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Território e políticas públicas: um percurso de Educação Permanente

Territory and public policies: a path of Permanent Education

Territorio y políticas públicas: un camino de Educación Permanente

Resumo:

O território tem sido um conceito cada vez mais valorizado nas políticas públicas, especialmente no campo da proteção social. O presente trabalho tem como objetivo analisar os sentidos do território para profissionais da média complexidade do Sistema Único de Assistência Social da cidade de Joinville, SC. A proposta de investigação, orientada pela pesquisa-intervenção, deu-se por meio de um percurso formativo mediado por oficinas estéticas, cuja característica é o desenvolvimento de atividades criadoras seguidas de grupo de discussão. Foram realizados cinco encontros, com duração de três horas cada um, e, no final do percurso, um grupo focal com os participantes. Tendo como conceitos norteadores as dimensões do território, nas atividades propostas para cada encontro, utilizamos o mapa do município em questão como um recurso metodológico, o qual se mostrou um instrumento potente para pensar sobre o território e suas especificidades. As informações produzidas pelo percurso foram analisadas a partir do método de análise de conteúdo, que gerou as seguintes categorias: sentidos do território e percurso da pesquisa-intervenção; encontro entre perspectivas conceituais e experiência com o território; e território e cidade: percepções (des)construídas na prática socioassistencial. A pesquisa tornou-se espaço de significação, pois o percurso possibilitou a produção de uma reflexão nos participantes a partir daquilo que emergiu entre esses sujeitos e a discussão sobre território, compreendendo-o como um dos conceitos fundamentais nas políticas públicas. Portanto, o encontro de pesquisa configurou-se como um ato significativo.

Palavras-chave:
território; Educação Permanente; políticas públicas; assistência social; proteção social

Abstract:

The territory has been an increasingly valued concept in public policies, especially in the social protection field. This work aims to analyze the meanings of the territory for workers of medium complexity in the Unifed Social Assistance System of the city of Joinville, SC. The research proposal, guided by intervention research, took place through a formative path mediated by aesthetic workshops, whose characteristic is the development of creative activites followed by a discussion group. Five meetings took place over three hours each, and a focus group with the participants at the end of the course. With the territory dimensions as guiding concepts, in the activites proposed for each meeting, we used the map of the municipality in question as a methodological resource, which proved to be a powerful resource for thinking about the territory and its specificites. The information produced by the route was analyzed using the content analysis method, which generated the following categories: senses of the territory and the intervention research path; encounter between conceptual perspectives and experience with the territory; and territory and city: perceptions (un) constructed in social assistance practice. The research became a space of meaning because the path made it possible to produce a reflection on the participants from what emerged between these subjects and the discussion about territory, understanding it as one of the fundamental concepts in public policies. Therefore, the research meeting was configured as a significant act.

Keywords:
territory; Permanent Education; public policies; social assistance; social protection

Resume:

El territorio es un concepto cada vez más valorado en las políticas públicas, especialmente en el campo de la protección social. Este trabajo tene como objetivo analizar los significados del territorio para los trabajadores de mediana complejidad en el Sistema Unificado de Asistencia Social de la ciudad de Joinville, SC. La propuesta de investigación, orientada por la investigación-intervención, se dio por medio de un camino formativo mediado por talleres de estética, cuya característica es el desarrollo de actividades creativas seguidas de un grupo de discusión. Se llevaron a cabo cinco reuniones, cada una de tres horas de duración, y, al final del curso, un grupo focal con los participantes. Con las dimensiones del territorio como conceptos rectores, en las actividades propuestas para cada encuentro, utilizamos el mapa del municipio en cuestón como recurso metodológico, que resultó ser un poderoso recurso para pensar sobre el territorio y sus especificidades. Las informaciones producidas por la ruta se analizaron utilizando el método de análisis de contenido, que generó las siguientes categorías: sentidos del territorio y la ruta de investigación-intervención; encuentro entre perspectivas conceptuales y experiencia con el territorio; y territorio y ciudad: percepciones (des)construidas en la práctica de asistencia social. La investigación se convirtó en un espacio de significado porque el camino permitó producir una reflexión sobre los participantes a partir de lo que surgió entre estos temas y la discusión sobre el territorio, entendiéndolo como uno de los conceptos fundamentales en las políticas públicas. Por lo tanto, la reunión de investigación se configuró como un acto significativo.

Palabras clave:
territorio; Educación Permanente; políticas públicas; asistencia social; protección social

1 INTRODUÇÃO

As relações entre território e políticas públicas são diversas e ocupam um lugar relevante no campo da proteção social, sendo território um conceito muito utilizado em diversos países, inclusive no Brasil. Desde o século passado, ele tem mobilizado cientistas sociais a se debruçarem sobre o seu entendimento, e isso se deu pelo grande debate e interesse acadêmico na temática (SILVA, 2015SILVA, Marcos Nicolau Santos da. Território: uma revisão teórico-conceitual. Interespaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 49–76, 30 jun. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.18766/2446-6549/interespaco.v1n1p49-76.
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). Além da Geografia, outros saberes buscam estudá-lo, como a Antropologia, Sociologia, Psicologia, Economia e História, isso porque a noção do território passa a ser utilizada nos mais diversos contextos, devido à sua praticidade e aplicabilidade nas políticas (KOGA, 2016KOGA, Dirce Harue Ueno. Diagnóstico socioterritorial entre o chão e a gestão. Cadernos IHU Ideias, São Leopoldo, v. 14, n. 243, p. 1-15, 2016.; SILVA, 2015SILVA, Marcos Nicolau Santos da. Território: uma revisão teórico-conceitual. Interespaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 49–76, 30 jun. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.18766/2446-6549/interespaco.v1n1p49-76.
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; FARIA; BORTOLOZZI, 2009FARIA, Rivaldo Mauroe; BORTOLOZZI, Arlêude. Espaço, território e saúde: contribuições de Milton Santos para o tema da geografia da saúde no Brasil. Ra’ e Ga: O espaço geográfico em análise, Curitba, v. 17, n. 13, p. 31-41, jan. 2009. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/raega.v17i0.11995
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).

A compreensão do território vai além das fronteiras e demarcações definidas pelo Estado-Nação que delimitam, por exemplo, a extensão de um país. Ele é considerado como a “universalização da vida”, porque todas as ações dos seres humanos se dão nele e a partir dele, é onde a vida acontece, sendo, ao mesmo tempo, a “base físico-geográfica da sociedade e mais os objetos e as ações que o animam” (SILVA, 2015, p. 56-7SILVA, Marcos Nicolau Santos da. Território: uma revisão teórico-conceitual. Interespaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 49–76, 30 jun. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.18766/2446-6549/interespaco.v1n1p49-76.
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).

