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Impacto de um programa de intervenção escolar randomizado sobre os níveis de pressão arterial

Resumo

Objetivos:

avaliar o impacto de um programa de saúde realizado em ambiente escolar nos níveis pressóricos de escolares da rede pública de ensino de Vitória/ES-Brasil.

Métodos:

foi realizado um ensaio comunitário randomizado com 237 escolares (6 a 12 anos) de duas escolas públicas, definidas aleatoriamente como escola intervenção e controle. Os indivíduos do grupo intervenção participaram de 11 sessões de educação em saúde durante 4 meses (julho a outubro de 2014). Para testar as diferenças entre os grupos, foram utilizados o teste do qui-quadrado (variáveis categóricas) e o teste tpareado ou Wilcoxon (variáveis contínuas). A taxa de variação da pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) ao longo do seguimento, de acordo com o grupo de alocação, foi avaliada usando modelos generalizados lineares para medidas repetidas no tempo.

Resultados:

houve redução nas médias de PAS (0,5 mmHg) e PAD (0,6 mmHg) no grupo intervenção e aumento no grupo controle, com diferença significativa na variação da PA entre os grupos ao longo do período de acompanhamento (p <0,05).

Conclusão:

uma intervenção de baixo custo e fácil implementação pode ser um dos fatores associados a menores níveis pressóricos sanguíneos no grupo estudado, sendo possível a reprodução em ambiente escolar.

Palavras-chave:
Ensaio clínico; Pressão arterial; Criança; Adolescente.

Abstract

Objectives:

to evaluate the impact of a health program performed in a school setting on the blood pressure levels of schoolchildren in the public school system in Vitória/ES-Brazil.

Methods:

a randomized community trial was performed with 237 schoolchildren (6 to 12 years) from two public schools, randomly defined as the intervention and control school. Participants of the intervention group attended 11 education sessions over 4 months (July to October 2014). To test for differences between groups, the chi-square (categorical variables), and the paired t test or Wilcoxon (continuous variables) was used. The rate of variation of systolic blood pressure (SBP) and diastolic blood pressure (DBP) throughout the follow-up, according to allocation group, was evaluated using linear generalized models for time-repeated measures.

Results:

there was a reduction in the means of SBP (0.5 mmHg) and DBP (0.6 mmHg) in the intervention group and an increase in the control group, with a significant difference in the BP variation between groups over the follow-up period (p<0.05).

Conclusion:

a low-cost and easily implemented intervention may be one of the factors associated with the lowest blood pressure levels in the group studied, and reproduction in a school environment is feasible.

Key words:
Clinical trial; Arterial pressure; Child; Adolescent.

Introdução

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são a principal causa de morte globalmente, e um dos maiores desafios de saúde do século XXI. Particularmente, as doenças cardiovasculares são atualmente a principal causa de morte e um dos maiores desafios mundiais de saúde. Em 2016, as DCNT foram responsáveis por 71% (41 milhões) dos 57 milhões de mortes ocorridas no mundo, das quais 44% foram devido às doenças cardiovasculares.11 Global Health Estimates 2016: Deaths by Cause, Age, Sex, by Country and by Region, 2000-2016. Geneva: World Health Organization; 2018.

Um dos mais importantes fatores de risco para as doenças cardiovasculares é a hipertensão arterial.22 WHO (World Health Organization). Global Atlas on Cardiovascular Disease Prevention and Control. Geneva; 2011. O nível de pressão habitual acima de 115/75 mmHg está associado a um aumento progressivo, linear, contínuo e independente da mortalidade por essas doenças.33 Lewington S, Clarke R, Qizilbash N, Peto R, Collins R, Prospective Studies Collaboration. Age-specific relevance of usual blood pressure to vascular mortality: a metaanalysis of individual data for one million adults in 61 prospective studies. Lancet. 2002; 360 (9349):1903-13. Diversos fatores de risco estão envolvidos no desenvolvimento da hipertensão, incluindo fatores comportamentais, como alto consumo de alimentos ricos em sal e gordura, baixo consumo de frutas e vegetais e sedentarismo, que são altamente influenciados pelas condições de vida das pessoas.44 WHO (World Health Organization). A Global Brief on Hypertension: Silent Killer, Global Public Health Crisis. Geneva; 2013.

