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Aleitamento materno e caracterização dos hábitos alimentares na primeira infância: experiência de São Tomé e Príncipe

Maternal breastfeeding and the characterization of feeding habits in early infancy: the experience of São Tomé e Príncipe

Resumos

Objetivos:

avaliação da amamentação, da diversificação e frequência alimentar, em crianças de São Tomé e Príncipe (STP).

Métodos:

trata-se de uma amostra constituída por 1285 crianças. O protocolo incluiu a prevalência do aleitamento materno exclusivo (AME) e Total (AMT), início da diversificação alimentar (DA) e um questionário de frequência alimentar. O tratamento estatístico foi efetuado no SPSS®. Os resultados foram apresentados de acordo com o total da amostra.

Resultados:

45,5% são do sexo feminino e a média de idades 26±18 meses. 46,6% fez AME até aos 6 meses (média 5±2). A média de AMT foi 12±7 meses e o início da DA aos 6±3 meses (mediana=6), sendo as farinhas e a canja de peixe os primeiros alimentos oferecidos. 42% das crianças são incluídas na dieta familiar aos 7±3 meses (mediana=6). Elevada porcentagem de crianças nunca ingere: leite de vaca (74%) ou iogurte (40%), contrariamente ao elevado consumo de óleo alimentar (34%) e açúcar (33%). A idade média de iniciação da cerveja é aos 18±12 meses e vinho de palma 13±10 meses.

Conclusões:

observa-se uma elevada prevalência de AME e uma precoce introdução da DA. Embora existam recursos alimentares disponíveis, não há informação/ formação adequada para elaborar um plano alimentar saudável durante a infância.

Aleitamento materno; Hábitos alimentares; Criança


Objectives:

to evaluate breastfeeding and the frequency and diversification of feeding, in children in São Tomé e Príncipe (STP).

Methods:

the sample comprised 1,285 children. The protocol included the prevalence of exclusive (EMB) and total (TMB) maternal breastfeeding, the onset of nutritional diversification (ND) and a questionnaire on the frequency of feeding. The statistics were processed using SPSS®. The results were presented in terms of the total sample.

Results:

45.5% of the babies were female and the mean age 26±18 months. 46.6% were given EMB up to the age of six months (mean 5±2). The mean for TMB was 12±7 months and the onset of ND at 6±3 months (median=6), with corn flour and fish soup being the first solid foods offered. 42% ate the same as the rest of the family at 7±3 months (median=6). High percentages of children never ingested cow's milk (74%) or yogurt (40%), in contrast to the high consumption of cooking oil (34%) and sugar (33%). The mean age for beginning to drink beer was 18±12 months and for beginning to drink palm wine 13±10 months.

Conclusions:

There was a high prevalence of EMB and early introduction of ND. Although nutritional resources are available, there is no adequate information or training on how to draw up a healthy eating plan for infants.

Breastfeeding; Food habits; Child


Introdução

Os padrões alimentares, principalmente nos países em vias de desenvolvimento, variam substancialmente com os fatores regionais, econômicos, ambientais, culturais ou mesmo religiosos.1World Health Organization. Report of the expert consultation on the optimal duration of exclusive breastfeeding. Geneva; 2001.,2Ngo Um-Sap S, Mlbassi Awa H, Hott O, Womga A, Tanya A, Koki Ndombo P. Feeding practices in 6-to-24-month-old children in Yaoundé, Cameroon: relationship with their nutritional status. Arch Pediatr. 2014;21(1):27-33. Torna-se fundamental o conhecimento dos hábitos alimentares das populações em geral em particular na criança, visando a correcção dos desvios encontrados, já que as alterações do estado de nutrição das populações infantis, designadamente a desnutrição, têm importantes consequências para a saúde futura.