Santos (2006, p. 14)SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: SANTOS, Milton; BECKER, Bertha Koifmann (Org.). Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 13–21. afirma que o território em si não é passível de ser analisado. É necessário que o pesquisador se volte para o uso que os sujeitos fazem desse território, e, para isso, ele utiliza-se da expressão “território usado”, que “é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence”, são os sentidos produzidos no encontro destes sujeitos com o território na sua dimensão material e imaterial, histórica, cultural, política e comunitária (ZANELLA et al., 2004ZANELLA, Andrea Vieira; ROS, Sílvia Zanata; REIS, Alice Casanova; FRANÇA, Kelly Bedin. Doce, pirâmide ou for?: O processo de produção de sentidos em um contexto de ensinar e aprender. Interações, São Paulo, v. 9, n. 17, p. 91-108, jan./jun., 2004.; ZANELLA, 2005ZANELLA, Andrea Vieira. Sujeito e Alteridade: Refexões a partir da psicologia histórico-cultural. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 99-104, maio/ago., 2005. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-71822005000200013.
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). Territórios são espaços que os indivíduos e grupos sociais se apropriam e se afirmam por ele, criando uma identidade (SILVA, 2015SILVA, Marcos Nicolau Santos da. Território: uma revisão teórico-conceitual. Interespaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 49–76, 30 jun. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.18766/2446-6549/interespaco.v1n1p49-76.
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). Desta forma, utilizaremos a concepção de território usado para fazer o diálogo com os sentidos atribuídos pelos participantes da pesquisa.

Atrelada a isso, está a discussão sobre cidade, compreendida como um conjunto de materiais (pedra, cimento, asfalto, entre outros), de relações sociais e repleta de sentidos, memórias, história. A cidade é vista como território onde as “tensões se evidenciam, seja na distribuição dos corpos, no que é dado a ver e ouvir para as pessoas que transitam por suas vias, seja nas (im)possibilidades que se apresentam a seus habitantes” (BERRI; ZANELLA; ASSIS, 2015, p. 128BERRI, Bruna; ZANELLA, Andrea Vieira; De ASSIS, Neiva. Imagens da cidade: o projeto ArteUrbe. Revista Polis e Psique, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 123-49, 2015. DOI: https://doi.org/10.22456/2238-152X.53951
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).

A cidade como sendo o palco onde a vida acontece, e que está em constante movimento, caracteriza-se pela sua multiplicidade política, cultural, econômica, bem como polifônica, entendida como o conjunto de vozes que ecoam de diferentes lugares sociais, produzindo sentidos diferentes que influem no modo como os seus habitantes vivem a cidade. Todos esses aspectos constituem a dinâmica urbana (ASSIS, 2016ASSIS, Neiva. Cidade polifônica: indícios de memórias outras na paisagem. 2016. 240 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.).

O conceito de território e a pertinência deste para o trabalho socioassistencial têm se mostrado cada vez mais indispensáveis, sendo norteadores para pensar as ações da política de assistência no território. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (BRASIL, 2004, p. 16BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2004.) aponta que “essa característica peculiar da política tem exigido cada vez mais um reconhecimento da dinâmica que se processa no cotidiano das populações”, identificando, assim, as especificidades do território atendido. A política pública de Assistência Social, organizada a partir do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), traz o termo território como sendo um dos eixos norteadores deste trabalho. Para a política, o território representa

[...] muito mais do que o espaço geográfico. Assim, o município pode ser considerado um território, mas com múltiplos espaços intraurbanos que expressam diferentes arranjos e configurações socioterritoriais. Os territórios são espaços de vida, de relações, de trocas, de construção e desconstrução de vínculos cotidianos, de disputas, contradições e conflitos, de expectativas e de sonhos, que revelam os significados atribuídos pelos diferentes sujeitos. (BRASIL, 2008, p. 54BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Suas: configurando os eixos de mudança. Brasília: MDS, 2008. (CapacitaSUAS, v. 1).).

Essa concepção passa a ser pensada quando a Assistência Social começa a se organizar como política pública de seguridade social, a partir da consolidação da PNAS em 2004, seguida da Norma Operacional Básica (NOB-SUAS/2005) que cria o SUAS, com o propósito de garantr que os direitos dos cidadãos brasileiros sejam assegurados e ofertados de forma regulamentada e estruturada, a partir da implementação de serviços socioassistenciais em todo o território nacional, em que o Estado passa a ser responsabilizado por essas ações (ANDRADE et al., 2017ANDRADE, Letícia; GOMES, Allan Henrique; SOUZA, Josyane Alves; BRAGA, Guilherme Caetano. Percursos e experiências da psicologia no sistema único de Assistência Social em Joinville/SC. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 51, n. 1, p. 230-249, 2017. Doi: https://doi.org/10.5007/2178-4582.2017v51n1p230
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; BRASIL, 2012BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma operacional básica de recursos humanos do SUAS. Brasília, DF, 2012.; 2004BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2004.).

A PNAS divide a política de Assistência Social entre proteção social básica e especial. A primeira busca a prevenção da violação de direitos por meio do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, e a segunda é destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco social e/ou pessoal, com ameaça ou comprovação de direitos violados. A proteção social especial está estruturada em média e alta complexidade, em que, na primeira, os vínculos familiares e/ou sociais ainda estão preservados; diferentemente desta última, caracterizada pela escassez de tais recursos, sendo o acolhimento institucional a medida de proteção integral mais cabível (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2004.).

Em relação aos equipamentos de referência, na proteção especial de média complexidade, encontra-se o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), responsável por oferecer serviços a famílias e indivíduos que tiveram situações de risco comprovadas ou sofrem ameaça de terem seus direitos violados, e o Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP), o qual presta atendimento às pessoas que se encontram neste contexto (BRASIL, 2014BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília, DF, 2014.; 2011bBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Perguntas e respostas: Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – CENTRO POP. Brasília, DF, 2011b. V. 2.).

As equipes atendem, diariamente, a demandas de situações de risco e violações de direitos; dentre estas, estão os casos de violência doméstica, fisica e/ou psicológica, negligência, abuso sexual, abandono, conflitos com a lei, vulnerabilidades em geral. Isso exige que estes profissionais estejam sempre se atualizando, conceitual e tecnicamente. Para isso, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) aprovou, em março de 2013, a Política Nacional de Educação Permanente (PNEP), que tem como objetivo corroborar a profissionalização e o aperfeiçoamento do SUAS, estabelecendo princípios e diretrizes para a formação dos profissionais (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS – PNEP/SUAS. Brasília, DF, 2013.). Entende-se por Educação Permanente no SUAS

[...] a formação de pessoas visando a dotá-las das ferramentas cognitivas e operativas que as tornem capazes de construir suas próprias identidades, suas compreensões quanto aos contextos nos quais estão inseridas e seus julgamentos quanto a condutas, procedimentos e meios de ação apropriados aos diferentes contextos de vida e de trabalho e à resolução de problemas. (BRASIL, 2013, p. 33BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS – PNEP/SUAS. Brasília, DF, 2013.).

A Educação Permanente no SUAS tem como objetivo que os profissionais, além de desenvolverem habilidades específicas, possam problematizar os seus contextos de trabalhos e as suas práticas, passando a adotar uma postura crítica e autônoma sobre o fazer socioassistencial, proporcionando a “responsabilização das equipes de trabalho para a construção de soluções compartilhadas, visando às mudanças necessárias no contexto real das mencionadas práticas profissionais e processos de trabalho” (BRASIL, 2013, p. 30BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS – PNEP/SUAS. Brasília, DF, 2013.).