Embora a prevalência de pressão arterial (PA) elevada seja menor em crianças e adolescentes em comparação com adultos, há evidências de que a hipertensão essencial começa a se desenvolver durante as duas primeiras décadas de vida, quando os níveis pressóricos aumentam de forma constante.55 Sinaiko AR. Hypertension in Children. New Engl J Med. 1996; 335: 1968-73.

Estudo realizado com uma amostra representativa de adolescentes brasileiros mostrou que a prevalência de hipertensão foi de 9,6%.66 Bloch KV, Klein CH, Szklo M, Kuschnir MCC, Abreu GA, Barufaldi LA, Veiga GV, Schaan B, Silva TLN and other authors. ERICA: prevalences of hypertension and obesity in Brazilian adolescents. Rev Saúde Pública. 2016; 50: 9s. De acordo com uma meta-análise, a PA na infância está associada à PA na idade adulta, portanto, o monitoramento da PA é importante desde a infância para realizar intervenções precoces.77 Chen X, Wang Y. Tracking of blood pressure from childhood to adulthood: a systematic review and meta-regression analysis. Circulation. 2008; 117: 3171-80. Nesse contexto, a escola é um local propício para a realização de programas em saúde, uma vez que os escolares estão em fase de aprendizagem, e formação de atitude, valores e comportamentos, além de ser um local adequado para a formação do pensamento crítico e autonomia para a construção de práticas saudáveis.88 Brasil. Ministério da Saúde. Organização Pan-Americana de Saúde. Escolas promotoras de saúde: experiências no Brasil. Brasília, DF; 2007.

Já se sabe que a hipertensão em crianças é subnotificada e subtratada. Além disso, embora poucos estudos de intervenção tenham sido feitos, a maioria ocorreu em países de alta renda e o melhor desempenho foi observado quando a dieta foi combinada com a prática de atividade física.99 Cai L, Wu Y, Wilson RF, Segal JB, Kim MT, Wang Y. Effect of childhood obesity prevention programs on blood pressure: a systematic review and meta-analysis. Circulation. 2014; 129: 1832-9.

Considerando a escassez de estudos de intervenção envolvendo alimentação saudável e atividade física com crianças brasileiras, o objetivo deste estudo é avaliar o impacto de um programa de saúde realizado em ambiente escolar sobre os níveis pressóricos de escolares da rede pública de ensino de Vitória/ES-Brasil.

Métodos

O presente estudo faz parte de um estudo de intervenção realizado em Escolas Municipais de Ensino Fundamental de Vitória, Espírito Santo, Brasil. A região de Saúde Centro, escolhida para a realização deste estudo, contempla cinco escolas da rede municipal de ensino, totalizando 450 estudantes. Destas cinco escolas, duas foram selecionadas e designadas aleatoriamente como escola de "intervenção" ou "controle". Todos os escolares de ambos os sexos, matriculados no 2° ao 5° ano dessas duas escolas, foram convidados a participar da pesquisa.

Todos os participantes elegíveis precisaram de um termo de consentimento informado assinado pelos pais/responsáveis, e um termo de assentimento assinado pela criança. Os critérios de exclusão foram quaisquer incapacidades física ou mental do estudante que impossibilitasse a coleta de dados ou a condução das atividades. O estudo foi conduzido e relatado de acordo com a diretriz CONSORT para ensaios clínicos randomizados por agrupamento.1010 Campbell MK, Piaggio G, Elbourne DR, Altman DG. Consort 2010 statement: extension to cluster randomised trials. BMJ. 2012; 345: e5661.

A amostra final foi composta por 237 escolares, sendo 149 da escola intervenção e 88 da escola controle. Esse tamanho de amostra tem poder de 50% e nível de significância de 10% para detectar diferença de nível de PAD de 1,5 mmHg. Redução de 0,5 mmHg foi observada por Angelopoulos et al.1111 Angelopoulos PD, Milionis HJ, Grammatikaki E, Moschonis G, Manios Y. Changes in BMI and blood pressure after a school based intervention: the children study. Eur J Public Health. 2009; 19: 319-25. em adolescentes após programa de intervenção de base escolar.