De forma a garantir um adequado estado nutricional do lactente a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece como recomendação o aleitamento materno exclusivo (AME) nos primeiros seis meses de vida e continuado pelo menos até aos dois anos de idade.1World Health Organization. Report of the expert consultation on the optimal duration of exclusive breastfeeding. Geneva; 2001. Para além das inúmeras vantagens socioeconômicas, o leite materno contém os nutrientes essenciais de forma a garantir um crescimento e desenvolvimento adequados ao longo do primeiro semestre de vida.1World Health Organization. Report of the expert consultation on the optimal duration of exclusive breastfeeding. Geneva; 2001.,3Lawrence RM, Pane CA. Human breast milk: current concepts of immunology and infectious diseases. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2007;37(supl 1):7-36.

O enorme impacto, dos reconhecidos benefícios do leite materno, no estado de saúde da criança, fazem das estratégias para a promoção da amamentação uma ferramenta de combate à desnutrição infantil, particularmente nos países de baixo e médio rendimento.4Jones G, Steketee RW, Black RE, Bhutta ZA, Morris SS. How many child deaths can we prevent this year? Lancet. 2003;362(Supl. 9377):65-71. No caso particular de São Tomé e Príncipe (STP) a amamentação é uma prática generalizada na quase totalidade da população infantil (98%), independentemente das características sociodemográficas da colectividade em causa.5Instituto Nacional de Estatistica (INE) [São Tomé e Principe], Ministério da Saúde, e ICF Macro. 2010. Inquerito Demigrafico e Sanitário, São Tomé e Principe, IDS STP, 2008-2009. Calverton, Maryland, USA: INE.

Muito embora seja desejável manter a amamentação para além do sexto mês, as recomendações apontam para o início da diversificação alimentar (DA) neste período da vida do lactente, já que não é possível suprir em macro e micro nutrientes de modo adequado, o lactente a partir daquela idade.6ESPGHAN Committee on Nutrition, Agostini C, Braegger C, Decsi T, Kolacek S, Koletzko B, Michaelsen KF, et al. Breastfeeding: A commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2009;49:112-25.,7Guerra A. Alimentação diversificada no primeiro ano de vida. In: Videira Amaral J, ed. Tratado de Clinica Pediátrica. Lisboa: Abbott Laboratórios; 2008. p. 308-16.

De acordo com as necessidades nutricionais do lactente, preconiza-se, a introdução de alimentos que não o leite e de textura progressivamente menos homogênea, até à inserção na dieta familiar, que deverá ocorrer por volta dos 12 meses de idade.8Guerra A, Rêgo C, Silva D, Ferreira GC, Mansilha H, Antunes H, Ferreira R. Alimentação e nutrição do lactente. Acta Pediatr Port. 2012;43(Supl. 2):17-40. É fundamental salientar que a introdução gradual de novos alimentos, de diferentes texturas e sabores, deve respeitar não só as características maturativas e neurosensoriais da criança, mas também as questões culturais e socioeconômicas. Assim sendo, não há regras rígidas, mas sim princípios gerais capazes de serem adaptados às recomendações e à realidade de cada lactente e seu agregado familiar.8Guerra A, Rêgo C, Silva D, Ferreira GC, Mansilha H, Antunes H, Ferreira R. Alimentação e nutrição do lactente. Acta Pediatr Port. 2012;43(Supl. 2):17-40.,9Brown KW. WHO/UNICEF. Review on Complementary Feeding and suggestions for future research: WHO/UNICEF Guidelines on complementary feeding. Pediatrics. 2000;106(Supl. 5):1290-1.

permitir um conhecimento mais real das escolhas alimentares e tipos de confeção mais usuais no diaa- dia. A ingesta alimentar não está somente na dependência dos recursos alimentares existentes em cada país, como da forte influência dos valores culturais e religiosos das populações, associada aos conhecimentos sobre alimentação saudável.1010 Alves, CRL, Santos LC, Goulart LMHF, Castro PR. Alimentação complementar em crianças no Segundo ano de vida. Rev Paul Pediatr. 2012;30(Supl. 4):499-506.

