca-se que a maioria delas não tem uma política definida de adesão de novos membros. Como pode ser notado: “São de 150 cooperados, entre eles, caminhoneiros, advogados, contador e garimpeiros” (Entrevistado da Cooperativa 1).
Vemos que, mesmo havendo cooperativas as quais não admitam a entrada de novos membros, há aquelas que também têm, em seu quadro social, pessoas que não precisam ser necessariamente garimpeiras para ingressarem na organização. Porém, ao tempo em que se observa o princípio, este é interpretado à luz da legislação.
Outro princípio observado é com relação à Gestão Democrática; neste sentido, das onze cooperativas respondentes (visitadas), seis delas (54%) alegaram que convocam as instâncias assembleares, enfatizando que mantêm o funcionamento dos órgãos de administração (Conselho ou Diretoria) e controle (Fiscal), bem como realizam as Assembleias Gerais, especialmente as Ordinárias; e cinco (46%) disseram que não. Analisando caso a caso e confrontando as respostas com a existência de outros documentos comprobatórios, verificou-se que nem todas as cooperativas realizavam as assembleias conforme determina a legislação e o estatuto social. Em alguns casos, realizavam momentos assembleares constantemente:
As reuniões ampliodos e tombém os Assembleias ocorrem de maneiro bem frequente, e poro você ter umo ideio [...] olhando aqui, nós estamos hoje com 15 Assembleias Gerais Ordinárias e também 40 Assembleias Gerais Extraordinárias, conforme o Livro de Atas. As atas são lidas e projetadas em data show para que todos possam acompanhar, e para os que não vêm, compartilhamos no grupo de WhatsApp. (Entrevistado da Cooperativa 9).
Determinadas cooperativas mantinham de forma mais constante os momentos de assembleia. Em seu processo de formalização, seus espaços deliberativos funcionavam para garantir que os garimpeiros tivessem a permissão de lavra, sendo esse o objetivo da atividade coletiva. Após a conquista da permissão de lavra, a intencionalidade da organização social foi perdendo o interesse dos cooperados; logo, a funcionalidade somente ocorria para cumprir a finalidade de obrigatoriedade, que pode ser percebida pelo relato:
Inicialmente tinha reunião mensal, inicialmente até as assembleias, até regularmente até sair essas licenças, de lá para cá as reuniões não foram mais frequentes, ficamos aí um bom tempo até um ano sem se reunir, com a licença na mão pararam por um tempo. (Entrevistado da Cooperativa 4).
E, em alguns casos, verificou-se completo desconhecimento do princípio Gestão Democrática e negligência em relação aos procedimentos para sua efetivação, como composição, manutenção e funcionamento dos órgãos democráticos, seja em razão da infrequência, seja em razão da não realização: “Eu faço parte do conselho fiscal, segundo o estatuto, tem que ser renovado ano a ano, mas aqui faz em média de quatro em quatro anos, eles não respeitam o conselho fiscal, é só para preencher o requisito do estatuto” (Entrevistado da Cooperativa 3).
Pode-se observar que quase metade das cooperativas analisadas demonstrou não priorizar espaços democráticos de tomada de decisão, como é o caso das assembleias. Para essas cooperativas, desenvolver mecanismos de gestão que se aproximem das normatizações contidas em estatuto e na Lei 5.764/71 não se tornou prioridade. O formato de gestão atrelado ao processo participativo, coletivo e democrático é uma característica intrínseca da organização cooperativa, mas que não está presente em todas as cooperativas minerais.
A Participação Econômica, como terceiro princípio, analisou a percepção quanto à participação dos cooperados, desde o momento de ingresso, passando pelas operações da cooperativa. No que tange à participação econômica, pôde-se perceber que as estruturas de capital para a manutenção dessas organizações são muito elevadas e que nem sempre há compreensão do papel do cooperado perante a organização cooperativa, ou seja, de seus direitos e deveres, sobretudo, os econômicos, conforme demonstra o depoimento:
Capital social que hoje é de R$ 2.000,00, mas eles são divididos em mil reais para capital integralizado e os outros mil reais que a pessoa paga é a título de custo da cooperativa e paga uma única vez, porque nós adotamos a forma de não pagar mensalidades. (Entrevistado da Cooperativa 1).
