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Avaliação de preditores do óbito neonatal em uma série histórica de nascidos vivos no Nordeste brasileiro

An evaluation of the predictors of neonatal death in a time series of live births in the Northeast Region of Brazil

Resumos

OBJETIVOS: avaliar tendência dos preditores do óbito neonatal entre os nascidos vivos e qualidade do preenchimento do Sistema de Informações para Nascidos Vivos (Sinasc) institucional. MÉTODOS: série histórica do Sinasc do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (1995-2006) em Recife, Pernambuco, Brasil. Foram avaliadas: completitude de preenchimento das variáveis e tendência dos indicadores de risco para mortalidade infantil (baixo peso ao nascer; anóxia; prematuridade; cesariana; ausência de pré-natal; mãe adolescente; analfabetismo e nenhum filho nascido vivo e morto). Significância estatística para teste t de Student foi de 5% em um modelo de regressão linear. RESULTADOS: 58.689 nascidos vivos com contínuo incremento a partir de 2002; baixo peso ao nascer, 22,8%; Apgar <7 1º minuto 15,3%; prematuros 22,4%; parto cesáreo 38,2%; mães adolescentes 27,2%; analfabetas 2,7% e 89% sem filho nascido morto. Prevaleceu 1% de variáveis ignoradas. Tendência de aumento (p<0,05): Apgar no 1º minuto, baixo peso ao nascer, prematuridade e parto cesáreo; tendência de declínio(p<0,05): nenhuma consulta de pré-natal, mães adolescentes, analfabetismo e nenhum filho nascido morto. CONCLUSÕES: valores progressivos dos preditores do óbito infantil sugerem problemas na qualidade do pré-natal. Predomínio de 1% de informação ignorada, excelente qualidade de preenchimento do Sinasc institucional. Avaliação rotineira dos nascimentos promove agilidade da informação e intervenções oportunas na prevenção dos óbitos neonatais no nível local.

Avaliação em saúde; Mortalidade neonatal; Sistemas de informação


OBJECTVES: to evaluate predictors of neonatal death among live births and the quality of use of the institutional Live Birth Information System register (Sinasc). METHODS: a time serie based on data from the Sinasc of the Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (1995-2006) in the city Recife, Pernambuco, Brazil. The following were evaluated: the completeness of the forms and the tendency regarding risk factors for infant mortality (low birth weight; anoxia; premature birth; caesarian birth; lack of prenatal care; adolescent pregnancy; illiteracy; and having had no live or still born child). Statistical significance was tested using Student's t test with p<0.05 in a linear regression model. RESULTS: 58,689 live births occurred with a continued rise from 2002 onwards; low birth weight, 22.8%; Apgar <7 1º minute 15.3%; premature 22.4%; Caesarian birth 38,2%; adolescent mothers 27.2%; illiteracy 2.7% and 89% with no live or still born child. One percent of variables were not recorded. The following variables increased (p<0.05): Apgar in the 1st minute, low birth weight, premature birth and caesarian birth; and the following decreased (p<0,05): no pre-natal consultation, adolescent pregnancy, illiteracy and having had no live or still born child. CONCLUSIONS: increasing percentages for the predictors of infant mortality suggest problems with the quality of pre-natal care. With only 1% of information overlooked, the quality of the keeping of SINASC records at the institution was found to be excellent. Routine evaluation of births allows for agility of information and appropriate intervention to prevent neonatal mortality at local level.

Health evaluation; Neonatal mortality; Information system


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Lygia Carmen de Moraes VanderleiI; Flávia Talita Peixoto de Amorim SimõesII; Suely Arruda VidalI; Paulo Germano de FriasI

IGrupo de Estudos de Gestão e Avaliação em Saúde. Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira. Rua dos Coelhos, 300, Boa Vista. Recife, PE, Brasil. CEP: 50.070-550. E-mail: lygiacarmen@yahoo.com.br IISecretaria de Saúde do Recife. Recife, PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar tendência dos preditores do óbito neonatal entre os nascidos vivos e qualidade do preenchimento do Sistema de Informações para Nascidos Vivos (Sinasc) institucional.