Em muitos países de África, nos quais se inclui São Tomé e Príncipe, a inacessibilidade aos recursos locais é por vezes um problema. A questão major, parece assentar na quantidade, qualidade e continuidade do acesso a alimentos que garantam uma ingesta nutricionalmente adequada à criança e a todos os membros da família.1111 The World Bank (2010) Nutrition at a glance: Sao Tome and Principe. [acesso em 23 Fev 2012]. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/NUTRITION/Resources/2818461271963823772/SaoTomeandPrincipe122310web.pdf.
http://siteresources.worldbank.org/NUTRI...
Para além disso verifica- se uma introdução precoce (antes dos 6 meses) dos alimentos sólidos e semi-sólidos nos lactentes santomenses.5Instituto Nacional de Estatistica (INE) [São Tomé e Principe], Ministério da Saúde, e ICF Macro. 2010. Inquerito Demigrafico e Sanitário, São Tomé e Principe, IDS STP, 2008-2009. Calverton, Maryland, USA: INE.

O objetivo do presente estudo é avaliar o tempo e duração do aleitamento materno, início e tipo de diversificação alimentar ao longo do primeiro ano de vida e frequência da ingestão alimentar na população infantil dos 0 aos 5 anos representativa de São Tomé e Príncipe.

Métodos

O estudo transversal compreendeu a avaliação de crianças de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 0 e os 60 meses, que frequentavam as unidades de saúde dos seis distritos de São Tomé e Príncipe, no período de Fevereiro a Maio de 2011. Trata-se de uma amostragem de conveniência onde foram seleccionadas 1285 crianças tendo por base as 24.704, deste grupo etário, inscritas no programa de vacinação local, de 2010.

Foram excluídas, todas as crianças com malformação congênita, atrasos do desenvolvimento psicomotor e patologias crónicas com repercussão no estado nutricional.

O protocolo de avaliação nutricional incluiu, entre outras, o estudo da prevalência do aleitamento materno exclusivo e total (AMT), de acordo com as actuais definições da OMS.1212 WHO (World Health Organization). WHO Training course on child assessment. In: development Donfha, editor. Interpreting Growth Indicators. Geneva 2008. Disponível em: http://www.who.int/childgrowth/training/en
http://www.who.int/childgrowth/training/...
,1313 EFSA Panelo no Dietetic Products, Nutrition and Allergies (NDA). Scientific Opinion on the appropriate age for introduction of complementary feeding of infants. EFSA Journal. 2009;7(Supl. 1423):1-38. Procedeu-se igualmente ao estudo do início e tipo de DA, tendo por base as recomendações da Sociedade Portuguesa de Pediatria,8 bem como à caracterização dos hábitos alimentares através de um questionário, adaptado, de um questionário de frequência alimentar (QFA) qualitativo, validado pelo Serviço de Epidemiologia da Universidade do Porto.1414 Lopes C, Oliveira A, Santos AC, Ramos E, Severo M, Barros H. Consumo alimentar no Porto. [acesso em 12 Nov 2012]. Disponível em: http://higiene.med.up.pt/consumoalimentarporto/download/rel_cap_21062006.pdf.
http://higiene.med.up.pt/consumoalimenta...

Previamente foi utilizado um protocolo num estudo piloto (Fevereiro de 2010) em 91 crianças que posteriormente foi alterado e adaptado aos objetivos do trabalho pretendido e aprovado pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar Dr. Ayres de Meneses (STP) e pela Comissão de Ética do Hospital Pediátrico Integrado/Centro Hospitalar São João.

Os dados foram inseridos no MedQuest®, base de dados online criada pelo Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e o tratamento estatístico foi efetuado no programa de análise estatística SPSS® v.20.0,(Statistical Package for the Social Sciences).

Os resultados foram apresentados de acordo com o total da amostra, sendo que para a análise descritiva das variáveis categóricas foram utilizadas frequências absolutas e relativas. Relativamente às variáveis contínuas são apresentados os valores referentes à média, mediana, desvio-padrão mínimo e máximo.

Utilizaram-se as curvas de Kaplan-Meier para o tempo de AME e AMT. Para a avaliação de factores associados à duração do aleitamento materno (exclusivo e total), foram desenvolvidas regressões de Cox sendo apresentadas estimativas para os Hazard Ratio (HR) e respectivos intervalos de confiança a 95%, sendo considerados no modelo variáveis maternas (idade, escolaridade, índice de massa corporal, hábitos tabágicos e alcoólicos), o peso ao nascer da criança e o número de irmãos.