Foram coletados, em ambiente escolar, dados antropométricos e hemodinâmicos dos escolares por pesquisadores do projeto previamente treinados. Também foi enviado ao domicílio um questionário estruturado contendo questões relacionadas à classe socioeconômica, hábitos alimentares e prática de atividade física do aluno, o qual deveria ser preenchido pelos pais/responsáveis dos estudantes. Os dados foram coletados em dois momentos nas duas escolas (intervenção e controle), antes e após as ações educativas. A primeira coleta de dados foi em março de 2014 e a última no final de outubro do mesmo ano. Para a coleta dos dados antropométricos, as crianças usaram uniforme escolar (roupas leves), sem calçados e acessórios.

Para aferição do peso, foi utilizada balança digital Tanita® (BF-680W), com precisão de 100 g e capacidade de 150 kg. A estatura foi medida com estadiômetro Cardiomed® com precisão de 1 mm e amplitude de 200 cm. Ambas as medidas foram realizadas com o escolar ereto, com os braços estendidos ao longo do corpo, olhar no plano de Frankfurt, descalço e trajando uniforme escolar. O IMC para a idade foi calculado por meio do software WHO AnthroPlus®.

Para aferição da circunferência do braço, foi utilizada fita métrica inextensível Sanny® (TR-4010). Foi posicionado ao redor do braço, no ponto médio entre o acrômio e o olécrano, de acordo com a técnica recomendada por Cameron (1984).1212 Cameron N. The measurement of human growth. Austrália, Croom-Helm. 1984.

O desfecho deste trabalho é a variação da pressão arterial. A medida da PA foi realizada de acordo com a metodologia estabelecida pelas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão,1313 Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Hipertensão. Sociedade Brasileira de Nefrologia. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010; 95: 1-51. utilizando o aparelho digital Omron® (HEM-705CPINT). O aparelho foi calibrado, e os manguitos eram adequados para a circunferência do braço esquerdo de cada indivíduo, sendo o tamanho infantil para a circunferência do braço de 16 a 22 cm e o tamanho adulto de 23 a 33 cm. A PA foi aferida na escola, em ambiente calmo, após 5 minutos de repouso do escolar, e três medidas foram realizadas com intervalo de aproximadamente dois minutos entre elas, admitindo-se uma diferença de até 5 mmHg entre as medidas. Em caso de diferença maior que 5 mmHg, mais três medidas foram realizadas. Para avaliação hemo-dinâmica, todas as crianças estavam com o estômago vazio e sem atividade física por pelo menos 60 minutos. Durante a aferição, o aluno permaneceu sentado, com as pernas descruzadas, os pés apoiados no chão, as costas apoiadas na cadeira e relaxado, com o braço apoiado na altura do coração e livre de roupas, com as palmas das mãos voltadas para cima e cotovelos ligeiramente fletidos. Os participantes também foram instruídos a não falar durante as medidas e, antes de iniciar a primeira aferição, todo o procedimento foi explicado para os escolares a fim de reduzir a reação de alarme entre eles. A PA foi aferida no turno da manhã e o protocolo foi o mesmo nas duas escolas avaliadas.

Para as análises, descartou-se a primeira medida e utilizou-se a média das outras duas medidas válidas. Os dados foram analisados levando em conta a idade, sexo e percentil de estatura de acordo com a V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial.1414 Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Hipertensão. Sociedade Brasileira de Nefrologia. V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2007; 89: e24-e79. A pressão arterial sistólica (PAS) e a pressão arterial diastólica (PAD) dos escolares foram classificadas em: normal, <percentil 90; limítrofe, do percentil >90 a <95 ou se PA >120/80 mmHg, e elevada, > percentil 95, para descrever a amostra estudada.

O consumo alimentar foi medido por meio de questionário de frequência alimentar, respondido pelos pais/responsáveis dos escolares. Para avaliar a qualidade da alimentação, foi utilizado o Índice Alimentação do Escolar (ALES), conforme proposto por Molina et al.,1515 Molina MCB, Lopéz PM, Faria CP, Cade NV, Zandonade E. Preditores socioeconómicos da qualidade da alimentação de crianças. Rev Saúde Pública. 2010; 44: 785-92. que se baseia na frequência de consumo de 15 itens alimentares e na prática de desjejum. O índice ALES fornece uma pontuação positiva ou negativa para cada frequência específica de consumo e, após a soma individual das pontuações, classifica a alimentação do aluno em três categorias: <3 baixa qualidade, entre >3 e <6 qualidade intermediária e >6 boa qualidade.1515 Molina MCB, Lopéz PM, Faria CP, Cade NV, Zandonade E. Preditores socioeconómicos da qualidade da alimentação de crianças. Rev Saúde Pública. 2010; 44: 785-92.