A partir do exposto e compreendendo a necessidade de aperfeiçoamento constante dos profissionais, a realização de um percurso de formação está alinhada com o que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) preconiza ser necessário para a prática nas políticas públicas. Disponibilizar um espaço de discussão sobre temas que norteiam o fazer socioassistencial, como território e proteção social, oportuniza aos profissionais uma aproximação da sua prática com as perspectivas conceituais.

O profissional que atua nos contextos de desigualdade precisa ter a compreensão de que, quando se fala em território, este conceito perpassa a sua extensão geográfica. São espaço de relações, afetações, de vida, que constituem o usuário atendido nos serviços. Neste sentido, foi realizado um percurso formativo com profissionais da Psicologia, Assistência Social, Pedagogia e Terapia Ocupacional, em que o tema central foi território e suas concepções, cujo objetivo foi analisar os sentidos do território para os trabalhadores da média complexidade do Sistema Único de Assistência Social do município de Joinville, SC.

2 MÉTODO E PROCEDIMENTOS

Esta pesquisa é um desdobramento de um projeto guarda-chuva, que tem como objetivo investigar os sentidos da participação de profissionais e usuários do Sistema Único de Assistência Social, aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, cujo parecer é o n. 1.824.776, cumprindo todos os requisitos exigidos, inclusive a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), em que consta a autorização para a gravação em áudio.

Mediante a aprovação do percurso de formação por parte do órgão municipal responsável pela Assistência Social, o convite aos profissionais que atuam na média complexidade do SUAS foi feito pela própria gestão. Foram realizados cinco encontros, entre os meses de junho e agosto de 2018, que aconteceram no auditório da Casa dos Conselhos, local onde se concentram os conselhos municipais e onde, eventualmente, ocorrem as capacitações e reuniões com os profissionais, com duração de três horas cada uma. A utilização do percurso formativo está em consonância com o método utilizado, a pesquisa-intervenção, pois entende-se que o percurso, apesar de ter como temática principal território e políticas públicas, é construído e pensado a partir do que emerge nos encontros (GOMES, 2016GOMES, Allan Henrique. Mediação audiovisual e atividade imagética: um encontro com trabalhadoras no campo da desigualdade social. 2016. 155 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.).

Contamos com a participação de 12 profissionais, sendo cinco da Psicologia (PS), cinco da Assistência Social (AS), um da Pedagogia (PE) e um da Terapia Ocupacional (TO). Os profissionais participantes constavam com uma média de dez anos de experiência na política de Assistência Social, inclusive com atuação na gestão de alguns serviços do SUAS, bem como já trabalharam em serviços de média complexidade (Quadro 1).

Quadro 1
Participantes da pesquisa

Os encontros foram estruturados por aquilo que Reis e Zanella (2015)REIS, Aline Casanova; ZANELLA, Andrea Vieira. Psicologia Social no campo das políticas públicas: oficinas estéticas e reinvenção de caminhos. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 49, n. 1, p. 17–34, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2178-4582.2015v49n1p17
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entendem como oficinas estéticas: desenvolvimento de atividades criadoras seguidas de grupo de discussão. Todos os encontros foram mediados por uma estratégia que dialogava com a temática proposta (Quadro 2), pois entende-se ser a partir de “atividades que atuam na produção de subjetividade” (REIS; ZANELLA, 2015, p. 25REIS, Aline Casanova; ZANELLA, Andrea Vieira. Psicologia Social no campo das políticas públicas: oficinas estéticas e reinvenção de caminhos. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 49, n. 1, p. 17–34, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2178-4582.2015v49n1p17
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) que é possível desenvolver novos modos de compreender a realidade na qual se está inserido.

Quadro 2
Linha do tempo dos encontros

No primeiro encontro, além do objetivo de solucionar o quebra-cabeça da cidade, o verso de cada peça continha uma frase/pergunta sobre território ou sobre o município em questão, que mobilizava a discussão durante a montagem. No segundo encontro, por sua vez, a discussão emergiu da relação entre o documentário assistido e os verbos “escrever”, “olhar”, “percorrer”. Os participantes, que estavam divididos em três grupos, ilustraram suas reflexões sobre tais relações, em uma produção gráfica realizada com papel kraft, canetinhas e lápis de cor.

Os tipos de vínculo, temática do terceiro encontro, foram trabalhados de modo conceitual a partir da elaboração de um acróstico com a palavra “vínculo”, produzido pelos participantes, que novamente se dividiam em três grupos. No quarto encontro, o jogo que mediou a discussão tinha como objetivo identificar no mapa do município espaços, representados por tampinhas de garrafa, que pudessem vir a proporcionar um bom encontro (STRAPAZZON; MAHEIRIE, 2016STRAPAZZON, André Luiz; MAHEIRIE, Kata. “Bons encontros” como composições: experiências em um contexto comunitário. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 68, n. 2, p. 114–27, ago. 2016.). Por fim, o quinto e último encontro foi planejado para que os participantes pudessem refletir sobre novos atores da proteção social a partir de um jogo sobre parcerias. Em cada rodada, era sorteada uma situação de violação de direito e uma instituição (academias, bibliotecas etc.). Os grupos, então, tinham de trabalhar com a combinação sorteada e indicar as possibilidades de parceria, visualizando um novo modo de oferecer proteção social.

Neste mesmo encontro, realizamos um grupo focal, fonte primária de análise do presente artigo, para que os participantes falassem das suas percepções sobre o percurso e da metodologia adotada para este. O grupo focal “busca colher informações que possam proporcionar a compreensão de percepções, crenças, atitudes sobre um tema, produto ou serviços” (TRAD, 2009, p. 780TRAD, Leny A. Bomfm. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 19, p. 777–96, 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000300013
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). Terminado o percurso formativo, foi realizada uma narrativa dos encontros, buscando uma linearidade que contemplasse as intervenções feitas, bem como as impressões dos participantes e dos pesquisadores. Para isso, foram utilizados os diários de campo dos pesquisadores assistentes, e as fotos das atividades, sendo estas fontes secundárias de análise. O diário de campo como ferramenta para produção de informações contribuiu para a reflexão dos próprios pesquisadores quanto à sua implicação, assim como o registro de falas que emergiram nos encontros pelos participantes (DIEHL; MARASCHIN; TITTONI, 2006DIEHL, Rafael; MARASCHIN, Cleci; TITTONI, Jaqueline. Ferramentas para uma psicologia social. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 2, p. 407-15, maio/ago. 2006. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722006000200020
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).

Para a análise das informações produzidas, usamos do método de análise de conteúdo, técnica que se utiliza de procedimentos sistemáticos de descrição das falas e inferência de conhecimentos que dialoguem com esse conteúdo (BARDIN, 1977BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1977.). As categorias foram pensadas a posteriori, emergindo no próprio processo de análise. Foi feita a transcrição da gravação do grupo focal e sua categorização, que consiste em reunir “um grupo de elementos [...] sob um titulo genérico, agrupamento esse efectuado em razão dos caracteres comuns destes elementos” (BARDIN, 1977, p. 117BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 1977.). A partir disso, foi possível estruturar três categorias de análise: sentidos do território e percurso da pesquisa-intervenção; encontro entre perspectivas conceituais e experiência com o território; e território e cidade: percepções (des)construídas na prática socioassistencial.