Nesta análise, no que tange à participação econômica dos cooperados, oito cooperativas (73%) não têm capitalização com base na integralização do capital por parte dos cooperados, em que a quantia poderia ser destinada aos custos de operação da cooperativa, como mencionado na entrevista: “Não, não se utiliza capital social integralizado, o dinheiro da cooperativa não entra em nada, o dinheiro da cooperativa fica separado, cada associado [...] vende papagaio, vende cabra, pra está investindo, é isso” (Entrevistados da Cooperativa 3).
A negligência do princípio da Participação Econômica ficou mais evidente na análise documental, em que se destaca, por meio das análises das respostas, que a participação econômica dos sócios se limita ao mínimo necessário para obtenção de recursos voltados aos custos iniciais de constituição, possibilitando a viabilização da obtenção de lavras.
Ao analisarmos o princípio da Autonomia e Independência, que, por sua vez, não foi colocado de forma direta aos entrevistados, observamos que aquelas cooperativas que ressaltaram a autonomia têm parcerias com outras instituições governamentais que não criam obrigações conflitantes com as decisões e os interesses dos associados, como é caracterizado o princípio, conforme ressaltou um entrevistado: “[...] a cooperativa não é da prefeitura, não é uma cooperativa da prefeitura, mas é com apoio da prefeitura” (Entrevistado Cooperativa 5).
Entretanto, puderam-se observar cooperativas que tinham vínculo de dependência com outras organizações, muitas vezes sendo elas empresas de mineração que detêm determinado território ou se utilizam da natureza do modelo cooperativo como um meio de adquirir vantagem competitiva: “[...]a cooperativa funcionava com uma espécie de braço da empresa em questão, com a funcionalidade de captação de recursos financeiros que a empresa não poderia acessar” (Entrevistado da Cooperativa 6).
Por sua vez, quanto ao princípio da Educação, Formação e Informação, em geral, as cooperativas não promovem ações de formação do quadro social, assim como desconhecem as ações realizadas pelos órgãos do Sistema S, como é o caso do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-MG), Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP-MG), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI-MG), entre outros sediados no Estado de Minas Gerais. As poucas cooperativas com acesso à programação formativa dos órgãos supracitados têm limitações, seja de ordem financeira, seja de ordem logística, para acesso e participação às ações de educação e formação.
É muito centralizado em Belo Horizonte, então às vezes tem curso bom, tem coisa interessante, mas que demanda deslocamento, mas aí é custo, né, pra uma viagem daqui pra Belo Horizonte pra você dormir, dá um gasto de 500, 600 reais[...] e as cooperativas mineral, por conta desses entraves jurídicos, elas não tiveram como, então elas ficaram estagnadas, mesmo havendo caminhos, mas às vezes o caminho que a gente enxergava eles não enxergaram. (Entrevistado da Cooperativa 10).
Costuma ter os cursos, mas você pagar pelos cursos, às vezes a pessoa não está com condições de manter as despesas normais e ele tem que pagar os cursos para fazer os cursos periódicos dentro da programação deles. (Entrevistado da Cooperativa 4).
Durante as análises, identificou-se que, dentre as onze cooperativas entrevistadas, apenas uma tem de forma efetiva o princípio aplicado. A Cooperativa 1 enfatiza que, para que todos possam contribuir de forma eficiente ao desenvolvimento da cooperativa, é necessário trabalhar temáticas para o conhecimento e desenvolvimento, levando informações de interesse do grupo ou as quais a diretoria julga importantes de serem trabalhadas: “São realizadas reuniões mensais. Sobre os temas de interesse dos cooperados, levantados por eles mesmo e pelos planejamentos que a diretoria enxerga como necessários” (Entrevistado Cooperativa 1).