A atividade física e o tempo de tela dos escolares foram medidos por meio de questionário validado por Fernandes et al.1616 Fernandes CDR, Batista MS, Pereira TSS, Neto FA, Carletti L, Molina MCB. Validação do questionário de avaliação da atividade física em crianças. Rev Bras Pesq Saúde. 2015; 17: 67-75. para crianças. O tempo de tela foi avaliado de acordo com o somatório do tempo diário gasto com dispositivos de tela (televisão, videogame e computador). Foi utilizado um ponto de corte de 120 minutos/dia, que é o tempo máximo recomendado pela American Academy of Pediatrics .1717 American Academy of Pediatrics. Children, Adolescents, and Television. Pediatrics. 2001; 107: 423-6. A prática de atividade física foi quantificada de acordo com o somatório do tempo de atividade física supervisionada, brincadeiras ativas, e deslocamento ativo de casa para a escola e da escola para casa. Para essa variável, foi utilizado um ponto de corte de 300 minutos/semana, considerando um valor mínimo de 60 minutos diários recomendado para crianças.1818 WHO (World Health Organization). Global Recommendations on Physical Activity for Health. Geneva; 2010.

A raça/cor dos escolares foi classificada por dois entrevistadores do projeto e, caso ocorresse divergência nas classificações, era solicitada a avaliação de um terceiro pesquisador. Cor da pele, formato do cabelo e características faciais foram levados em consideração para classificar os indivíduos em brancos, pretos ou pardos.

A classificação da condição socioeconômica foi realizada a partir de informações fornecidas pelo questionário enviado ao domicílio de acordo com os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2012).1919 ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa). Critério de Classificação Econômica Brasil 2012. [cited 2018 April 2]. Available from: http://www.abep.org/ criterio-brasil.
http://www.abep.org/ criterio-brasil...

O grupo intervenção foi submetido a ações educativas que ocorreram na própria escola, no horário de aula, com duração de 50 minutos e na presença de um professor. A metodologia utilizada foi a de oficinas em grupo, com participação ativa dos alunos. No total foram realizados onze encontros quinzenais de julho a outubro de 2014 (Tabela 1). Reiteramos que as crianças das duas escolas (intervenção e controle) eram as mesmas para permitir a comparação dos resultados.

Tabela 1
Temas, metodologia e objetivos das atividades de intervenção.

As oficinas foram elaboradas e executadas por pesquisadores do projeto, entre eles estudantes de graduação, nutricionistas e educadores físicos. Os temas propostos basearam-se na promoção de hábitos alimentares saudáveis e incentivo à prática de atividade física. Baseou-se em publicação brasileira relacionada à alimentação saudável e educação alimentar e nutricional, como o Referencial de Educação Alimentar e Nutricional para Políticas Públicas.2020 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. - Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2012. As metodologias educacionais variaram entre as faixas etárias, respeitando a autonomia dos envolvidos na tomada de decisões para sua saúde e a incorporação coletiva dos temas abordados. Para os mais novos adaptamos as ações de forma lúdica. O material didático de leitura também foi enviado da escola para o domicílio para revisão pela família das crianças e adolescentes. Após cada ação educativa, os alunos demonstraram sua satisfação por meio da escala hedônica.

Foram realizadas duas palestras sobre alimentação para os participantes do grupo controle, ao longo do ano de 2014, com duração de uma hora cada. Esses encontros tinham por objetivo manter o vínculo com a escola e com os participantes da pesquisa, sendo utilizada metodologia expositiva tradicional.