3 SENTIDOS DO TERRITÓRIO E PERCURSO DA PESQUISA-INTERVENÇÃO

O percurso formativo foi apresentado ao órgão responsável pela gestão do SUAS no município como um projeto de extensão universitário, indo ao encontro da Política Nacional de Educação Permanente (PNED), que preconiza a profissionalização e o aperfeiçoamento do SUAS por meio da formação continuada de seus profissionais (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS – PNEP/SUAS. Brasília, DF, 2013.). A finalidade foi proporcionar um lugar para que os profissionais que atuam nos serviços de média complexidade do SUAS pudessem discutir os sentidos de território nas políticas públicas.

Apesar de ter como objetivo principal discorrer sobre território, o percurso de formação foi se estruturando a partir do que emergia no campo. Isso está de acordo com a pesquisa-intervenção, pois entende-se que pesquisador e participante se constituem no decorrer dos encontros, em que ambos são afetados por estes (BERRI; ZANELLA; ASSIS, 2015BERRI, Bruna; ZANELLA, Andrea Vieira; De ASSIS, Neiva. Imagens da cidade: o projeto ArteUrbe. Revista Polis e Psique, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 123-49, 2015. DOI: https://doi.org/10.22456/2238-152X.53951
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; GOMES, 2016GOMES, Allan Henrique. Mediação audiovisual e atividade imagética: um encontro com trabalhadoras no campo da desigualdade social. 2016. 155 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.). O uso das oficinas estéticas, por sua vez, caracterizou-se como uma potente ferramenta na intervenção e no trabalho psicossocial. Um dos profissionais evidencia isso quando diz: “A gente se fez ouvir, escutou o outro de maneira muito mais legal, muito mais efetiva do que a gente tivesse ficado aqui simplesmente numa roda de conversa falando sobre território e [...] cidade, então quanta coisa veio” (PS5).

Reis e Zanella (2015, p. 26)REIS, Aline Casanova; ZANELLA, Andrea Vieira. Psicologia Social no campo das políticas públicas: oficinas estéticas e reinvenção de caminhos. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 49, n. 1, p. 17–34, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2178-4582.2015v49n1p17
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afirmam que “as oficinas estéticas são intervenções psicossociais baseadas na atividade criadora e que podem utilizar diferentes linguagens artísticas: artes plásticas, música, escrita, dança, teatro”. Após cada atividade proposta, foi realizado um grupo de discussão para que os participantes pudessem compartilhar e discutir suas vivências e sentidos com o grupo a partir das atividades realizadas; isso possibilitou pensar outros modos do fazer socioassistencial.

Quando os profissionais receberam o convite para participar do percurso, foram orientados pela gestão do SUAS no município a compartilhar com seus colegas do serviço o que era discutido nos encontros. No entanto, todos alegaram que era muito difícil traduzir em palavras o que fora vivenciado, porque os sentidos produzidos pelo grupo estão ligados à vivência de estar no percurso, como fala o participante PS4: “Quando a gente está aqui a gente vive isso, e é diferente de você ir e repassar, não tem a mesma vivência e aí eu acho que o sentido é diferente”.

Axt (2008, p. 91)AXT, Margarete. Do pressuposto dialógico na pesquisa: o lugar da multiplicidade na formação (docente) em rede. Informática na Educação: Teoria & Prática, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 91-104, jan./jun. 2008. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-1654.8242
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considera a in(ter)venção um “ato que não se reproduz, sendo único e irreversível, emergindo exatamente num certo espaço-tempo, o contexto para o qual foi inventado”. Nesse sentido, o recurso das oficinas estéticas na pesquisa-intervenção é pertencente à ordem do inusitado, ou seja, ele não se repete. Sobre as estratégias utilizadas, outro profissional diz:

Acho bem legal que foi o mapa, a gente levantou desde o primeiro momento,[...] primeiro a gente refletir na nossa caminhada, e como é o nosso mapa, depois trazer isso pra realidade das pessoas que a gente atende, ou mesmo para as colegas do trabalho, eu acho que nos ajuda, me ajudou pelo menos a perceber mais o entorno e o contexto também das pessoas. (PS1).

A pesquisa tornou-se um espaço de significação, pois proporcionou que o percurso produzisse uma reflexão nos participantes, a partir do que emergiu nos encontros entre esses sujeitos. O próprio encontro de pesquisa configurou-se, então, como um ato significativo, no qual as oficinas estéticas potencializaram esse processo, como diz o participante PS1: “Achei que foi bem significativo, acho que todas as propostas dos dias foram muito interessantes, aquele outro joguinho que a gente fez com o mapa e as ações nas comunidades também foi bem legal”.

As atividades criadoras convidam o “sujeito ao distanciamento do vivido, podendo nele provocar uma visão diferente sobre si e sobre a própria existência” (REIS; ZANELLA, 2015, p. 30REIS, Aline Casanova; ZANELLA, Andrea Vieira. Psicologia Social no campo das políticas públicas: oficinas estéticas e reinvenção de caminhos. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 49, n. 1, p. 17–34, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2178-4582.2015v49n1p17
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). Deste modo, foi possível perceber como a utilização das oficinas estéticas num percurso formativo possibilitou aos profissionais um novo modo de atuação no âmbito da Assistência Social, a partir da problematização do trabalho que é realizado. Isso vai ao encontro dos objetivos da Política Nacional de Educação Permanente no SUAS (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS – PNEP/SUAS. Brasília, DF, 2013.), que visa não só desenvolver novas habilidades e conhecimentos, como também tencionar o fazer socioassistencial.

Colocamo-nos diante dos sujeitos participantes da pesquisa orientados pela premissa da ontologia da igualdade, sendo esta uma “posição subjetiva”, a qual compreende que o enunciado pode ser pensado independentemente da posição ocupada pelo sujeito, “seja ele um intelectual, um operário, um ator institucional, um artista” (MARQUES; PRADO, 2018, p. 16MARQUES, Ângela Cristina Salgueiro; PRADO, Marco Aurélio Máximo. O método da igualdade em Jacques Rancière: entre a política da experiência e a poética do conhecimento. Mídia e Cotidiano, Niterói, v. 12, n. 3, p. 7-32, dez. 2018.). Essa posição foi algo pontuado pelos participantes, quando o PS2 diz: “O preparo da equipe para poder conduzir essas atividades, eu me sent muito confortável pela maneira como vocês propuseram conduzir as atividades”.

Esta fala ressalta a figura do mediador dentro do percurso formativo como alguém que se coloca em pé de igualdade com os participantes. Ao estar diante de profissionais com anos de experiência nas políticas sociais, buscamos produzir sentidos outros no encontro dessas inteligências, dos pesquisadores e dos participantes. Ou seja, todo o processo de pesquisa teve como princípio a igualdade das inteligências, a qual estabelece uma relação horizontalizada, e não hierarquizada, na condução do percurso.