MÉTODOS: série histórica do Sinasc do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (1995-2006) em Recife, Pernambuco, Brasil. Foram avaliadas: completitude de preenchimento das variáveis e tendência dos indicadores de risco para mortalidade infantil (baixo peso ao nascer; anóxia; prematuridade; cesariana; ausência de pré-natal; mãe adolescente; analfabetismo e nenhum filho nascido vivo e morto). Significância estatística para teste t de Student foi de 5% em um modelo de regressão linear.

RESULTADOS: 58.689 nascidos vivos com contínuo incremento a partir de 2002; baixo peso ao nascer, 22,8%; Apgar <7 1º minuto 15,3%; prematuros 22,4%; parto cesáreo 38,2%; mães adolescentes 27,2%; analfabetas 2,7% e 89% sem filho nascido morto. Prevaleceu 1% de variáveis ignoradas. Tendência de aumento (p<0,05): Apgar no 1º minuto, baixo peso ao nascer, prematuridade e parto cesáreo; tendência de declínio(p<0,05): nenhuma consulta de pré-natal, mães adolescentes, analfabetismo e nenhum filho nascido morto.

CONCLUSÕES: valores progressivos dos preditores do óbito infantil sugerem problemas na qualidade do pré-natal. Predomínio de 1% de informação ignorada, excelente qualidade de preenchimento do Sinasc institucional. Avaliação rotineira dos nascimentos promove agilidade da informação e intervenções oportunas na prevenção dos óbitos neonatais no nível local.

Palavras-chave: Avaliação em saúde, Mortalidade neonatal, Sistemas de informação

ABSTRACT

OBJECTVES: to evaluate predictors of neonatal death among live births and the quality of use of the institutional Live Birth Information System register (Sinasc).

METHODS: a time serie based on data from the Sinasc of the Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (1995-2006) in the city Recife, Pernambuco, Brazil. The following were evaluated: the completeness of the forms and the tendency regarding risk factors for infant mortality (low birth weight; anoxia; premature birth; caesarian birth; lack of prenatal care; adolescent pregnancy; illiteracy; and having had no live or still born child). Statistical significance was tested using Student's t test with p<0.05 in a linear regression model.

RESULTS: 58,689 live births occurred with a continued rise from 2002 onwards; low birth weight, 22.8%; Apgar <7 1º minute 15.3%; premature 22.4%; Caesarian birth 38,2%; adolescent mothers 27.2%; illiteracy 2.7% and 89% with no live or still born child. One percent of variables were not recorded. The following variables increased (p<0.05): Apgar in the 1st minute, low birth weight, premature birth and caesarian birth; and the following decreased (p<0,05): no pre-natal consultation, adolescent pregnancy, illiteracy and having had no live or still born child.

CONCLUSIONS: increasing percentages for the predictors of infant mortality suggest problems with the quality of pre-natal care. With only 1% of information overlooked, the quality of the keeping of SINASC records at the institution was found to be excellent. Routine evaluation of births allows for agility of information and appropriate intervention to prevent neonatal mortality at local level.

Key words: Health evaluation, Neonatal mortality, Information system

Introdução

As informações sobre natalidade são de importância relevante por possibilitarem o conhecimento do perfil epidemiológico para o planejamento adequado de políticas de saúde, para a avaliação de ações de saúde na área materno-infantil e para a adoção de medidas de vigilância.1-3

Com o objetivo de garantir e uniformizar as informações sobre os nascimentos, o Ministério da Saúde (MS) desenvolveu em 1991 o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), tendo como documento oficial a Declaração de Nascido Vivo (DNV), que além da contagem dos nascimentos permite, por meio dos dados epidemiológicos, identificar as crianças que nascem com risco de morte, contribuindo para a prevenção e o controle dos fatores de risco.4,5

A emissão da declaração de nascido vivo é de responsabilidade dos serviços de saúde onde ocorreram os partos,1,4-6 passando a ser dos cartórios de registro civil para os nascimentos ocorridos em domicílio, desde que os mesmos recebam esta informação.7 O preenchimento da DNV para cada criança nascida viva tem caráter obrigatório no país desde o ano de 1990, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente,7-12 sendo de fundamental importância para o conhecimento das características relacionadas às condições da criança à época do nascimento, assim como sobre a gestação e o parto e sobre alguns atributos das mães.8