Para a descrição das variáveis de estudo foram utilizadas medidas de tendência central e dispersão para variáveis contínuas, e percentuais para variáveis categóricas. O teste de Kolmogorov Smirnov foi utilizado para testar a normalidade das variáveis, e as estatísticas foram calculadas de acordo com esse resultado. Para análise das diferenças de proporções nas variáveis qualitativas, foi utilizado o teste do qui-quadrado. Para as variáveis contínuas, o teste t e o teste de Wilcoxon foram usados para verificar as diferenças em amostras pareadas. O nível de significância estatística utilizado foi de p<0,05 e as análises foram realizadas no software estatístico SPSS, versão 23.0. Taxa de variação da pressão arterial sistólica e diastólica dos alunos durante o seguimento, de acordo com o grupo de alocação (intervenção ou controle), foi avaliada por meio de modelos lineares generalizados para medidas repetidas no tempo, utilizando o procedimento PROC MIXED no software estatístico SAS versão 9.4 (SAS Institute, Inc.). O efeito principal do programa de intervenção nutricional foi determinado pelo termo de interação, grupo de alocação x tempo. A estrutura de covariância apropriada foi testada para cada análise. O valor de p<0,05 foi adotado como significativo.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo sob o protocolo n°. 242.848, registrado na Organização Mundial da Saúde sob UTN-U111111553103 e inscrito no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (Identificador RBR-4j9fxq).

A participação na pesquisa foi voluntária, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis e o Termo de Assentimento pelos escolares.

As crianças identificadas com PA elevada foram encaminhadas para avaliação médica, via colaboradores do projeto pertencentes ao serviço municipal de saúde, e ao final do programa (Setembro), todos os escolares do grupo controle foram submetidos às oficinas realizadas no grupo intervenção, propiciando assim os mesmos benefícios das ações de intervenção a ambos os grupos.

Resultados

Não houve perdas amostrais durante o seguimento (Figura 1). Não houve diferença entre os grupos quanto ao sexo, idade, ano escolar, estado nutricional, pressão arterial, qualidade da alimentação, prática de atividade física e tempo de tela na linha de base. Foi observada diferença significativa nas variáveis raça/cor (41,6% do grupo intervenção e 15,9% dos alunos da escola controle eram brancos) (p<0,001) e na classe socioeconómica (p<0,001) (Tabela 2).

Figura 1
Fluxograma do estudo.

Tabela 2
Distribuição dos participantes, segundo o grupo de alocação, na linha de base.

Valores médios antes e após as ações educativas são encontrados na Tabela 3. Houve aumento significativo das médias de peso, altura e IMC em ambas as escolas após as intervenções (p<0,001). Houve redução das médias da PAS (0,5 mmHg) e PAD (0,6 mmHg) no grupo intervenção, e aumento significativo de 1,8 mmHg da PAS e de 2,2 mmHg da PAD no grupo controle. Observou-se redução significativa no tempo de tela entre os participantes da escola intervenção, aumento significativo da prática de atividade física e na da média do Índice ALES na escola controle.

Tabela 3
Variáveis antropométricas, hemodinâmicas, prática de atividade física, tempo de tela e qualidade da alimentação de acordo com o grupo de alocação, antes e após as intervenções.

Observou-se que a taxa de variação da pressão arterial ao longo do tempo foi diferente entre os alunos das escolas intervenção e controle, tanto em relação à PAS (p=0,022), como na PAD (p=0,001), com declínio das médias de PAS e PAD dentre os participantes do grupo intervenção, e aumento das médias ao longo do seguimento no grupo controle (Figura 2).

Figura 2
Variação das médias modeladas de pressão arterial ao longo do tempo, de acordo com os grupos intervenção e controle.

Discussão

No presente estudo, a intervenção de base escolar pode ser um dos fatores associados aos menores níveis pressóricos do grupo estudado. Observou-se que a proposta foi efetiva, indicando a importância de intervenções baseadas na promoção de hábitos alimentares saudáveis e no incentivo à prática de atividade física em ambiente escolar.