Tal postura encontra subsídio no “Método da Igualdade” do flósofo Jacques Rancière, sob a premissa de que o pesquisador “não ignora as distâncias que ocupa na relação com o campo, mas antes, procura problematizar aquilo que julga saber sobre o próprio campo” (GOMES, 2016, p. 33GOMES, Allan Henrique. Mediação audiovisual e atividade imagética: um encontro com trabalhadoras no campo da desigualdade social. 2016. 155 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.). Jacques Rancière é professor emérito de Estética e Política na Universidade de Paris VIII, onde lecionou de 1969 a 2000. Suas principais obras no Brasil são: “A noite dos proletários” (1988), “Os nomes da história” (1994), “Políticas da escrita” (1995), “O desentendimento” (1996) e “O mestre ignorante” (2004) (FREITAS, 2006FREITAS, Artur. O sensível partilhado: estética e política. In: RANCIÈRE, Jacques. História: Questões & Debates, Curitba, n. 44, p. 215–20, 2006.; PELLEJERO, 2010PELLEJERO, Eduardo. A lição do aluno: uma introdução à obra de Jacques Rancière. Saberes: Revista interdisciplinar de Filosofia e Educação, Natal, v. 2, n. 3, p. 18–30, out. 2010.).

Tanto para a produção das informações quanto para a análise, adotamos uma perspectiva “ignorante” em relação às cenas de pesquisa. Isso quer dizer que os pesquisadores não devem ser leigos, porém precisam abandonar “modos instituídos de verificação da realidade, para montar cenas de pesquisa que possam trazer alguma novidade à área do conhecimento em questão” (GOMES, 2016, p. 108GOMES, Allan Henrique. Mediação audiovisual e atividade imagética: um encontro com trabalhadoras no campo da desigualdade social. 2016. 155 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.).

O percurso formativo por meio das oficinas estéticas propiciou um espaço onde os participantes puderam dialogar sobre os sentidos produzidos sobre território e proteção social no fazer socioassistencial. Ao falar do percurso, o profissional PS2 resume sua vivência: “Eu vim pra cá hoje pensando na palavra descoberta eu acho que, se fosse pra escolher uma palavra, que difícil, mas acho que descoberta é a palavra que representa todo esse percurso”.

A palavra descoberta, segundo o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, significa o ato de conhecer, descobrir aquilo que já existe, porém, ainda não foi visto (ABBAGNANO, 2007ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedet. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.). No decorrer do percurso e das discussões realizadas, deu-se a entender que os participantes compreendiam o território pela sua multiplicidade e que essa noção foi construída na sua trajetória nas políticas públicas. Ao utilizar-se a palavra “descoberta” para descrever o percurso, indica-se que o espaço disponibilizado possibilitou que os participantes enunciassem as inquietações que estavam ali, no campo das ideias, proporcionando um lugar de diálogo e privilegiando o encontro das perspectivas, conceitual e experiencial, sobre o tema em questão. Isso fica evidenciado nesta fala: “Mais do que apresentar conceitos, a gente pode desconstruir algumas ideias, alguns conceitos que a gente tinha como absolutos” (PS2).

Fica evidente, pelo relato dos participantes, que, ao se disponibilizarem espaços comuns de diálogos e trocas que propiciam o encontro das perspectivas conceituais com a experiência profissional, mediadas por atividades criativas, viabiliza-se, aos profissionais, a reflexão sobre o trabalho na assistência.

4 ENCONTRO ENTRE PERSPECTIVAS CONCEITUAIS E EXPERIÊNCIA COM O TERRITÓRIO

O termo território passou a ser cada vez mais utilizado pelo poder público, por ser considerado um “conceito prático, especialmente pela sua aplicabilidade nas políticas públicas, voltado para o planejamento e ordenamento do território” (SILVA, 2015, p. 53 e 54SILVA, Marcos Nicolau Santos da. Território: uma revisão teórico-conceitual. Interespaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 49–76, 30 jun. 2015. DOI: http://dx.doi.org/10.18766/2446-6549/interespaco.v1n1p49-76.
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). Porém, o uso frequente teve como efeito certo reducionismo conceitual, limitando sua compreensão apenas na demarcação fisica, sem considerar a sua dimensão histórica e social. Mesmo que, atualmente, nos documentos oficiais das políticas, seja conceituado a partir da sua multiplicidade, como sendo esse espaço de vida, vínculos e afetos, pensado para além do seu espaço físico, na prática, seu entendimento ainda é confuso (BRASIL, 2008, p. 54BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Suas: configurando os eixos de mudança. Brasília: MDS, 2008. (CapacitaSUAS, v. 1).).

Nas discussões promovidas nos encontros com os participantes da pesquisa, pudemos escutar uma reflexão que parece coincidir com essa noção conceitual empobrecida: “Ouço muitas palavras que elas acabam sendo genéricas, elas servem pra um monte de coisas, e a gente não especifica, negligência mesmo é uma palavra supergenérica, e assim, de certa forma, território” (PS2).

O não especificar não significa necessariamente não saber, mas evidencia uma falta de discussão sobre. O percurso serviu como um espaço comum para pensar questões práticas e conceituais do trabalho socioassistencial. Ao proporcionar espaços mediados, como o que foi proposto, os profissionais produzem outros sentidos do seu fazer, convocando-os a entrelaçar sua experiência profissional com discussões conceituais.

Quando os participantes falam da utilização de termos de forma genérica, pensamos em uma questão relacionada à prática burocratizada na política pública e à falta de espaços de discussão entre esses profissionais. Koga (2016)KOGA, Dirce Harue Ueno. Diagnóstico socioterritorial entre o chão e a gestão. Cadernos IHU Ideias, São Leopoldo, v. 14, n. 243, p. 1-15, 2016. traz como isso impacta tanto a gestão da assistência quanto os profissionais, na hora de pensar estratégias que estejam alinhadas com as necessidades dos usuários. A política afirma que, para a realização de um trabalho no campo da assistência, é necessário que seja adotada uma “abordagem multidimensional que propicia a análise das relações entre as necessidades e demandas de proteção social em um determinado território” (BRASIL, 2011a, p. 14BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília, DF, 2011a.), bem como a vulnerabilidade social e o risco (social e/ou pessoal).

Durante o percurso, pudemos observar que os profissionais estão familiarizados com o uso do território, porque muitos ali atuam nas políticas há alguns anos. A partir disto, pressupomos que a noção de território se tornou uma possibilidade inclusiva de sentidos, anseios e concepções produzidos na experiência profissional e que, até então, não havia um lugar que possibilitasse que essas percepções fossem externalizadas e compartilhadas. Assim, o percurso foi o espaço onde os profissionais encontraram lugar para que essa discussão de fato acontecesse.