No caso das demais cooperativas, pouco se foi falado sobre o FATES, entretanto, mesmo que a cooperativa tenha o fundo de reserva, não existem articulações para que se aplique esse princípio, não há investimento na formação de seus cooperados, como mencionado pelo entrevistado da Cooperativa 9: “Nós usamos o FATES para cobertura de um plano de saúde para todos os cooperados, além de uma doação para o Asilo municipal no valor de R$ 800,00, e fazemos também confraternização de funcionários e cooperados, além de doações esporádicas” (Entrevistado da Cooperativa 9).
Também se pode observar que os dados demonstraram que as cooperativas tampouco têm articulação entre si para compartilhamento de informações, seja de caráter estratégico, seja de caráter técnico e/ou operacional, em nível de gestão e/ou produção.
Ao serem abordados sobre a prática da intercooperação, é comum a remissão do termo às parcerias com outras cooperativas, ou até mesmo com outras instituições, o que pode ser observado no seguinte depoimento, entre cooperativas do mesmo município:
O minério precioso que não fosse exportado, a ideia era lapidar, fazer a lapidação aqui, na outra cooperativa de lapidação, seria uma intercooperação entre as duas cooperativas. Tinha uma outra cooperativa de costureiras, que também fazia parte disso aí, elas compraram até uma máquina de lapidação para poder colocar as pedras nas roupas, faziam sandálias com pedra, elas usaram muitas pedras. (Entrevistado da Cooperativa 7).
Dessa forma, observamos que somente quatro das cooperativas (Cooperativa 1, Cooperativa 2, Cooperativa 4 e Cooperativa 7) têm o princípio aplicado na organização, fazendo parcerias ou se utilizando de serviços de outras cooperativas, contribuindo para o fomento e o desenvolvimento das cooperativas na região.
O último princípio observado é o de Interesse pela Comunidade, em que as sociedades cooperativas são orientadas a trabalharem para o desenvolvimento sustentável da comunidade em que estão inseridas. Esse princípio atua com grande importância, devido às atividades da cooperativa dependerem do bem-estar em que situa seus associados, funcionário, público no geral e o setor ambiental.
De acordo com a OCB (2019), as cooperativas minerais são um meio de se atingir a sustentabilidade no setor de mineral; no entanto, somente quatro cooperativas ressaltam a preocupação pelo meio onde se inserem, desenvolvendo atividades não só pela obrigação que têm com a legislação ambiental como também por verem a importância para o desenvolvimento local, nos 3 pilares da sustentabilidade: ambiental, econômico e social.
Nós temos uma conta Fundo de Reserva para recuperação de área degradadas – FRAD, onde se recolhe R$0,10 em cada tonelada vendida, via conferência no relatório de comercialização. (Entrevistado da Cooperativa 9).
Uma coisa interessante também é que o nosso rejeito tá tomando destino também, facilita com os fatores de modo que os qastos ficam mais tranquilos. (Entrevistado da Cooperativa 10).
Apenas quatro cooperativas aplicam ações e possuem fundos direcionados ao interesse pela comunidade; em sua maioria, essas cooperativas acreditam que seu papel social se dá por seguir as normas da legislação, garantindo as licenças que permitem o trabalho do cooperado, não tendo ações voltadas para o município de maneira efetiva.
Em relação à preocupação ambiental, esse setor trabalha com extração, beneficiamento e comercialização de minerais. É importante para a organização ter um planejamento de recuperação ambiental ou de neutralização dos danos causados pela extração mineral. Essa negligência pode levar à perda do licenciamento, comprometendo o funcionamento da cooperativa, de modo a deixar seus cooperados desamparados em relação ao seu trabalho.