Outrora processados e analisados exclusivamente pelas secretarias estaduais, os dados do Sinasc passaram gradativamente às secretarias municipais de saúde, com supervisão estadual, que os consolidam e remetem ao MS para alimentar o sistema nacional.10-14 A descentralização do processamento do Sinasc agilizou a disponibilidade de informações no nível local, possibilitando sua utilização imediata, embasando o planejamento para investimentos direcionados ao grupo materno-infantil.

No Estado de Pernambuco o Sinasc teve início em 1991, como um projeto piloto na maternidade do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), tendo sido implantado oficialmente a partir de 1992, tanto na Secretaria de Saúde do Estado quanto na secretaria municipal da capital.7-9

A obrigatoriedade da implantação e utilização dos sistemas de informação nacionais conferida pelo piso da atenção básica em 1997 fez com que em 1998 o Sinasc fosse ampliado a todos os municípios brasileiros,7 sendo este o sistema com maior cobertura no país. Porém os dados em relação à cobertura são divergentes, a depender do método adotado para sua estimativa. Para o Estado de Pernambuco, enquanto a Secretaria de Saúde em documento interno informa que a cobertura do Sinasc atingiu 100% em 1999 (com base na taxa bruta de natalidade estimada pelo MS para Pernambuco), para os Indicadores e Dados Básicos (IDB), em 2002, era de 92,6%.13,15

Como o processo de consolidação do Sistema Único de Saúde tem como um de seus pilares a descentralização de programas, ações e serviços ofertados à população, e especialmente num contexto histórico nacional cada vez mais favorável à institucionalização da avaliação, torna-se pertinente e oportuno que o monitoramento e a avaliação dos nascimentos mediante do Sinasc sejam incorporados à agenda de rotina dos serviços, uma vez que o hospital é o locus privilegiado de atenção ao parto nas grandes regiões do país, detendo mais de 99% dos nascimentos.15

A monitorização e a análise rotineira das condições dos nascimentos no âmbito hospitalar possibilitam o conhecimento dos recém-nascidos que apresentem situações de risco para óbito. Tais condições estão relacionadas ao baixo peso ao nascer; à hipóxia neonatal; a certas condições da gestação e parto, como a idade gestacional inferior a trinta e sete semanas, o parto cirúrgico e a não realização de pré-natal, além de alguns atributos maternos como adolescência, analfabetismo, grande paridade e morte de filhos anterior ao nascimento atual.7,13

Partindo-se desses pressupostos, uma vez que a mortalidade neonatal está fortemente associada à assistência prestada à saúde materno-infantil no pré-natal, parto e ao nascer,16,17 é importante que a informação contida no Sinasc no nível hospitalar seja disponibilizada precocemente através dos núcleos hospitalares de epidemiologia, que provêem agilidade no processamento e divulgação destes dados.18 A informação oportunamente gerada possibilita aos gestores locais e dos diferentes níveis do sistema, o uso de instrumentos qualificados de diagnóstico e de avaliação para a resolução de problemas de saúde no espaço onde são produzidas.4,8,18

Portanto, este estudo objetivou conhecer o perfil dos nascimentos, avaliar a tendência de algumas características das mulheres e dos recém-nascidos consideradas de maior risco para a mortalidade infantil, assim como a qualidade da informação aferida mediante a completude das variáveis contidas no documento, a partir de uma série histórica dos nascidos vivos já iniciada em estudo anterior para a década de 1990.13

Métodos

O estudo realizou-se no IMIP, instituição de ensino e pesquisa, de referência para o Ministério da Saúde e outras organizações para a implantação de programas, serviços e treinamentos na área materno-infantil. Localizada em Recife, capital do Estado de Pernambuco, a instituição oferece serviços em todos os níveis de atenção à população materno-infantil do Estado e de outros do Nordeste, estando entre os cinco centros de referência para assistência às crianças e gestantes de alto risco. A maternidade do complexo hospitalar dispõe de 41 leitos de alojamento conjunto e 60 de recém-nascidos patológicos, dos quais 42 são de cuidados semi-intensivos e 18 de tratamento intensivo, contando com 10 máquinas de respiração artificial.