Angeloupolos et al.,1111 Angelopoulos PD, Milionis HJ, Grammatikaki E, Moschonis G, Manios Y. Changes in BMI and blood pressure after a school based intervention: the children study. Eur J Public Health. 2009; 19: 319-25. em estudo conduzido com escolares do quinto ano da cidade de Loannina, Grécia, realizaram uma intervenção com foco em superar as barreiras de acesso a áreas de atividade física, aumentar a disponibilidade de frutas e vegetais e aumentar o apoio dos pais. Neste estudo, foi observado aumento da PAS e PAD no grupo controle e redução no grupo intervenção. Esses autores atribuíram os efeitos favoráveis na PA do grupo intervenção à redução do IMC, diferentemente do nosso estudo em que houve aumento do IMC nos dois grupos estudados. Porém, semelhante a outro estudo, nas duas escolas, houve aumento nas médias de peso, altura e IMC quando comparados os dois momentos de avaliação.2121 Staiano AE, Beyl RA, Guan W, Hendrick CA, Hsia DS, Newton RL Jr. Home-based exergaming among children with overweight and obesity: a randomized controlled trial. Pediatr Obes. 2018; 13, 724-33. O aumento dos índices antropométricos era esperado porque os alunos estão em fase de crescimento e desenvolvimento. Além disso, o programa de intervenção realizado foi de curta duração, e alterações no estado nutricional necessitam de um maior período de tempo para alcançar os benefícios. Portanto, a redução da pressão observada em nosso estudo não ocorreu por meio da redução do IMC.

Dois ensaios clínicos publicados recentemente em países desenvolvidos, um com adolescentes espanhóis2121 Staiano AE, Beyl RA, Guan W, Hendrick CA, Hsia DS, Newton RL Jr. Home-based exergaming among children with overweight and obesity: a randomized controlled trial. Pediatr Obes. 2018; 13, 724-33. e outro com crianças obesas nos Estados Unidos,2222 Cunha DB, Souza BSN, Pereira RA, Sichieri R. Effectiveness of a randomized school-based intervention involving families and teachers to prevent excessive weight gain among adolescents in Brazil. PLoS One. 2013; 8: e57498. avaliaram o impacto de uma intervenção baseada em um programa de atividade física com foco na promoção de um estilo de vida saudável. Em ambos os estudos, foi observada uma melhora na saúde cardiovascular no grupo de intervenção, assim como uma diminuição nos níveis de pressão arterial.

Um aspecto importante observado foi o elevado tempo de tela entre a maioria dos estudantes, semelhante ao encontrado na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), onde aproximadamente 60% da amostra relatou assistir mais de 2 horas de televisão em um dia de semana. Quando indagados sobre o tempo gasto sentados, não só assistindo televisão, mas também usando outros dispositivos de tela, como computador e videogame, mais de 50% dos estudantes relataram ficar mais de 3 horas sentados.2323 Brasil. Ministério da Saúde. Ministério do planejamento, desenvolvimento e gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2015, Brasil. Rio de Janeiro; 2016. Em nosso estudo, observamos redução significativa do tempo de tela entre os alunos do grupo intervenção, resultado já relatado em outro estudo do nosso grupo de pesquisa, que avaliou alunos na faixa etária de 7 a 10 anos.2424 Coelho LF, Siqueira JH, Molina MCB. The nutritional status, physical activity and screen time in students from 710 years: an intervention study in Vitória-ES, Brazil. Demetra (Rio J.). 2016; 11: 1063-83. Essa redução do tempo de tela contribuiu para redução, embora não significativa, dos níveis de pressão arterial nesse grupo; o grupo controle apresentou aumento significativo na prática de atividade física, mas não houve impacto na pressão arterial. Tanto o alto tempo de tela quanto a inatividade física estão associados a efeitos deletérios à saúde e, embora um indivíduo possa ser fisicamente ativo, a atividade física pode não compensar os efeitos adversos da exposição prolongada a um estilo de vida sedentário.2525 Meneguci J, Santos DAT, Silva RB, Santos RG, Sasaki JE, Tribess S, Damião R, Júnior JSV. Comportamento sedentário: conceito, implicações fisiológicas e os procedimentos de avaliação. Motricidade. 2015; 11: 160-74.

Houve uma diferença na raça e classe socioeconómica entre os grupos intervenção e controle na linha de base. Optamos por ajustar o modelo por classe socioeconômica, visto que não há diferenças pressóricas relevantes entre as etnias durante a infância2626 Sorof JM, Lai D, Turner J, Poffenbarger T, Portman RJ. Overweight, Ethnicity, and the Prevalence of Hypertension in School-Aged Children. Pediatrics. 2004; 113: 475-82.; entretanto, os resultados se mantiveram mesmo após o ajuste.