Podemos dizer, com base nessa observação, que grande parte dessas cooperativas tem dificuldade para funcionar com base nos princípios cooperativos, de forma que, muitas vezes, há desconhecimento desses normativos ou eles não são utilizados para se gerenciar a organização (ALVES, 2017ALVES, Wellington; FERREIRA, Paula; ARAÚJO, Madalena T. Mining cooperatives in Brazil: an overview. Procedia Manufacturing, Vigo (Pontevedra), Spain, 13, 1026-1033, 2017.). Os desafios revelados estão relacionado a questões culturais, mas também pelo imediatismo e o caráter instrumental da constituição da organização.
A constituição da cooperativa, em grande parte dos casos, ocorreu para se conseguir a permissão de lavra, formalizando a atividade garimpeira de seus cooperados, sendo essa uma recomendação recorrente dos órgãos públicos dos municípios, como é incentivado pela Lei n. 11.685, de 2008, como percebido nos relatos: “Como nós éramos da associação, só poderia ter terras para associação se nós entrássemos para a cooperativa, [...] o geólogo chegou e disse Vega a associação e incorpora na cooperativa que pra nós é melhor’” (Entrevistado da Cooperativa 3).
A cooperativa surgiu diante da necessidade de organizar um grupo de trabalhadores lá em 2006, onde já havia um embargo judicial do Ministério Público do Estado, fomos procurar de quem que era o direito minerário da era para dar os primeiros passos, mas eles falam que a primeira coisa que vocês precisam é se organizar, como empreendedor, como grupo organizado, então fizemos algumas consultas e constatamos que, como na nossa região não tinha, e não tem histórico de cooperativas, tivemos dificuldade inclusive com contadores na região para esclarecer alguma coisa. (Entrevistado da Cooperativa 4).
Os desafios da constituição dessas organizações se iniciam desde a formação do grupo que vai compor a cooperativa até mesmo no entendimento do modelo de negócio da organização, como foi mencionado na entrevista; assim, as cooperativas contam com ajuda principalmente dos órgãos ambientais e do SEBRAE para sua formalização.
Grande parte dos garimpeiros tem baixo acesso às informações que os órgãos ambientais disponibilizam para o desenvolvimento das ações das cooperativas. A maioria das informações está centralizada em cidades específicas, como Belo Horizonte, e para nichos específicos, como cooperativas de crédito ou agropecuárias, de maneira que as cooperativas do ramo mineral acabam ficando à margem, devido à falta de estrutura ou informação para se acessarem capacitações que poderiam ajudá-los a desenvolver melhor seu trabalho: “É muito centralizado em Belo Horizonte, então às vezes tem curso bom, tem coisa interessante, mas que demanda deslocamento [...] toda capacitação você tem que deslocar, não consegue, né” (Entrevistado da Cooperativa 10).
Dessa forma, observa-se que apenas a Cooperativa 1 aplica de forma coerente todos os princípios que regem o cooperativismo. A partir do histórico e pelas entrevistas com os diretores da cooperativa, identificou-se que sua conduta e trabalho diante dos associados, funcionários, clientes, comunidade e órgãos fiscais contribui para o excelente desenvolvimento do empreendimento. A Cooperativa 1, desde sua constituição, trabalha de forma autônoma e transparente, e a diretoria trabalha de forma estruturada para atingir os objetivos finais dos associados. Observou-se que a organização compreende o cooperativismo e sua forma de trabalho e atuação, atendendo constantemente a solicitações de órgãos ligados ao cooperativismo e governamentais, tornando-se referência para as cooperativas minerais do Estado de Minas Gerais.
Cooperativas como a 6 e a 11 surgem devido a uma necessidade de um grupo que não envolve interesses econômicos ou ambientais, podendo ter suas necessidades supridas por meio das licenças obtidas, que não precisariam necessariamente se envolver com a comercialização da produção dos cooperados. Porém, o fato de a cooperativa não se envolver com as atividades econômicas e ter baixa capitalização por parte dos membros pode inviabilizar o negócio. Os custos de manutenção das atividades dessas cooperativas costumam ser elevados e a falta de linhas de crédito ou de financiamento para esse setor é prejudicial para a viabilidade dessas cooperativas, como foi relatado pela Cooperativa 11: “O custo foi ficando muito coro e o gente foi fazendo conto e ficou inviável poro permanecer com esso empreso. [...] o gente fozio conto, colocovo tudo no ponto do lápis e ficou inviável, nós encerramos o atividade com ela” (Entrevistado da Cooperativa 11).