Resultados

Foram estudadas 1285 crianças, com predominância do sexo masculino (54,5%). A média de idade foi de 25,8 ±18 meses (mínimo=0 e máximo=60) com uma mediana de 22 meses. A caracterização sociodemográfica da população estudada está representada na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica da amostra estudada (N=1285).

Verificou-se que 46,6% fez AME até aos seis meses de idade, com uma duração média de 5±2 meses e uma mediana de 6 meses (min=1, max=18). A média de AMT foi de 12±7 meses e a mediana de 13 meses (min=1, max=36) (Figura 1).

Figura 1
Curva de sobrevida de Kaplan-Meier: aleitamento materno exclusivo e total

Na população estudada a média de início da DA foi aos 6±3 meses (mediana=6) e a ordem de introdução dos alimentos pode ser observada na Tabela 2. Deve-se salientar que uma elevada porcentagem de crianças (42%) são incluídas precocemente na dieta familiar [média 7±3 meses (min=2 e max=24) e mediana=6].

Tabela 2
Alimentação complementar: idade de introdução em meses por alimentos.

Tendo por base a análise do QFA, pode ser observado o consumo de alguns alimentos de acordo com os principais grupos de macro e micronutrientes (Tabela 3).

Tabela 3
Frequência de consumo dos grupos alimentares pelas crianças de São Tomé e Príncipe.

No que diz respeito à introdução de bebidas, verifica-se uma precoce iniciação de bebidas alcoólicas: vinho de palma [média = 13±10 meses e mediana de 12 meses (min=0 e max=60)] e de cerveja [média=18±12 meses e mediana de 12 meses (min=0 e max=48)] (Tabela 4).

Tabela 4
Idade em meses de introdução de algumas bebidas (média, desvio-padrão, mediana, mínimo-máximo).

Discussão

Tem vindo a observar-se uma forte associação entre o suprimento insuficiente de nutrientes, particularmente nos primeiros cinco anos de vida, e o risco aumentado de desnutrição e de doenças infecciosas, principal causa de morbilidade e mortalidade infantil.1515 WHO/ UNICEF (World Health Organization/Fundo das Nações Unidas para infância). Global strategy for infant and young child feeding. Geneva: WHO Press; 2003.

Embora se preconize a amamentação exclusiva até aos seis meses de vida, o leite materno por um menor período de tempo ou mesmo parcial traz inúmeras vantagens para o lactente.6ESPGHAN Committee on Nutrition, Agostini C, Braegger C, Decsi T, Kolacek S, Koletzko B, Michaelsen KF, et al. Breastfeeding: A commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2009;49:112-25. Torna-se igualmente desejável a continuidade do aleitamento materno ao longo do período da diversificação alimentar.1World Health Organization. Report of the expert consultation on the optimal duration of exclusive breastfeeding. Geneva; 2001.,8Guerra A, Rêgo C, Silva D, Ferreira GC, Mansilha H, Antunes H, Ferreira R. Alimentação e nutrição do lactente. Acta Pediatr Port. 2012;43(Supl. 2):17-40.,1313 EFSA Panelo no Dietetic Products, Nutrition and Allergies (NDA). Scientific Opinion on the appropriate age for introduction of complementary feeding of infants. EFSA Journal. 2009;7(Supl. 1423):1-38.

Apesar de só 46,6% das crianças terem recebido AME até aos 4-6 meses de vida (Figura 1), a prevalência encontrada neste trabalho é superior às verificadas noutros países em desenvolvimento1616 Queluz MC, Pereira MJB, Santos CB, Leite AM, Ricco RG. Prevalencia e determinantes do aleitamento materno exclusivo no municipio de Serrana, São Paulo, Brasil. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):537-43.