As médias do índice de qualidade da dieta entre os grupos em ambos os momentos de avaliação foram inferiores a 6, valores inferiores aos encontrados por Momm e Hofelmann.2727 Momm N, Hofelmann DA. Qualidade da dieta e fatores associados em crianças matriculadas em uma escola municipal de Itajaí, Santa Catarina. Cad Saúde Colet. 2014; 22: 32-9. Eles utilizaram o mesmo índice com escolares de 6 a 11 anos em Santa Catarina, e a média foi de 6,97 pontos. Ressalta-se que houve um aumento significativo na média do índice ALES na escola controle quando comparados os dois momentos, porém, permaneceu abaixo da escola intervenção e não houve diferença significativa entre as duas escolas no segundo momento de avaliação (dados não mostrados).

O comportamento alimentar na infância é fortemente influenciado pelos pais e, portanto, as intervenções para modificar os hábitos alimentares das crianças devem envolver seus familiares.2828 Scaglioni S, Salvioni M, Galimberti C. Influence of parental attitudes in the development of children eating behaviour. Br J Nutr. 2008; 99: S22-25. Em nosso estudo, os pais/responsáveis dos escolares foram convidados a participar de eventos realizados na escola fora do horário de aula, porém a adesão das famílias ao programa foi baixa. Oosterhoff et al.,2929 Oosterhoff M, Joore M, Ferreira I. The effects of schoolbased lifestyle interventions on body mass index and blood pressure: a multivariate multilevel meta-analysis of randomized controlled trials. Obes Rev. 2016; 17:1131-53. em uma revisão sistemática e meta-análise para avaliar o impacto de intervenções de estilo de vida em ambiente escolar sobre o IMC e na pressão arterial das crianças, verificaram que o envolvimento dos pais acentuou os efeitos benéficos das intervenções.

Algumas limitações foram encontradas durante a condução do estudo, como a greve de professores no início de 2014, a qual modificou parcialmente o cronograma das ações. Essa situação foi minimizada logo após o retorno das atividades. Entre os pontos fortes do nosso estudo está a satisfação da grande maioria dos escolares, evidenciada por meio da escala hedônica após as intervenções, a participação consistente ao longo do período de acompanhamento - sem perda amostral durante o estudo - e a construção e execução das oficinas por diversos profissionais de saúde, proporcionando a troca de conhecimentos. É importante mencionar que, no Brasil, embora os questionários de frequência alimentar (QFAs) tenham sido desenvolvidos e validados, o índice ALES para avaliar a qualidade da dieta infantil foi pioneiro na literatura. Se, por um lado, o uso de um QFA resumido apresenta vantagens em relação às versões estendidas, por outro, pode levar a uma subestimação do consumo de alguns alimentos, uma vez que é necessário agrupar vários alimentos de consumo frequente em um único item. No caso das crianças, essa opção pode representar uma vantagem, considerando o possível protocolo a ser seguido com as crianças da faixa etária estudada. Outra limitação é a utilização de um índice que visa apenas informar a frequência dos itens alimentares, não permitindo a quantificação de porções ou grupos de alimentos consumidos em determinado período. Mesmo com as limitações do índice utilizado para avaliar a qualidade da dieta infantil, esta não é uma limitação do estudo, uma vez que dados de consumo alimentar, embora possivelmente não muito precisos, foram utilizados para comparar os dados dos grupos intervenção e controle. Desta forma, o possível erro é distribuído uniformemente entre os grupos.

Concluindo, a intervenção proposta pode ser um dos fatores associados aos menores níveis pressóricos do grupo estudado, sendo viável a reprodução em ambiente escolar. Ressalta-se que programas de intervenção semelhantes aos desenvolvidos neste estudo podem auxiliar na formulação de políticas públicas para o controle e redução das doenças crônicas na população pediátrica.

Agradecimentos

Agradecemos à FAPES (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo) pelo apoio financeiro à pesquisa no Espírito Santo, Brasil (Processo n°. 60927089/13).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2019
  • Revisado
    06 Jul 2020
  • Aceito
    30 Set 2020
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