Buscou-se oferecer um espaço de diálogo sobre as noções de território, a partir das concepções apresentadas pelos participantes – estas construídas pelas experiências profissionais nas políticas –, e a discussão conceitual existente no meio acadêmico, entendendo-o pelas suas múltiplas dimensões e o uso que se faz dele (SANTOS, 1998, p. 15SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia Aparecida; SILVEIRA, Maria Laura (Org.). Território: globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec/Anpur, 1998. p. 15–20.). Isso possibilitou que os participantes fizessem reflexões outras, tornando possível o encontro das perspectivas conceituais e da prática socioassistencial relativas ao território. O profissional PS1 diz que foi “Bem significativo [...] identificação do território, e olhar para o território, criar um olhar em relação ao território”. E continua: “Pra mim, ampliou bastante o olhar a respeito do assunto; pra mim, foi bem importante”, fazendo referência à sua participação no percurso de formação.

Pôde-se perceber, durante todo o percurso, um olhar sensível para com o território, por parte dos participantes, facilitando a aproximação dessas duas perspectivas. Ao referir-se à ampliação do olhar, entende-se que, a partir das atividades propostas, nas oficinas estéticas, foi possível desenvolver outras formas de olhar para a realidade em que se está inserido. Essa metodologia de trabalho oportuniza, no trabalho em grupo, a coautoria, provocando nos participantes outro “olhar para a própria vida de um outro lugar, reconhecendo-se como sujeitos da própria história” (REIS; ZANELLA, 2015, p. 30REIS, Aline Casanova; ZANELLA, Andrea Vieira. Psicologia Social no campo das políticas públicas: oficinas estéticas e reinvenção de caminhos. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 49, n. 1, p. 17–34, 2015. DOI: https://doi.org/10.5007/2178-4582.2015v49n1p17
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).

Esse olhar para o território está em consonância com o que a política de Assistência Social preconiza como sendo imprescindível para o trabalho nas políticas públicas. Compreender a multiplicidade do território é fundamental para o planejamento, a organização e a oferta de serviços, ações e programas que beneficiem a população (BRASIL, 2011aBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília, DF, 2011a.). Ao ser questionado sobre essa concepção, o profissional PS4 a associa com a sua experiência, suas andanças: “A primeira coisa que me veio é amplitude, assim, como é amplo, e aí, pensando no meu percurso [...], que por onde eu passo tem histórias, tem memórias, e o quanto isso, as pessoas também transitam e fazem os seus sentidos”.

Ao caracterizar território como “amplo”, entendemos que o participante refere-se à sua multiplicidade, não se atendo apenas à dimensão fisica, mas compreendendo-o como um espaço de vida, de pertencimento, repleto de sentidos e significados daqueles que o habitam e o constituem, sendo também este sujeito constituído por ele, numa relação dialética; portanto, essa dimensão não deve ser ignorada (SILVA, 2009SILVA, Sueli Santos da. Milton Santos: concepções de geografia, espaço e território. 2009. 98 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Francisco Beltrão, Francisco Beltrão, 2009; NOGUEIRA, 2009NOGUEIRA, Maria Luísa Magalhães. Subjetividade e materialidade: cidade, espaço e trabalho. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 21, n. 1, p. 69-86, fev. 2009.). PS2 complementa:

É um território subjetivo [...] também vejo que a gente sai de uma coisa de território enquanto local, enquanto espaço físico, concreto, pra [...] um território subjetivo, [...] de que lugar ele tá falando, de que território é esse, quais as subjetividades dele, que trajetória foi essa, que caminho que ele percorreu, é fundamental, até se a gente quiser contribuir para promover mudanças, o entendimento disso é fundamental. (Grifo dos autores).

O profissional, ao se referir ao “território subjetivo”, reconhece sua dimensão constitutiva e o lugar deste sujeito como agente transformador e gerador de sentidos. Isso vai ao encontro do que Santos (2006, p. 14)SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: SANTOS, Milton; BECKER, Bertha Koifmann (Org.). Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 13–21. aponta como passível de ser analisado, o “território usado”, em que se considera o uso que o sujeito faz dele. Entende-se por território as formas naturais e construídas, sua dimensão material, sem desconsiderar a sua historicidade. Logo, território usado é “sinônimo de espaço humano, espaço habitado”, são os recursos, objetos e ações que os sujeitos fazem uso, e os sentidos e significados atribuídos por eles. Consideram-se as dimensões materiais e imateriais (SANTOS, 1998, p. 16SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia Aparecida; SILVEIRA, Maria Laura (Org.). Território: globalização e fragmentação. 4. ed. São Paulo: Hucitec/Anpur, 1998. p. 15–20.).

Percebê-lo como esse espaço onde a vida acontece pela sua dinamicidade de relações e sentidos e que está sempre em movimento é entendê-lo como um “lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência” (SANTOS, 2006, p. 13SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: SANTOS, Milton; BECKER, Bertha Koifmann (Org.). Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 13–21.). Isso permite que ele seja pensado para além da sua dimensão fisica, podendo, desta forma, reconhecer realidades outras das que estão impostas e que incidem sobre a vida daqueles que o habitam.

Olhar para o território como sendo um espaço plural, político, econômico, um lugar de afetos e onde a vida acontece, possibilita a realização de ações mais assertivas e que estejam de acordo com a realidade que se mostra. Um dos profissionais afirma: “Eu não consigo imaginar hoje fazer proteção social sem entender o território” (AS2). Sentido, este, compartilhado também pelos demais profissionais. No trabalho socioassistencial, faz-se imprescindível entender o território do usuário e como ele faz uso deste.

Conhecer as culturas, os movimentos políticos e de cidadania que se encontram e constituem o território, as tensões que operam ali, possibilita compreender o contexto e mapear os recursos disponíveis nesses espaços. Podemos ilustrar sobre essas tensões constituintes do território com a fala do participante PE: “Aparece os dois lados, né, pode ser utilizado como um potencial, ou como pode ser um local de abandono, de uma nova violência”.

O território para a política de Assistência Social é considerado um espaço plural, e essa visão permite “compreendê-lo como espaço que conjuga vulnerabilidades e riscos – aos quais a comunidade está exposta – e potencialidades, cultura, história e valores” (BRASIL, 2011a, p. 29BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília, DF, 2011a.). Então, o profissional afirma que esse mesmo lugar em que a violação de direito acontece é, também, onde pode existr possibilidades outras de superação e proteção para os sujeitos usuários das políticas públicas.

Reconhecer o território a partir do uso que o usuário das políticas públicas faz dele permite que os profissionais que os acompanham planejem ações em conjunto e que estejam de acordo com a sua real necessidade, sendo, desta forma, mais assertivas na garanta e proteção dos direitos desses sujeitos, não os reduzindo às vulnerabilidades às quais estão expostos.

5 TERRITÓRIO E CIDADE: PERCEPÇÕES (DES)CONSTRUÍDAS NA PRÁTICA SOCIOASSISTENCIAL

As políticas públicas se configuram de diferentes formas nos diversos municípios, e isso se dá pelo entendimento de que cada cidade tem suas particularidades e necessidades (BRASIL, 2011aBRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília, DF, 2011a.). Os profissionais que atuam nas políticas precisam compreender como essa cidade se configura, as tensões existentes, assim como os diversos sentidos, estes constituídos e atribuídos pelos sujeitos que a habitam, a partir do lugar de que lhe são conferidos.