17 Tamiru D, Belachew T, Loha E, Mohammed S. Suboptimal breastfeeding of infants during the first six months and associated factors in rural communities of Jimma Arjo Woreda, Southwest Ethiopia. BMC Public Health. 2012;12:363.

18 Kimani-Murage EW, Madise NJ, Fotso JC, Kyobutungi C, Mutua MK, Gitau TM, Yatich N. Patterns and determinants of breastfeeding and complementary feeding practices in urban informal settlements, Nairobi Kenya. BMC Public Health. 2011;11:396.
-1919 Lutter CK, Daelmans BM, de Onis M, Kothari MT, Ruel MT, Arimond M, Deitchler M, Dewey KG, Blössner M, Borghi E. Undernutrition, poor feeding practices, and low coverage of key nutrition interventions. Pediatrics. 2011;128(Supl. 6):1418-27. e muito próxima dos dados registados no inquérito demográfico e sanitário realizado na Republica Democrática de São Tomé e Príncipe (2008-2009) onde se verificou uma prática de amamentação exclusiva em 51% do total das crianças avaliadas.5Instituto Nacional de Estatistica (INE) [São Tomé e Principe], Ministério da Saúde, e ICF Macro. 2010. Inquerito Demigrafico e Sanitário, São Tomé e Principe, IDS STP, 2008-2009. Calverton, Maryland, USA: INE. Estes valores são preocupantes, tendo em conta a relação encontrada por vários autores entre crianças que nunca foram amamentadas e um risco acrescido de desnutrição2020 Srivastava A, Mahmood S, Srivastava P, Shrotriya V, Kumar B. Nutritional status of school-age children: a scenario of urban slums in India. Arch Public Health. 2012;70:8.,2121 ADA Position of the American Dietetic Association: Promoting and Supporting Breastfeeding. J Am Diet Assoc. 2005;105:810-18. e consequente aumento da mortalidade durante a infância.6ESPGHAN Committee on Nutrition, Agostini C, Braegger C, Decsi T, Kolacek S, Koletzko B, Michaelsen KF, et al. Breastfeeding: A commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2009;49:112-25.,1515 WHO/ UNICEF (World Health Organization/Fundo das Nações Unidas para infância). Global strategy for infant and young child feeding. Geneva: WHO Press; 2003.,2222 Abrahams Z, Mchiza Z, Steyn N. Diet and mortality rates in Sub-Saharan Africa: stages in the nutrition transition. BMC Public Health. 2011;11:801.

Ainda neste contexto procedeu-se à realização da regressão de Cox tentando-se explorar a influência de algumas variáveis maternas, o peso ao nascer da criança e o número de irmãos, relativamente ao tempo de AME e AMT. Após o ajustamento para as restantes variáveis incluídas na análise univariada, apenas foi encontrada uma associação negativa entre a idade da mãe e o AME [HR: 0,99; IC95% 0,97- 0,99 (p=0,014)]. No que diz respeito ao AMT, registou-se, uma associação negativa com a idade da mãe [(HR ajustado: 0,97; IC95% 0,96-0,99 0,99 (p<0,001)] e o peso à nascença [(HR ajustado: 0,93; IC95% 0,87-0,99 (p=0,03)].

A falta de incentivos associados aos aspectos culturais das populações, são na maioria das vezes, responsáveis pelo abandono da amamentação. Alguns autores demonstram que a oferta de líquidos se associa à interrupção precoce do AME e que uma maior sensibilização e informação sobre as vantagens da amamentação podem minimizar esta realidade.2323 Araújo de França GV, Brunken GS, Silva SM, Escuder MM, Venancio SI. Breast feeding determinants on the first year of life of children in a city of Midwestern Brazil. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):711-8.,2424 Niquini RP, Bittencourt SA, Lacerda EM, Oliveira MI, Leal MC. User embracement and maternal characteristics associated with liquid offer to infants. Rev Saúde Pública. 2010;44(Supl. 4):677-85.