Grande parte das cooperativas entrevistadas ressaltaram que o principal problema enfrentado por elas é a questão financeira, de forma que os custos dos materiais e da documentação são elevados e o retorno nem sempre consegue suprir todo o investimento necessário do setor mineral.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As organizações cooperativas se revelam como importantes instrumentos econômicos, atuando como um canal entre os cooperados e o mercado. No caso das cooperativas minerais, elas podem apenas figurar como uma alternativa de regulamentação da atividade mineral. Por meio da pesquisa, foi possível concluir que as cooperativas que atuam no setor mineral do Estado de Minas Gerais têm um formato heterogêneo. Cada uma delas tem uma estrutura de gerenciamento com poucas similaridades, e isso se dá pela forma como essas cooperativas foram constituídas, sob que propósito e pelo perfil do grupo que está à frente da organização.
No que diz respeito às relações entre o cooperativismo e o garimpo, pode-se dizer que se comportam de duas maneiras totalmente opostas, sendo uma coletiva, em que se sobressai a cooperação, e a outra individualista. Por mais que a ideia de cooperação seja idealizada por intermédio do Estado, visando à formalização da atividade garimpeira e o fortalecimento da classe, a cultura do garimpo ainda se sobressai com um perfil individualista.
Embora haja grande potencial para o cooperativismo na atividade mineral, as cooperativas, em alguns casos, não atuam a fim de remover os problemas sociais e ambientais da atividade garimpeira. Uma vez que essas organizações têm baixo conhecimento e acesso a tecnologias, elas têm dificuldades para se adaptarem às legislações vigentes propostas pelo Estado, comprometendo, assim, todo o modelo organizacional que foi constituído.
Por isso, as implicações da constituição da atividade garimpeira em organizações cooperativas evidenciam que tal preferência foi um fator essencial para a expansão do número de cooperativas; no entanto, esse processo pode levar à formação de organizações puramente formais que não contemplam os princípios orientadores do cooperativismo. Apenas uma cooperativa mineral analisada consegue praticar todos os princípios da doutrina cooperativista.
Os resultados encontrados evidenciam a dificuldade das cooperativas minerais em contemplar os princípios do cooperativismo. Portanto, o presente trabalho responde à inquietude proposta ao demonstrar que há desafios para se colocar em prática os princípios do cooperativismo nas cooperativas minerais analisadas.
Ainda, com todas as contradições e desafios, o cooperativismo se coloca como elemento importante na tentativa de garantir a sustentabilidade do setor mineral. Sugere-se que a atuação do Estado e de órgãos apoiadores do cooperativismo possa ser mais presente nesse segmento, apoiando e dando condições de estruturação desse modelo organizacional. Para pesquisas futuras, sugere-se a compreensão das condições de trabalho e as relações trabalhistas e contratualistas entre cooperativa e cooperado. Ainda há muito o que se investigar nesse modelo de cooperativa. Este texto traz apenas um pequeno incremento a uma literatura que ainda é muito incipiente.
AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), Código de Financiamento 001.
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O Regime de Permissão de Lavra Garimpeira, proposto pela Lei 7.805, de 18 de julho de 1989, delimitou orientações jurídicas sobre o aproveitamento imediato de jazimento mineral, que, por sua natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possa ser lavrado.
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3
A Lei do Cooperativismo no Brasil, 5.764, de dezembro de 1971, define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Jun 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2022
Histórico
-
Recebido
25 Ago 2020 -
Revisado
27 Out 2020 -
Aceito
28 Dez 2020