Por se tratar de serviços de média complexidade, locados em regiões centrais da cidade, a utilização do mapa como recurso metodológico nas oficinas possibilitou aos profissionais visualizar os percursos percorridos pelos usuários, para serem atendidos. Isso os diferencia dos Centros de Referências em Assistência Social (CRAS), serviços da proteção social básica, que estão mais próximos dos territórios atendidos, como sinaliza o PS5: “Penso que talvez os CRAS tenham mais essa proximidade, mas a gente como CREAS tá muito longe”.

Assim, o mapa como recurso nos encontros possibilitou aos participantes a reflexão sobre a cidade e os serviços socioassistenciais ofertados à população. Olhar para sua extensão territorial e identificar onde os serviços estão locados permitu ver o quão distantes estão dos usuários, provocando nos profissionais um exercício de alteridade ao pensar naqueles sujeitos, que, muitas vezes, não comparecem nos atendimentos. No entanto, sinalizamos que não é possível afirmar que a localização geográfica dos CREAS/CRAS/Centro POP e outros serviços é o motivo pelo qual o usuário não comparece aos atendimentos. Entendemos que se trata de família e indivíduos que vivem situações de vulnerabilidades (social, econômica, afetiva, entre outras), tornando essa questão muito mais complexa. Para concretizar tal afirmação, é necessário investigar com os sujeitos propriamente ditos. A problemática da localização dos serviços, no entanto, segundo a percepção dos profissionais, é algo que influencia no não comparecimento, somado a outras questões. O profissional PS5 diz: “Significou muito essa distância, do serviço que a gente é, de média, e da importância que a gente tem na vida das pessoas, de como a gente deseja que elas vêm, mas o quão distante a gente tá delas e o quão difícil é elas chegarem até nós”.

Essa distância, que só foi percebida de fato quando o profissional, por meio do mapa, pôde visualizar toda a extensão da cidade, evidencia as relações e sentidos que são produzidos pelos sujeitos em relação aos espaços centrais e periféricos que compõem o território, estes últimos, muitas vezes, invisíveis.

As políticas públicas, principalmente a da Assistência Social, têm raízes em um viés assistencialista, pois acreditava-se que as decisões para a resolução das situações de vulnerabilidade das populações mais pobres vinham de uma instância superior, menosprezando a autonomia dos sujeitos em relação às suas vidas. Com a reestruturação da política e criação do SUAS, o assistencialismo deixou, em grande medida, de orientar as ações socioassistenciais, mas ainda percebemos resquícios nos programas ofertados e também em algumas práticas (OLIVEIRA; AMORIM, 2017OLIVEIRA, Isabel Fernandes; AMORIM, Keyla Mafalda de Oliveira. Psicologia e Política Social: O Trato Da Pobreza Como “Sujeito Psicológico”. Psicologia Argumento, Curitba, v. 30, n. 70, p. 559-66, 24 nov. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.7213/psicol.argum.6142.
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, YAMAMOTO; OLIVEIRA, 2010YAMAMOTO, Oswaldo Hajime; OLIVEIRA, Isabel Fernandes. Política Social e Psicologia: uma trajetória de 25 anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, [ s.l.], v. 26, n. especial, p. 9–24, 2010. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s0102-37722010000500002
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). A escolha da localização dos equipamentos, de certo modo, sofire influência dessas questões e de interesses políticos.

Nas discussões, pudemos perceber que o modo como esses profissionais se apropriam e circulam na cidade, bem como a relação que estabelecem com ela, é mediado pelo trabalho e pelas suas relações sociais. Em uma das falas aparece isso: “É uma cidade enorme, e a gente vive no centro, a minha ideia de Joinville, é uma cidade pequena, porque eu não vou pra muito longe, moro no [bairro], trabalho no [bairro], sei lá, minha grande distância é vir aqui na secretaria” (PS5).

Essa “cidade vivida”, sendo o modo como ela é experimentada pelos sujeitos que a habitam, constrói representações que influem diretamente nos modos de subjetivação destes e da sua relação com a cidade e os outros corpos que a vivem (NOGUEIRA, 2009, p. 81NOGUEIRA, Maria Luísa Magalhães. Subjetividade e materialidade: cidade, espaço e trabalho. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 21, n. 1, p. 69-86, fev. 2009.). Ao se utilizar o mapa do município da pesquisa como recurso metodológico, foi possível que os profissionais (des) construíssem os modos que eles percebem a cidade. Ao referir-se a esses distanciamentos, outro profissional diz: “É um universo paralelo às vezes, na cidade tá acontecendo uma determinada coisa e no território é um outro clima, [...] são outras possibilidades, nem sempre ele está alinhado com o todo, às vezes vive uma esfera diferente, né, [...] figura e fundo” (PS1).

Essa fala evidencia uma das características que Rolnik (1995)ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. traz da cidade - a cidade-política. Flagra-se a segmentação que se dá pelas classes dominantes, e isso não é invisível, está no campo das significações e pode ser visto, por exemplo, quando determinados lugares são frequentados por pessoas de uma classe social específica apenas, mesmo sendo um espaço público. Assim, a cidade é

[...] marcada pela segregação, criando muros invisíveis, que mantêm separados todos aqueles que não carregam em seus corpos os signos dos que têm posses. Reconhecer os territórios que carregam essas marcas, não é tarefa difícil e nem carece de uma pesquisa aprofundada. Ao circular pela cidade é possível identificar as marcar deixadas na arquitetura, na organização do espaço, nos símbolos expressos nos corpos que transitam. (PAULINELLI, 2018, p. 263PAULINELLI, Regina. A cidade, o território e a vida em condomínios: possibilidades de uma (in) experiência do comum. In: SAWAIA, Bader B.; ALBUQUERQUE, Renan; BUSARELO, Flávia R. (Org.). Afeto e Comum: reflexões sobre a práxis psicossocial. São Paulo: Alexa Cultural, 2018. p. 11–6.).

É relevante para os profissionais compreenderem que a cidade é constituída historicamente por uma sociedade marcada pela desigualdade social, e isso possibilita perceber as tensões que operam na manutenção dessa lógica. A relação cidade e território foi tematizada em um dos encontros do percurso da pesquisa, e uma das reflexões produzidas com respeito a este encontro foi a seguinte: “Território e cidade é quase que cidade sendo o todo e território a parte” (PS1).

Esse olhar para a cidade permite entendê-la como um conjunto de territórios, estes distintos e com suas particularidades, a qual produz sentidos outros nos sujeitos que a habitam. Essa característica “polissêmica”, ou seja, os diversos significados atribuídos por diferentes sujeitos, sendo estes constituídos de acordo com o território a que pertencem, produzem “redes complexas de sentidos e diversos tipos de relações entretecidas” (ZANELLA et al., 2012 apud ASSIS, 2016, p. 33ASSIS, Neiva. Cidade polifônica: indícios de memórias outras na paisagem. 2016. 240 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2016.). O profissional ainda fala da importância desse movimento de olhar para as partes, reconhecer suas potencialidades e recursos, utilizando-os no trabalho socioassistencial.

a gente olhando pra parte a gente verifica [...] possibilidades que olhando só pro todo a gente não visualiza, então a gente tem os recursos do todo, mas a gente tem os recursos das partes, e acho que o percurso aqui me ajudou a visualizar os recursos das partes, o todo ele existe, ele dá um suporte, ele tem toda uma estrutura, mas a importância de se dar atenção e se investr nessas partes. (PS1).