Construiu-se uma série histórica dos nascimentos ocorridos no IMIP de 1995 a 2006 mediante de um estudo epidemiológico descritivo, utilizando dados secundários contidos no Sinasc da Secretaria de Estado da Saúde para os nascimentos ocorridos na referida instituição. Realizou-se inicialmente a distribuição de frequência das variáveis de interesse ao longo dos anos, incluindo as informações ignoradas.

Foi realizada análise de tendência estatística por meio do programa SPSS versão 10.0 para os indicadores que representam risco para a mortalidade infantil: baixo peso ao nascer (menor que 2500 gramas); hipóxia neonatal (índice de Apgar menor que 7 no 5º minuto); prematuridade (idade gestacional menor que 37 semanas); parto cesariano (tipo de parto); ausência de consulta pré-natal; alguns atributos maternos como: adolescência (idade menor que 20 anos); analfabetismo (nenhuma escolaridade materna) e nenhum filho tido nascido vivo e morto anterior à gestação atual.

O modelo de regressão linear foi definido como y = a + bx, sendo a o coeficiente médio do período e b o incremento (acréscimo ou decréscimo) médio do período. Admitiu-se tendência linear estatisticamente significativa quando o p-valor do teste t do parâmetro b foi menor ou igual a 0,05.19

Não foram considerados os anos de 1995 a 1998 na análise de tendência para a variável "escolaridade materna" pela impossibilidade de comparabilidade dos dados devida a modificações no formulário; para as variáveis "filhos tidos nascidos vivos e mortos", a análise compreendeu o período após 1997, pela pouca confiabilidade dos dados nos anos anteriores para estas variáveis.

Também se procedeu à avaliação da completitude da informação, mediante da análise de tendência da informação ignorada para todas as variáveis analisadas.

Esta pesquisa utilizou apenas os bancos de dados secundários, liberados pela Secretaria Estadual da Saúde, não constando a identificação dos indivíduos e por esta razão não necessitou de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos.

Resultados

No período de 1995 a 2006, a média anual de nascidos vivos na Instituição foi de 4891, com o acumulado de 58.689. No último ano da série ocorreram 5286 nascimentos, equivalentes a 3,7% dos 142.831 nascimentos do Estado de Pernambuco e 23,4% dos 22.574 nascimentos entre os residentes de Recife.

Na Figura 1 nota-se oscilações no número de nascimentos, com decréscimo nos anos de 2001 e 2002 e elevação a partir de então a valores sempre superiores a 5000 nascimentos.


A Tabela 1 mostra a distribuição de frequência de nascidos vivos segundo algumas características do recém-nascido, apresentando predominância do sexo masculino, porém, sem significância estatística. O baixo peso ao nascer foi demonstrado em 22,8% dos recém-nascidos, variável que aumentou gradativamente ao longo dos anos, principalmente a partir de 1999, com elevações a patamares superiores a 20%, atingindo o valor máximo de 29,6% em 2002. Quanto ao grau de hipóxia, a média aritmética dos valores encontrados revela que 15,3% das crianças apresentaram o índice de Apgar inferior a 7 no 1º minuto, e 3,7% no 5º minuto, observando-se aumento gradativo da tendência do Apgar no 1º minuto menor que 7 no decorrer da década analisada (p<0,001).

A Tabela 2 mostra a distribuição dos nascidos vivos segundo características da gestação e parto. O percentual médio de recém-nascidos prematuros foi de 22,4%, sofrendo incremento progressivo acentuado a partir de 1998, destacando-se o ano de 2002 com o maior valor encontrado de 29,2%; observou-se uma elevação do parto cesáreo, cujo destaque de maior percentual (43,8%) foi no ano de 2006, indicando uma tendência à progressão (p=0,02); para mães com "ausência de consulta de pré-natal", houve pequenas oscilações e tendência decrescente na série estudada (p=0,03).