Por outro lado, a OMS e os vários organismos internacionais especializados em nutrição pediátrica, recomendam o início da diversificação alimentar (DA) aos 6 meses de idade.1World Health Organization. Report of the expert consultation on the optimal duration of exclusive breastfeeding. Geneva; 2001.,1313 EFSA Panelo no Dietetic Products, Nutrition and Allergies (NDA). Scientific Opinion on the appropriate age for introduction of complementary feeding of infants. EFSA Journal. 2009;7(Supl. 1423):1-38. No presente estudo, verifica-se que a introdução da DA ocorre, em média, aos 6±3 meses (mediana=6). Os primeiros alimentos oferecidos foram as farinhas lácteas (18%), a canja com peixe (15%) e a sopa de legumes (14%), indo de encontro às recomendações da OMS.1World Health Organization. Report of the expert consultation on the optimal duration of exclusive breastfeeding. Geneva; 2001. Contudo, observa-se que 42% dos lactentes foram inseridos precocemente na dieta familiar (7±3 meses) (mediana=6) (Tabela 2). Estes resultados vão de encontro a um outro estudo, realizado na Gâmbia, em que a maioria das crianças, partilham a "tigela" de comida da família ao sexto mês de vida.2525 Prentice AM, Paul AA. Fat and energy needs of children in developing countries. Am J Clin Nutr. 2000;(Supl. 72):1253-65. No caso particular de São Tomé e Príncipe, um outro estudo mostra que 26% das crianças com idades entre 6-8 meses não consumiam nenhum alimento sólido ou semi-sólido como complemento ao aleitamento materno, muito embora uma percentagem elevada de lactentes já o tivesse feito (59% cereais, 53% proteína animal, 45% fruta/legumes e 36% tubérculos).5Instituto Nacional de Estatistica (INE) [São Tomé e Principe], Ministério da Saúde, e ICF Macro. 2010. Inquerito Demigrafico e Sanitário, São Tomé e Principe, IDS STP, 2008-2009. Calverton, Maryland, USA: INE. Esta situação pode ser justificada pela inexistência de um plano de diversificação, com base nas recomendações vigentes e na maximização dos recursos alimentares do país.

A avaliação dos hábitos alimentares através de questionários alimentares, tem sido um desafio em estudos epidemiológicos, pois uma das principais dificuldades reside na construção de um instrumento que permita com precisão a medição do consumo alimentar. Foi por isso utilizado um protocolo previamente validado pelo Serviço de Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Porto e posteriormente adaptado ao conjunto de alimentos disponíveis em São Tomé e Príncipe.

Verifica-se uma baixa ingestão (nunca ou menos de 1 vez/mês) de proteína de origem animal [leite de vaca (74%) ou de iogurte (caseiro: 38,6%; importado: 40,2%)], à excepção do peixe cujo consumo é de duas a três vezes por dia em 51,3% da amostra estudada (Tabela 3), possivelmente justificado pela proximidade do mar, baixo custo e tradição pesqueira do povo santomense. Uma ingestão adequada de proteína animal é fundamental durante o primeiro ano de vida período de grande aceleração de ganho estaturo-ponderal e na prevenção de quadros de desnutrição durante a infância.6ESPGHAN Committee on Nutrition, Agostini C, Braegger C, Decsi T, Kolacek S, Koletzko B, Michaelsen KF, et al. Breastfeeding: A commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2009;49:112-25. Tal como em outros países africanos, também em STP as fontes principais de hidratos de carbono são o pão (70,1%) e o arroz (88%).2626 Premji ZG, Abdulla S, Ogutu B, Ndong A, Falade CO, Sagara I, Mulure N, Nwaiwu O, Kokwaro G. The content of African diets is adequate to achieve optimal efficacy with fixed-dose artemether-lumefantrine: a review of the evidence. Malar J. 2008;7:244. Muito embora se trate de um país com uma enorme riqueza de frutos e hortaliças verifica-se um baixo consumo destes por parte da população estudada (Tabela 3). Para ambos os sexos, destaca-se, ainda, o elevado consumo (21,9%) de vinho de palma, obtido da fermentação da seiva da palmeira e iniciado nos primeiros 24 meses de vida. (Tabela 4). A prática fortemente enraizada da dádiva à criança de bebidas com teor alcoólico, assenta não só nos costumes e tradições inerentes à cultura do país, mas tem também como finalidade a indução do sono.2727 Osiatynska E. Álcool e Saúde. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. 2004. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Álcool e redução de danos: uma abordagem inovadora para países em transição. 1 ed. traduzida e ampliada. Brasilia, DF: Ministério da Saúde; 2004. p. 37-47. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/alcool_reducao_danos2004.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
,2828 Cordeiro M. Alimentação da criança pré-escolar e escolar. In: Silva AC, Gomes-Pedro A, editores. Nutrição Pediátrica: principios básicos. Lisboa: Clinica Universitária de Pediatria do Hospital de Santa Maria; 2005. p.106-14. Estes resultados são porventura os mais preocupantes tendo em conta os efeitos deletérios do consumo de álcool sobre o desenvolvimento do sistema nervoso central muito particularmente nesta faixa etária.