Entendemos que, quando o profissional traz os recursos que a cidade disponibiliza como suporte, com uma estrutura definida, refere-se, principalmente, às políticas públicas. Os serviços socioassistenciais estão organizados no município e referenciam territórios distintos, não podendo tratá-los de maneira igual (NASCIMENTO; MELAZZO, 2013NASCIMENTO, Paula Fonseca; MELAZZO, Everaldo Santos. Território: conceito estratégico na Assistência Social. Serviço Social em Revista, [s.l.], v. 16, n. 1, p. 66-88, 26 dez. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.5433/1679-4842.2013v16n1p66.
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). Assim, é fundamental que o profissional compreenda que o modo como ele se apropria da cidade é diferente do usuário que ele atende. Um dos profissionais, ao apresentar uma cena de diálogo com um usuário, evidencia essa diferença:

[o usuário] disse isso assim pra mim: “Joinville é muito boa, é uma cidade muito boa”. E eu: “Mas não falta nada?”. [ele] “Não falta”. Ele não viu faltar nada. “Mas assim, daí você do seu território, de onde você mora, por onde percorre, mas será que não falta?”. [ele] “Não, não falta nada”. (PE).

Nessa cena trazida pelo profissional, podemos ver um exemplo das vozes sociais que constituem e vivem a cidade, entendida como um conjunto de valores éticos, morais, culturais e políticos, evidenciando a sua característica polifônica (BERRI; ZANELLA; ASSIS, 2015BERRI, Bruna; ZANELLA, Andrea Vieira; De ASSIS, Neiva. Imagens da cidade: o projeto ArteUrbe. Revista Polis e Psique, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 123-49, 2015. DOI: https://doi.org/10.22456/2238-152X.53951
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). Muitas dessas vozes acabam sendo abafadas, tornando-se ruídos por conta da desigualdade social. Tratam-se de vidas sem reconhecimento, e cabe ao profissional da Assistência Social aprender a escutá-las, reconhecê-las (BERRI; ZANELLA; ASSIS, 2015, p. 128BERRI, Bruna; ZANELLA, Andrea Vieira; De ASSIS, Neiva. Imagens da cidade: o projeto ArteUrbe. Revista Polis e Psique, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 123-49, 2015. DOI: https://doi.org/10.22456/2238-152X.53951
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). Reconhecer essa voz, entender que esse usuário possui redes de sentidos e significações diferentes do seu, é o que possibilita que a proteção social aconteça.

Ao voltar-se para a cidade e os seus territórios, acreditamos que os profissionais fizeram algumas leituras e interpretações. Toda a sua arquitetura, os prédios, as ruas estão carregados de memórias e significados construídos a partir das experiências e da história, e estão, por outro lado, em constante mudança, devido ao uso que se faz. Os espaços estão atravessados pelo tempo histórico e contexto em que se encontram. Desta forma, o profissional, ao atentar-se para isso, consegue ler essa “cidade escrita”, identificando as lógicas de poder que operam e as tensões existentes (ROLNIK, 1995, p. 16ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.).

A “cidade-escrita” é lida a partir da lente de cada sujeito, lente constituída no modo que se vivencia essa cidade. Em um dos encontros, apresentamos um documentário que mostra a situação de espaços abandonados na cidade. Após assistrem, foram registradas algumas queixas sobre como era triste ver tantos prédios/locais sem uso, desocupados. Então, alguns profissionais questionaram sobre o abandono e citaram a população em situação de rua, que ocupa tais locais. Abandonados por quem, afinal? Acreditamos que essa leitura dos espaços (des)ocupados é atravessada pelo trabalho que realizam.

Compreender a cidade, fragmentando-a, reforça práticas de desigualdade. É preciso ter um olhar para a cidade como um todo, entender quais as forças que operam e incidem sobre os territórios, as tensões que os atravessam. Porém, é preciso atentar-se para as especificidades do micro, de cada território. É uma linha tênue e perigosa, que, se não for feita com cuidado, pode contribuir com ações que geram ainda mais a manutenção da desigualdade social, não possibilitando a emancipação desses sujeitos (NOGUEIRA, 2009NOGUEIRA, Maria Luísa Magalhães. Subjetividade e materialidade: cidade, espaço e trabalho. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 21, n. 1, p. 69-86, fev. 2009.).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As oficinas estéticas como estratégia de intervenção no campo das políticas socioassistenciais fomentou, nos profissionais, um movimento de reflexão sobre o trabalho que é realizado no âmbito da proteção social e a sua aproximação com o território. O percurso se tornou um espaço de produção de sentidos que possibilitou o encontro entre a experiência dos participantes com as discussões conceituais realizadas no campo acadêmico. A proposta de um percurso formativo orientado pela premissa da ontologia da igualdade permitu que pesquisadores e participantes da pesquisa produzissem sentidos outros do fazer socioassistencial, indicando como significativo o método da igualdade do flósofo Jacques Rancière, ao pensar na Educação Permanente nas políticas públicas.

Os profissionais (des)construíram algumas ideias que estavam como absolutas e puderam problematizar o território, mais especificamente, o modo como os usuários das políticas se apropriam dele, ou seja, esse, como um deles nomeia, “território subjetivo”. Compreende-se que é imprescindível conhecê-lo para poder adotar ações e intervenções que sejam efetivas na garanta dos direitos e na proteção social desses usuários. Olhar para a cidade em sua extensão, composta por múltiplos territórios, possibilitou uma reflexão sobre as tensões existentes e as forças de poder operantes, segmentando-a e excluindo os habitantes de classes sociais menos favorecidas, realizando, assim, a manutenção da desigualdade social. Compreender o território na sua multiplicidade de sentidos, como sendo o palco onde as vidas dos sujeitos acontecem, constituídos e constituintes daquele espaço, é fundamental quando falamos e pensamos em políticas públicas.

A partir desta pesquisa, foi possível perceber a relevância do território para a oferta de proteção social nas políticas públicas como um todo. Revela-se um modo de trabalho que garante ações alinhadas com a realidade do território assistido, indicando que discussões de proteção social atreladas ao território transcendem o SUAS. As contribuições vão para além das políticas públicas de Assistência Social, sendo impensável fazer proteção social sem considerar o território. A sua compreensão impacta o trabalho que é realizado na saúde, na educação, na segurança pública e nas demais esferas governamentais, e por isso é pertinente que os profissionais que atuam nesses espaços entendam o território usado e suas implicações nas vidas dos sujeitos que atendem, assegurando que os seus direitos não sejam violados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Revisado
    20 Mar 2021
  • Aceito
    04 Maio 2022
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