As variáveis relacionadas à mãe mostradas na Tabela 3 exibem aumento progressivo de mães adolescentes no período de 1995 a 2000, e tendência ao decréscimo a partir de 2001 (p<0,001); quanto à escolaridade, houve tendência decrescente ao longo da série de mães analfabetas (p=0,01); para as variáveis "filhos nascidos vivos" não houve significância estatística e para "filhos nascidos mortos" 89% das mães informaram não terem nenhum filho nascido morto (p<0,001).

Quanto à informação ignorada, houve elevado percentual nos anos de 1995 a 1997 para a variável "filhos nascidos mortos" e para "consulta de pré-natal" apenas no primeiro ano da série.

A Figura 2 mostra a ascenção da curva de regressão linear para as variáveis de "prematuridade" (p<0,001), "parto cesáreo" (p=0,02), "baixo peso ao nascer"(p=0,01) e "hipóxia no 1º minuto" (p<0,001), e, diminuição para a variável "nenhuma consulta de pré-natal" (p=0,03). Ainda nesta figura observa-se que a curva de regressão linear mostra tendência de declínio para as "mães adolescentes" (p<0,001), o "analfabetismo materno" (p=0,01), assim como para "nenhum filho nascido morto" (p<0,001).


Discussão

As informações provenientes de séries históricas dos nascimentos hospitalares são de grande relevância não apenas concernente ao planejamento institucional,7,20 mas por permitir o deslocamento do eixo da avaliação, com pertinência, ao nível do ambiente onde ocorrem estes eventos. Do ponto de vista institucional, as mudanças ocorridas no perfil do serviço ao longo destes anos refletiram em parte a mudança de direção da tendência de algumas variáveis na série histórica atualizada comparada com a anterior, que estudou a década de 1990.13

Assim sendo, a incorporação de tecnologia mais densa na atenção ao recém-nascido no serviço, contando com 18 leitos de cuidados intensivos contra dois no estudo anterior, não apresentou a correspondente diminuição do número de nascimentos uma vez que a instituição estaria voltada para a assistência aos recém-natos de alto risco. Além disto, a tendência decrescente do coeficiente de natalidade no Estado21 e na capital Recife22 nos últimos anos justificaria a diminuição dos nascimentos. Ao contrário, o que se observou foi o aumento dos partos, pois entre os anos de 1995 a 2000 o total de nascimentos foi de 14.731, aumentando para 15.731 nos de 2001 a 2006, à custa do incremento daqueles considerados de alto risco, como demonstrado pela curva de regressão com tendência ascendente para as variáveis de risco para o óbito neonatal. O aumento do número de partos nesse serviço talvez se explique pela implantação da central de leitos no Estado e pelo reduzido número de hospitais cadastrados para o parto de alto risco.

Neste contexto, os valores elevados e progressivos de variáveis importantes para baixo peso ao nascer, forte preditor da morbi-mortalidade infantil16,17 que, juntamente com a prematuridade, evidencia problemas no desenvolvimento intrauterino12,23,24 e o parto cirúrgico, cuja meta estabelecida pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) seria sua redução para 15% no ano 2000, configuram o cenário da clientela de demanda espontânea ou referida da instituição em tela. Atualmente, vem sendo discutida a associação do baixo peso ao nascer/prematuridade com o aumento da taxa de partos cirúrgicos programados, seja por conveniência médica ou opção materna; no entanto, ainda não há estudos demonstrando tal associação.25

Para as variáveis concernentes às mães, houve tendência decrescente para as adolescentes e analfabetas, além da diminuição progressiva das mulheres que não realizaram nenhuma consulta de pré-natal, parâmetros estes de grande importância por indicar um bom desempenho dos serviços públicos de saúde e educação e que estão também associados à sobrevivência infantil.