O Relatório Mundial de Saúde publicado pela OMS em 2002, identifica o baixo consumo de hortofrutícolas como um fator de risco relevante para o aparecimento de doença e morte prematura. O baixo consumo deste grupo de alimentos e o reduzido consumo diário de proteína animal pode ser determinante da ocorrência de quadros de malnutrição energético-proteica.2929 WHO. Multicentre Growth Reference Study Group: WHO child growth standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr. 2006;(Supl. 450):76-85.

Destaca-se o elevado consumo de gorduras, de açúcar e de produtos açucarados, sendo que estas escolhas alimentares, consideradas incorretas, podem ser justificadas pelo seu baixo preço relativamente a outros alimentos saudáveis e também pela falta de informação/formação sobre as opções alimentares corretas. Muitos são os trabalhos que apelam a consciência dos profissionais de saúde no sentido de promoverem e adaptarem ações de formação que tenham em vista a promoção do aleitamento materno e a correta introdução da alimentação complementar com base nas características sociodemográficas7Guerra A. Alimentação diversificada no primeiro ano de vida. In: Videira Amaral J, ed. Tratado de Clinica Pediátrica. Lisboa: Abbott Laboratórios; 2008. p. 308-16.,8Guerra A, Rêgo C, Silva D, Ferreira GC, Mansilha H, Antunes H, Ferreira R. Alimentação e nutrição do lactente. Acta Pediatr Port. 2012;43(Supl. 2):17-40.,1010 Alves, CRL, Santos LC, Goulart LMHF, Castro PR. Alimentação complementar em crianças no Segundo ano de vida. Rev Paul Pediatr. 2012;30(Supl. 4):499-506.,3030 Khanal V, Lee AH, Nunes Brites da Cruz JL, Karkee R. Prelacteal feeding of newborns in postconflict timor-lest. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2014;59(2):162-6. dos países emergentes. A OMS/UNICEF, no seu documento Global Strategy for Infant and Young Child Feeding de 2003, realça que, muitas vezes, a falta de conhecimento sobre hábitos e práticas alimentares saudáveis é um determinante mais forte de malnutrição do que propriamente a falta de disponibilidade alimentar.1313 EFSA Panelo no Dietetic Products, Nutrition and Allergies (NDA). Scientific Opinion on the appropriate age for introduction of complementary feeding of infants. EFSA Journal. 2009;7(Supl. 1423):1-38.

O presente estudo, permitiu identificar os principais desvios alimentares de forma a proporcionar estratégias de intervenção correta ao nível dos cuidados primários de saúde e muito particularmente no que diz respeito à promoção do aleitamento materno exclusivo e total e à diversificação alimentar de acordo com as recomendações atuais. Embora existam recursos alimentares disponíveis, não há informação/formação adequada de um plano alimentar saudável para os lactentes e crianças, pelo que se reforça a necessidade de campanhas de educação alimentar à população. É urgente informar as populações quanto ao efeito deletério de práticas tradicionais, nomeadamente consumo precoce de bebidas alcoólicas.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2014
  • Revisado
    30 Maio 2014
  • Aceito
    30 Jun 2014
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