Uma reflexão deve ser feita ao se considerar a tendência decrescente para a variável não ter tido filhos nascidos mortos, com o correspondente aumento do número e da tendência dos natimortos anteriores à gestação atual, uma vez que este dado é inconsistente com a tendência decrescente da mortalidade perinatal.23 Este achado pode ser resultante do refinamento da informação pela ação cotidiana do núcleo de epidemiologia do IMIP, com a educação continuada realizada junto aos profissionais médicos, no sentido da correta classificação de aborto e natimorto, eventos que eram frequentemente confundidos antes da sua implantação.26,27

Com relação ao percentual de informação ignorada, a ausência de resultados estatisticamente significantes para a maioria das variáveis e os percentuais de ignorabilidade inferiores a 1%, nos últimos anos, refletem a boa qualidade da informação do Sinasc institucional, corroborando a literatura nacional,2 e que vem se aprimorando ao longo da série estudada. De acordo com os pontos de referência utilizados nacionalmente para a classificação dos graus de incompletitude de informação,5 o Sinasc institucional classifica-se como excelente (menor de 5% de informação ignorada).18

Merece destaque a elevada ignorabilidade em relação à série histórica para a variável "consulta de pré-natal". Este fato pode ser explicado pela provável ausência de registro sobre o número de consultas de pré-natal nos prontuários hospitalares mesmo numa instituição de ensino e pesquisa como a estudada, e a informação coletada diretamente com as mães, que seria mais fidedigna, nem sempre ser possível.18 No entanto, essa variável não poderia ser negligenciada, dada sua importância na predição de condições maternas como infecções e hipertensão, que são implicadas como fatores causais de óbitos neonatais no nosso meio.12,13,26,27

Nesse sentido, é necessário um incremento das atividades de supervisão, controle de qualidade da coleta, processamento de dados,4 sem perder de vista a educação permanente junto ao corpo clínico e administrativo, ações estas realizadas rotineiramente pelo núcleo de epidemiologia hospitalar desde 1999.26,27

Mais que discutir sobre um padrão institucional de atenção de alta complexidade com sobreposição de atenção de baixo risco, as evidências de estudos de tendência como este poderiam recomendar uma tomada de decisão dos gestores de diferentes instâncias governamentais quanto à definição da vocação institucional ao atendimento preferencial ao alto risco.28 Porém a questão tem raízes mais profundas que remetem necessariamente aos altos custos versus os recursos repassados, que fogem ao escopo do presente artigo.

Por outro lado, a despeito de ser uma das instituições majoritárias para a oferta de atenção de alta densidade tecnológica ao recém-nascido no âmbito do sistema público de saúde, o monitoramento e a avaliação do Sinasc no nível local cumpre o papel de instrumentalizar o apoio à atenção médica destes pacientes, implicando numa mudança do olhar e da atitude dos dirigentes das unidades de saúde, viabilizando a adoção de medidas oportunas para a diminuição da mortalidade neonatal hospitalar.26-30

Além disso, os valores progressivos dos preditores do óbito infantil, demonstrados mediante o estudo de séries temporais de nascimentos apontam para a existência de entraves ocorridos no acesso aos serviços de atenção básica à saúde materno-infantil e na qualidade da assistência ofertada, fornecendo subsídios importantes para a necessidade de um melhor desempenho do setor.

Desta forma, ao incorporar o monitoramento e a avaliação rotineira, o nível institucional promove a agilidade da informação para os níveis municipais e estaduais, uma vez que diminuiria inconsistências e distorções decorrentes do lapso de tempo ocorrido entre os eventos e a correção dos dados.26-28 Isso aponta para a necessidade de melhorar o fluxo entre ocorrência, processamento, consolidação e disponibilização da informação, já citado por estudos anteriores,4,9,10 dando oportunidade aos formuladores de políticas para a tomada de decisão para que as ações orientadas ao grupo materno-infantil sejam implantadas e/ou implementadas com maior rapidez e eficiência.

Recebido em 12 de janeiro de 2010

Versão final apresentada em 30 de setembro de 2010

Aprovado em 25 de outubro de 2010

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  • Avaliação de preditores do óbito neonatal em uma série histórica de nascidos vivos no Nordeste brasileiro

    An evaluation of the predictors of neonatal death in a time series of live births in the Northeast Region of Brazil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Revisado
      30 Set 2010
    • Recebido
      12 Jan 2010
    • Aceito
      25 Out 2010
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